Eu te amo
(CARLYN)
Um dia depois que falei com meu pai pelo telefone, acordo decidida que irei ligar para ele e contar como me sinto, de início eu não queria fazer isso pois nem ao menos sabia se queria mesmo fazer as pazes com ele mas Shawn me orientou e acabou me convencendo a ligar pra ele. Talvez, mesmo que eu não o deseje perto de mim, preciso fazer minha parte e lhe contar o que estou sentindo, papai sabe que não estamos em uma situação boa então não é justo deixar ele cego nessa discussão.
Me sento em um dos bancos no campus após dizer para Zoe ir entrando e que vou depois, respiro fundo digitando o número do meu pai e suplicando para ninguém em específico que ele atenda, em Toronto é de manhã então suponho que seja noite na Austrália.
—Oi querida.—ele saúda do outro lado, sua voz parece mais rouca do que o normal.
—Ei pai, você está podendo falar agora?
—Estou sim, o que houve?—escuto o som dele se locomover, mordo a ponta da minha unha pintada de vermelho me sentindo nervosa.
—Ainda guardo rancor por você ter nos abandonado.—vou logo direta ao ponto. Me sinto extremante ansiosa pois nunca falamos sobre a ida dele para Austrália, tudo o que sei é que ele e mamãe não estavam mais feliz.
—Okay...—seu tom é suspeito como se esperasse que eu continuasse então o faço.
—Você não abandou só minha mãe, você deixou eu e Talia quando foi embora e não sei se consigo te perdoar por isso, porque você virou as costas para a nossa família em um momento em que deveríamos ficarmos unidos e agora...provavelmente é algo bobo mas isso tem me incomodado e eu não consigo ficar quieta com isso em meu coração. Você sabia que eu não podia ficar aqui em Pickering durante o natal e sua esposa me deixou de lado na viajem de vocês como se não soubesse que passamos todo final de ano juntos. E...você não fez nada para me incluir.
—Querida...foi tudo muito em cima da hora.
—Admita que você apenas não me queria lá, se você realmente quisesse teria tentado me incluir.
—Eleanor queria uma viajem com apenas nós dois, eu sinto muito.
—Uma viajem de apenas vocês dois que incluía o filho dela.—digo com rispidez.
—Não vou defender ela porque não concordo com o que ela fez e sinto muitíssimo, eu e ela passamos grande parte da viajem discutindo sobre isso, o que ela fez foi horrível, eu apenas não queria causar mais discussão com você indo e sua mãe concordou comigo que já estava na hora de você e Shawn aprenderem a conviver juntos novamente.
—Você realmente me queria lá?
—Você sabe que sim, eu te amo querida...e odiei o que a Eleanor fez, não tem desculpas para isso. Sinto muito por não ter intervido, e sobre o passado...é complicado.
—Sim, realmente é...você foi embora, pronto...
—Carlyn...
—...e não há desculpas para isso.
—Eu sei que não, fui egoísta mas eu simplesmente não conseguia permanecer em Pickering, na casa onde vi meu filho crescer e...morrer, eu simplesmente não conseguia. Eu não era mais um bom pai e muito menos um bom marido, eu e sua mãe não estávamos nos entendendo mais, sempre amarei ela mas deixamos de estarmos apaixonados a muito tempo.
—Eu...—não sei o que falar.
—Sou uma pessoa egoísta e admito isso, eu já estava começando uma vida aqui na Austrália e quando eu e sua mãe começamos a discutir todos os dias e mal conseguíamos olharmos na cara um do outro...parecia o certo ao se fazer. Não queria que vocês duas ficassem em um lar onde os pais se odiavam, não queria que você e Taila tivessem a versão que eu me tornava quando eu e sua mãe discutíamos.
—Entendo.
—Você entende?
—Sim.—fungo percebendo só então que estou chorando, e realmente o entendo.
Estou agradecida por ele ter me dado uma explicação. Talvez realmente foi o certo ao se fazer embora não justifique ele ter nos deixado no nosso momento mais difícil mas compreendo que ele não queria que crescêssemos, principalmente Taila que era mais nova na época, em uma casa onde acordávamos todas as noites com as gritarias. Sou realmente grata, nos meses após Apólo morrer parecia que fomos substituídos por uma família diferente onde não conversava durante o café e mal nos víamos mesmo morando na mesma casa, e depois que meu pai se mudou...as coisas foram simplesmente se ajustando.
—Eu realmente sinto muito por ter escolhido aquele momento para me separar de sua mãe.
—Quero que saiba que ainda não te perdoo por ter ido embora da forma que fez, talvez eu nunca vá mas agora eu compreendo o motivo pelo qual o fez.
—Querida...quero que saiba que eu te amo, meu amor por você não deixou de existir só porque fui embora.
—Eu sei, eu também te amo. Hum...eu acho que preciso ir, minha aula já vai começar.
—Ok, nos falamos depois?
—Sim, depois nos falamos.
Desligo o celular permitindo que uma última lágrima caía dos meus olhos, suspiro me sentindo realmente aliviada por essa conversa. Não esqueci o que ele fez e muito menos concordo, me conheço e sei que sempre guardarei o rancor da esposa dele ter me excluído da viajem e ele não ter feito nada para não causar discordância entre eles, da mesma forma que também nunca vou esquecer que ele não permaneceu do nosso lado durante o luto de Apólo. Mas agora consigo seguir em frente com isso e não sentir toda essa raiva por ele que não faz bem para meu coração.
Acho que eu e ele somos bastante parecidos por isso não nos damos muito bem. Taila é calma como minha mãe mas tenho a preocupação com o próximo dela enquanto minha irmã é mais fria. Todavia, tenho o orgulho do meu pai , já tentei mudar mas é difícil.
Encontro Leslie no caminho para a aula e vamos todo o tempo conversando, ela me conta uma nova receita caseira que deixa a pele dela com um brilho natural e lisinha.
