Capítulo 6
Estou encolhida na banheira, completamente vestida, deixando a água morna envolver meu corpo enquanto Erik se posiciona ao meu lado na sala de banhos. Suas mangas estão cuidadosamente arregaçadas, revelando os músculos tensos de seus antebraços. As pernas das calças estão puxadas até os joelhos, e seus sapatos foram negligenciados no canto da sala. Com dedos habilidosos, ele gentilmente massageia meus cabelos, removendo com delicadeza o cheiro pungente de sangue que me acompanhou desde o incidente.
Meus joelhos estão puxados contra o peito, abraçando-os como uma criança em busca de conforto enquanto a água da banheira continua a cair suavemente, formando pequenas ondulações ao meu redor.
Após o banho, Erik cuidadosamente seleciona uma roupa confortável para eu usar durante a noite. Ele aguarda pacientemente do lado de fora da sala de banhos enquanto me visto, oferecendo-se para ajudar se necessário. Sinto-me reconfortada pela sua presença constante.
Quando finalmente estou pronta, ele me acompanha até a cama, onde me deixa com um toque gentil antes de se dirigir para suas próprias coisas, indicando sua prontidão para partir. Seus olhos transmitem uma mistura de preocupação e alívio, um testemunho silencioso de seu apoio inabalável durante esse período difícil.
— Erik. — Chamei seu nome baixinho.
Ele se virou e se agachou ao lado da minha cama, cobrindo-me cuidadosamente.
— Seu pai me enviou. Ele está investigando quem foi o homem que tentou te matar. — Sussurrou, procurando me confortar com a notícia.
— Muitas pessoas me odeiam, pode levar uma eternidade para meu pai descobrir. — Sorri, apesar da situação.
— Não é verdade. — Ele respondeu suavemente, acariciando meus cabelos.
— Eu sou um completo caos, não é mesmo? — Perguntei, lutando para manter os olhos abertos.
Erik sorriu gentilmente.
— Talvez o mundo precise de um pouco de caos.
Seu sorriso trouxe um leve conforto, e então fechei os olhos e adormeci.
Minha ressaca é insuportável e meu humor está ainda pior. Sinto todos os olhares de pena voltados para mim, mesmo que seja apenas minha percepção, sei exatamente o que estão pensando. Coloquei uma bolsa de água fria sobre meus olhos para tentar aliviar o estrago da noite anterior. Por algum motivo inexplicável, meus olhos estão inchados e vermelhos, transformando meu semblante em algo que lembra um monstro das trevas.
Enquanto caminho pelo longo corredor do palácio, um dos criados abruptamente abre as pesadas cortinas da grande janela. A luz do sol penetra diretamente em meus olhos sensíveis, e instintivamente cubro o rosto com as mãos. A intensidade da luz é quase física, uma dor aguda e repentina que parece perfurar minha cabeça. Foi uma experiência dolorosa e momentaneamente incapacitante, como se a própria luz do dia estivesse me punindo por cada gole que ingeri na noite anterior.
— Onde você ouviu isso? — Parei Brant no meio do caminho no momento em que o vi no corredor do palácio, abordando o assunto da noite anterior.
— Co... Como assim? — Ele olhou nervosamente ao redor.
— Se o que você disse ontem é verdade, obviamente você ouviu de alguém, porque ninguém em sã consciência te contaria algo assim. — Fui direta.
— Bem, eu ouvi Kedra e Joseph mencionando algo sobre, Hum... Ele está de volta, e depois Leonidas. — Ele me encarou, tentando se lembrar.
— Então você não tem certeza do que ouviu? — Cruzei os braços, esperando uma resposta clara.
— Não! Quer dizer, eu não...
— Pelo amor dos deuses, você é completamente inútil! Não posso acreditar que perdi meu tempo com você. — Disse, virando-me para sair dali o mais rápido possível.
— Espere, Sky, eu sei quem pode confirmar isso para você. — Brant gritou, tentando me deter.
