Anorexia
"Anorexia é uma angústia enganosa e assassina que invade o espelho deformando seu reflexo em algo devastador que sua imaginação produz. Um medo da singularidade. Medo de sua imagem. Um pavor que destrói antes mesmo do espelho revelar sua imagem e vem então a necessidade incontrolável de diluir-se em si mesma, cada vez mais."
-Luiza Gosuen
5 ANOS ATRÁS ...
Carlyn encarava a comida em seu prato e estava sendo assim a mais de dez minutos. O prato continha alimentos coloridos indicando o quão saudável aquilo estava, o refeitório de sua escola tinha a opção de comidas fritas e gordurosas ou de saudáveis que se resumia em salada com frango ou atum. Ela estava com fome,muita fome, porém ao encarar o prato ela só conseguia sentir ânsia de vômito com o pensamento de comer aquilo. A garota não queria estar acima do peso e se comesse era isso que aconteceria.
Carlyn tinha o conhecimento que não havia nada de errado em estar acima do peso, mas quando a mesma parava em frente à um espelho e analisava seu corpo, ela só conseguia se sentir pesada e repugnava seu corpo. Odiava cada marquinha em suas coxas, odiava as gordurinhas localizadas na lateral de sua barriga, odiava sua bunda com estrias. A questão é que ela não tinha nada disso, muito pelo contrário, suas pernas estavam mais cumpridas e magras do que o normal, seu rosto havia emagrecido também e os ossos de sua face estavam começando a saltar para fora por conta da perda de peso, sua barriga estava afundada pra dentro e levemente era possível ver as costelas.
Ela não deveria estar se preocupando em estar gorda mas sim em estar magra de mais, de uma forma não saudável.
—Você não vai comer?—Brian perguntou analisando a garota após notar que ela se encontrava encarando seu prato e mexendo na comida com um garfo desde que eles se sentaram em uma mesa qualquer para almoçarem.
Antes, Brian conversava sobre o próximo jogo de hockey que iria haver na escola com Shawn que estava sentado do outro lado da mesa com Lauren ao seu lado. A morena se encontrava comendo uma macarronada com batatas fritas enquanto Shawn tinha o braço esquerdo por cima dos ombros dela e tinha sua atenção entre conversar com Brian e distribuir beijos pelo pescoço e rosto de sua namorada. Todos estavam entretidos demais na conversa sobre o campeonato de hockey para prestarem atenção em Carlyn que não comia sua comida. Para Shawn, era comum presenciar Carlyn sem comer algo pois para ele, ela apenas não estava com fome. Lauren não se importava muito. E Brian estava confuso, se ela não estava com fome, por que comprou aquela comida?!
—Não estou com fome.—ela deu de ombros. Brian cerrou o olhar curioso e para tranquiliza-lo, a garota lhe lançou um sorriso sem mostrar os dentes o confortando.
"Não estou com fome", Shawn já havia escutado aquela famosa frase mais vezes do que era possível contar e novamente não deu bola pra isso. Ela estava bem, só não estava com fome.
—Okay...—o ruivo disse convicto e Carlyn deixou um suspiro escapar dos seus lábios, aliviada pelas perguntas terem acabado. Já bastava sua mãe e seu pai lhe cobrando pra comer após descobrirem a doença que lhe impedia de comer.
A atenção de Carlyn não fixou mais na comida e sim no casal sentado em sua frente. Eles eram fofos . Lauren dava algumas batatas na boca de Shawn que comia e logo em seguida deixava um selinho nos lábios dela. Carlyn sorriu, ele estava mais apaixonado do que nunca. Shawn só falava em Lauren ultimamente e era notável o brilho em seu olhar quando estava com a garota ou no sorriso apaixonado.
—Eu te amo, você sabe, certo?!—Shawn disse no ouvido de Lauren para o restante não ficarem desconfortáveis com as declarações dos dois. Lauren abriu um enorme sorriso e o garoto sentiu seu peito se aquecer pulsando rapidamente.
—Eu também te amo, muito, sempre vou amar.—ela sussurrou contra os lábios dele e logo em seguida o selou começando um beijo intenso e apaixonado. Carlyn e Brian se entreolharam ambos sentindo que estavam sobrando e se desmancharam em rir com a troca de olhares que diziam um ao outro: "alguém me tira daqui".
