Capítulo 23
Empurro Leonidas com força, usando toda a minha energia para afastá-lo de mim. Sem perder tempo, viro-me e corro em direção ao lugar mais próximo, que sei ser a cozinha, um espaço onde apenas os criados têm autorização para entrar. Meus passos são rápidos e decididos, ecoando pelos corredores enquanto sinto a adrenalina pulsar em minhas veias. Ao chegar na cozinha, arrombo a porta, fazendo-a bater contra a parede com um estrondo. Os criados, ocupados com suas tarefas, levantam a cabeça em completo choque, seus olhos arregalados me observam. Ignoro completamente suas reações, minha mente focada apenas na ameaça iminente.
Lógico que Leonidas não ficaria para trás. Ouço seus passos pesados se aproximando rapidamente. Olho ao redor freneticamente, buscando algo para me defender. Sobre a mesa, avisto um grande garfo, robusto e afiado. Sem hesitar, agarro-o com firmeza, sentindo o peso do metal em minha mão. Com o garfo em punho, me posiciono estrategicamente em frente à porta, meus músculos tensos e prontos para a ação. Respiro fundo, tentando controlar o ritmo acelerado do meu coração. Meus olhos fixam-se na entrada, esperando o momento em que Leonidas aparecerá. Quando ele finalmente entra, sua figura enche a porta. Sem perder um segundo, aponto o garfo na direção dele, meus olhos cheios de determinação. Estou pronta para lutar, para me defender a qualquer custo.
— Não seja infantil, Alinna! — Leonidas esbraveja, com um tom de despreocupação, como se estivesse lidando com uma criança teimosa, ao entrar na cozinha.
— Não se aproxime ou eu te mato. — Digo, minha voz firme enquanto seguro o garfo com as duas mãos, apontando diretamente para ele.
— Você vai me matar com isso? — Ele debocha, seus olhos analisando o garfo com desdém.
— Estou avisando. — Repito, a raiva queimando em meu olhar.
Meu olhar o esfaqueia, refletindo a dor e a raiva que sinto. As lágrimas de luto pelo meu pai ainda caem pelo meu rosto, traçando caminhos salgados em minha pele. Começo a suar por causa do calor das panelas no fogo, e noto que a cozinha está estranhamente vazia. Os criados devem ter recebido alguma ordem silenciosa de Leonidas, como se já estivessem habituados a essas situações. Não me surpreenderia se estivessem agora em alguma das janelas, curiosos para ver o que está acontecendo. Leonidas avança com agilidade surpreendente, pulando sobre a grande mesa no centro da cozinha, usada para cortar os alimentos. Ele desliza por ela, seus olhos fixos em mim com uma intensidade predatória. Percebendo seu movimento, ajoelho-me rapidamente e engatinho para o outro lado da cozinha, passando por debaixo da mesa. Meu coração bate descontroladamente, mas meus instintos de sobrevivência me mantêm focada. Levantando-me do outro lado, vejo que ficamos novamente em lados opostos. O garfo ainda está firme em minhas mãos, minha determinação inabalável. A cozinha, com suas paredes de pedra e prateleiras cheias de utensílios, se torna um campo de batalha improvisado. Sinto o calor do fogo, o cheiro dos ingredientes cozinhando, e o peso da tensão no ar. A qualquer momento, sei que Leonidas fará seu próximo movimento, e preciso estar pronta para responder.
— Não estou com paciência para brincadeiras. — Leonidas grita, sua voz transbordando raiva.
— Você matou meu pai, desgraçado. — Sussurro, minha voz embargada pela dor e pelo ódio.
— E se você não ficar quieta, matarei você também! — Ele vocifera, a ameaça fria em suas palavras.