Parei no lugar e, sem olhar para trás, perguntei:
— Quem? — Indaguei, curiosa.
— Magia. — Ele respondeu, fazendo meu coração acelerar.
Virei-me surpresa e fiquei intrigada com a menção de Magia.
— Magia? — Perguntei, tentando confirmar.
— Sim, Magia! — Ele confirmou, com determinação.
— Por que Magia saberia disso? — Questionei, intrigada.
— Porque além de ser uma bela bruxa, ela fez uma aliança com Nicolay e os três reinos. — Ele explicou, fazendo meu sangue gelar.
Minha surpresa só aumentava, e eu precisava saber mais.
— Você tem certeza disso? — Perguntei, mantendo a calma, apesar da tempestade de emoções dentro de mim.
— Tenho. — Ele afirmou, com confiança.
Sem pensar duas vezes, agarrei o pescoço de Brant e o joguei com força contra a parede.
— Ai! — Ele reclamou, surpreso e assustado.
— Olha aqui, Brant. Vou atrás da Magia, e se você estiver mentindo para chamar minha atenção, eu vou arrancar suas pernas e te jogar no poço mais profundo... de Samsalom. — Ameacei, com ferocidade em meus olhos.
Brant arregalou os olhos diante da minha resposta, percebendo o peso de minhas palavras. Depois disso, tive certeza de que ele pensaria duas vezes antes de mentir para mim.
— Ahh, e se meu pai perguntar por mim, você vai me encobrir. É melhor você inventar uma desculpa muito boa, senão... sem pernas e preso para sempre. Estamos entendidos? — Perguntei, pressionando-o ainda mais contra a parede.
Brant assentiu com a cabeça.
— Ótimo! — Empurrei-o para o lado.
...
— Ei, preguiçosos! — Entrei sem bater na porta do quarto de Klaus e Vlad.
— Ei, você não bate na porta não, senhora ressaca? — Disse Vlad, enquanto colocava sua camisa.
— Podíamos estar pelados ou algo do tipo. — Comentou Klaus ao sair da sala de banhos, com uma toalha enrolada na cintura e outra secando o cabelo.
— Façam-me o favor! Não é nada que eu já não tenha visto. — Respondi com um sorriso irônico.
— O que você quer, pirralha? — Perguntaram os dois quase ao mesmo tempo. Ri.
— Estão a fim de dar um passeio? — Apoiei-me no batente da porta.
— Não, obrigado. — Disse Klaus.
— Não, não, eu tenho mais o que fazer. — Disse Vlad.
— E caçar bruxas? — Fingi estar ocupada limpando as unhas. — Estão a fim?
Os dois pararam no lugar e me olharam.
— Que tipo de bruxa? — Perguntaram juntos.
Sorri, sabendo que tinha captado a atenção deles.
— Vocês estão dentro ou não? — Insisti.
— Eu vou trocar de roupa! — Klaus saiu correndo.
— Eu topo a qualquer hora. — Disse Vlad animado. — Mas onde iremos encontrar uma bruxa?
— Fiquem tranquilos, eu sei exatamente quem pode nos ajudar a encontrar a Magia.
— Você disse magia? — Gritou Klaus, com os olhos arregalados, completamente embasbacado.
— Sim, querido primo. Magia!
...
— Olá! — Gritei ao chegar na taberna de um velho amigo, cantarolando para chamar sua atenção.
— Olá, como posso... — Ele parou abruptamente ao me ver. — O que você faz aqui?
— Nossa, que grosseria. Poderia ser mais educado. — Observei-o enquanto caminhava pelo local, deslizando os dedos sobre as mesas.
— Ande, Sky, o que você quer? — Maly perguntou, visivelmente nervoso com minha presença.
— Credo, Maly, pensei que ficaria feliz em me ver! — Olhei para os dedos que havia passado na mesa. — Está sujo.