O casal deram um fim ao beijo quando escutaram as gargalhadas dos seus amigos e juntaram as sobrancelhas não entendendo o porquê deles estarem rindo. Brian resolveu brincar com a situação.
—Lauren...eu preciso te dizer algo.—Brian começou se virando em direção à Carlyn e disse suas palavras da forma mais dramática que conseguiu. Carlyn logo entendeu o que ele fazia e resolveu entrar na brincadeira.
—Shawn...diga-me.—ela disse de forma escandalosa e se ajeitou no banco para ficar de frente ao ruivo e quando conseguiu ergueu sua mão para tocar no rosto de Brian deixando o momento mais dramático do que já estava. Em resposta Brian se aproximou dela deixando seus rostos próximos e segurou o rosto de Carlyn da mesma forma que ela segurava o seu. O ato de Brian fez Shawn se remexer desconfortável no banco quase que de imediato, de início disse à si mesmo que seu incômodo havia sido por conta da implicância deles com ele e sua namorada e não por conta de ver Brian segurando o rosto de Carlyn de uma forma romântica.
—Eu te amo, Lauren.—Brian disse se aproximando de Carlyn como se fosse beija-lá.
—Eu também te amo Shawn, sempre vou amar.—a morena disse se aproximando mais prestes a beija-lo.
O desconforto de Shawn aumentou e de um momento para outro seu corpo inteiro se tornou rígido vendo seus dois amigos com os lábios à centímetros de distância um do outro. Lauren quase que de imediato percebeu por conta da postura reta dele mas resolveu ignorar, talvez fosse impressão sua. Shawn estava prestes a se levantar da mesa e gritar para eles não se beijarem pois não queria ver aquilo e então Carlyn colocou sua língua pra fora e em seguida Brian fez o mesmo. Juntos eles fecharam os olhos e começaram a interpretar um beijo com suas línguas pra fora e sem colar os lábios. Isso fez Lauren rir muito alto enquanto Shawn soltava um suspiro aliviado que nem sabia que estava segurando.
—Vocês são dois bobos.—Lauren continuou rindo e até Shawn arriscou soltar uma risadinha não acreditando que por breves segundos pensou que eles fossem realmente se beijarem.
O sinal de fim de almoço tocou e todos levantaram rápido pois normalmente tinham poucos minutos para voltar para suas salas. Carlyn fez o mesmo mas diferente dos outros, seu corpo se desequilibrou com o movimento e sua visão se tornou escura, aquilo havia se tornado rotineiro e a garota soltou um suspiro de frustração logo após apoiar suas mãos na mesa para não cair.
—Hey!—Shawn chamou sua atenção segurando um dos braços dela assim que a garota se desequilibrou, ele foi bastante rápido.
—O que houve?—Lauren se aproximou deles não entendendo o motivo de Carlyn estar se apoiando na mesa e ter seu namorado segurando o outro braço dela.
—E-Eu não sei...ela estava bem e agora quase caiu ao se levantar.—o tom de Shawn saiu desesperado e preocupado. O refeitório já estava se esvaziando enquanto o grupo de amigos permaneciam sem saber o que fazer.—Vem...vou te levar para a enfermaria.—ele disse em direção à Carlyn que ouvia tudo distante.
—Shawn, você não pode, a prova de matemática será agora.—Lauren disse.
—Que se foda a prova de matemática, vem.—Shawn passou seus braços em volta da cintura de Carlyn a segurando e a garota passou um de seus braços em cima dos ombros dele.
(...)
Carlyn se encontrava balançando seus pés no ar por conta de estar sentada em cima de uma maca hospitalar que era bastante alta. A garota queria sair daquele ambiente, sabia o que aconteceria assim que a médica do colégio chegasse, seria o mesmo interrogatório sobre sua alimentação e Carlyn daria as mesmas respostas.
Shawn estava sentado em uma poltrona que ficava no canto da pequena sala, seus cotovelos estavam apoiados em seus joelhos e seu rosto apoiado em suas mãos. O olhar do garoto estava distante e Carlyn concluiu que ele se sentia ansioso pelos movimentos frenéticos do seu pé que batia contra o piso do chão a cada três segundos.
—Olá.—a médica saldou com um enorme sorriso adentrando na sala fazendo Shawn soltar um suspiro aliviado por finalmente serem atendidos.—O que temos aqui?—ela perguntou indo na direção de Carlyn supondo que quem precisaria de ajuda era a garota por estar sentada na maca.