Leonidas pula em cima da mesa, e eu me lanço para debaixo dela, movendo-me rapidamente em direção ao outro lado. Estou prestes a escapar quando sinto uma mão firme agarrar meu tornozelo. Ele me arrasta para fora da proteção da mesa, e, instintivamente, viro-me de frente para ele. Com toda a força que consigo reunir, chuto-o com a perna livre. Leonidas cambaleia para trás, mas se recupera rapidamente, voltando a avançar sobre mim. Suas mãos grandes e fortes se aproximam do meu pescoço, trazendo de volta memórias terríveis. "De novo, não!", penso desesperadamente. Olho ao redor, buscando algo que possa me ajudar, e percebo que ainda estou segurando o garfo. Sem pensar duas vezes, cravo-o na mão dele com toda a força que tenho. Leonidas solta um grito de dor, seu rosto contorcendo-se enquanto retira o garfo de sua carne. Aproveito o momento de fraqueza dele para tentar me levantar e fugir, mas ele é rápido. Ainda em agonia, ele agarra meus pés novamente, impedindo minha fuga. Sinto a frustração e o desespero me invadirem, mas sei que não posso desistir. O calor da cozinha parece aumentar, o ar se tornando pesado e sufocante, enquanto a luta pela sobrevivência continua.
— Me solte, seu cretino! — Grito, debatendo-me com todas as minhas forças.
Leonidas se joga sobre mim, sua figura musculosa me esmagando contra o chão. Ele é dez vezes maior do que eu, seus músculos enormes tornando qualquer tentativa de escapar impossível. Em meio à luta, minha raiva cresce e xingo-o até a última geração. Exasperado com minha resistência, ele tampa minha boca com a mão na qual enfiei o garfo. O sangue quente escorre pelos meus lábios, deslizando até meu pescoço, enquanto tento inutilmente me libertar de seu aperto. Sinto o gosto metálico do sangue, misturado ao desespero e à adrenalina que correm em minhas veias. A dor e a angústia se misturam, mas me recuso a ceder. Tento morder a mão dele, qualquer coisa para me libertar.
— Cale a boca! — Leonidas se curva, aproximando-se perigosamente. — Eu ia ser gentil com você, mas mudei de ideia. Animais devem ser mantidos em jaulas, e já que você não colabora...
Leonidas agarra meus cabelos com força, puxando-me brutalmente para cima. Tremo de dor enquanto tento desesperadamente me libertar, mas seus dedos firmes entrelaçados nos meus fios impossibilitam qualquer movimento. Ele me arrasta pela cozinha, e eu tento correr, mas seus dedos passeiam pelos fios do meu cabelo com uma força esmagadora. Em um movimento cruel, Leonidas bate minha cabeça contra um dos armários da cozinha. A dor é intensa e imediata, um brilho de luz explodindo em minha visão antes de tudo se apagar.
Desmaio.
Não me lembro mais da última vez em que meus olhos se mantiveram secos. Para quem não chorava há anos, estou me saindo bem demais. Ainda não consigo acreditar que meu pai morreu, que minha família e meus amigos se foram. A dor que sinto é indescritível, algo que ninguém jamais compreenderá. Perdi todos os meus queridos de uma só vez, um golpe devastador que me deixou destroçada. Na noite anterior, passei a madrugada inteira chorando desesperadamente, recordando o dia em que confundi Erik com Leonidas. A lembrança é dolorosa e agrava minha sensação de perda. Minha vontade de viver foi embora junto com meu pai. Não quero vingança, não quero reinos, muito menos ser rainha. Tudo o que desejo é me deitar para dormir e ter o prazer de não acordar. Quero definhar até que a morte tenha piedade da minha alma e, por um ato de compaixão, me leve deste mundo. Prefiro a morte a ter que enfrentar Leonidas sem a certeza de que meu pai estará em algum lugar para me incentivar. O pior é que Nicolay Madark nem sequer teve um enterro digno. A humilhação é maior do que eu posso suportar. Meu pai, que sempre foi meu exemplo e meu pilar, merecia muito mais do que isso. A dor e a sensação de impotência me consomem, e tudo o que consigo pensar é em escapar dessa realidade insuportável.
— Ora. Ora. Ora. Se não é Koan! — Exclamo, ao perceber sua presença do lado de fora da minha cela.
— Alteza. — Ele me saúda com formalidade.
— Está gozando da minha cara, não é mesmo? — Digo, esforçando-me para me levantar, apoiando-me nas grades da cela.
— Longe de mim, Alteza. — Responde com uma calma incomodativa.
Avanço em direção às grades, esticando os braços na tentativa de agarrar as golas da camisa de Koan. Fico a milímetros de seu alcance.
— Me chame de alteza novamente e eu arranco esse ferro da grade e atravesso em sua garganta. — Ameaço, minha voz carregada de raiva.