Já durante a aula, fiquei quieta fazendo anotações pois não me sinto confortável em conversar na aula do Edward, evito qualquer oportunidade dele me advertir. Minhas precauções não importaram muito pois enquanto descíamos o auditórios no final da aula, ele chamou meu nome.
—Senhorita Olsen, gostaria de conversar com você sobre sua recente análise.
Senti meu corpo inteiro ficar tenso com meu nome sendo pronunciado por ele mas ninguém pareceu perceber, já que continuaram seu caminho para fora da sala. Perguntei mas Leslie se ela poderia ficar ao lado da porta no lado de fora caso ele tentasse algo, como temos feito sempre que ele quer falar com uma de nós duas, mas ela disse que sua próxima aula começaria em três minutos e então foi embora após sussurrar milhões de desculpas. Respirei fundo e me virei na direção do me professor quando a última pessoa saiu da sala e bateu a porta tornando a sala um silêncio total além do barulho do apagador contra o quadro de giz.
—Sim, Professor Edward?—mexo em minhas mãos em nervosismo.
Me aproximo dele ficando ao lado de sua mesa enquanto ele continua de costas para mim apagando o quadro, vejo as mangas de sua camisa social dobrada acumulando acima de seu cotovelo, de uma forma que destaca os músculos do seu braço. Em geral, Edward é um homem bastante atraente e eu provavelmente babaria por ele durante as aulas caso olhar pra ele não me desse repulsa. Seu corpo é bem bonito, indicando que deve ficar no mínimo duas horas na academia, ombros largos e braços fortes que poderia facilmente impedir alguém de correr dele, engulo em seco ao me imaginar nessa situação. Seu cabelo castanho claro é em um topete que me lembra ao de Shawn mas não há cachos como o do meu namorado, seus olhos castanho escuro me lebram a escuridão e tem um sorriso com covinhas que faz metade da universidade suspirar assim como o sotaque britânico.
—Preciso confessar que sua análise sobre as vestimentas do teatro antigo na Grécia me surpreendeu bastante.—engoli em seco novamente ao ouvir sua voz. Por favor, que ele continue de costas, é muito mais fácil lidar com ele estando sem me olhar.
—Obrigada.
—Você detalhou certos aspectos que os outros alunos nem ao menos pensaram em abordar, como nos detalhes dos tecidos e como eles foram produzidos.
Talvez seja porquê tenho passado noites em claro fazendo com perfeição tudo o que ele passa para não haver motivos dele me dar uma péssima nota e caso isso aconteça, farei eu mesma com que a diretora julgue o trabalho.
—Apenas fiz meu trabalho.
—Me responda querida...como foi suas férias?
Respiro fundo, não entendo onde ele quer chegar e isso me aterroriza.
—Ótimas, agradeço por perguntar.
—Novidades?—franzo as sobrancelhas confusa por sua pergunta, não tenho intimidade no nível de contar as novidades em nossa vida.
—Nenhuma, Senhor.
—Por favor Carlyn, deixe essa formalidade de lado.
—Se não se incomodar, eu prefiro assim.
—Bem...pois me incomoda.—engulo em seco, seu tom não é exatamente raivoso mas deixa claro o incomodo.
A última frase da lousa é apagada e tenho certeza que foi proposital quando ele deixou cair o apagador no apoio fazendo grande parte do pó de giz voar para cima de mim deixando manchas branca marcando meu suéter justo azul.
—Oh Deus...sinto muito.—ele se afasta da lousa vindo na minha direção, me controlo para não dar um passo para trás.—Não era a minha intenção.—é tudo muito rápido mas quando vejo sua mão está se esfregando um pouco acima da minha barriga, seu toque me faz estremecer e não é de um bom jeito.
—Professor Edward...eu posso fazer isso.—seguro seu pulso o afastando de mim e então eu mesma esfrego meu suéter.
—É o mínimo que posso fazer quando eu fui o culpado.
Ele é tão sínico que me dá nojo. Sua mão volta para minha barriga me forçando à retirar a minha, apenas olho para cima esperando logo que ele limpe qualquer resquício do pó branco em minha barriga pois assim saberei que ele me deixará em paz quando acabar. Odeio sentir seu perfume amargo entrando em minhas narinas e saber que ele está tão próximo do meu corpo ao ponto de sua respiração bater em meu rosto, sua mão vai deixando de ser frenética e os movimentos passam a serem sutis como se estivesse aproveitando do momento.
Me odeio nesse exato momento, minha mãe sempre me ensinou a jamais deixar um homem me controlar e eu lia livros onde as protagonistas passavam por uma situação de assédio e me perguntava porque simplesmente não o mandava cair fora mas hoje entendo. O medo é o que nos impede. Quero afastá-lo e denunciá-lo mas simplesmente não consigo, toda a minha carreira na moda estará arruinada por ele. Sinto uma lágrima se formar no canto dos meus olhos, me sinto tão covarde nesse momento.
Engasgo com minha própria saliva no momento que seus dedos tocam meu seio por cima do suéter, em um reflexo seguro seu pulso com firmeza e o afasto de mim.
—Eu tenho namorado.—odeio usar esse argumento, ele deveria parar simplesmente porque não quero.
—E você ainda disse que não tinha novidades.—ele diz com humor e não parecendo nenhum pouco se importar com a mais recente informação.
—Pois é...tenho.
—Não me importo, de qualquer forma.—sua mão volta a ser posta em cima do meu seio e dessa vez ele dar um apertada como se isso fosse me excitar.
—Pois bem...eu sim.—afasto mais uma vez sua mão, Edward ri achando graça da minha atitude.
—Adoro quando você dar uma de difícil.—seus braços agarram minha cintura juntando nossos corpos.
—Me solte.—tento empurrar seu peitoral mas nada acontece.
—Não ver como estou duro?—quero vomitar em cima dele quando o mesmo esfrega sua ereção em minha barriga.—Você faz isso comigo.
