Capítulo XIX
Já faz uns dois meses desde que o Victor voltou, e mesmo tentando evitar, eu consigo perceber nos olhos do Rodrigo que ele ainda não se sente bem com o fato de seu pai estar vivendo na mesma casa que sua mãe.
Porém, desde aquela discussão que tivemos, eu decidi não tocar mais nesse assunto para evitar problemas.
Hoje em dia a nossa rotina está um pouco diferente. O Djevá fica na creche enquanto eu e o Rodrigo estamos trabalhando porque assim ele consegue socializar com outras crianças e aprender o português mais rápido.
A creche do Djevá fica perto da escola do Arthur então, no horário de saída, o Henrique busca os dois e, depois que saio da Mt', eu passo na casa do meu irmão pra pegar o meu pequeno.
Deixei o carro estacionado na rua mesmo porque eu não pretendia demorar, toquei o interfone e poucos segundos depois o portão foi destravado.
— Cadê o pretinho da mamãe? - disse estendendo os braços assim que passei pela porta de entrada.
Ele veio correndo até mim enquanto sorria, depois se aninhou perfeitamente em meus braços.
— Como foi seu dia, meu amor? - perguntei e ele começou a explicar.
Era um pouco engraçado, e até fofo, ver o Djevá misturando o português e o suaíli quando ia explicar algo.
Em meio aos detalhes, escutei meu celular tocar e vi que era Rodrigo.
— Oi, amor.
— Eae, preta. - é incrível como eu ainda sinto um friozinho na barriga toda vez que ele me chama assim - Você já chegou na casa do Dante?
— Acabei de chegar.
— O Djevá tá aí perto?
— Tá. - olhei aquele pinguinho de gente agarrado a minha perna.
— Deixa eu falar com ele rapidinho, por favor.
Entreguei o celular para o menino, e enquanto ele falava animadamente com o pai, fui conversar com Henrique e com Arthur. Mais ou menos uns 10 minutos depois, meu filho devolveu meu celular.
— Pega sua mochila pra gente ir, filho. - disse e depois voltei para a chamada - Ele tá aprendendo o português tão rápido, né?!
— É, pois é.
— O que foi, amor? Aconteceu alguma coisa? - questionei ao perceber seu desânimo - Você nunca me liga nesse horário!
— Não sei, só senti uma vontade incontrolável de ouvir a voz de vocês.
— Que fofo. - sorri.
— Cuidado na hora da volta, tá?!
— Okay.
— Me liga quando chegarem em casa, por favor. - concordei quase desligando chamada - Ahh, preta... Te amo.
— Também te amo! - sorri.
Achei um pouco estranha essa ligação inesperada do Rodrigo, ainda mais depois de perceber que ele não estava muito bem, mas decidi conversar com ele quando chegar em casa.
Peguei as coisas do Djevá, me despedi do Henrique e do Arthur, depois fui em direção ao carro.
Destravei o alarme, coloquei o Djevá na cadeirinha enquanto o mesmo ainda comentava os detalhes do dia na creche.
— Sério, filho? - encaixei os fechos de segurança - E o que mais?
Depois de fechar a porta traseira, abri a do motorista, mas antes de entrar no carro, senti um objeto gelado nas minhas costas.
— Se gritar, já sabe o que acontece, não sabe?! - assenti - Então, entra!
Fiz o que o cara pediu, e enquanto ele dava a volta para entrar no lado do passageiro, pensei em correr, mas meu filho iria continuar dentro carro.
Quando sentou no banco ao meu lado, ele tirou a máscara. Era um rapaz novo, devia ter no máximo uns 25 anos.
— Eu vou falar só uma vez, então preste atenção. Se você tentar qualquer coisa... - apontou a arma para a cabeça do Djevá.
— Pelo amor de Deus, não faz isso. - quase implorei - Ele é só um bebê!
— É só você fazer o que eu mandar e não acontece nada com o garoto. - assenti - Me dá seu celular.