— Me desculpe, Alteza... Senhorita. — Ele se corrige prontamente.
— Eu sabia que tinha te visto. O que está fazer aqui? — Pergunto, afastando-me das grades.
— É uma longa história, Senhorita. — Koan responde, sua postura rígida e irritantemente correta.
— Olhe para mim! — Dou uma volta no espaço limitado da cela e aponto para o lugar onde estou. — Tenho tempo de sobra para ouvir.
— A Senhorita não seria capaz de compreender. — Diz ele, parado como uma estátua, com uma postura irritantemente impecável.
— Então me explique, Koan. — Enfatizo seu nome, minha voz carregada de uma determinação feroz. — Por que mentiu para mim sobre sua visão?
— Eu não... — Ele começa a dizer, hesitando.
— Vamos, Koan, não sou idiota. Você foi enviado por Leonidas naquela noite para me confundir e me assustar, e ao mesmo tempo, me vigiar, não é?
— Não, Senhorita! Não é nada disso. — Ele nega, sua voz tensa.
— Ah, é? Então me diga, se você não é um enviado de Leonidas, por que está aqui? Hum? — Insisto, meus olhos fixos nos dele.
— Por questões pessoais. — Responde, com um tom direto.
— Questões pessoais? Você é patético, Koan. Está mais do que evidente que você segue o demônio Leonidas! — Exclamo, minha voz carregada de raiva e frustração.
Koan deve achar que sou ingênua, mas eu percebo o cheiro podre do medo e sou capaz de detectar uma mentira a quilômetros de distância, deveria ter seguindo meus instintos desde o momento em que Hugo apareceu em minha frente. Aprendi a reconhecer esses sinais com o melhor dos mestres; não será Koan quem vai me enganar. Viro-me para as paredes da cela, incapaz de suportar mais um instante de contato visual com o mentiroso à minha frente. O espaço apertado da cela parece se fechar ao redor de mim, amplificando o peso da traição e da decepção que sinto. Cada detalhe das paredes, cada rachadura e mancha, se tornam um reflexo da minha frustração e desilusão. Eu preciso de um momento para recuperar minha compostura e afastar a indignação que ainda queima em meu peito.
— Eu não sigo a realeza. Nunca segui, e não será agora que irei fazer isso. Tenho minhas próprias crenças e sigo apenas minhas visões, e elas me mostram que precisamos de você.
— Então você quer me ajudar? Mas, espera aí! Eu sou da realeza, destronada ou não sigo tendo sangue real. — Debochei, o sarcasmo evidente na minha voz.
— Não quero ajudar você por conta do seu status, quero ajudar por conta da minha visão. — Ele explica com firmeza.
— Eu não preciso da sua ajuda, Koan. Não quero a sua ajuda. — Viro-me novamente de costas para ele, minha frustração evidente.
— Eu conheço este palácio de cabeça para baixo. Posso ajudá-la a encontrar o que tanto busca! — Koan propõe, tentando ser persuasivo.
— Eu não tenho mais motivos para continuar Koan. Olhe para mim. — Lembro-o de onde estou. — E se eu for atrás de algo, irei sozinha. — Reafirmo, minha decisão firme.
— Tem certeza? — Ele levanta uma sobrancelha, desafiando minha certeza.
— Você sabe como se chama isso, Koan? Traição! Fui chicoteada por Natasha por uma "traição" que nunca cometi. Agora imagine se Leonidas te pega? Ele é mil vezes pior que Natasha. Está disposto a arriscar sua vida para me ajudar? — Pergunto, minha voz carregada de dúvida e desconfiança.
— A vida, Alteza, é como um jogo de xadrez. Vai chegar um momento em que todos nós teremos que sacrificar a rainha para ganhar. Só assim se faz um xeque-mate. Se minha vida está para uma peça importante neste grande jogo de xadrez. Então este é meu sacrifício. — Koan se aproxima, seu olhar feroz e determinado.
— Mesmo assim, não quero sua ajuda, ou melhor, seu sacrifício. — Digo, já tendo caído em uma armadilha antes e não disposta a repetir o erro.
— Vossa Alteza... — Koan começa a falar, mas eu o interrompo com um olhar ameaçador.