—Me solta, agora.—as palavras escapam dos meus lábios com dificuldade por conta do bolo em minha garganta, sinto meus olhos lacrimejarem em terror.
—Vamos só nos divertir um pouco.—ele sorri antes de afundar seu rosto em meu pescoço e começar a beijar a região.
—Eu mandei você me soltar!—grito e empurro seu peitoral com toda a força que habita dentro de mim. Edward cambaleia pra trás e seu corpo bate na lousa, espero a raiva surgir nele mas ao invés disso o que acontece é um sorriso divertido.
—Deus...você é selvagem.—seu olhar brilha em desejo enquanto tenho certeza que o meu brilha em pavor.
—Eu vou embora.—anuncio já andando em disparada para a porta.
—Te vejo amanhã.
Sua voz soa abafada para mim, tudo em minha volta parece girar e o caroço em minha garganta vai se tornando impossível de aguentar. Não exergo direito os alunos no corredor pois minhas lágrimas deixam minha visão embaçada, saio correndo para o banheiro já sentindo um ataque de pânico dominar meu corpo.
Cinco dias depois me encontro sentada no sofá do meu namorado.
—O que você quer assistir?—Shawn pergunta se jogando ao meu lado no sofá e passando seu braço por meus ombros fazendo com que eu me aconchegue na volta do seu pescoço, seu perfume masculino me trás um certo conforto do péssimo dia que tive.
—Tanto faz.—dou de ombros não fazendo muito caso pra isso.
Sinto o olhar do meu namorado sair da TV e ir até mim e pelo canto de olho vejo suas sobrancelhas franzirem em confusão, provavelmente pela súbita mudança do meu humor. Ontem quando eu vim para seu apartamento me senti mais animada, provavelmente por ele ter ido me buscar no trabalho com uma rosa em suas mãos e porquê ganhei diversos beijos no elevador enquanto subíamos, estive a semana inteira com o humor sombrio e ele deve ter percebido pois ontem fez de tudo para me agradar. Quando o mesmo perguntou o que iríamos assistir logo me animei e ficamos por quase dez minutos entre uma discussão bem humorada sobre o que iríamos assistir e brincadeiras onde ele me zoava dizendo que não assistiria Uma Linda Mulher pela décima vez, segundo o mesmo, Aaliyah já tinha lhe obrigado a assistir esse filme dezenas de vezes.
—Ok, o que acha de Titanic?
—Pode ser.—ainda sinto seu olhar em mim como se estivesse sendo cauteloso com tudo que sai dos seus lábios enquanto mantenho meu olhar na TV com o catálogo de filmes aberto.
Shawn fica em silêncio e começa a mexer no controle, pouco tempo depois o que surge na televisão não é o filme com o DiCaprio mas sim Uma Linda Mulher, de novo. Deus...eu amo esse filme. Me aconchego mais nele abraçando sua cintura e deixo um beijo suave na pele de seu pescoço esperando que ele veja isso como um agradecimento, logo em seguida ele deixa um beijo no topo da minha cabeça.
Sinto falta de compartilhar carinho com ele, dessa forma e como trocamos beijos ontem no sofá e no elevador. Os últimos dias têm sido um desastre em nosso relacionamento e a culpa não é dele, sou totalmente a culpada pois tudo o que ele tem feito é tentar me ajustar e com que eu me sinta bem enquanto eu o afasto.
Nos três primeiros dias depois do acontecimento com o Professor Edward, eu o evitei como o diabo foge da cruz, Shawn me ligava três vezes ao dia enquanto eu apenas deixava tocar no silencioso pois se eu recusasse a chamada ele saberia que eu o ignorava.
No segundo dia, Aaliyah foi até minha casa com a desculpa que estava apenas fazendo uma visita mas eu soube que havia sido a pedido do Shawn para verificar como eu estava, de toda forma ela não perguntou o motivo de estar ignorando seu irmão, apenas me fez perguntas sobre o meu bem estar.
No terceiro dia, Shawn foi até minha casa, eu o deixei entrar e conversarmos sobre tudo menos sobre o que estava acontecendo entre nós e então o disse que estava ocupada com alguns trabalhos da faculdade e então ele foi embora. Minutos depois recebi uma mensagem dele dizendo "não sei o que se passa com você mas saiba que estou aqui para o que precisar, espero que fique bem." e então eu passei a noite chorando pois não era justo ele ser tão gentil comigo enquanto eu estava sendo uma péssima namorada.
O ignorando e o afastando, mentindo pra ele sobre o que se passa em minha vida, ocultando em como me sinto sendo que havíamos combinado de não termos segredos entre nós. E então ontem eu resolvi que precisaria vê-lo para disfarçar que estava o evitando, lhe mandei uma mensagem dizendo que passaria em seu apartamento e então ao sair do ateliê lhe encontrei me esperando. De fato, ontem senti meu humor melhorar e não é como se houvesse mais uma nuvem carregada em cima da minha cabeça, conclui que talvez o melhor a se fazer fosse ficar do lado dele por isso agora estou aqui em seus braços ainda sentindo meu coração pesado mas ainda um pouco melhor.
—Acho a Vivian bonita demais pra esse cara.—Shawn comenta o filme após alguns minutos em silêncio, meus lábios se contorcem em uma espécie de sorriso.
—Isso é meio errado de se dizer.—meu tom sai zombeteiro.
—Por que?
—Porque dar a entender que ela não deveria ficar com ele pois o...Edward não é bonito o suficiente para ela, beleza não é tudo.—o nome do meu professor e coincidentemente o do protagonista masculino sai com dificuldade dos meus lábios mas Shawn não parece notar.
—Você tem razão. Mas é um fato...por exemplo, sabemos que você é a mais bonita do casal mas isso não significa que nos gostemos menos ou que deveríamos não estarmos juntos, o mesmo para eles.—solto uma gargalhada e só então percebo que o ato dói meu peito, provavelmente pois estou desacostumada a rir.
