Capítulo 7
— Eu não posso continuar fazendo isso. — Disse Magia, com a voz alterada pela emoção.
— Como assim não pode continuar? Você começou agora e vai continuar! — Gritei, frustrada.
— Você está brincando com fogo, criança! Mexer com as memórias de seu pai é perigoso, e eu não vou continuar. — Determinação transparecia em sua voz.
— Só quero entender o que está acontecendo, e você vai me mostrar. — Insisti, firme.
— Saia daqui, criança tola. — Apontou na direção da porta com um gesto decidido.
— Você tem que me mostrar, Magia.
Sem hesitar, subi na mesa à minha frente e caminhei diretamente em direção ao seu tapete flutuante.
— O que você está fazendo? — Perguntou, claramente confusa com minhas ações.
— Me dê sua mão. — Estendi a minha para ela.
— Não! — Tentou me empurrar, mas a segurei com firmeza. Peguei as mãos de Magia e juntei às minhas.
— Joseph, eu não vou voltar para Brownwood. Mande outra pessoa. Eu não quero ir. — Disse meu pai, agora visivelmente mais velho.
Voltei rapidamente para outra lembrança de papai.
— É por uma boa causa, Nicolay. Precisamos trazê-la de volta para casa. — Insistiu tio Joh, tentando convencê-lo.
— Não, Joseph, você não entende. Eu...
— Não quero saber, Nicolay. Esqueça tudo o que passou por um momento e faça o que eu mando. — Interrompeu-o com firmeza.
— Isso só pode ser uma brincadeira. — Papai resmungou, visivelmente perturbado.
— Já está tudo pronto e preparado. Você só precisa buscá-la e levá-la para Samsalom. O resto eu te direi depois.
Minha viagem no tempo rapidamente entrou em ação, e eu já estava em outro lugar.
— Creio que este não seja um lugar adequado para a futura "Rainha" não concorda, Majestade? — Disse papai, descendo de seu cavalo com uma reverência cortês.
— Quem é você? — Minha mãe respondeu, seu olhar revelando um misto de surpresa e medo.
— Que falta de modos da minha parte deixe-me, me apresentar... Minha Rainha, sou Nicolay Madark, e é um prazer finalmente conhecê-la.
As lembranças de papai começaram a fluir rapidamente. A cada minuto, eu era transportada para um lugar diferente, imersa em memórias que se sucediam em um ritmo vertiginoso. Tudo estava se desenrolando tão rapidamente que mal conseguia compreender completamente o que estava acontecendo. Minha viagem no tempo parecia estar escapando do controle, mas eu não podia parar. Era crucial continuar para desvendar os mistérios entrelaçados nessas lembranças confusas que só serviam para aumentar minha perplexidade.
— Eu te odeio. — Mamãe sussurrou enquanto estava nos braços de papai.
— Eu sei disso.
Pulo para outra memória.
— Nicolay! — Me assustei com o grito de minha mãe.
Agora, estou em um lugar completamente desconhecido.
— Me beija. — Ela soltou.
— O que você disse? — Perguntou incrédulo.
— Me beija!
Fui puxada para longe mais uma vez, como nas vezes anteriores. Sinto as mãos de Magia tentando se soltar das minhas, como se estivesse tentando me acordar de um sonho. Sua voz ecoa distante, chamando por mim. No entanto, minha atenção é capturada pela cena diante de mim.
— Respire, meu amor! Respire!
— Eu já estou respirando Nicolay não está vendo? E pare de me olhar assim, não está ajudando.
— Não fique brava comigo.
— Vamos, vida, você consegue. — Papai a encorajou.
Ela acenou.
Me aproximei ainda mais para observar com atenção. Era o momento do meu nascimento. Um turbilhão de emoções me invadiu, uma vontade intensa de chorar se misturou com uma dor surda que preenchia meu peito. Contudo, como tantas vezes antes, as lágrimas se recusavam a fluir.