Sempre gostei de provocar Maly desde que éramos crianças.
— Nunca é coisa boa quando você aparece. — Ele respondeu, ignorando-me e voltando a limpar as mesas.
— Assim você me deixa magoada. — Fiz um biquinho, provocando-o ainda mais. Ele revirou os olhos com exasperação.
— Preciso de um favor seu. — Finalmente falei, sem rodeios.
— Não. — Disparou ele, com firmeza.
— Maly! Você nem ouviu o meu pedido. — O segui pela taberna, determinada a fazê-lo me escutar.
— É! Não ouvi e não quero ouvir. — Ele me ignorou completamente.
— Você me deve isso. Eu salvei a sua vida e o mínimo que você pode fazer é me ajudar! — Gritei, elevando a voz para atrair sua atenção.
Sem paciência, Maly jogou o pano sobre uma das mesas, coçou as têmporas e finalmente me encarou.
— O que você quer? — Ele se rendeu, resignado.
— Quero que você me diga onde a Magia se esconde. — Parei no lugar e cruzei os braços, desafiadora.
Maly riu da minha expressão como se não houvesse amanhã, deixando-me ainda mais furiosa. Olhei ao redor, com uma expressão nada amigável, até que sua crise de riso ridícula finalmente cessou.
— Você quer que eu te diga onde a Magia está? — Ele perguntou, tentando conter o riso.
— Sim. — Respondi, firme.
— Não! — Ele voltou a se ocupar com a arrumação da taberna.
— Pelos deuses, Maly, se não me disser onde aquela bruxa se esconde, você irá se arrepender. — Falei, agora com raiva palpável.
— Está me ameaçando? — Ele ergueu uma sobrancelha, desafiador.
— Eu salvei sua cabeça de ser arrancada de seu pescoço, mas agora sou eu que estou prestes a arrancá-la. — Disse para Maly, com um olhar desafiador enquanto o encarava.
— O seu pai sabe que você está aqui? — Ele ergueu as sobrancelhas, provocativo.
— O quê? — Respondi, atordoada pela pergunta inesperada.
— Nicolay não sabe, não é? — Maly insistiu.
— Maly, não me irrite. — Adverti, tentando manter a calma.
— Ah, vamos lá, Sky. Por que não pergunta ao seu pai sobre a aliança que ele tem com ela? — Maly continuou desafiador.
— Céus, até você, Maly? Me diga agora... — Comecei, mas fui interrompida por Klaus que apareceu ao lado de Vlad.
— Por que está demorando? — Klaus perguntou, impaciente.
— Trouxe seus cachorrinhos? — Maly provocou, referindo-se a Klaus e Vlad.
— O que você disse? — Klaus avançou em direção a Maly, visivelmente irritado.
— Sky! — Gritou Maly, um pouco assustado com a situação que se formava.
— Vlad... — Chamei, num tom que indicava uma ordem.
Vlad lançou-me a estrela da manhã, e a peguei no ar. Encostei-me em uma das mesas e comecei a brincar com a minha arma, transmitindo uma calma perigosa.
— Sky! — Maly gritou novamente, afastando-se de Klaus, preocupado.
— Você vai me dizer onde a Bruxa está? — Perguntei, minha voz firme e determinada.
— No sul de MoonFifth. Ela se esconde no sul de MoonFifth. — Maly respondeu rapidamente, temendo a reação de Klaus.
— Klaus! — Bramei, tentando pará-lo antes que a situação se descontrolasse.
Klaus parou abruptamente no lugar, olhando fixamente para mim.
— Eu sabia que você iria me ajudar. Amigos são assim, não é mesmo? — Conclui, tentando apaziguar a tensão.
— Você me odeia, Sky. Nunca gostou de mim, e ainda me mordia quando eu tentava brincar com você no Palácio. — Maly resmungou, esbarrando em mim enquanto entrava na cozinha.