—Você só pode estar brincando, sou bonita e sei disso mas olha pra você...todos sabem que você é mais. Uma prova disso é grande parte do globo ser louca por você.
—Você está errada, muitas pessoas podem estarem interessados em mim mas onde entramos todos olham e babam por você. Se você fosse uma pessoa pública seria desejada por todo o planeta, até os alienígenas iriam querer te pedir em casamento.— rio mais ainda de seu exagero.—Caso você não saiba, você é meio hipnotizante.
—Ok, então acho que somos um casal bonito.—digo não me importando se estou sendo convencida, ele ri.
—Somos sim.
Voltamos a ficar em silêncio e consigo assistir o filme por alguns minutos mas toda vez que o nome do protagonista é pronunciado me sinto tonta e com vontade de chorar pois automaticamente as lembranças dos toques de Edward me invadem.
Eu ter o empurrado na primeira vez que ele voltou a me tocar não pareceu fazer com que ele estivesse ciente que não o quero, depois disso ele começou a me tocar de forma sútil. Tocando em minha clavícula toda vez que passava por mim que estava sentada tentando me concentrar em sua aula, fazendo questão de segurar minha cintura quando eu estava prestes a ir embora e ele queria que eu ficasse, tocando em minha rosto enquanto me forçava a conversar com ele, tocando em meu seio por mais que toda vez eu o afaste e então ele volta a repetir o ciclo. Não aguento mais olhar para o rosto do protagonista pois ele automaticamente me lembra meu professor e o pobre Richard Gere não tem culpa de nada.
—O que acha de cozinharmos algo? Estou morrendo de fome.—sugiro pois assistir filme não está me ajudando, há silêncio demais deixando espaço para que eu não pare de pensar. Talvez cozinhar e conversar com ele vá me ajudar a esquecer de tudo.
—Você cozinhar?—sua sobrancelha é erguida de uma forma debochada.
—Sim, eu cozinhar, garanto que sou melhor que você.—o desafio me levantando do sofá.
—Você detesta cozinhar, podemos pedir algo.
—Estou afim de preparar.
—Tudo bem então.—ele se levanta do sofá desligado a TV logo em seguida.
Logo vamos para sua cozinha bem equipada e nunca estive tão ansiosa para mexer com fogo e panelas. Preciso parar de me sentir culpada.
A culpa está me atormentando. Me sinto tão egoísta e fraca por não ter coragem de denunciá-lo fazendo assim provavelmente mais dezenas de garotas sofrerem o mesmo pelo que estou passando e irão passar pois não estou o impedindo.
Sempre fui uma garota muito decidida e forte , jamais aceito que um cara faça algo no qual não me sinto confortável mas agora é como se essa garota que tacou um caderno na cara de um rapaz por ele ter tocado em minha coxa pela terceira vez que eu fugi do seu toque tivesse sido substituída por uma mulher medrosa e não quero ser uma mulher que deixa homens andarem por aí fazendo o que quiserem usando o nosso medo ao seu favor.
Me sinto culpada por "deixar" que ele toque nos mesmos locais que meu namorado tocou pois mesmo que eu o afaste sinto como se eu estivesse permitindo ao não lhe denunciar. Me sinto culpada por estar deixando isso afetar em meu relacionamento com o Shawn, a forma que não consigo olhar em seu rosto sem me sentir culpada por outro homem estar me tocando enquanto ele deveria ser o único a fazer isso.
Shawn e eu decidimos que faremos uma macarronada de queijo para jantarmos—e também a única coisa que sabemos fazer—embora seja o final da tarde ainda. Shawn acaba queimando levemente o dedo na panela que estava cozinhando o macarrão na água e peço a ele que é melhor se sentar no balcão e esperar já que provavelmente não poderá tocar violão nem guitarra por alguns dias já que foi justo o seu dedão, um dos dedos mais importante para tocar os instrumentos de corda.
Preparo o molho enquanto conto a ele que eu e meu pai nos resolvemos e quando termino vou me sentar em cima do balcão para esperarmos o macarrão até estar molhe para ser misturado com o molho. Shawn permanece em pé no balcão e só percebi que me sentei longe dele quando o mesmo se aproximou de mim até estar ao meu lado.
—Eu estou nervoso.—ele admite levando sua mão até a minha entrelaçando.
—Por que?
—As indicações do Grammy será na próxima segunda.—sorrio me sentindo orgulhosa por ele estar acreditando na possibilidade de ser nomeado, se ele não tivesse cultivando esperança então não estaria nervoso.
—Você vai conseguir.—aperto meus dedos em volta de sua mão e a levo até meus lábios beijando.
—Estou com medo pois não sou o único que está criando esperança, minha mãe está contando para todo mundo que tenho chances de ser nomeado, ela parece orgulhosa. E se eu não for e decepcionar todos?
—Você vai, li algumas coisas na internet e você tem sido bastante comentando pelos críticos e você de fato merece. Se você não conseguir, todos irão te apoiar como sempre fazem e então tem o próximo ano. Sem mencionar que embora Grammy seja importante não define seu talento, há diversos artistas muitos importante que nunca foram indicados e você ainda está no começo da carreira.—um sorriso sem mostrar os dentes se forma em seus lábios.
—Obrigada, você sempre parece saber a coisa certa a dizer.—sinto sua boca se aproximar do meu braço e então sinto um beijo carinhoso sendo posto no local que fez todo meu corpo ficar em alerta, foi onde Edward acariciou da última vez em que ele me deixou presa na sala com ele, um dia atrás.
Minha respiração se altera em nervosismo pelo toque e a culpa me atinge mais uma vez porém Shawn parece interpretar errado, talvez pensando que a dificuldade em respirar é por causa da excitação. Shawn não parece notar a tensão em todo meu corpo pois sua boca continua a se mover contra minha pele em beijos carinhoso que não consigo sentir, tudo o que sinto é uma boca tentando me excitar enquanto não quero isso, como Edward normalmente faz. Seu braço vai pra trás do meu corpo e quando minha cintura é tocada, meus olhos se arregalam e sinto um pavor me dominar.