Ela estava ali, minha mãe, incrivelmente bela mesmo naquele estado de cansaço e suor. Seus cabelos desgrenhados caíam em mechas soltas ao redor do rosto, destacando ainda mais a expressão de determinação. Seus olhos brilhavam com uma mistura de exaustão e alegria indescritível. Minha mãe, com sua força incomparável, era a personificação da beleza materna. Em meio ao caos e à expectativa, ela irradiava uma serenidade profunda, um vínculo eterno sendo formado entre nós antes mesmo de eu nascer completamente para este mundo.
— Quando eu falar vai! Ok? — Disse tia Vic.
— Ok!
— Vai! — Gritou.
Ela começou a gritar ainda mais alto, fazendo um esforço supremo para me trazer ao mundo.
— Vamos, meu bem! Você consegue! — Papai a encoraja a todo tempo.
Seu olhar seguia fixo ao trabalho que tia Victória estava tendo.
— Mais força Meredith! — Gritou tia Victória.
— Vamos, Meredith! Não seja uma princesinha fraca. — Papai disse. Reconheço bem sua técnica horrorosa de encorajamento.
— Se você disser isso novamente, juro que quando acabar aqui, eu acabarei com você!
— Está vendo, Bernardo, sua mãe é estressada. Espero que você esteja vindo preparado para isso.
"Bernardo?"
— Bernardo? — Perguntou tia Victória. — Bernardo é um nome muito bonito.
— Só mais um pouquinho alteza. Só mais um pouquinho. — Disse Cat atrás de tia Victória.
Eu a encarei com espanto; ela parece tão jovem aqui.
— É uma menina! — Gritou tia Victória e as damas de companhia de minha mãe comemoraram.
— Veja, meu amor, é uma menina. — Disse papai me segurando no colo com os olhos cheios d'água.
— Ela é linda! — Falou com a voz embargada pelo choro.
— Sim, é linda igual a mãe. — Papai respondeu sorrindo.
Mais uma vez, chegava o momento de ser arrastada para outro lugar, outra lembrança. Percebia fisicamente as mãos de Magia escorregando das minhas, mas eu as segurava com firmeza. Ainda não. Não agora.
— Não! Não! — Gritei desesperadamente.
Desejava permanecer, mas o feitiço insistia em me levar adiante. Fechei os olhos e, ao abri-los novamente, fui atingida por outro choque. Agora, me encontrava em um lugar completamente diferente, envolvida por uma atmosfera distinta que despertava os sentidos.
— Você não sabe de nada! Cale-se! — Rosnou com uma raiva crescente.
— Eu amo a Meredith de verdade. Você ama o poder! — Acusou papai em voz alta.
Ele está tendo uma discussão acalorada com Leonidas.
— Eu já disse para se calar! — Gritou Leonidas erguendo o braço num gesto de violência para atacar papai, porém com rapidez ele reagiu. Sacou sua espada e enfiou no coração do próprio irmão com uma destreza mortal.
— Nicolay Não! — Esbravejou mamãe correndo para tentar impedir mas já era tarde demais.
Ela parou bruscamente no meio do caminho, seus olhos se arregalaram de pavor e sua boca se abriu para falar, mas em vez de palavras, um líquido escuro e viscoso começou a escorrer lentamente de seus lábios. Um arrepio percorreu todo o meu corpo, enquanto uma pontada aguda atingia meu peito, como se eu pudesse sentir a mesma dor angustiante que minha mãe sentiu. Fiquei paralisado, incapaz de desviar o olhar daquela cena macabra. O coração apertado, minha mente tentava compreender o que estava acontecendo, mas apenas o horror me dominava.
Enquanto eu observava impotente, pude sentir a agonia que parecia consumi-la por dentro. Cada sopro que ela tentava dar era interrompido pelo sangue que inundava sua garganta, sufocando suas palavras e levando consigo qualquer esperança de socorro imediato.O tempo parecia ter sido congelado naquele momento, eu não conseguia encontrar a coragem para me mover ou reagir. A imagem de minha mãe, pálida e fraca, surgiu em minha mente, ressurgindo a dor que eu já havia enterrado profundamente. Era como se o destino cruel estivesse me lembrando da dor que eu havia evitado por tanto tempo.