Assim que lhe entreguei o aparelho, ouvi o barulho do mesmo se chocando com o chão.
— Vai, dirigi.
Dirigi durante uns 30 minutos até entrarmos na favela, por estar a noite não consegui decifrar qual morro era, mas com certeza, a área que entramos não era muito pacífica já que havia alguns caras armados nos esperando na entrada.
— Tá perdida, dona? - um homem perguntou ao se aproximar da minha janela, mas estava tão tensa que nem consegui responder.
— Entrega pro Magrelo. - engoli seco quando o cara ao meu lado disse.
Rapidamente o homem fez um sinal e os outros caras abaixaram as armas.
— Vai! - o rapaz praticamente ordenou.
Continuei dirigindo por mais algumas ruas e quando estávamos em frente a um terreno baldio, ele mandou eu desligar o carro.
— Paga o moleque e me segue. - antes de abrir a porta ele puxou meu braço de volta com brutalidade - Nem pensa em tentar alguma gracinha!
Agarrei Djevá aos meus braços de um jeito desesperado, e mesmo ele não sabendo o que estava acontecendo, consegui sentir seu corpo tenso.
— Deixa seu sapato aqui também. - franzi o cenho - ANDA LOGO, PORRA!
Movida pelo susto, tirei os saltos rapidamente. Quando começamos a caminhar, ele segurou meu braço com força, provavelmente para evitar que eu saísse correndo.
Andamos por incontáveis quarteirões em uma subida que parecia nunca ter fim, até entrarmos em uma viela muito escura e tão estreita que até uma moto teria dificuldade em se locomover.
Poucos metros depois fui empurrada para dentro de uma casa não tão simples quanto as outras.
Meu coração disparou ao ver uns seis homens segurando armamentos pesados enquanto olhavam para mim. Apertei meu bebê em meus braços para lhe passar, pelo menos, um pouco de segurança.
Depois de adentrar a casa, o rapaz literalmente me jogou dentro de um dos quartos ao fundo.
— Daqui a pouco o Magrelo vem trocar uma ideia contigo! - disse antes de sair do cômodo.
O quarto era pequeno, tinha uma cama de solteiro e um banheiro próprio. A única janela estava bloqueada por uma grade de metal e algumas toras de madeira pregadas propositalmente.
Eu estava tão em choque que nem conseguia chorar, reagir, gritar... Minha primeira reação foi tentar relembrar todo o caminho que fizemos até chegar aqui, mas pela quantidade de voltas que demos, foi um pouco difícil decorar.
Me assustei com o barulho da porta sendo aberta com brutalidade por dois caras.
— Pega o moleque! - um deles disse e minha alma tremeu.
— Não, por favor. - implorei já chorando - Por favor!
Tentei resistir, mas quando o segundo cara veio pra cima de mim, meu filho foi arrancado dos meus braços. Djevá que até o momento estava quieto, começou a chorar alto e me chamar.
— MAMA! - gritou e senti meu coração se partir.
Tentei ir atrás, mas o outro homem puxou meu cabelo com tanta força que caí no chão pesadamente. Quando tentei me levantar já havia uma arma apontada para o meu rosto.
— Abaixa essa bola que eu não tô com paciência. - disse com a respiração pesada - Eae, morena. Há quanto tempo, em?! - olhei para cima - Você não mudou nada.
— Meu filho é só um bebê, por favor não faz nada com ele. Por favor, eu tô te implorando! - chorei mais ainda.
— Se você não tentar nada, ele vai ficar bem. - disse secamente - Levanta. Quero trocar uma ideia contigo!
Fiz o que ele pediu e, por um curto instante, reconheci seu rosto de algum lugar.
— Não tá lembrada de mim? - sorriu - Mas, tenho certeza que você se lembra do meu irmão, Estêvão.
Engoli seco e as memórias do julgamento clarearam minha mente.
— Miguel? - sua expressão se fechou e senti um soco violento sendo aplicado em meu rosto.