Quero afastá-lo de mim, quero sair correndo dessa sala de aula e socar seu rosto com um sorriso divertindo sempre dizendo o que adora quando reajo, minha "selvageria" como ele costuma dizer o excita.
Não sei mais diversificar a realidade do que não é, a realidade agora é que sinto lábios beijando meu braço enquanto uma barba raspa em minha pele e mãos levemente enrugadas sobem por minha coluna. Meu coração parece que vai sair pela boca com o pavor e apenas olho para o teto esperando que ele termine seus toques como costuma fazer, seu cheiro é de um perfume importado forte misturado com o cheiro de whiskey que ele deve beber todas as manhãs antes de ir dar aula. Me solta, quero gritar mas não consigo, minha garganta arde como se tivesse engolido um metal que foi posto no fogo em brasas, ou melhor...como se eu tivesse engolido a própria brasa.
E então sinto meu seio direito ser tocado fazendo com que eu finalmente reagisse empurrando Edward pelo peitoral e pulando de cima do balcão correndo para o outro lado da cozinha ficando o mais longe possível dele.
—Por que você me tocou?—grito sentindo a raiva dominar meu corpo.
—Eu...eu pensei que você queria.—não é mais Edward que está em minha frente e sim Shawn mas eles nunca pareceram tão iguais. "Eu pensei que você queria", Edward me disse isso dois dias atrás quando eu o afastei dizendo que não queria que ele tocasse em meu pescoço.
—Eu não te dei permissão para fazer isso!—seu olhar é confuso como se o que eu acabei de dizer não fizesse o menor sentido pra ele.
—Você tem razão, me desculpe...não deveria ter te tocado, eu entendi errado...sinto muito.Mas...deixa pra lá.
—Mas o que?—Shawn passa as mãos por seu cabelo e suspira em frustração.
—Como isso vai funcionar? Eu vou precisar te perguntar se posso toda vez que quiser entrelaçar minha mão na sua ou te beijar? Eu...somos namorados, não sei como isso deve funcionar, se você detesta tanto meu toque então...—ele se interrompe arrependendo-se de imediato do que iria falar. Shawn suspira mais uma vez e vem na minha direção mas recua assim que dou um passo bruscamente pra trás me fazendo segurar a pia atrás de mim. Seu olhar frustrado muda para um magoado como se não conseguisse acreditar que não suporto ficar ao seu lado, sinto meu peito subir e descer em pânico.
—Eu...—tendo dizer algo mas não sei ao certo, nunca estive tão confusa.
Agora sei que o rapaz que está do outro lado da cozinha jamais me tocaria a força tanto que no momento que o afastei ele não tentou me tocar novamente mas ao mesmo tempo não consigo estar perto dele sabendo que estou mentindo para o mesmo, sinto como se estivesse o traindo com outra pessoa.
Mordo meus lábios com força tentando conter um possível choro, sinto meus olhos arderem assim como o caroço em minha garganta que me interrompe no momento que tento dizer algo. Mas não sei o que dizer. Não se quero que ele fique longe de mim por não aguentar olhar em seu rosto sabendo que estou mentindo para o mesmo ou se quero que ele me abrace e diga que tudo vai ficar bem.
—O que está acontecendo, Carlyn? Por que está me evitando a dias e tanto ontem como hoje você parece estar em qualquer lugar menos aqui comigo? Não...posso mais te tocar sem que você se esquive de mim, você não me olha mais no rosto como agora.—Levanto meu olhar do chão da cozinha para ele.—O que eu fiz de errado?
—Vo-Você não fez nada de errado.—consigo dizer embora com dificuldade, sinto todo meu maxilar tremendo e minha cabeça doendo por estar segurando as lágrimas.
—Eu...eu não entendo.
Sua feição magoada é demais pra mim por isso volto a olhar para o chão. A possibilidade de o perder agora me sufoca, não quero que ele termine o que temos. Sei que ele merece uma garota não o evite durante toda uma semana ou que surta toda vez que ele a toca. Sou uma péssima namorada. Sinto meu rosto sendo molhado. Não consigo pensar na possibilidade de continuarmos um relacionamento onde ambos estamos distantes, a possibilidade dele deixando de gostar de mim me mata por dentro, isso que vai acontecer se eu continuar recusando sua atenção e não lhe dando. Não quero perdê-lo. Não quero continuar sendo fraca. Não quero chorar mais todas as noites como tenho feito. Ou andar pelos corredores da faculdade com o pavor de trombar com Edward. Um soluço escapa dos meus lábios e logo enterro meu rosto em minhas mãos tentando abafar o som de choro.
Sinto braços me rodearem pelos ombros e no mesmo instante permito sentindo o aroma que costuma me confortar, afundo meu rosto no peitoral de Shawn e agarro o tecido da camisa de suas costas não permitindo que alguma vez ele se afaste, eu preciso dele. Dessa vez o choro é mais intenso do que nas noites passadas, dessa vez não estou mais sozinha abraçando meu travesseiro, agora tenho mãos acariciando tanto minhas costas para aliviar o choro quanto meu cabelo. Ele não pede para eu parar de chorar e duvido muito que eu seria capaz de fazer isso, ele apenas me abraça e me permite colocar pra fora tudo o que estou sentindo, não exige que eu conte o motivo pelo qual estou chorando e sou grata por isso. Meu corpo inteiro passa a tremer quando lembro o sentimento de terror toda vez que preciso ficar naquela sala após todos irem embora, eu odeio tanto ele, odeio tanto. Não aguento mais olhar em seu rosto, ouvir sua voz e muito menos sentir seu toque. Eu tenho nojo dele e pavor, ele nunca chegou a ser agressivo comigo mas a forma que ele tem controle sob mim me aterroriza, como se ele soubesse que negá-lo fará com que eu perca todo um futuro pela frente, nunca conseguirei abrir meu próprio ateliê pois basta uma publicação dele detonando meu estabelecimento que nenhuma alma irá frequentar, minhas chances de trabalhar para uma marca famosa serão arruinadas, basta ele espalhar um boato sobre mim que ninguém irá me contratar. Eu só preciso aguentar até me formar, certo? Não é muito tempo, basta mais um mês e alguns dias.