— Sky! — Magia me grita.
Mas suas palavras não conseguem penetrar minha mente de verdade.
Papai estava segurando Leonidas em seus braços, com a espada cruelmente cravada em seu peito, como se o destino tivesse premeditado aquela dor excruciante. Minha mãe, com os olhos inundados de desespero, pressionava o próprio peito com as mãos trêmulas, suas vestes agora manchadas de vermelho, como se o sangue tivesse se tornado um detalhe indesejado em seu vestido delicado. Uma fraqueza descomunal tomou conta dela, fazendo-a cambalear até cair no chão, com a mão ainda pressionando a ferida que agora pertencia a Leonidas, não a ela. Eu, atordoada pela cena que se desenrolava diante dos meus olhos, também me deixei cair ao chão, sentindo a realidade daquilo tudo me envolver por completo.Papai, confuso e perplexo diante da tragédia que se desenrolava, soltou a espada com um baque surdo e correu desesperadamente para mamãe. Leonidas, já próximo da morte, exibiu um sorriso frágil e sussurrou com uma voz quase inaudível: "Se a morte habita em mim, em ti também habitará". Essas palavras, carregadas de um significado sombrio, ecoaram em minha mente como um presságio do destino que nos aguardava.
— Meredith, você está me ouvindo?
— Nicolay, me perdoe.
— Te perdoar pelo quê, meu amor?
— Por não te contar da ligação entre mim e Leonidas.
— Que ligação Meredith? Olhe para mim! OLHE PARA MIM, POR FAVOR! — Continuou a gritar.
— Não havia mais escolha, Nicolay, eu juro. Já estava decidido. Leonidas iria morrer hoje, de qualquer forma, e eu iria junto.
— A culpa é minha eu...
— Não! Não, a culpa não é sua, Nicolay, por favor, não se culpe.
— Meredith, por favor, eu te imploro, por todos os deuses, não me deixe. Meredith, eu te imploro...
— Não faça isso, Nicolay, me deixe ir.
— Meredith...
— Cuide da nossa bonequinha. Prometa!
— Meredith não...
— Prometa! — Insistiu.
— Eu prometo.
— Nicolay?
— Diga, meu amor.
— Eu te amo. Nunca se esqueça disso, eu te amo.
— Eu te amo Meredith... Te amo, Meredith. Sempre vou te amar.
— Eu te amo mais do que tudo, Nicolay. — Sussurrou antes de dar seu último suspiro.
Sem poder fazer absolutamente nada, fiquei ali, impotente, observando minha mãe sucumbir à morte diante dos meus olhos. Imobilizada, incapaz de mexer minhas pernas, um medo crescente me consumia: o receio de ficar eternamente aprisionada nas lembranças de meu pai. Com esforço sobre-humano, consegui me erguer. Cada movimento era uma batalha árdua contra a dor e o desespero. Finalmente, quando consegui me colocar de pé, vi-me subitamente transportada para a suntuosa sala de meu pai, no interior do palácio.
— Não temos boas notícias, Nicolay. — O tom sério de tio Kedra cortou o ar tenso da sala.
— Não me enrole, irmão. Diga logo. — Sua voz saiu firme, mas meu coração já antecipava o pior.
— Leonidas está de volta.
Um turbilhão de emoções tomou conta de mim. O chão pareceu se abrir sob meus pés enquanto o impacto daquelas palavras ecoava em minha mente. Tudo escureceu.
— Você está completamente desequilibrada, Sky! Louca! — Gritou Magia, visivelmente irritada.
— Eu vi tudo... — Falei, estupefata.
— Claro que você viu, Sky. E quase morreu também. — Gritou, agora com raiva.
Magia se libertou das minhas mãos e me jogou para fora do tapete, fazendo-me cair no chão. Ela se levantou e, com passos decididos, afastou-se de mim.
— Para onde você está indo? — Perguntei, tentando entender a situação.