—Ela ficou tonta na hora do intervalo e se desequilibrou.—Shawn informou.
—Qual o seu nome, mocinha?—a médica parou em frente à Carlyn.
—Carlyn Olsen.—Shawn informou rapidamente e no mesmo momento a doutora o lançou um olhar o repreendendo.
—Tenho certeza que ela consegue falar sozinha.—Shawn lhe lançou um sorriso amarelo se sentindo constrangido mas logo voltou a bater seu pé no chão de forma nervosa.
A Médica Jeila se dirigiu até o armário que ocupava toda uma parede do cômodo e abriu a terceira gaveta buscando os devidos materiais para examinar a garota.
(....)
—O que você comeu hoje?—a pergunta que Carlyn tanto temia veio. A doutora havia acabado de terminar de examinar ela e se encontrava guardando seus materiais quando fez a pergunta.
—Hum...uma barra de cereal quando acordei.—a morena foi sincera. Sabia que se mentisse dizendo que tinha se alimentado certo, a doutora iria pedir exames para tentar descobrir o que ela tinha. E dizer que havia se alimentado pouco faria a doutora crer que ela apenas estava fraca, iria pedir para se alimentar mais e estaria livre.
—Pode se tranquilizar rapazinho, o desequilíbrio de sua namorada foi devido a pressão ter baixado. Assim que saírem daqui, alimente ela, vai ficar bem.—a médica disse em direção à Shawn. O garoto sentiu um alívio percorrer por todo seu corpo ao saber que ele estava bem mas também sentiu suas bochechas esquentarem por a mulher ter referido Carlyn como sua namorada. Já Carlyn soltou um suspiro, sabia que ela não estava bem, sua mãe já havia lhe levado no médico mas a garota não poderia contar pra Shawn o que se passava com ela, ele costumava ser bastante nervoso e ela não queria preocupa-lo.—Pela reação de vocês, suponho que sejam aqueles casais não assumidos.—a mulher de meia idade riu achando graça dos rostos vermelhos dos dois jovens.
—Não somos um casal. Ele é meu melhor amigo.—Carlyn explicou de uma forma tranquila. Já estava acostumada das pessoas pensarem que eles eram.
—Oh...é uma pena. É bem raro encontrar pessoas que se olham como vocês se olham. Acho que passei no máximo dez minutos com vocês e nunca vi uma conexão tão forte como a de vocês.—ela disse causando mais constragimentos à eles .
—Podemos ir?—Carlyn perguntou querendo fugir daquela situação.
—Ah sim querida. Se alimente quando sair daqui, não se preocupem em perder a próxima aula, aqui está um atestado para comprovarem que estão fora de aula ao meu pedido.—ela disse entregando à Shawn um papel com sua assinatura enquanto Carlyn descia da maca com cuidado pois ainda se sentia fraca.
Os dois agradeceram pelo atendimento e se retiraram da enfermaria ainda se sentindo constrangidos pelas palavras da Doutora Jeila à respeito do relacionamento dos dois. Carlyn normalmente não se sentia assim quando alguém perguntava a eles se eram namorados todavia a conclusão dessas pessoas eram devido aos abraços e demonstrações de carinho. Daquela vez foi diferente, a doutora se referiu aos olhares deles um para o outro e eles não tinham como se defender á respeito disso como antes faziam, sempre diziam algo do tipo "amigos também se abraçam, amigos também andam de mãos dadas" , mas troca de olhares era algo tão mais intenso. Carlyn pensava que eles se olhavam como dois irmãos e não tinha como romantizar aquilo, até aquele momento na enfermaria e se pegou pensando se ela deveria parar de olhá-lo como olhava. Para Carlyn, os olhares que lançava para Shawn eram normais, como qualquer pessoa olhava para outra mas estava enganada. Ela o olhava com um carinho especial, seus olhos brilhavam quando parava para admira-lo, ela o amava mais que tudo e isso era notável em seu olhar.
O casal de amigos regressaram para o refeitório, agora totalmente vazio, e enquanto Carlyn se sentava em uma mesa aleatória Shawn foi até a cozinha onde preparavam o almoço dos alunos e explicou toda a situação dizendo que a doutora do colégio havia pedido que elas conseguissem alguma comida com bastante proteína para Carlyn.
Enquanto Shawn esperava a comida ficar pronta, Carlyn foi abordada por alguém sentando ao seu lado na mesa.
—Carlyn Olsen.—William saldou Carlyn e por breves segundos a garota presumiu que seu coração havia derretido com a forma que seu nome saiu dos lindos lábios dele.
William era lindo de morrer. Cabelos crespos penteados para cima e havia uma bandana vermelha amarrado em volta de sua cabeça que lhe dava um charme de garoto problema. Sua pele era negra escura e Carlyn constatou que ele brilhava assim como seus dentes incrivelmente brancos alinhados que formava um sorriso charmoso. Seu corpo era alto e largo, braços com muitos músculos.
William estava na mesma aula de Biologia que Carlyn e a garota já havia perdido as contas de quantas vezes se flagrou admirando ele durante a explicação do professor. William costumava ficar com diversas garotas porém Carlyn não se importava com isso, ele lhe atraía pois o garoto era bastante inteligente e gentil pelo que ela podia ver em sala de aula. Não que Carlyn fosse apaixonada pelo garoto, ela nunca havia se apaixonado e nem sabia como era essa sensação mas não podia negar que ele era bastante interessante. Era o tipo de garoto que você admira de longe porém sabe que jamais iria querer ter algo com você, era o que Carlyn pensava até ele vir falar com ela.
—William Stuart.—ela disse bem humorada fazendo William rir baixinho e quase que de imediato um sorriso rasgou nos lábios da garota ao ver o sorriso perfeito dele tão de perto.—O que devo a honra?—William sorriu, não imaginava que a garota tinha humor, era interessante de se ver.
—Eu gostaria muito de sair com você.
As palavras do garoto pegou Carlyn totalmente de surpresa. Ele não tentou puxar assunto ou algo do tipo, ele foi rápido e direto, sem rodeios.
—Vo-você quer sair comigo?Por que?—ela perguntou surpresa já que fazia bastante tempo que um garoto lhe chamava para sair, talvez fosse devido ao fato de que nunca aceitava e eles acabavam por desistir, não que fossem muitos, no máximo três garotos pediram ela pra sair ao total de seus 16 anos de idade.
—Sim, você é....interessante. Quero te conhecer melhor.—ele sorriu de forma charmosa levando sua mão até os cabelos preto da garota onde enrolou uma mecha em seu dedo no mesmo momento que Shawn adentrou no refeitório com uma bandeja de comida nas mãos.
—Ok,eu aceito.—Carlyn disse com um enorme sorriso nos lábios.
—Ok, depois marcamos algo.—ele disse enquanto se levantava da mesa e Carlyn soltou um suspiro pela falta que o corpo dele próximo dela fazia. Também ficou um pouco chateada por ele não querer marcar logo algo com ela.
William deu uma piscadela em direção a garota e se retirou do local de uma forma charmosa. Carlyn se permitiu deixar escapar um suspiro em admiração vendo ele se afastar indo em direção a saída do refeitório enquanto isso Shawn caminhava em passos apressados em direção à sua amiga para descobrir o motivo de William Stuart estar pegando no cabelo dela.
—Por que aquele idiota estava aqui?—ele disse assim que se sentou no banco ao lado dela e depositou a bandeja na mesa. Carlyn levou um susto pois até então estava fitando as costas de William.
—Não o chame assim.—Carlyn revirou os olhos.—Ela veio me chamar para sair, isso não é incrível?!—ela praticamente gritou em animação.
Shawn juntou suas sobrancelhas não entendendo o motivo de alguém como William chamar Carlyn para sair e vice-versa, William não faz o tipo de Carlyn da mesma forma que Carlyn não faz o tipo de William. Algo nele se incomodou com o fato de Carlyn ir à um encontro com aquele cara.
—Eu não quero que saia com ele.—Shawn confessou mas logo se arrependeu pois não era pra ter dito aquilo em voz alta. Carlyn franziu suas sobrancelhas não entendendo o que ele queria dizer com aquilo. Ele não poderia simplesmente confessar algo assim e esperar que ela não fosse ao encontro por que ele não queria.—Não faça essa cara, William é um babaca e você sabe disso, tem outros caras bem mais interessantes pra você sair.—ele disse tentando disfarçar o que havia acabado de dizer.
—Ele não é um babaca, é inteligente e gentil.