—Hey baby, vem...você precisa tomar um banho, isso vai te acalmar.—os braços em minha volta vão me soltando e apenas deixo ser guiada por ele, me sentindo no automático.
(...)
Shawn retirou minha roupa e colocou-me em baixo do chuveiro de seu quarto, ele me deixou tomar banho sozinha me dando a instrução para não lavar o cabelo já que está escuro e frio, o que não adiantou muito já que no momento que entrei no box me senti sem forças até mesmo para girar meu corpo de uma forma que molhasse apenas meu corpo. Entrei em baixo do chuveiro e fiquei parada por vários minutos sentindo a água cair no topo do meu cabelo e então descer por todo meu corpo nu. Shawn não me deu um sabonete novo então com muito esforço abri seu shampoo e me ensaboei enquanto sentia minhas costas tremerem pelo choro intensificado agora que não tinha mais ele me abraçando.
Desligo o chuveiro respirando fundo e realmente me sentindo mais aliviada, as lágrimas pararam assim como meu maxilar que não treme mais todavia a dor em meu coração ainda não foi embora e eu sei porquê. Estou guardando isso para mim mesma e quando você não compartilha sua dor com alguém seu coração tem a tendência a precisar suportar, mesmo que ele não precise fazer isso sozinho. Saio de dentro do box secando meus pés no tapete ao lado e encontro uma toalha branca pendurada no trinco da porta, Shawn deve ter deixado pra mim. Me seco com cuidado pois sinto que se eu forçar qualquer coisa contra meu corpo irei desmanchar.
Ao sair do banheiro, encontro Shawn sentado na beirada de sua cama enorme com um moletom em mãos, sua cabeça está baixada e noto seu pé bater freneticamente no chão. Ele está ansioso, o tempo em que tenho estado com ele me fez aprender a reconhecer os sinais, odeio que eu seja a culpada por ele se sentir assim.
Shawn ergue seu olhar parecendo ter sentido minha presença.
—Você deixou uma calcinha aqui na semana passada e pode vestir meu moletom, é mais confortável que sua calça jeans.—ele vem até mim com o moletom verde musgo que está em suas mãos.—Você está com dor de cabeça?—ele presume já que chorei bastante, confirmo em silêncio.—Eu vou buscar um remédio e água, se vista.—ele se retira do quarto logo depois de beijar minha testa.
Vou até a cama e solto a toalha que está em volta do meu corpo a colocando em cima, desdobro o moletom fazendo uma calcinha cair de lá e logo a visto pois o aquecedor do apartamento está desligado e não aguentarei muito tempo ficar nua. Já no moletom tenho um pouco mais de dificuldade em vestir por conta do capuz que acaba fazendo com que minha cabeça se enrosque impossibilitando que eu passe minha cabeça pelo buraco mas logo escuto o som da porta se abrindo e de um copo sendo posto na superfície de algo, em seguida sinto o corpo de Shawn em minha frente e o capuz é colocado para trás por ele fazendo minha cabeça finalmente passar pelo buraco, ele também me ajuda a deslisar o tecido por meu corpo fazendo o moletom bater no meio das minhas coxas, é bastante quentinho.
Sinto meu coração aquecer com a forma atenciosa que ele me olha enquanto retira meu cabelo que ficou preso dentro do moletom, quando termina o mesmo acaricia meu rosto com seu polegar de uma forma que seu toque parece flutuar. Ele se afasta de mim e então o calor parece ir embora mas não por muito tempo pois ele volta com um copo d'água em uma mão e um comprimido branco e cumprido na outra, imagino que seja Tylenol. Tomo o remédio e ele logo volta para o criado-mudo para deixar a água enquanto me sento na borda da cama sentindo-me nervosa por ter essa conversa com ele.
—Não sei por onde começar.—suspiro mantendo meu olhar em minhas mãos que tremem levemente.
Shawn se senta ao meu lado na cama e diferente como eu pensava ele não se distancia, ao invés disso o mesmo introduz sua mão em meu cabelo acariciando o couro cabeludo com seus dedos.
Respiro fundo criando coragem e conto tudo à ele, desde como conheci Edward até a última vez em que ele me tocou, me sinto com tanta vergonha por não ter feito nada todo esse tempo e lhe dando liberdade para ter tocado em mim e sei lá quantas mais garotas. Quando termino de contar estou chorando novamente de soluçar e ao erguer meu olhar para olhá-lo encontro sua mandíbula trincada e acho que nunca o vi com tanta raiva em minha vida mas no momento em que o olho sua feição se suaviza e ele abraça todo meu corpo com seus braços. Sinto em seu abraço o que ele quer dizer, é impossível não sentir. Sinto muito por você ter passado por isso. Vai ficar tudo bem. Por que não me contou?
—Eu sinto muito por não ter te contado, eu não conseguia, me sentia tão...
—Não importa, você não estava pronta pata me dizer, o importante é que você disse.
—Eu me sinto tão culpada, nojenta, fraca.
—Você não é nada disso, me escutou?—ele se afasta de mim segurando meu rosto formando-me a olhar em seu rosto.—Não consigo nem imaginar como você se sentiu todo esse tempo com esse cara te manipulando mas não importa porque você não é a culpada, a culpa é exclusivamente dele e você está longe de ser fraca. Você é a pessoa mais forte que eu conheço, não ter o denunciado na primeira vez que ele te tocou não te torna fraca, você estava com medo, ele te fez se sentir assim.
—Eu não sei o que fazer.—mordo os lábios para não chorar mais do que estou.
—Você precisa denunciá-lo, para a polícia ou para a faculdade, ele não pode continuar fazendo isso com garotas e usando a influência dele para deixar vocês com medo. Deus...eu poderia matá-lo agora mesmo se o visse.