— Vou te tirar daqui, e se você não sair por conta própria, eu vou te expulsar com meus poderes e não vou me importar se acabar te machucando. — Disse, demonstrando sua raiva.
— Então é verdade que Leonidas está de volta? — Perguntei, buscando confirmar o boato que havia chegado aos meus ouvidos.
Magia parou abruptamente e se virou para mim, seus olhos faiscando com uma mistura de surpresa e raiva contida.
— Você também viu isso? — Sua voz soava tensa. — Sim, é verdade.
— Mas como pode ser? Ele morreu, não é possível... — Eu estava perplexa, seguindo-a enquanto ela parecia decidida a se afastar de mim.
— Sky, isso não é algo que eu possa discutir com você. Se fosse o caso, Nicolay teria lhe informado. Não posso me comprometer dessa forma. — Magia continuou andando, claramente querendo me mandar embora.
— Eu vi minha mãe morrer. — Meu coração pesava com a lembrança dolorosa.
Ela parou e me olhou com uma expressão de compaixão misturada com tristeza. Magia respirou fundo antes de finalmente me encarar.
— Antes de sua morte, Leonidas fez uma aliança com Esther, uma bruxa poderosa. Foi ela quem estabeleceu uma ligação entre ele e sua mãe.
— Mas isso não faz sentido... — Eu estava confusa, tentando juntar as peças.
— Esther não era uma bruxa comum como eu ou outras. Ela dominava a magia negra, capaz de realizar feitiços além da compreensão dos bruxos comuns de Sky. Leonidas sempre foi cauteloso, ele sabia dos riscos, especialmente se sua mãe fosse coroada. Por isso, ele pediu a Esther que realizasse o feitiço da reencarnação. — Magia explicou, seus olhos refletindo um misto de lembrança e preocupação.
A revelação deixou um nó na minha garganta. As consequências e implicações desse feitiço eram profundas. O que significava a volta de Leonidas? E como isso afetaria o equilíbrio já frágil entre as forças mágicas de Sky?
— Magia, isso não faz sentido. Para alguém ser reencarnado, é preciso estar morto há pelo menos dois séculos. Leonidas está morto há apenas... o quê? 20 anos? — Eu estava confusa e um pouco frustrada.
Magia suspirou, sua expressão se endurecendo com determinação.
— Sky, quando se trata de magia negra, as regras são diferentes. Quem domina esse tipo de magia pode realizar feitiços que desafiam as normas comuns. Leonidas pode estar vivo. Mais vivo do que imaginamos. — Ela falou com seriedade, seus olhos refletindo um conhecimento profundo e uma certeza inabalável.
Sentei-me, absorvendo a gravidade da situação.
— Maldito. — Sussurrei, chocada. — E como você sabe disso?
— Todos os bruxos e feiticeiros suficientemente informados estão cientes dessa possibilidade. Essa história circula há anos, e sabemos que há verdade nela. — Sua voz era firme, ecoando a certeza de que aquilo não era apenas um rumor.
A ideia de Leonidas estar de volta, potencialmente manipulando eventos nas sombras, era perturbadora. A magia negra, sempre temida e evitada pelos praticantes mais éticos, podia oferecer poderes além da compreensão comum. Eu mal podia imaginar as consequências disso para Sky e para todos os envolvidos na complexa teia de intrigas que agora se desdobrava diante de nós.
— Então foi por isso que meus tios viajaram... Para tentar encontrar alguma pista concreta sobre isso. — Murmurei mais para mim mesma do que para Magia.
Ela não respondeu de imediato, parecendo hesitar antes de falar.
— Sinto muito, Sky. — Ela tentou ser gentil, mas suas palavras pareciam não alcançar o conforto que eu precisava.
— E onde ele está? — Minha curiosidade se misturava com frustração e uma pontada de raiva.
— Eu não sei. Ele pode ser qualquer pessoa, Sky. Uma criança, um idoso, uma mulher. E pode estar em qualquer lugar, até mesmo aqui em MoonFifth ou SunFifth.
— Ótimo! — Respondi com um nó na garganta, minha voz carregada de ressentimento.