— Obrigada! — Agradeci, saindo após ele. — Vamos, meninos, já sei qual será o nosso destino.
O sul de MoonFifth é um lugar notavelmente isolado, onde raramente alguém se aventura desde a expansão dos dois reinos. A região se caracteriza por uma atmosfera sombria e silenciosa, onde parece que até mesmo as almas se perdem. É um cenário ideal para uma bruxa se esconder, entre as sombras densas das árvores retorcidas e os ecos distantes de pássaros noturnos.
— Não vou entrar nisso. — Klaus parou abruptamente diante da cabana de Magia.
— Está com medo, bebezão? — Vlad provocou, soltando uma risada rouca.
— Claro que não! Eu só...
— Shhh! Silêncio! — Interrompi-os. — Nenhum de vocês vai entrar. Eu vou sozinha. Esperem por mim aqui. — Encarei a porta da cabana, sentindo o peso da decisão enquanto a madeira rangia ao vento noturno.
Com passos cautelosos, subi os degraus rangentes até a porta da cabana. Sem fazer barulho, girei a maçaneta e adentrei lentamente. O interior revelou-se surpreendentemente arrumado, apesar da escuridão predominante. Estantes altas estavam abarrotadas de livros antigos, cujas lombadas desbotadas testemunhavam séculos de conhecimento acumulado. Entre os livros, encontravam-se diversos frascos de vidro contendo líquidos brilhantes, emitindo um leve resplendor fantasmagórico na penumbra. A atmosfera era densa, impregnada de um silêncio que parecia palpitar ao redor. Explorando com o olhar, percebi que a cabana aparentava estar vazia à primeira vista, mas uma sensação inquietante me fez questionar se eu realmente estava sozinha ali.
— Magia? — A chamei.
Avancei por um corredor estreito e sombrio, cujas paredes pareciam exalar uma história antiga e misteriosa. No final do corredor, deparei-me com uma sala ampla e mal iluminada. No centro, vi Magia, uma figura enigmática, recostada numa poltrona preta desgastada, colocada estrategicamente atrás de uma mesa de madeira envelhecida, que estava virada para a parede oposta.
A luz escassa filtrava-se pelas janelas empoeiradas, lançando sombras dançantes sobre os móveis antigos e as estantes abarrotadas de objetos esotéricos. O ar estava impregnado com o odor de incensos antigos, criando uma atmosfera ainda mais enigmática e densa ao redor de Magia, cujo olhar parecia penetrar fundo em mim assim que entrei na sala.
— Criança. — Sua voz ecoou em um sussurro assombroso, enquanto ela se virava lentamente na minha direção.
O que me perturbou não foi apenas o movimento sinistro da poltrona flutuando no ar, mas o olhar penetrante de Magia, que parecia transcender a própria realidade. Ela estalou os dedos e, num instante, a poltrona se metamorfoseou em um tapete negro que flutuava suavemente abaixo de seus pés. A magia no ar era palpável, uma energia poderosa que parecia envolver não apenas a sala, mas tudo ao seu redor. Eu me vi paralisada diante da demonstração de habilidade que ia além do que eu poderia compreender.
— Uau. Você realmente sabe impressionar. — Me aproximei, ainda fascinada por tudo aquilo.
Magia me encarou, a expressão séria contrastando com a aura de mistério ao redor dela.
— O que você faz aqui, criança? — Foi direta, sua voz carregada de autoridade e curiosidade.
Magia é verdadeiramente exótica. Seus cabelos longos são como chamas vermelhas intensas, uma tonalidade que evoca o vinho e o sangue, espalhando-se em ondas flamejantes ao redor de seu rosto pálido. Ela veste roupas negras que se fundem com a escuridão, contrastando com seus olhos que parecem perdidos na sombra profunda. Parte de suas mãos é tingida de negro, como se tivessem sido marcadas por um toque mágico sombrio, assim como seu batom escuro e uma tiara adornada com rosas negras entrelaçadas com espinhos afiados. Sua pele alva serve apenas para realçar o contraste dramático entre o preto e o branco, criando uma imagem que é ao mesmo tempo enigmática e formidável.