— Magrelo, porra. - disse quando tentei recuperar o equilíbrio - Aqui meu nome é Magrelo.
— O que você quer de mim, caralho? - perguntei enquanto as lágrimas desciam - Vocês já acabaram com a minha vida uma vez, o que mais você quer de mim?
— De você nada, mas do seu marido eu quero muita coisa! - franzi o cenho
— Do que você tá falando?
— Meu irmão morreu por causa do filho da puta do seu marido. - disse com raiva e tristeza ao mesmo tempo.
— Seu irmão foi morto porque ele foi nojento ao ponto de estuprar alguém.
Imediatamente senti uma sequência de golpes sendo despejados em mim, senti os chutes e socos até eu não aguentar mais ficar de pé.
— Fala do meu irmão desse jeito mais uma vez e eu te faço sofrer bem mais do que aquele dia, entendeu vadia? - me encarou com ódio - Seu marido tirou a única coisa que eu tinha de importante, e eu vou fazer a mesma coisa com ele.
Após dizer isso Miguel saiu do quarto com pressa, pouco tempo depois, um outro homem trouxe o Djevá de volta.
— Shh, tá tudo bem, meu amor. - tentei acalmá-lo - Mamãe tá aqui!
Me deitei na cama e coloquei-o deitado ao meu lado.
— Mama, dodói. - disse passando a mãozinha pelo meu rosto.
Com certeza, meu rosto estava cheio de cortes/hematomas, e me condenei eternamente pelo meu filho ter que me ver daquele jeito, mas não tinha o que fazer.
—É só um machucadinho besta, já já vai melhorar. - acariciei seu rosto.
Enquanto seu choro diminuía, escutei ele chamando o Rodrigo. Nem sei descrever como aquilo doeu em mim!
— Mama, papai vem buscar a gente?
Eu prometi a mim mesma que nunca mentiria para o meu filho, mas ele tem só 1 ano e não entende nada do que está acontecendo. Seus olhos esperançosos, e tristes ao mesmo tempo, me convenceram de que era melhor deixar sua imaginação acalmar seu coração.
—Vai sim, meu bem. - forcei um sorriso mesmo com os olhos cheios de lágrimas.
Aninhei seu corpo em meus braços para evitar que ele me visse chorando.
Meu Deus, de novo não.
༺
Quase não consegui ficar até o final do meu expediente de tão preocupado que eu estava.
Enquanto dirigia até minha casa, a necessidade de ver a minha família só aumentava, e ao perceber que o celular da Aksa estava desligado meu desespero só aumentou.
O trajeto da delegacia até o condomínio era de uns 12 minutos, mas hoje eu o fiz em, no máximo, 7.
Meu coração disparou ao ver que o carro da Aksa não estava na garagem, então fui direto para a cozinha.
— Cecília. - chamei - Cecília!
— Oi senhor Rodrigo, tô aqui.
— Cadê a Aksa e o Djevá?
— Eles ainda não chegaram! - as lágrimas vieram no mesmo instante.
As palavras de Cecília me fizeram ficar até com falta de ar, mas não me dei ao luxo de passar mal. Minha esposa e meu filho precisam de mim!
Tirei meu celular do bolso e, enquanto discava um número, peguei minhas chaves outra vez.
— Oi.
— Dante, que horas a Aksa saiu da sua casa?
— Não sei, vou ver com o Henrique. - pude ouvir as vozes no fundo - Já tem mais de uma hora, por quê?
— Liga pro Jorge e me encontra na delegacia de Polícia Civil que ele é responsável. - entrei no carro.
— Como assim? Aconteceu alguma coisa?
Respirei fundo e as lágrimas desceram com intensidade.
— Levaram minha família, Dante!
*Relevem os erros, por favor.*🥺
Essa reta final do livro vai ficar um pouquinho pesada porque vão ter algumas cenas bem tristes e algumas partes mais violentas (como já puderam ver), então, para quem é mais sensível a esses assuntos, leia até onde seu emocional suporta, Okay?!
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