Magia olhou para mim, preocupada com a turbulência de emoções que eu enfrentava.
— O que você vai fazer? — Ela perguntou, sua voz suavizando enquanto tentava entender o que eu planejava fazer diante dessa revelação perturbadora.
— Não vou contar ao meu pai que estive aqui, nem que foi você quem me contou tudo isso. — Disse, dirigindo-me à porta com determinação crescente.
Agora, era eu quem queria sair dali.
— O que você vai fazer? — Ela perguntou mais uma vez, sua voz carregada de preocupação genuína.
Parei e virei para encará-la.
— Magia, você gosta de viajar? — Perguntei, tentando desviar o foco da tensão no ar.
— Não! — Ela respondeu secamente.
— Não importa. Quando chegar a hora certa, voltarei para te buscar. E é melhor você estar aqui quando isso acontecer. — Saí, fechando a porta com força atrás de mim.
As palavras de Magia e a revelação sobre Leonidas rodavam em minha mente, formando um turbilhão de incertezas. Eu precisava entender mais, descobrir a verdade e, talvez, confrontar o passado que agora parecia ter voltado à vida de forma inesperada e perigosa.
— O que aconteceu lá dentro? Você está aí há horas. — Resmungou Klaus, claramente impaciente.
— Já mataram alguém da família? — Perguntei diretamente. Os dois se entreolharam e depois me encararam, surpresos com a pergunta.
— Não! — Respondeu Vlad, confuso.
— Que maravilha. Serei a primeira a fazer isso então. — Sorri de forma sinistra.
Montei meu cavalo e galopei de volta para casa, sentindo o vento cortar o ar ao meu redor. À medida que nos aproximávamos de MoonFifth, avistei um aglomerado de pessoas reunidas em um único ponto. Seus rostos estavam virados na mesma direção, fixos em algo que despertava curiosidade ou preocupação. Decidi desmontar e me aproximar para descobrir o que estava acontecendo.
Os murmúrios da multidão ecoavam enquanto eu me infiltrava entre as pessoas, tentando chegar ao centro da agitação. O ar estava carregado de nervosismo. Perguntas se misturavam no ar, mas ninguém parecia ter respostas claras.
— Saiam da frente! — Gritei, tentando abrir caminho entre a multidão densa.
— Ei! Deem licença, por favor! — Gritou Vlad, se juntando a mim na tentativa de nos deslocarmos pela aglomeração.
Os olhares se voltaram para nós quando perceberam quem éramos, e rapidamente abriram espaço. Finalmente, conseguimos alcançar o centro da roda de pessoas amontoadas ao redor do objeto misterioso.
— O que está acontecendo aqui? — Perguntei, minha voz alta para que todos pudessem ouvir.
Todos ao meu redor silenciaram, e a maioria saiu apressadamente, como se tivesse algo urgente a fazer, evitando meu olhar. A situação parecia grave. À distância, avistei Erik cercado por um grupo de guardas, todos em frente a uma imensa rocha, uma verdadeira colosso de pedra. "Mas o que é isso?" pensei, enquanto me aproximava, a curiosidade crescendo dentro de mim.
Ao me aproximar, vi os meninos do CARE, a organização que eu havia herdado da minha mãe. Antes de sua morte, ela conversou com tio Joh sobre seu desejo de criar um projeto voltado para as crianças do reino. E, mesmo após sua partida, eu fiz questão de honrar esse legado. O CARE ajudava todas as crianças de Brownwood que ficaram órfãs após a grande guerra, além de oferecer abrigo e apoio a jovens de outros reinos em busca de refúgio.
— O que vocês estão fazendo aqui? — perguntei, a preocupação estampada no meu rosto.
— Eu juro que só estava brincando! Não queria machucá-la de verdade! — Exclamou Igor, um dos meninos que treino, com os olhos arregalados e a voz trêmula.