— Preciso de algumas informações e sei que você pode me ajudar. — Disse eu, encarando-a fixamente.
— Não posso te ajudar. — Ela quase não me deixou terminar o que queria dizer.
— Mas é claro que pode. — Insisti.
— Não. — Seus olhos, antes completamente negros, voltaram ao normal, revelando o vermelho intenso que combinava com seus cabelos.
— Magia, você nem sequer ouviu o que eu tenho a dizer. — Argumentei novamente.
— Saia daqui enquanto ainda pode, criança. Seu pai não ficará contente em saber que esteve aqui, e eu não quero problemas com ele. — Sua expressão era séria.
— Por favor, Magia, só você pode me dizer o que preciso saber. — Quase implorei.
— Não posso dizer nada, fiz um juramento e não vou quebrá-lo. — Respondeu firme.
Um momento de silêncio se seguiu.
— Se você não pode me dizer... então me mostre. — Tive a ideia.
Ela jurara nunca revelar o segredo do que meu pai escondia, mas não jurara não mostrar.
— Não posso fazer isso também. — Magia recusou.
— Magia, você pode me mostrar se não pode dizer. Não estará quebrando a aliança. — Minha frustração começava a se transformar em irritação.
— É perigoso, criança tola! Mexer nas lembranças de seu pai pode trazer consequências ruins. — Ela explicou cautelosa.
— Não me importo. Sempre quis saber mais sobre ele. — Minha determinação transparecia em cada palavra.
— Sky...
— Se ele descobrir, prometo te proteger. Não deixarei que ele te puna, nem quebrarei nossa aliança. Sei que meu pai esconde algo de mim e não vai contar. Por isso preciso saber, Magia. Por favor. — Encarei-a com firmeza, esperando transmitir confiança.
Magia hesitou por um momento, seus olhos vermelhos refletindo preocupação.
— Não posso controlar seus sentimentos se ver algo que não conseguirá lidar. — Sua voz era um misto de aviso e receio.
— Eu consigo. — Assegurei, com minha convicção ainda mais forte em minha voz.
— Não me responsabilizo. — Ela reforçou, buscando me dissuadir.
— Está bem. Só me ajude. — Pedi novamente, com esperança.
Magia olhou-me por um instante, avaliando minha determinação. Ela respirou fundo, como se achasse que eu desistiria facilmente. Mas comigo não funciona assim. Seus olhos penetraram nos meus, refletindo uma mistura de preocupação e admiração, e ela cochichou: "Você é igualzinha ao seu pai."
A pausa que se seguiu foi carregada de significado. Eu sentia a seriedade da comparação e a responsabilidade que isso implicava. Magia conhecia meu pai melhor do que a maioria, e seu reconhecimento tocava em algo profundo dentro de mim.
— Então me ajude a descobrir, como ele nunca fará. — Minha voz era firme, ecoando a tenacidade que ela acabara de reconhecer.
— Me dê sua mão. — Finalmente cedeu, depois de ponderar por um tempo.
Sorri nervosamente enquanto estendia minha mão para ela. Magia pegou minha mão delicadamente e a virou para baixo. Começou a recitar palavras incompreensíveis, um murmúrio que parecia ecoar suavemente pelo ambiente. Seus olhos, que haviam alternado entre vermelho intenso e negro profundo durante todo o encontro, agora estavam completamente negros, absorvendo a luz ao redor.
Enquanto as palavras estranhas fluíam de seus lábios, uma sensação estranha percorreu meu corpo, como se uma corrente elétrica suave estivesse se movendo através de mim. A pele da minha mão começou a formigar, e eu senti uma leve pressão como se algo invisível estivesse sendo gravado em minha pele. No meio das frases, Magia dirigiu seu olhar fixamente para mim, seus olhos negros transmitindo uma mistura de concentração e intensidade que me deixou sem fala.