— A senhorita que sabe. — Ele conclui, fazendo uma reverência e saindo em silêncio, me deixando sozinha.
Sacrifique sua Rainha.
— Levanta! — Grita Leonidas.
Eu estava sentada, abraçando os joelhos e com a cabeça baixa. Lentamente, levanto minha cabeça e olho para ele enquanto ele abre a cela.
— Está surda, está? Não ouviu o que eu disse? Levanta! — Ele grita novamente, enquanto tenta destrancar o cadeado da cela.
Apoio-me na parede de pedra, esforçando-me para me manter em pé. Com dificuldade, fico ereta, sustentando-me na parede atrás de mim.
— Já chega, não é mesmo? Já recebeu seu castigo, vou te tirar daqui, mas você tem que me obedecer. Qualquer deslize...
— Eu morro? — Pergunto, interessada demais na resposta.
— Não. Seria fácil demais para você morrer. — Responde, enquanto tira as algemas das minhas mãos.
— Por que você não me mata? — O encaro com uma expressão desafiadora.
— Porque tenho planos para você. — Ele diz, mantendo o olhar firme.
— O que o faz pensar que eu vou obedecer a você? — Minha insolência é evidente, mas não me intimido.
— Porque agora você só tem a mim. Você não tem mais ninguém, Alinna. Somente a mim. — Sua resposta me cala, e um silêncio pesado se instala.
Leonidas me solta e esfrega suas mãos ao longo dos meus pulsos, tentando aliviar a ardência. As minhas mãos, depois de tanto tempo presas e apertadas, estão doloridas e inchadas. Ele também tem a mão onde enfiei o garfo enfaixada, e o curativo, ainda manchado de sangue, está ligeiramente ensanguentado. O sangue dele ainda permanece em minha pele, quase se misturando com minhas células, uma lembrança visceral do nosso último confronto. Por um lado, Leonidas tem razão: agora eu não tenho mais ninguém. Mas não posso permitir que a morte do meu pai e de minha família seja em vão. Preciso encontrar uma maneira de continuar lutando, não só por mim, mas pela memória deles e pelo que eles representavam. Sacrifique sua rainha.
— As pessoas sabem quem você é de verdade? — Pergunto, minha voz carregada de curiosidade e um toque de ameaça.
— Não. Só algumas pessoas, apenas aquelas que eu quero que saibam. — Responde, sem me olhar diretamente.
— Você não tem medo de mim? Posso contar para quem eu quiser. — Ameaço, meu tom carregado de desdém.
— Você não vai fazer isso. — Ele ri, como se a ideia fosse absurda.
— Como você sabe? — Indago, mas Leonidas me ignora, não oferecendo resposta.
Ele então me lança uma pilha de roupas.
— Tome! Vista isso! — Ordena, sua voz impessoal.
— Para quê isso? — Questiono, olhando para as roupas e depois para ele, confusa.
Leonidas bufa, esfrega as têmporas e respira fundo, claramente frustrado.
— Apenas vista. — Ele insiste, sua paciência esgotada.
Fico parada, segurando a pilha de roupas, encarando Leonidas, esperando que ele saia para que eu possa me trocar com alguma privacidade.
— Vista AGORA! — Ele grita, a ordem ecoando com uma intensidade ameaçadora.
A sorte está a meu favor, pois estou com minhas roupas de baixo. Primeiro, tiro a blusa, depois a calça. Não preciso me abaixar para tirar as botas ou qualquer outro tipo de sapato, já que perdi os meus no dia em que fui trazida de volta à minha nova "casa": a prisão. Leonidas observa com um olhar impiedoso e, ao pegar a blusa que eu havia tirado, leva-a até a boca e a molha com sua saliva. Em seguida, ele segura meu queixo com força, imobilizando-me. Com um gesto impaciente, ele usa a blusa para limpar o sangue seco que está em meu rosto. O contato da peça de roupa úmida e a sensação áspera do tecido contra minha pele são repugnantes, e sinto um desconforto profundo enquanto ele realiza essa tarefa com uma frieza calculada.
— Vista-se rápido! — Ordena Leonidas, sua voz impiedosa.
Pego as roupas e me visto com a agilidade que consigo no estado em que estou. Leonidas quase me veste ele mesmo, tão apressado que está. "Qual é o seu problema?" penso, frustrada com a situação.