—Inteligente pode até ser mas gentil? De onde você tirou isso?—o tom de Shawn saiu irônico pois ele realmente não se lembrava de uma única vez onde William tenha sido gentil.
—Você só está assim porque está querendo me proteger . Mas é bem machista de sua parte não querer que a melhor amiga saia com um cara apenas para protegê-la sendo que eu não protestei quando você saiu com a Lauren.—Carlyn disse o que pensava e Shawn suspirou frustado, não era isso de querer "proteger" a melhor amiga, ele só não gostava da ideia de vê-la com algum cara.
—Eu trouxe comida.—ele disse dando fim ao assunto pois caso permanecesse naquela conversa Carlyn perceberia que ele não estava querendo protegê-la mas sim que ele estava com ciúmes.
—Eu preciso mesmo comer?—um biquinho foi formado nos lábios da garota, Shawn achou incrivelmente adorável em como seu tom saiu dengoso. O garoto levou seus dedos até o nariz dela e o tocou.
—Sim, mocinha.—ele confirmou arrastando a bandeja em direção à ela.
Carlyn mirou seu olhar na bandeja de coloração vermelha e analisou o que continha nela. Havia uma grande porção de arroz temperado com frango e salsinha, cinco fatias de bacon fritadas e por fim uma salada que constituía em folhas de alfaces, tomate e pequenos pedaços de frango.
Assim que o aroma da comida alcançou seu nariz seu estômago se remexeu e não foi no bom sentido. A comida estava bonita e concluiu que com certeza havia um sabor incrível porém ao olhar todo o prato ela constatou que havia muita gordura nele o que lhe engordaria.
—Hum...Shawn, você poderia buscar algo pra mim beber enquanto como?—ela se virou na direção de seu amigo com um sorriso forçado nos lábios. Shawn confirmou respondendo com um sorriso no rosto mas o dele era verdadeiro. O garoto se levantou da mesa e levou seus lábios até a testa da garota que permanecia sentada pressionando sua boca na região o que fez Carlyn fechar os olhos apenas para desfrutar do toque carinhoso. Em seguida, Shawn se retirou e Carlyn permaneceu com os olhos fechados, só abrindo quando Shawn já estava prestes a adentrar na cozinha do refeitório.
Carlyn se apressou recolhendo o prato com a comida que estava na bandeja e correu na direção do lixo mais próximo antes que Shawn regressasse. Com o auxílio do garfo plástico ela jogou toda a parte gordurosa do prato na lixeira, sendo assim deixando apenas a salada e depois voltou para a mesa correndo sabendo que Shawn voltaria a qualquer instante.
Shawn voltou após um minuto e se sentou ao lado dela animado ao ver o prato quase limpo, deixou a garrafinha que continha suco de laranja em frente à ela que se encontrava levando o garfo com salada até sua boca.
—E aí?—ele perguntou analisando ela comer.
—O bacon estava maravilhoso, você quer experimentar a sala?—ela mentiu sorrindo mas a feição do garoto mudou sucessivamente e o sorriso que havia em seus lábios se tornou uma fina linha.
—Por que está mentindo?—ele perguntou sentindo seu maxilar travar. Carlyn juntou as sobrancelhas não entendendo ao que ele se referia e o nervosos percorreu por todo o seu corpo.
—O que?—ela piscou os cílios e um sorriso nervoso surgiu em seus lábios.
—Por que está mentindo?—ele refez a pergunta e o coração da garota aumentou na pulsação ao ouvir o tom bravo de seu amigo.
—E-eu..não...e-esto...
—Você está mentindo, Carlyn. Você tem isso de responder algo e então rebater com uma pergunta toda vez que mente. Por que?—Shawn contraiu seus lábios e sua mão se apertou em volta da mesa.
A garota sentia seus olhos arderem assim como seu peito que havia uma ardência torturante. Shawn percebeu que os olhos de sua melhor amiga estavam marejando e a mais velha fixou seu olhar no chão apenas para não olhá-lo. Era torturante olhar ele após mentir pro mesmo, raramente mentia para Shawn e se sentia demasiadamente culpada quando fazia isso, era como estar mentindo pra si mesma.
Shawn constatou que ela não diria o motivo de estar mentindo após proferir que o bacon estava bom mas abrangeu uma suspeita do que estava acontecendo. Era quase impossível ela ter comido todo o arroz e o bacon em apenas um minuto. Com essa suspeita, Shawn se levantou da mesa e dirigiu seu corpo na direção da lixeira mais próxima. Carlyn sabia que ele encontraria por isso suas lágrimas começaram a descer por seu rosto.
Como presumia, Shawn encontrou toda a comida dentro da lixeira em cima de uma caixa de donuts e um suspiro escapou dos seus lábios enquanto suas mãos iam até seu cabelo curto e passava pelo local apreensivo.
Enquanto seu corpo voltava na direção da mesa onde a garota estava chorando baixinho, Shawn se perguntava o motivo dela ter feito tal coisa. Não compreendia, ela estava sem comer desde manhã por isso deveria estar com fome, mas por que ela não comia?!
—Por que fez isso?—ele perguntou assim que passou suas pernas pelo banco deixando cada uma de suas pernas de um lado enquanto Carlyn tinha seu corpo na direção da mesa ficando de lado para Shawn.
A garota negou continuamente indicando que não falaria e novamente Shawn passou sua mão por seu cabelo. Carlyn chorava baixinho olhando para suas sapatilhas e Shawn percebeu isso ao ver seu rosto avermelhado.
Shawn não entendia o porquê dela estar guardando segredo sobre o assunto, eles contavam absolutamente tudo um ao outro, e de repente havia segredo entre eles e não compreendia o motivo disso. Ela não confiava mais nele?
—Olhe pra mim Carlyn, por favor...—como a garota permanecia com seu olhar fixado no chão, ele ergueu sua mão e tocou o rosto dela a segurando pelo queixo, guiou o rosto dela até estar o olhando. Shawn teve a completa visão do rosto dela que se encontrava avermelhado e brilhando por conta das lágrimas, seus olhos estavam vermelhos e inchados.—Por que não confia mais em mim?—suas palavras repercutiram angustiante e havia um aperto horrível em seu peito com a possibilidade dela não confiar seus segredos nele como sempre fizeram.
—Eu confio, mais do que tudo.—o tom da garota soou desesperado, ela não queria que ele pensasse que não confinasse nele.—Eu só...tenho vergonha, é algo no qual eu me envergonho.
—E eu jamais te julgaria por algo, sabe disso.—ele a tranquilizou subindo sua mão para a lateral do rosto da garota e acariciando sua bochecha com o polegar. Carlyn fechou os olhos para se concentrar no toque e pressionou seu rosto contra a mão dele deixando um suspiro escapar de seus lábios.
Carlyn sabia que podia confiar nele, sabia que ele jamais a julgaria mesmo ela mesma se julgando. Sabia que ele iria amá-la independente de qualquer coisa mas ela tinha vergonha de contar o que se passava. Era vergonhoso pra ela.
—Eu...tenho anorexia.—ela disse apreensiva.
A reação de Shawn foi abstrusa. Sua testa estava enrugada em confusão, não por não ter entendido o que ela havia dito mas sim em surpresa. Sua boca estava contorcida.
—Como...como assim?—Carlyn tinha conhecimento que Shawn sabia o que aquilo significava mas ele parecia tão perdido, talvez por não querer acreditar que ela tinha essa doença ou até mesmo por não ter notado.
—Faz seis meses que fui diagnosticada. Meus pais começaram a perceber a dois anos atrás, começou com pequenas coisas, eu não sentia fome, eu tinha preguiça de comer, em fim. Minha mãe disse que me levaria ao médico quando eu comecei a ficar tonta e minha pressão baixava, mas ela acabou por adiar e assim foi pelos dois últimos anos, acho que ela presumiu que não era grande coisa. A seis meses atrás eu desmaiei, havia passado dois dias inteiro sem me alimentar. A tia Karen estava no momento e meio que abriu os olhos da minha mãe dizendo que eu precisava de ajuda. E não fique com raiva de sua mãe por ela não ter te contado, eu fiz ela prometer que não contaria, não queria você preocupado.
Meus pais me levaram ao médico e ele me diagnosticou com anorexia.—a garota fez uma pausa fungando por conta do choro. Ela se sentia mais tranquila em contar pois Shawn segurava sua mão.—Ele passou uma dieta saudável, eu como quando estou em casa, eu tento na maioria das vezes. E estou tratando com uma psicóloga.
Shawn não sabia o que dizer, por isso apenas abraçou sua melhor amiga. Passou seus braços em volta do corpo da garota e Carlyn afundou seu rosto no pescoço dele, seus olhos se encheram de lágrimas novamente e Shawn soube que ela estava chorando quando sentiu as lágrimas molharem seu pescoço e sua camiseta branca, o garoto esfregou a mão nas costas dela para lhe consolar enquanto a outra mão estava dentro dos longos cabelos negros de Carlyn massageando o couro cabeludo. Carlyn se odiava por estar se sentindo tão fraca. Ela queria melhorar, não queria ter aquele transtorno alimentar mas não sabia como se livrar dele. Não sabia como se olhar no espelho e não se sentir acima do peso. Queria conseguir comer mas seu psicológico não permitia que seu estômago aceitasse a comida.
—Por que...por que você não consegue comer?—Shawn perguntou no ouvido da garota.
—E-eu...só....eu odeio meu corpo. Não consigo me olhar no espelho à semanas e...quando olho...me sinto...horrível.—Carlyn disse fazendo breves pausas por conta da distorção de sua voz.
—Você não é horrível. Você é linda.—Shawn tentou lhe tranquilizar, a garota sorriu fracamente por ele estar tentando lhe fazer bem mas concluindo que as palavras dele eram mentiras e estava dizendo aquilo apenas para lhe agradar.
—Obrigada.—ela sussurrou se afastando dele e saindo de seus braços pois estavam naquela posição a bastante tempo. Ela levou a manga de seu moletom até seu rosto e secou as partes molhadas. Olhou para Shawn que ainda lhe olhava preocupado e em seguida seu olhar caiu na parte do pescoço da camiseta branca dele que havia uma mancha preta por conta do rímel borrado da garota. Shawn também olhou sua camiseta suja e Carlyn soltou uma risadinha enquanto limpava seu nariz que fungava.—Eu sujei sua camisa.—ela concluiu lançando um olhar de desculpas para seu amigo. Shawn apenas deu de ombros e lhe lançou o sorriso que ela tanto amava.
—Tudo bem.—ele sussurrou levando sua mão direita até o rosto da garota e limpando uma parte da bochecha dela sujado pelo rímel.—O que vamos fazer?
—Como assim 'o que vamos fazer'?—ela perguntou não entendendo ao que ele se referia.
—O que vamos fazer para você passar por isso? Pra melhorar?—ele especificou ao que se referia. Era por isso que Carlyn o amava tanto, ele nunca lhe deixava sozinha, nem mesmo em seus piores momentos.
—Eu não sei...só me prometa que não vai me deixar sozinha enquanto como algo e que não vai permitir que eu vá até o banheiro depois de comer.—ela respondeu dando de ombros pensando que ele poderia lhe ajudar naquilo.
—Por que você não pode ir no banheiro depois?
—Quando eu termino de comer, eu começo a me sentir culpada e...eu não sei, eu só quero tirar toda aquela comida do meu corpo e faço isso vomitando.—Shawn soltou um suspiro imaginando o quão estava sendo difícil os dois últimos anos pra ela e se sentindo culpado por não ter notado antes.
—Eu sinto muito por não ter percebido antes o que acontecia com você. Estou sendo um péssimo melhor amigo nos últimos dois anos.—ele disse quase em um sussurro e uma lágrima caiu de seus olhos mas logo foi limpada por Carlyn.
—Não diga isso, você é o melhor amigo que eu poderia pensar em ter. Você é a melhor pessoa que eu conheço, Shawn. Não tinha como você saber o que estava acontecendo, eu deveria ter te dito.—ela disse para confortá-lo. Shawn não tinha culpa.—Eu te amo, ok?—Carlyn segurou o rosto de seu amigo. Shawn apenas sorriu tristonho e confirmou em reposta, não precisou dizer que a amava também porque ambos sabiam que ele a amava.
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•O que é anorexia?
A anorexia é um distúrbio alimentar que provoca uma perda de peso acima do que é considerado saudável para a idade e altura. Pessoas com anorexia nervosa podem ter um medo intenso de ganhar peso, mesmo quando estão abaixo do peso normal. A anorexia nervosa é um distúrbio de imagem, no qual o paciente não consegue aceitar seu corpo da forma como ele é, ou tem a impressão de que está acima do peso em níveis acima da realidade.
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