— Feche seus olhos. — Ela pediu suavemente.
Fechei os olhos obedientemente, sentindo um leve arrepio de ansiedade percorrer minha espinha.
— Isso pode doer um pouco.
— O quê? — Exclamei, abrindo os olhos para encará-la, procurando por qualquer sinal de hesitação em seu rosto.
Mas quando abri os olhos, não reconheci mais o interior da cabana de Magia. Em vez disso, estava em um quarto opulento, adornado com tapeçarias intricadas e móveis finamente talhados. O ar estava impregnado com o perfume suave, que pareciam flutuar pelo ambiente.
Olhei ao redor, tentando entender onde estava. O quarto emanava uma aura majestosa, sugerindo que eu pudesse estar em algum palácio distante. Seria possível que eu tivesse sido transportada para Samsalom? Um silêncio solene pairava no ar, interrompido apenas pelo leve crepitar de uma lareira distante. Cautelosamente, dei alguns passos adiante, observando cada detalhe com admiração e um toque de apreensão.
— Mamãe, o que ele está fazendo aqui de novo? — Disse um garotinho impecavelmente vestido, com suas roupas passadas com perfeição e o cabelo meticulosamente arrumado.
"Não estou em Sansalom como imaginara."
O garoto exalava uma arrogância que contrastava com a beleza refinada de sua mãe, que estava vestida com um elegante vestido vermelho e uma coroa reluzente sobre os cabelos. Seus olhos, porém, transmitiam uma mistura de preocupação e autoridade.
— Pare com isso! Isso são modos? Não te ensinei a ser assim. — Ela repreendeu suavemente, mas com firmeza, dirigindo um olhar sério ao filho.
O outro garoto, cuja presença parecia causar tanta consternação, permaneceu calmo e digno, com uma postura que contrastava com a hostilidade do garoto mais novo.
— Tudo bem, eu já estou de saída — Disse ele, em um tom que denotava tanto respeito quanto uma pitada de resignação.
Assim que o encarei, levei um choque. A intensidade daqueles olhos, o brilho que parecia atravessar o tempo, não me era estranho; na verdade, era profundamente familiar. Era meu pai. Ele devia ter cerca de cinco anos naquela época. Eu estava no meio do quarto, testemunhando a cena como um espectro. Ninguém parecia notar minha presença ou ouvir minhas palavras. Era como se eu estivesse invisível, observando um momento que já havia acontecido, mas que agora se desdobrava diante de mim com uma clareza quase surreal.
O ambiente ao meu redor era tão detalhado que parecia real: o quarto suntuosamente decorado, a mobília elegante que evocava um passado distante de realeza. A Rainha Joana, com seu vestido vermelho exuberante e a coroa reluzente, emanava uma mistura de autoridade e compaixão enquanto repreendia seu filho mais novo, Leonidas, cujos olhos ardiam com um ódio infantil, sua expressão contorcida pela raiva e pela frustração.
Eu me sentia como uma observadora silenciosa em uma cena íntima e poderosa, presenciando não apenas o drama familiar, mas também um vislumbre do passado que moldou meu próprio destino.
— Saía logo daqui... lixo! — disse o outro garoto com um desdém afiado, dirigindo suas palavras com uma crueldade desproporcional para alguém tão jovem.
Um calor de indignação percorreu minhas veias, uma vontade instintiva de reagir à injustiça.
— Leonidas! — A mulher graciosa exclamou, sua voz carregada de repreensão e incredulidade.
Estava simplesmente vivendo as lembranças de meu pai ao lado de meu tio e minha avó.
— Por que você o defende? Ele é apenas um órfão, filho de uma criada. — Não tinha palavras, estava chocada demais com a crueldade da criança.