—Você não entende, ele já trabalhou na merda da Vogue. É a revista de moda feminina mais importante e todo estudante de moda almeja pelo menos ser capaz de participar de uma capa deles, eu desejo isso. Se eu o denunciar, sabe-se lá o que irá acontecer. Ele pode encontrar uma forma de me calar, eu posso ser expulsa da universidade antes mesmo de me formar, ele tem amigos importantes na moda e pode destruir minha carreira em um estalar de dedos.
—Mas você tem direitos. Eu sei que vivemos na merda de um mundo onde pessoas com contatos encontram uma forma de escapar das merdas que fazem mas eles não podem te expulsar da faculdade por denunciar um caso de assédio. Ele pode destruir sua futura carreira da mesma forma que você pode destruir a dele, é a sua palavra e a da Leslie contra a dele ou de sei lá quantas mais garotas ele assediou, elas podem criarem coragem e denunciar depois que outra pessoa der o primeiro passo.
—É arriscado demais.
—Carlyn...eu posso conseguir a merda do melhor advogado do mundo se a faculdade não fizer nada a respeito dele. Não importa...a única forma dele destruir sua carreira é com os amigos que ele fez na vogue e se ele tentar fazer isso eu dou um jeito, ele não é o único que tem amigos lá. Acredite em mim quando digo que as chances dele ter tudo a perder é bem maior do que você tem a perder, se você denunciar ele...a vogue jamais irá o acobertar, eu conheço a diretora-chefe da Vogue americana e ela nunca faria isso ou aceitar que ele tente te difamar no mundo da moda e se eles negarem qualquer acusação te desmentindo, basta um tweet meu para eles se arrependerem, talvez eu não tenha influência para fazer todos acreditarem que eles estariam mentindo mas tenho amigos influentes que fariam isso.
Fico em choque com suas palavras, nunca o vi com tanto sangue nos olhos e muito menos usando sua fama como forma de conseguir algo, nem consigo imaginar ele fazendo isso mas acredito que seria capaz. Jamais desejaria usar o fato de namorar alguém famoso para me beneficiar mas sei que se chegássemos nessa situação da Vogue acobertar alguém que já trabalhou pra eles, não iria conseguir impedir Shawn de se meter nessa confusão de forma pública. Não quero que ele faça isso se as coisas se tornarem extremas mas de certa forma me sinto mais relaxada, não havia pensado na possibilidade que se Edward tentar me difamar no mundo da moda, Shawn é bem mais influente que ele e poderia facilmente reverter ele. Também tenho Charlie que pode não ser famoso no mundo da mídia mas é no mundo das empresas e sei que estaria disposto a me ajudar. Edward pode ter amigos importantes mas eu também tenho, fico me perguntando como as garotas que tem mais a perder que eu se sentem, eu tenho um namorado que pode facilmente proteger minha imagem mas e as garotas que ele já assediou? Preciso fazer isso, por mim, por Leslie e por todas as minhas colegas de classe pois tenho certeza que eu e Leslie não somos as únicas.
—Farei isso.—digo de uma vez antes que eu permita minha cabeça voltar a me convencer do contrário.
—Ótimo, você fará ele se arrepender de uma vez ter tocado em você e em outras garotas.—meu namorado me lança um sorriso que me conforta e realmente me sinto protegida.—Vem, vamos cochilar um pouco.
—Preciso avisar para Zoe que não voltarei hoje para Picketing, meu celular está na sala.
—Pode usar meu celular.—ele diz já engatinhando em cima da cama. Logo ele se encosta nas dezenas de travesseiros que há na cama, faço o mesmo indo até ele. Deito em seu peitoral me sentindo aliviada de uma forma que não sinto a um bom tempo, ele me abraça com um dos seus braços enquanto alcança com o outro seu celular em cima do criado-mudo.—Aqui está.
Shawn põe a digital em seu iPhone e em seguida me entrega fazendo com que eu vá até o contato da Zoe onde vejo que a única e última vez que eles conversaram foi quando Shawn lhe mandou mensagem perguntando se eu tinha algum tipo de flor preferida, sorrio me lembrando da primeira vez que recebi flores. Escrevo uma simples mensagem dizendo que não voltarei com ela para Pickering e pedindo desculpas por não lhe fazer companhia no trajeto.
—Você vai mandar mensagem para sua mãe pelo meu celular?—ele parece surpreso quando ver que estou entrando no contato dela.
Nas poucas vezes que dormi no apartamento de Shawn sem ter uma festa como desculpa para isso, eu mandava mensagem para minha mãe ou Taila inventando algum motivo para dormir fora, na maioria das vezes dizendo que estou com Zoe mesmo quando todas nós sabemos que eu estava ficando sexualmente a noite com alguma pessoa, estava tranquilo pois elas nunca perguntaram quem.
—Conversarmos sobre não tentarmos esconder tanto, certo? Só direi que passarei a noite em seu apartamento, não falarei que estou passando a noite com você. Elas podem interpretar como quiserem.—envio mensagem que diz "passarei a noite no apartamento do Shawn, não se preocupe, estou bem e te amo.
-Carlyn"
Desligo o celular sem esperar nenhuma resposta e ergo meu olhar para Shawn que parece feliz ao saber que não estou mais tentando esconder sobre nós.
—Vem, vamos dormir. Quer ficar de conchinha ou assim?
—Conchinha, assim irá adormecer seu braço.—digo já me virando ficando de costas para ele.
Apoio minha cabeça no colchão enquanto Shawn abraça minha cintura com seu braço me puxando mais contra seu corpo e dessa vez não me assusto com o toque, me faz relaxar. Sinto ele beijar meu ombro antes de nos concentrarmos em dormir.
Não sei quanto tempo ficamos em silêncio mas logo adormeço, provavelmente bem antes dele pois ao acordar depois de um tempo encontro nossos corpos em baixo de um edredom.