— Tome, amarre o cabelo! — Ele me entrega um elástico, sua expressão impassível.
Silenciosamente, obedeço a tudo o que ele me manda. Tento disfarçar minha tentativa de chamar meus poderes, mas eles não respondem. Amarro meu cabelo lentamente, mantendo o olhar fixo nele. Leonidas revira os olhos, impaciente.
— O que fez com meu poder? — Pergunto, com um tom de desafio.
— Você ficará sem eles por um tempo. Se agir como uma boa menina, talvez eu os devolva. — Ele ajusta minha roupa.
— O que você está fazendo? Por que está fazendo isso? — Insisto, minha curiosidade não se acalma.
— Um dia você vai saber. Mas agora, vamos! — Ele me puxa com firmeza.
— Para onde vamos? — Pergunto, sentindo um frio na espinha.
— Para o ensaio do Clãn. — Responde Leonidas, enquanto me conduz com uma força implacável.
— O que é isso? — Minha voz transborda desespero.
— Hugo! — Leonidas grita.
— Diga, Leon. — Hugo responde aparecendo imediatamente, seu tom neutro.
— Leve-a! — Leonidas me entrega para Hugo com um gesto brusco.
— O que vocês vão fazer comigo? — Indago, olhando alternadamente para os dois com medo e confusão.
— Fique quieta, e espero realmente que você saiba lutar bem. — Hugo pragueja, sem me olhar diretamente, sua voz severa.
— Lutar? — Repito, o pânico evidente na minha voz. — Na noite do meu aniversário, o homem que tentou me matar estava com você, não estava?
Hugo hesita por um momento, concentrado em me segurar e garantir que eu não fuja. Finalmente, responde:
— Estava. Mas não era para te matar. Era para te trazer.
Chegamos a uma parede decorada com um quadro de uma mulher deslumbrante vestida de vermelho. Hugo lança um olhar furtivo ao redor e, com um movimento ágil, levanta uma parte do quadro. Abaixo, uma alavanca secreta é revelada. Hugo puxa a alavanca com firmeza, e um mecanismo oculto é acionado. Com um ruído baixo e sutil, uma porta secreta se abre no meio da parede, revelando um corredor escuro e estreito. Hugo me puxa para dentro com uma urgência ainda maior, quase sem dar tempo para eu processar o que está acontecendo. O corredor parece se estender indefinidamente, iluminado apenas por uma luz fraca que emana de tochas embutidas nas paredes, criando sombras sinistras ao nosso redor. Hugo avança rapidamente, sua mão firmemente agarrada ao meu braço, enquanto a porta secreta se fecha atrás de nós com um som de metal pesado. A sensação de estar escondida em um espaço secreto intensifica meu medo e a incerteza sobre o que me aguarda.
— Hugo, por favor, me diga o que vão fazer comigo? — Imploro, minha voz carregada de desespero.
— Sinto muito, Sky. — Ele responde, suas palavras carregadas de um pesar silencioso, antes de continuar seu caminho sem olhar para trás.
Seguimos por um corredor escuro até descermos uma série de escadas que levam a um espaço estranho e inóspito. Ao redor, há pequenas arquibancadas dispostas em círculos, e ao olhar para cima, vejo pessoas em camarotes, algumas com binóculos, observando atentamente o centro do que parece ser uma arena improvisada. No canto oposto, noto Leonidas e seus homens, sentados próximos a Natasha e a outros membros da realeza e nobres de Treeland que não conheço. Natasha mantém sua beleza e seu ar de superioridade, apesar da máscara que cobre metade do seu rosto, onde eu a queimei. Hugo me posiciona no centro da arena com um gesto brusco. Todos ao redor ficam em silêncio, e lentamente, ele se afasta, deixando-me sozinha. Das sombras ao redor da arena, surge uma mulher. Só posso identificar que é uma mulher pelo comprimento dos seus cabelos e pela forma dos seus seios. Ela está envolta em faixas e com os cabelos presos igual aos meus só que em tranças elaboradas. Quando ela aparece, o público ao redor aplaude, o som reverberando pela arena com uma intensidade que aumenta a minha ansiedade. Não sei exatamente o que está prestes a acontecer, mas a forma como todos se comportam sugere que sou parte de algum tipo de espetáculo selvagem. A ideia de ser um "galo de briga" me assombra, e a realização de que meu destino está prestes a ser decidido por uma plateia ansiosa e sedenta por entretenimento é aterrorizante.