— Saia daqui, Leonidas! Vá para o seu quarto e não saia de lá até que eu mande. — A voz da rainha Joana era firme, mas continha um traço de compaixão.
— Mas mãe...
— Leonidas! — Ela repetiu, cortando qualquer tentativa de argumento.
O garoto arrogante saiu da sala como se estivesse cuspindo fogo, seus olhos brilhando com um ódio intenso. A porta bateu com força atrás dele, ecoando o clima tenso que pairava no ar.
— Meu menino, não ligue para seu irmão. Ele não sabe o que diz. Você é um garoto especial. Muito especial. Ouviu? — disse Joana, seus olhos marejados de lágrimas, enquanto abraçava seu filho com ternura.
Papai assentiu com a cabeça, absorvendo as palavras reconfortantes de sua mãe.
As lembranças agora me levam a um jardim sereno, onde meu pai está escondido discretamente atrás de um arbusto, acompanhado por outro rapaz. O sol dourado da tarde filtrava-se suavemente através das folhas verdes, criando padrões de luz dançantes no chão de cascalho. Papai e seu amigo estavam imersos em uma conversa íntima, seus olhares fixos na figura distante que parecia iluminada pela luz do sol, tornando-a ainda mais encantadora aos olhos deles.
— Ela é tão bonita. — Cochichou meu pai, sua voz carregada de admiração genuína.
— Eu sei. Ela é linda, maravilhosa, bela...
— Eu já entendi, Barney. Não precisa detalhar. — Papai interrompeu com um sorriso divertido, sua atenção ainda presa à figura feminina que ocupava seus pensamentos.
Barney, seu amigo, concordou com um aceno de cabeça, enquanto seu rosto irradiava uma mistura de encantamento e camaradagem.
— Ok, ok. Só queria deixar claro que ela é a garota mais perfeita que já vi. — Ele deu de ombros com um sorriso cúmplice.
— Barney? — Chamou papai, sua voz contendo um traço de seriedade.
— O que é, Nicolay? — Barney respondeu, percebendo a mudança de tom.
— Eu quero ela para mim.
Pisquei meus olhos e subitamente me vi em um corredor sombrio, onde a escuridão da madrugada parecia abraçar cada canto vazio. O ambiente era gélido, silencioso e a única luz fraca vinha de lamparinas penduradas distantes, criando sombras dançantes nas paredes de pedras gastas pelo tempo.
Parada diante de uma porta, observei atentamente. O coração acelerado ecoava no meu peito enquanto meus olhos buscavam entender o que se passava. De repente, avistei meu pai, ainda jovem, talvez com dezesseis ou dezessete anos, movendo-se sorrateiramente na ponta dos pés, segurando algo na mão. Seus passos cautelosos ecoavam como sussurros no corredor deserto. Ele chegou à porta do quarto e, com um gesto rápido e furtivo, bateu suavemente. Antes que eu pudesse piscar novamente, ele deslizou algo por baixo da porta e desapareceu como uma sombra na noite. A curiosidade me prendeu ao local por um instante, mas o tempo tinha outros planos.
Num piscar de olhos, fui transportada para uma cena semelhante, mas em um tempo diferente. Novamente diante da mesma porta, observei meu pai repetir o ritual: os passos silenciosos, o bater suave na madeira e o deslizar misterioso do papel. Dessa vez, notei uma figura na penumbra, outra pessoa observando atentamente, mas não consegui distinguir quem era, pois minha atenção estava fixada na porta.
Antes que eu pudesse decifrar mais detalhes, a realidade se dissolveu mais uma vez, como se o tempo brincasse comigo. "Que droga!", murmurei internamente, sentindo a frustração crescer com cada nova cena que se desdobrava diante de mim. As repetições continuaram, como se eu estivesse presa em um ciclo interminável. A cada nova visita à porta, as épocas mudavam, os dias passavam, mas o ritual parecia imutável.