Bocejo pelo sono em meu corpo e dou uma rápida olhada em seu celular checando as respostas da minha mãe e de Zoe pela tela de notificação, Zoe disse que não havia problema e mamãe só mandou um emoji de coração como resposta. Vejo que são oito da noite e como Shawn ainda está dormindo volto a me deitar com ele não sabendo ao certo se iremos dormir a noite inteira ou se vamos acordar mais tarde para jantarmos o macarrão que imagino ele ter desligado quando saímos da cozinha, não estou sentindo o cheiro de fumaça então isso é uma boa notícia.
Me ajeito na cama agora ficando de frente para ele, seus lábios rosados estão entreabertos auxiliando na respiração, seus olhos estão fechados o deixando parecendo como um anjo, sorrio me sentindo grata por ter ele comigo, não consigo mais imaginar estar com outra pessoa que não seja o mesmo.
Levo minha mão até a mecha do seu cabelo que está caída sob seus olhos e a recolho pra trás enquanto sinto o canto dos meus lábios se moverem apenas em observar sua beleza.
Ele é tão bonito, provavelmente a pessoa mais bonita do mundo inteiro, muitos não devem concordar comigo, estou ciente que ele tem uma beleza bastante comum assim como eu. Cabelos pretos, pele clara e olhos castanhos. Mas não consigo pensar em outra pessoa mais bonita que ele, sério...não consigo.
Shawn é perfeito pra mim, estou ciente que ele tem muitos defeitos assim como eu mas continua sendo minha pessoa preferida no mundo inteiro mesmo com seus defeitos. Hoje ele esteve do meu lado por mim, poderia ter terminado comigo por eu ter permitido que outro homem me tocasse, poderia ter sido bruto e me colocasse contra a parede para denunciá-lo, poderia ter ficado com raiva quando eu o empurrei para longe, poderia ter diversas reações mas ele foi perfeito em tudo. Não sei o que ele sentiu mas colocou meu bem estar à frente do seu e me ajeitou, me colocou para tomar banho e até mesmo me vestiu, trouxe a solução para a dor em minha cabeça e trouxe a solução para a dor no meu coração, ele me instruiu a fazer o certo que é denunciá-lo mas em nenhum momento me obrigou, ele provou que vai me proteger, ele está aqui do meu lado enquanto poderia estar em milhares de outros lugares.
"Quando você está apaixonado por alguém, você pensa que ela é perfeita e livre de defeitos. Quando você ama alguém, você está ciente de seus defeitos e ainda sim o considera perfeito"
Lembro das palavras pronunciadas pela minha mãe como se ela estivesse sussurrando agora em meu ouvido e acho que nunca tive tanta certeza ao dizer essas três palavras para alguém mesmo que ele não esteja ouvindo:
—Eu te amo.
__________________________
Ao criar a Carlyn, imaginava uma personagem decidida e que não deixa ninguém dizer o que ela deve fazer, uma mulher que decide por si e ela realmente é assim. Ao escrever a cena com o Edward, tentava me controlar para não fazer ela reagir como a personagem decidida que é, queria que ela o largasse no mesmo instante naquela sala e fosse até a direção da universidade mas se eu fizesse isso não seria real. Algumas mulheres não esperam acontecer uma segunda vez para denunciar e sou tão orgulhosa por isso pois esse é o certo a se fazer mas queria escrever o outro lado. Como as que não fazem isso na primeira vez se sentem, como pensam que irão perder algo ou se culpam. Enquanto Shawn lhe acariciava queria que ela retribuísse e adorasse o gesto como sempre fez mas ela estava com uma ferida aberta, queria fazer com que ela buscasse conforto nele e confiasse nele ou em sua família nos primeiros instantes para compartilhar o que estava acontecendo mas novamente...não seria real. E isso não quer dizer que ela não confia nele ou que o relacionamento deles não é forte o suficiente para ela ir conversar o motivo de estar o evitando, ela apenas estava se culpando por tudo e não conseguia ficar ao seu lado, não naquele momento mas vocês podem perceber a mudança quando ela finalmente conta. Como ela se sente mais aliviada e como ele lhe acolhe pois nesses casos de assédio, abuso físico ou psicológico, precisamos confiar nas pessoas que nos amam pois são elas que irão nos apoiar e dizer o certo ao se fazer. Muita das vezes estamos com tanto medo que só conseguimos enxergar o que temos a perder com isso, não pensamos na nossa liberdade.
De início, pensei em aprofundar muito mais na relação dela com o professor ao ponto dele começar a abusar dela mentalmente e se tornar mais agressivo mas há tantos livros sobre isso e acho muito importante ter para de fatos as pessoas que nunca passaram por isso compreender, um exemplo é o livro É Assim Que Acaba no qual recomendo MUITO, não é focado no assédio mas sim na violência doméstica e até hoje nunca cheguei a ler um livro que representasse tão bem.
Em fim, preferi retratar um caso de assédio mais comum. Grande parte da população crer que assédio se trata apenas de ações mais intensas como tocar em sua bunda ou em sua vagina, mas o assédio está presente em pequenas ações no nosso dia a dia. No caso de Carlyn, a ação mais extrema que ocorreu foi ele tocar em seus seios mas o assédio está presente em toques sutis no braço, acariciar seu cabelo.
Assédio é todo comportamento indesejado sexual, verbalmente ou física com o efeito de afetar sua dignidade. No momento em que alguém nos toca de forma sexual onde quer que for e deixamos claro que não nos sentimentos confortável com aquilo, é assédio.
No caso de Carlyn, ela sofreu um assédio moral que normalmente é praticado por pessoas conhecidas da vítima, por alguém superior a você, como seu chefe ou um professor. Quando ela o rejeitou quando ele tentou lhe beijar, passou a começar uma tortura psicológica onde mostrou o que era capaz de fazer ao arruinar suas notas e mostrar que seria capaz de difamar, caluniar ou injuriar.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro