Prólogo
Quando eu era criança, os pesadelos eram uma parte constante da minha vida. Eles vinham todas as noites, como sombras que se fundiam comigo quando a escuridão caía. Eu acordava em sobressalto, enrolando-me no cobertor da cabeça aos pés, na esperança de que aquela fina barreira pudesse me proteger do desconhecido. Mas muitas vezes, o medo me levava correndo até o quarto de meu pai, onde o encontrava silencioso, os olhos marejados de lágrimas que tentava esconder quando me via entrar.
Uma vez por mês, ele me levava a um jardim diferente, um santuário de cores e fragrâncias que contrastavam com a escuridão dos meus sonhos. Em um desses jardins, vi pela primeira vez rosas azuis e verdes, raras e deslumbrantes, que meu pai dizia serem as favoritas da minha mãe. Ouvia as pessoas sussurrarem sobre ela, mas as palavras pareciam deslizar pelos meus ouvidos sem sentido. Meu pai alternava entre dizer que ela estava dormindo ou que tinha se tornado uma estrela no céu, deixando-me confusa e com um vazio no peito que eu não conseguia entender naquela idade. Cada visita ao jardim era uma tentativa de conectar-me com uma mãe que eu mal conhecia, envolta em mistérios e ausências. As rosas, com suas cores vibrantes e perfumes delicados, eram o elo tangível que meu pai mantinha com sua amada esposa, uma tentativa sincera de me fazer sentir próxima dela, mesmo que fosse apenas através da beleza efêmera das flores.
Papai, meu tio Kedra e meu tio Joh me treinaram desde pequena, repetindo incansavelmente que eu precisava ser forte, pois um dia eu me tornaria uma grande rainha. Lembro-me vividamente de uma manhã fria de inverno, quando meu pai me levou para um campo aberto cercado por pinheiros altos. O ar estava impregnado com o cheiro de terra molhada e o som dos pássaros quebrava o silêncio da manhã. Meu tio Kedra, com seu olhar firme, começou a ensinar-me técnicas de luta, posicionamento e estratégia. Seus movimentos eram graciosos, mas poderosos, como se cada gesto contivesse séculos de experiência.
Ao lado dele, meu tio Joh, com sua presença imponente e voz profunda, instruía-me sobre a importância da sabedoria e da diplomacia. Ele contava histórias de grandes rainhas do passado, mulheres que dominaram não apenas pela força bruta, mas pela inteligência e pela capacidade de inspirar lealdade. Cada dia de treinamento era uma jornada intensa de aprendizado e autodescoberta. Aprendi a manejar espadas e arcos, a montar a cavalo com destreza e a liderar pequenas simulações de batalha. Mas mais do que habilidades físicas, meus mentores me ensinaram a importância de manter a calma sob pressão, de tomar decisões rápidas e estratégicas. Contudo, foi aos 12 anos que eu realmente entendi o verdadeiro significado da minha força.
Estava no meu quarto, imersa na leitura do único livro que realmente me prendia: "Alice no País das Maravilhas", deixado por minha mãe. Cada página era um vislumbre de seu mundo, e eu me sentia conectada a ela através da história que tanto amava. De repente, um bilhete deslizou sorrateiramente por baixo da porta. Meu coração disparou instantaneamente, pois conhecia bem essa brincadeira, mesmo que o autor estivesse morto. Um medo antigo se revirava dentro de mim, alimentado por histórias contadas ao pé da cama. Eu tremia ao me levantar, lágrimas involuntárias escapando dos meus olhos enquanto me aproximava da porta com passos hesitantes. "Oi gatinha, abra a porta", dizia o bilhete, suas palavras simples se transformando em nós apertados na minha garganta. Soltei o papel no chão e recuei, ouvindo apenas o tumulto ensurdecedor do meu próprio coração.
Então, a porta rangeu e se abriu. O medo se misturou com adrenalina pura enquanto, por instinto, liberei um sopro de chamas que dançaram pelo ar do quarto, incinerando o espaço por um breve momento antes de se dissiparem sem causar danos permanentes. Minhas mãos tremiam violentamente quando percebi o que havia feito. Ofegante, meus olhos se encontraram com os de Erik, parado à porta, seu rosto uma máscara de surpresa e descrença. O bilhete era dele, um gesto que deveria ser inocente, mas que desencadeou um turbilhão de emoções e uma resposta que eu mesma não esperava.
— Você enlouqueceu? — Gritei com um misto de raiva e medo. — Eu poderia ter te matado! Por que fez isso? Não teve graça nenhuma!
Esperei, com o coração ainda acelerado, pela resposta que não veio imediatamente.
— Eu... Não queria... Eu... — Erik gaguejou, suas palavras perdidas entre culpa e perplexidade.
— Mentira! Você queria me assustar. Você sabe da história da minha mãe e mesmo assim achou que seria engraçado? — Aumentei o tom, as lágrimas agora escorrendo livremente pelo meu rosto.
Antes que ele pudesse responder, tio Joh entrou no quarto rapidamente, seu rosto mostrando confusão diante do cenário tenso.
— O que está acontecendo aqui? — Perguntou ele, olhando ao redor antes de se fixar em mim, preocupação evidente em seus olhos.
Meus soluços dificultavam a fala, mas consegui explicar entre respirações entrecortadas:
— Erik... ele... deixou um bilhete... e... eu... reagi sem pensar...
Tio Joh se aproximou com calma, colocando uma mão gentil em meu ombro enquanto olhava para Erik com seriedade.
— Erik, o que aconteceu? — Sua voz era firme, mas não ameaçadora.
Erik, visivelmente abalado pela minha reação.
Meu olhar fuzilou Erik com uma intensidade que poderia ter queimado a alma dele naquele momento. A raiva me dominava, fazendo minha respiração tornar-se ofegante e minhas lágrimas caírem sem controle. Uma dor imensa me consumia por dentro, e eu sabia que precisava extravasar. Ajoelhei-me no chão, sentindo cada músculo tenso e cada emoção à flor da pele. Gritei com toda a força que consegui reunir, deixando escapar a agonia que me corroía por dentro. O som rasgou o ar e reverberou pelas paredes, ecoando como um lamento primal de pura aflição.
O impacto do meu grito foi avassalador. As janelas explodiram em estilhaços no chão, as luzes das velas do lustre no teto começaram a piscar freneticamente como se dançassem ao som da minha dor. O quarto parecia estar vivo, reagindo ao tumulto emocional que eu desencadeava. Erik, atordoado e assustado com a manifestação dos meus poderes, recuou alguns passos, os olhos arregalados de espanto e temor. Tio Joh, que até então observava com preocupação, agora se aproximou com cuidado, tentando acalmar a tempestade que eu involuntariamente desencadeava. Minha mente estava turva, o poder descontrolado zumbindo em meus ouvidos enquanto eu lutava para recuperar o controle.
— Ei Boneca olhe para mim. Olhe para mim Sky! Olhe. É o papai estou aqui. — Quando me dei conta papai já estava presente no quarto, segurando meu rosto tentando me acalmar.
E devagar fui me controlando.
— Eu juro, eu não queria que isso acontecesse. Não foi minha intenção assustá-la dessa forma. — Erik se explicava para tio Joh, com os olhos ainda arregalados pela surpresa e culpa.
— Eu sei, meu rapaz. Eu sei. Fique calmo, está bem? — Tio Joh tentou acalmar Erik, colocando uma mão reconfortante em seu ombro.
Enquanto isso, meu pai se aproximou com preocupação estampada no rosto. Ele me olhou com carinho, notando minha respiração acelerada e os vestígios de lágrimas em meu rosto.
— Está sentindo aquilo de novo? — Perguntou ele, preocupação evidente em sua voz.
Balancei a cabeça afirmativamente, incapaz de articular palavras diante da mistura de emoções que me inundava.
— Ele jogou um bilhete por debaixo da porta. — Consegui soltar, apontei discretamente para Erik com a cabeça, ainda sentindo o tremor das minhas mãos.
Meu pai olhou para trás, onde Erik permanecia, visivelmente imóvel pela situação. Depois, voltou-se para mim com um olhar gentil e compreensivo.
— Tenho certeza que ele não fez por mal — Disse meu pai suavemente, afagando meus cabelos e secando as lágrimas que continuavam a escorrer. Ele fez um gesto delicado para jogar meu cabelo molhado de suor para trás das orelhas, um gesto que sempre me confortava nos momentos difíceis.
Tio Joh continuou a conversar com Erik, tentando acalmá-lo enquanto meu pai permanecia ao meu lado, oferecendo o apoio silencioso que eu tanto precisava naquele momento de descontrole emocional. A presença tranquilizadora deles me ajudava a recuperar a calma aos poucos, enquanto eu tentava entender os poderes que às vezes se manifestavam tão abruptamente.
Depois do incidente, algumas semanas se passaram e Erik finalmente se explicou. Ele confessou que não tinha a intenção de me assustar ou brincar comigo naquela noite. Explicou que estava planejando dizer algo muito importante, algo que havia planejado cuidadosamente para aquele momento. Quando perguntei o que era, ele desviou o olhar e murmurou que já não importava mais.
Com o tempo, Erik e eu nos tornamos não apenas amigos, mas grandes confidentes. Ele se transformou no meu melhor amigo, alguém em quem eu podia confiar plenamente. Naquela noite em particular, depois de tudo ter se acalmado, busquei conforto com meu pai. Ficamos juntos, e eu passei a noite inteira em lágrimas, sentindo a perda de minha mãe e a intensidade dos eventos recentes. Prometi a mim mesma que não choraria mais, decidida a ser forte como minha mãe havia sido. Naquela noite então, foi a última vez em que eu chorei.
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