— Três, dois, um! — Anuncia uma voz com precisão fria.
Sem aviso, recebo um soco no rosto. O impacto é brutal, e antes que eu possa reagir, outro soco atinge meu queixo, e mais um orelha. Cada golpe me faz vacilar, e em um instante, caio no chão, atordoada. A mulher, começa a me chutar repetidamente no estômago, cada impacto um tormento incessante que me deixa sem fôlego. Eu não entendo por que estou sendo espancada dessa maneira. A Sky que conheço seria capaz de derrotar essa adversária em segundos, mas a Sky que está aqui, agora, parece uma sombra de si mesma. A dor e a perda de meu pai me deixaram em um estado de vulnerabilidade que nunca conheci antes. Ao invés de revidar, ou mesmo tentar contra-atacar, eu me encolho no chão, tentando proteger o pouco que posso. A cada chute, sinto a energia me deixar, e a ideia de lutar parece distante e inalcançável.
— Leon! — Hugo grita com desespero. — Ela vai matá-la!
Hugo tenta intervir, mas Leonidas, impassível, o impede com um gesto brusco.
— Não se meta, Hugo. Deixe-as. — Ordena Leonidas, enquanto se recosta em sua cadeira, observando a cena com um olhar calculista.
A agressão continua. A dor e o impacto dos golpes fazem jorrar sangue de meus lábios, minha sobrancelha, e de meu nariz. Todo esse conjunto faz com que minha visão se turve, e tudo ao meu redor se torna um borrão de movimento e som. A cada soco e chute, sinto a consciência se desvanecer, enquanto ao longe, o grito angustiado de Hugo chama meu nome. Leonidas, de sua posição, continua a incitar a violência.
— Reage! Reage! Reage! — Ele ordena incessantemente, sua voz ecoando em minha mente.
Mas lentamente perco minha visão.
Leonidas entra na cela com uma expressão de frustração e raiva. Ele me agarra com força pelos braços, me levantando do chão com uma brutalidade que faz cada movimento parecer uma tortura. A dor que sinto é quase insuportável; cada soco e chute que levei deixou meu corpo exausto e dolorido, e tenho a sensação iminente de que vou desmoronar a qualquer momento. Olho ao redor, percebendo que já é outro dia. O peso das horas de espancamento ainda pesa sobre mim, e me pergunto como ainda estou viva. A sensação de quase morte que experimentei ontem, uma mistura de tormento insuportável e desespero absoluto, me faz desejar a própria morte. "Bem que eu queria", penso com amargura. A confusão se instala: se Leonidas realmente não queria que eu fosse machucada, por que me colocou naquela situação?
— Você não disse que não queria me matar? — Pergunto com um tom de deboche, minha voz tremendo levemente.
Devido ao inchaço ao redor do meu olho, tenho que olhá-lo de lado para conseguir enxergá-lo melhor. A visão está turva, mas meu desafio é claro. Fico feliz em saber que mesmo depois de tudo pelo menos ainda não perdi minha teimosia e ousadia, dom que adquiri muito bem por ser uma Madark.
— Você praticamente deformou Natasha e enfiou um simples garfo em minha mão. — Ele responde, sua indignação evidente em cada palavra. — Hoje você lutará novamente, e você vai ganhar! — Ele ordena.
— E se eu não quiser? — Pergunto, um sorrisinho sarcástico brincando em meus lábios.
Estou intrigada: por que Leonidas está tão fixado em me ver lutando? Será algum tipo de aposta, ou ele é apenas um psicopata doente que encontra prazer na minha dor? Leonidas, com um olhar feroz, aperta meu queixo com força, forçando-me a encará-lo diretamente.
— Você... — Ele começa, a voz carregada de intensidade. — É melhor do que isso!
Depois que Leonidas sai, me tranca novamente na cela, um sentimento de frustração e impotência toma conta de mim. A incerteza sobre o que me aguarda é angustiante, e a falta de informações só aumenta meu desconforto. Mais tarde, Warner aparece na cela, trazendo um novo conjunto de roupas: uma calça, uma blusa e um par de botas. Ele me observa em silêncio enquanto prende minhas mãos, e então me conduz de volta para o ensaio do Clãn. No caminho, cada passo é uma luta. Sinto fisgadas dolorosas nas pernas, e a dificuldade para andar normalmente me faz mancar visivelmente. Quando chegamos ao local, vejo que as mesmas pessoas de ontem estão presentes, além de alguns rostos novos que parecem tão expectantes quanto os anteriores. Todos estão preparados para assistir à princesa lutar, ansiosos para ver a nova rodada de sofrimento. Desta vez, não sou a primeira a entrar. Em vez disso, observo meu oponente se exibir no centro. Meus pensamentos estão em tumulto, e uma única ideia predomina: "Hoje, com certeza, morro!"
— Vou dizer apenas uma vez, Alinna: ou você luta e impressiona essa plateia, ou morre. Você só sairá daqui se vencer. Caso contrário, deixarei você para morrer, apanhando na frente de todos até seu último suspiro. — Leonidas sussurra em meu ouvido, sua voz macabra fazendo cada palavra se enroscar em meus ossos com sua ameaça.
Apesar da dor devastadora pela perda do meu pai e da esperança que se dissipou com ele, meu orgulho ainda me sustenta. Não quero morrer diante desses ricos esnobes e deixar um legado vazio e inútil. Se for para morrer, farei isso como uma verdadeira guerreira. Meu pai não morreu em vão.
— Mostre-me do que você é capaz, minha boneca. — Leonidas conclui, a voz desafiadora.
Olho para Leonidas com espanto; sua maneira de falar comigo é estranhamente semelhante a forma que minha mãe usava. Mancando e com a cabeça erguida, entro no centro da arena improvisada, me posicionando frente a frente ao meu adversário. Rocha. Vejo-o se mover constantemente, provavelmente se aquecendo para a luta. Ele estrala o pescoço e cospe no chão ao seu lado, um gesto de desprezo que revela sua confiança. Enquanto isso, fico parada, observando-o atentamente, tentando ler seus movimentos e preparar-me mentalmente para o que está por vir.
— Prometo que vai doer... — Ele faz uma pausa, um sorriso cruel se formando em seus lábios. — Muito!
— Três, dois, um! — A voz não demora a iniciar a contagem. Olho para Leonidas e encontro seu olhar penetrante, carregado de expectativa; ele quer que eu ganhe. Volto a minha atenção para Rocha e me posiciono, pronta para enfrentar o desafio.
Rocha e eu começamos a girar em círculos na arena. Ele me atinge com um golpe rápido, mas consigo me desviar a tempo. No entanto, o movimento ágil que faço, aliado às minhas pernas ainda frágeis, quase me faz perder o equilíbrio. Reajo rapidamente e me recupero, mas Rocha não hesita e tenta outro ataque. Tento desviar mais uma vez, mas ele é rápido demais. Sem aviso, Rocha segura minha cintura, gira-me no ar e me arremessa contra o chão com força. Sinto uma dor aguda e contorço-me, ouvindo os aplausos entusiasmados dos espectadores. Ignorando a dor, levanto-me com dificuldade, seco o suor com as mãos e aceno para Rocha com um desafio silencioso. "Você vai precisar de mais para me derrubar", digo com um olhar determinado. Rocha avança em minha direção, seu braço esquerdo esticado para me golpear. Desvio passando por baixo do seu braço e me posiciono ao lado oposto dele. Rocha, irritado, repete o movimento e, desta vez, consegue me derrubar. Mal tenho tempo de reagir antes que ele pise com força no meu joelho direito. Um grito de dor escapa dos meus lábios, e agarro minha perna com ambas as mãos, mordendo os lábios para suportar a dor lancinante. A plateia aplaude novamente, encantada com o espetáculo. Rocha, sentindo-se triunfante, se exibe para os espectadores, levantando os braços e pedindo mais aplausos, enquanto um sorriso de vitória se espalha pelo seu rosto.
— Ainda estou respirando, — sussurro, levantando-me com dificuldade.