Já ouvi isso antes, coincidência? Igor, um garoto de 14 anos, sempre foi uma tempestade de travessuras e energia. Seu espírito indomável e um toque de rebeldia são traços que o tornam único. Sempre que olho para ele, vejo muito além do que sua personalidade abusada pode mostrar: um futuro brilhante à sua frente, repleto de possibilidades. Sua determinação é admirável, embora às vezes beire o excesso, e sinto que, se conseguir manter o juízo — que, admito, tem sido escasso —, um dia ele se tornará um grande homem.
Neste momento, Igor está diante de mim, com os olhos vermelhos e marejados, chorando como um bebê. Ele se desculpa de forma quase frenética, sua voz trêmula carregando um peso que parece muito maior do que suas travessuras habituais.
Olhei para Erik, que me encarava, claramente se familiarizou com a cena de Igor.
— O que você fez? — Perguntei, um tanto irritada, mas tentando controlar a minha voz.
— Sky! — Erik interveio, posicionando-se à frente de Igor.
Empurrei Erik para o lado, tentando afastá-lo da minha visão, e fixei meu olhar em Igor, que mal conseguia encarar meus olhos. Seu olhar estava no chão, cheio de culpa. Com um movimento firme, o empurrei para o lado também; precisava ver a situação com meus próprios olhos, sem intermediários.
— Saiam da minha frente! — Ordenei, lançando um olhar penetrante para os guardas, que pareciam hesitar. A luz suave iluminava os rostos preocupados, mas minha determinação era clara. Ninguém poderia me impedir de entender o que realmente estava acontecendo.
Assim que me aproximei da pedra, percebi um pequeno buraco em sua superfície. Curiosa, olhei para dentro e fiquei surpresa ao ver uma menininha com cabelos cor de fogo e olhos grandes, cheios de assombro. Ela estava abraçada a um ursinho de pelúcia, o qual parecia ser seu único conforto. Com talvez apenas quatro anos, sua fragilidade era evidente, e notei que ela tremia de frio.
Virei-me rapidamente e lancei um olhar fulminante para Igor. Ele me conhece bem e, em um instante, entendeu a gravidade da situação — tudo se passou sem palavras, apenas com um olhar. A expressão em seu rosto mostrava que ele compreendia a intensidade do meu olhar.
Respirei fundo, buscando acalmar a tempestade de emoções dentro de mim. Precisava me concentrar para entender o que estava acontecendo e, acima de tudo, ajudar aquela garotinha perdida. Cada segundo contava.
— Olá, princesa. — Dirigi-me à menina, com a voz suave e encorajadora.
Ela não respondeu, apenas permaneceu em silêncio, seu choramingar suave ecoando no ar, revelando o medo que a envolvia.
— Você está com medo? — Perguntei gentilmente, tentando transmitir segurança.
Ela balançou a cabeça, confirmando meu questionamento. Ajoelhei-me próximo à pedra, quase tocando o chão, e tirei minhas botas, lançando-as para longe, na tentativa de me aproximar mais da menina.
— Quem fez isso com você? — Perguntei, com a esperança de que ela confiasse em mim.
Sem uma palavra, ela levantou o rostinho e olhou por cima dos meus ombros. Segui seu olhar, que se fixava diretamente em Igor. Ao perceber, ele abaixou a cabeça, envergonhado, e fechou os olhos, como se quisesse desaparecer.
— Você sabe quem eu sou? — Encarei-a, buscando estabelecer uma conexão.
Ela balançou a cabeça, mas logo desviou o olhar, voltando sua atenção ao ursinho de pelúcia, como se ele fosse sua única âncora naquele momento.
— Eu vou te tirar daqui, tá bom? Não precisa ficar com medo. — Tentei transmitir calma. — Só preciso que você fique quietinha, porque se você se mexer, pode se machucar, certo?
Antes que ela pudesse responder, já me levantei, a mente a mil, procurando uma maneira de ajudá-la. A pergunta que martelava em minha cabeça era: como? Não tinha a menor ideia de como retirar uma criança de um lugar tão apertado e estreito, sem que a ferisse gravemente.
— Saiam daqui! — Gritei, minha voz cortando o murmúrio dos curiosos presentes.