E então, de repente, algo mudou. Estava de volta àquela porta, mas desta vez não era meu pai que vinha furtivamente na ponta dos pés. Era Leonidas, com seu semblante sério e determinado, segurando algo em suas mãos. Meus olhos se fixaram nele, tentando entender o que ele estava fazendo ali, em um momento que não era o seu. Com movimentos precisos, Leonidas bateu na porta com uma determinação silenciosa. Ele não fugiu; em vez disso, permaneceu ali, como se esperasse por algo. O suspense no ar era palpável, e eu me senti envolvida pela intensidade do momento.
O que antes parecia um simples vislumbre do passado agora se transformara em algo mais profundo, carregado de significado. Cada detalhe era uma peça de um quebra-cabeça maior, e eu me sentia cada vez mais perto de desvendar o enigma que ligava esses eventos aparentemente desconexos. Assim como rapidamente fui levada para esta cena, eu sabia que em breve seria transportada para outra parte desta história intrincada. Mas por enquanto, eu permanecia ali, na penumbra do corredor, testemunhando momentos que pareciam transcender o próprio tempo.
— Leon? — A porta se abriu.
Mamãe.
— Eu... Nossa, Meredith, você me pegou.
Mentiroso.
— Eu sabia que era você. Sempre soube. — Ela o abraçou e lhe deu um beijo.
Virei o rosto instintivamente, não querendo testemunhar algo tão íntimo e perturbador. Quando finalmente me recompus e encarei novamente, dei de cara com meu pai, cujo olhar era uma mistura de choque e dor. Eu estava no meio de duas cenas, na encruzilhada das memórias, invisível para ele. Invadindo suas lembranças. Eu não deveria estar ali, não desse jeito.
Antes que pudesse assimilar o que estava acontecendo, fui novamente arrastada pelo tempo. Num piscar de olhos, estava em um quarto sombrio, longe dos traços nada familiares de Brownwood, agora em algum lugar em Samsalom, no próprio quarto de meu pai. O ambiente era caótico, como se um furacão tivesse passado por ali. Móveis revirados, objetos quebrados espalhados pelo chão, e meu pai no centro disso tudo. Ele estava de pé em um canto do quarto, encarando o chão coberto de cacos de vidro. Seu rosto estava contorcido pela angústia, os olhos marejados de lágrimas que ainda não haviam caído. O suor marcava sua testa, seus cabelos desgrenhados caíam em desordem sobre o rosto, mas ele parecia não se importar com sua própria aparência. Por um instante, pensei que a causa de seu sofrimento fosse minha mãe, mas logo percebi que havia algo mais profundo, mais doloroso. Havia uma ferida ali, uma dor que ele tentava conter, mas que transparecia em cada respiração pesada, em cada olhar perdido no vazio.
A cena de meu pai naquele estado era visceral, carregada de uma emoção que parecia ecoar pelas paredes do quarto. O silêncio pesado era quebrado apenas pelo som abafado de sua respiração irregular. Eu queria alcançá-lo, queria confortá-lo, mas eu era apenas uma espectadora, um intrusa invisível, testemunha de um momento tão íntimo quanto devastador.
— Ele a matou. — Disse, olhando fixamente para mim.
"Como é possível?"
— Eu sei, meu filho. Eu sei. — Disse o rei Anderson de Samsalom atrás de mim. A real pessoa a quem meu pai encarava desesperadoramente. Seu pai. Meu avô.
E então, antes que eu pudesse entender completamente a magnitude do que estava acontecendo, o tempo me arrancou novamente dali, como se as memórias de meu pai fossem páginas de um livro sendo viradas à força, sem ordem ou razão aparente. Eu estava destinada a vagar por essas lembranças, capturando vislumbres de sua vida, tentando decifrar os mistérios que o assombravam. Sinto a mão de Magia se soltar da minha. Quando abro os olhos, percebo que não estou mais imersa nas lembranças angustiantes de meu pai, mas de volta à cabana.
— O que é que você fez?
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