"Reage. Reage. Reage." As palavras de Leonidas ecoam incessantemente em minha mente. Pergunto-me o que meu pai faria nesta situação, o que Nicolay Madark faria. Rocha, cheio de fúria e raiva, ri debochado enquanto avança novamente. Fecho os olhos e me concentro, buscando forças para enfrentar o desafio.
...
— Papai, eu não consigo!
— Preste atenção. — Ele diz, demonstrando o movimento em mim. — Pescoço, braços, cotovelada, soco, soco, imobiliza! Entendeu?
— Entendi. Pescoço, braços, cotovelada, soco, soco, imobiliza! — Repito, tentando seguir seus passos.
— Ai, ai. Assim você vai me machucar de verdade! Você é muito forte! — Ele ri, massajando o lugar onde o acertei.
Rimos juntos, o som da nossa alegria preenchendo o ambiente.
...
Abri meus olhos e a estratégia se formou claramente em minha mente. Esperei pacientemente até Rocha se aproximar o suficiente para o ataque. Quando o momento chegou, corri ágil para trás dele e pulei em suas costas, mesmo com as pernas e o joelho latejando de dor tentei ignorar para conseguir realizar meu ataque. Dada a sua altura, essa era a única forma de alcançar seu pescoço. Apertei com força, sentindo-o se debater e seu pescoço ficando vermelho devido à pressão e falta de ar. Rocha, agora visivelmente cansado e desgastado, estava em desvantagem. Esse era o meu momento de revidar. Após mantê-lo sem ar pelo tempo suficiente, desci de suas costas, agarrei seu braço direito e o torci para trás com uma força que fez Rocha gritar de dor. Não dei chance para ele reagir. Voltei o braço dele para frente, ainda o mantendo firme, e dei uma cotovelada potente em sua costela. Repeti o movimento, garantindo a dor, e então comecei uma sequência rápida de socos: direita, esquerda, direita, esquerda. Cada soco era um eco das lições de meu pai, cada golpe com uma fúria contida. Minhas mãos sangram, e eu não consigo distinguir se o sangue é meu ou de Rocha, cujos olhos começam a se fechar em um sinal de derrota iminente.
— Não desmaie agora; a melhor parte está apenas começando. — Eu disse, com uma determinação fria.
Dei um último soco com toda a força que me restava, e Rocha desabou no chão, exausto e desorientado. Para garantir que ele ficasse no chão, levantei-me e pisei com firmeza em seu pescoço, sentindo a pressão a cada respiração que ele dava. Aumentei gradualmente meu peso sobre ele, assegurando que não houvesse chance de ele se reerguer. Rocha estava completamente desmaiado, e eu, exausta e sem forças para continuar, sabia que não podia lutar mais. Olhei ao redor, observando a plateia em silêncio, com rostos perplexos e incredulidade nos olhos. As pessoas estavam claramente espantadas, questionando como uma garota tão pequena e ferida conseguiu derrubar um homem de tamanho e força imensos. Leonidas levantou-se de sua cadeira, seu olhar fixo em mim por um momento antes de se virar para encarar a multidão. Ele parecia refletir sobre o que acabara de acontecer, sua expressão de surpresa e consideração lentamente se transformando em um sorriso de satisfação sombria.
— Senhoras e senhores! — Sua voz ecoa pela arena, atraindo todos os olhares. — Apresento-lhes minha protegida.
Ouvindo o tumulto crescente, percebo que todos se levantam e aplaudem fervorosamente. O som das palmas e os gritos de celebração ecoam por toda a arena, enchendo o espaço com uma vibração quase frenética. Parece que o público está extasiado, como se eu fosse uma heroína vitoriosa em um espetáculo grandioso. É surreal, quase como se eles realmente estivessem apaixonados por mim. Leonidas, de pé e sorridente, observa a cena com um olhar satisfeito. Seu desejo de que eu conquistasse a admiração deles agora parece estar se concretizando. Mas por que ele deseja tanto a minha popularidade? Nesse momento, a questão não importa. A dor e o esforço parecem ter sido compensados pela finalização da luta. Com um suspiro de alívio, agradeço aos deuses que tudo acabou. O peso da vitória é um alívio quase tão grande quanto o da derrota, e por um breve instante, sinto que posso descansar. É o fim da luta, mas a nova questão é o que vem a seguir.
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