— Você não pode fazer isso, Sky. Já chamamos ajuda para retirar a menina sem que ela se machuque — Respondeu Erik, sua voz soando preocupada, como se quisesse me acalmar.
— Será que você pode me dar licença? — O encarei com firmeza. Ele hesitou por um momento, mas, finalmente, se afastou. — Obrigada.
Voltei meu olhar para Igor, com os olhos ardendo de desapontamento. A decepção que sentia por ele era palpável.
— Como foi que você a colocou ali? — Perguntei, apontando para a pedra.
— Eu não sei, só a empurrei... foi tudo muito rápido — Igor tentou se defender, mas sua voz tremia.
— Você ficou louco? Olha o seu tamanho, pirralho! Se algo acontecer com aquela menininha, você vai ter que se ver comigo. Estou decepcionada com você. Guerreiros de verdade não agem assim. — Enquanto falava, Igor continuava com a cabeça baixa, absorvendo cada palavra.
— Sky, não precisa falar assim...
— Não escutou o que eu disse? Saiam daqui! — Apontei para o outro lado da pedra, minha convicção ecoando o ambiente.
Um por um, todos se afastaram, obedecendo minha ordem. Sozinha, encarei a pedra novamente, uma ideia começando a se formar em minha mente. No entanto, a incerteza me acompanhava; havia um risco, e se algo desse errado, poderia ser fatal. A pressão aumentava, mas a necessidade de salvar aquela garotinha era mais forte do que qualquer medo.
— Qual é o seu nome, princesa? — Perguntei, me aproximando da pedra mais uma vez.
— Eu não sei. — Ela respondeu em um sussurro.
Fiquei em silêncio por um momento, mergulhando em meus pensamentos.
— Tudo bem, tudo bem! — Respirei fundo, tentando me acalmar. — Olha, preciso que você fique um pouco mais encolhida, tá? Assim será mais fácil te tirar daí. — Avisei, com esperança.
Afastei-me novamente, torcendo em pensamento para que meu plano funcionasse. Precisava ser rápida, muito rápida; caso contrário, tudo estaria perdido. Levantei as mãos ao ar, invocando meus poderes, e foquei na pedra, criando uma imagem vívida em minha mente da menina encolhida dentro dela, para evitar feri-la.
Olhei ao redor e vi Erik me observando, assim como os outros presentes, suas expressões repletas de expectativa. Senti as chamas ardendo dentro de mim, um calor intenso que pulsava como um coração vivo. Com um grito silencioso, liberei o fogo que queimava em minha essência, lançando-o sobre a pedra. As chamas dançaram, aquecendo o ar, e logo a superfície começou a trincar. Não seria uma destruição total, mas suficiente para quebrar um pedaço e libertar a menina.
Derramei toda a minha energia nas chamas, até que, esgotada, corri em direção à pedra. Erik, que se aproximava rapidamente, hesitou ao encontrar meu olhar. Havia uma advertência em meus olhos: "Fique onde está ou eu não hesitarei em machucar você."
Enfiei as mãos no buraco que já se formara na pedra, o calor me queimava, mas ignorei a dor. Empurrei para cima com toda a força que pude reunir. A pedra começou a se partir ainda mais, e eu insistia, empurrando, forçando-a a ceder. Cada movimento era uma batalha, mas a imagem da menina em minha mente me mantinha firme.
Após longos minutos de esforço, finalmente consegui remover a parte superior da pedra. A cena que se desenrolou diante de mim era surreal, como se a menina estivesse emergindo de um ovo quebrado, frágil e vulnerável. Não tive tempo para respirar; fui até ela e a puxei para meu colo. Assim que a segurei, a menina se agarrou a mim, envolvendo meu pescoço com seus braços, como se buscasse abrigo. Ela deitou a cabeça em meu ombro, e meu coração se apertou. "Coitadinha, deve estar com medo e cansada," pensei, enquanto a envolvia em um abraço reconfortante.
Depois do meu ato "heroico", aplausos irromperam entre os curiosos que assistiam, uma onda de reconhecimento que inundava o ar. À distância, avistei os reforços que Erik havia chamado, suas figuras se aproximando com uma mistura de admiração e preocupação.
— Alteza, o que aconteceu? — Perguntou um dos guardas ao se aproximar.
— Preciso apenas que pegue minhas botas. — Respondi, enquanto saía com a menina no colo.
— Mas disseram que havia uma situação...
— Chegaram tarde, guarda... — Olhei para seu uniforme e identifiquei seu nome: Stuart. — Stuart se fosse uma questão de vida ou morte, ela já estaria perdida.
— Alteza! — Cumprimentou-me a encarregada do Care, ao se aproximar da confusão.
— Onde você estava? — Indaguei, olhando-a fixamente.
— Senhorita? — Ela não parecia entender minha pergunta.
— Por que não estava supervisionando as crianças? O que você estava fazendo? — Tentei ser mais clara.
— Eu... Mil perdões, alteza, eu...
— Onde estão os pais dela? — Questionei a interrompendo, com a preocupação transparecendo na minha voz.
— Hm... Ela não tem... não tem pais, alteza. Chegou recentemente de um pequeno vilarejo; os guardas a trouxeram há alguns dias e ainda não conseguimos obter todas as informações. Infelizmente, a única informação que temos é que os pais dela morreram de malária. — Respondeu.
Olhei para a menininha, que estava quietinha em meu colo, seu olhar perdido.
— É órfã? — Perguntei, constatando o óbvio.
— Sim, — Respondeu, com um tom triste.
— Então ela virá comigo, — Declarei, determinada.
— Como assim, alteza? Você irá levá-la... para o palácio? — Gaguejou, claramente surpresa.
— Sim, há algum problema? — Encarei firmemente.
— Não, nenhum, Alteza, — Ela fez uma reverência.
— Klaus! Vlad! Venham, preciso da ajuda de vocês. — Chamei.
— E você, garoto... — Disse, passando por Igor. — Estou muito decepcionada com você. Ficará sem treinar durante quatro luas, ouviu?
Igor balançou a cabeça, parecendo nervoso.
— Eu fiz uma pergunta para você, erga a cabeça e me responda. Você me ouviu? — Perguntei, com firmeza.
— Sim, ouvi, Alteza. — Respondeu me obedecendo, visivelmente envergonhado.
— Estou te treinando para ser um grande homem, não um moleque. Se repetir isso, você vai se arrepender. Estamos entendidos? — Adverti, olhando-o nos olhos.
— Sim, Alteza. — Ele confirmou, com um tom de respeito.
Além de ser seguida por Klaus e Vlad, ganhei a companhia de Erik e seus guardas, que agora também me acompanhavam.
— Ei. — chamei a garotinha, que ainda estava grudada em meu pescoço. — Você gostaria de ter uma mamãe?
Ela balançou a cabecinha em confirmação, e pude sentir seu pequeno movimento. Nesse momento, todos ao nosso redor me encaravam, mas não me deixei abalar pelos olhares questionadores.
— E você gostaria de ser uma princesa? — Fiz outra pergunta, com um sorriso.
Ela levantou a cabecinha e me deu um sorriso tímido. Percebi, então, que seus olhos eram de um azul profundo, como um mar calmo, e que sua pele, delicadamente marcada por sardas, a tornava ainda mais linda e meiga.
— E um nome? Você gostaria de ter um? — A encarei, incentivando-a.
Ela sorriu novamente, e pude ver que sua tensão e medo pareciam ter diminuído, mesmo que por um breve momento. Olhei para Klaus e Vlad, que observavam a menininha com expressões de admiração. Todos estavam encantados com sua fofura, especialmente ao vê-la tão aconchegada a mim.
— Meredith. — Declarei, e todos pararam, surpresos com a escolha. — Seu nome agora é Meredith. Gostou?
Meredith respondeu à minha pergunta, apertando-se ainda mais em meu pescoço, envolvendo-me em um abraço carinhoso. O calor do seu afeto fez meu coração se encher de alegria. Parece que ela gostou.
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