5.2 - ... e na guerra...
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A coroa dela caiu e eu a peguei do chão.
Como sempre, minha querida irmãzinha era muito avoada e parecia não dar valor algum a aquele objeto. A devolvi enquanto observava partir junto do Feérico que sempre a acompanhava pelas sobras como um troll soturno e macabro.
Não conseguia conceber como ela podia não ter medo de tal criatura; e parei por um segundo para imaginar como seria a escolhida de meu irmão para se tornar sua rainha. Minha cabeça estava explodindo de pensamentos aleatórios; parecia desejar fugir da realidade onde me enfiei: afinal, logo após a coroação de meu irmão eu e Los iríamos partir para nossos destinos.
Tudo passou de uma forma tão...
Parecia um sonho, onde se saltava de um momento a outro dando foco apenas a situações relevantes como um livro muito bem planejado. Eu não conseguia perceber nada direito, mas isso era apenas o stress e o medo me tomando.
Os escolhidos a zarpar comigo me olhavam com ódio, e não os podia julgar.
Precisamos de um navegador, cozinheiro, outros guerreiros e um pessoal para compor uma tripulação mínima; e pelo menor que fosse ainda estavam sendo obrigados a ir a uma guerra que não era deles, por minha causa. A minha missão suicida não era só minha e eu tinha plena noção deste egoísmo; e por conta disto não conseguia aproveitar a festa da coroa nem a de despedida.
Soube do decreto de meu irmão durante a festa, e do surto de um de nossos parentes ao saber os cortes; e como havia sido partido ao meio sem nem mesmo perceber o que o havia atingido. Soube das demais tentativas de matar meu irmão, e como foram completamente frustradas pelo machado do feérico marinho que guardava nosso novo rei; e entendi um pouco mais a escolha de meus pais. O garoto não era apenas uma bola de amor... ele sabia ser um meteoro destruindo tudo sem medo. Era realmente poderoso e intimidador quando desejava; trazendo uma mudança total assim como seu nome indica, dentro dos contos de terror.
O medo e o encanto.
Ao ver o navio de Los partindo pela rota segura, minha alma se acalmou; imagino que todos os tripulantes foram muito bem escolhidos e que nosso Rei havia feito de tudo para que nosso querido caçula ficasse seguro em sua aventura.
Olhei então para o meu próprio horizonte, sabendo que não existiam rotas seguras até o reino que pretendia resgatar, e que a única possível era tomada por redemoinhos, cada um deles com seu próprio nome. Um feitiço cruel que meu avô contou ter sido criado pelas criaturas marinhas.
Sendo que as demais rotas eram tomadas por recifes que destroçaram a embarcação, ou um longo período caminhando a pé sem recursos suficientes entre montanhas e desertos que impedia qualquer carruagem ou montaria de trafegar.
Olhei então para o ser ao meu lado: nosso capitão, um feérico marinho que sorria tranquilo com a viagem. Seu corpo macio e esguio era bem diferente da raça do guarda particular do rei, sendo que este se assemelhava muito mais a uma criatura marinha humanoide diferente do guerreiro que parecia um ser humano com detalhes de seres diversos, como as galhadas garras e escamas criando calda apenas detro dagua.
Tarel se tornou ao longo da viagem um ótimo amigo, curioso com os draconatos, o tritão era o encanto da noite em rodas de conversas que eu apenas observava ao longe.
Animado ele ouvia como uma criança histórias toscas do dia a dia dos tripulantes, e seu corpo estranho emanava pequenos focos de luz nas noites escuras quando estava animado assim, coisa que encantava todos os demais.
Ele mesmo comentava coisas sobre seu povo, histórias encantadas e ricas em detalhes sobre seu povo e todos ficavam vidrados assim como ele ficava nas nossas.
Mas eu nunca me juntava a eles.
Afinal não estaria em risco se não fosse por mim.
Lembro-me muito bem da minha primeira experiência com o fantástico.
Ainda era garoto, e sai de perto de meus pais em uma das visitas às vilas menores do reino; corri para um bosque deixando meus irmãos para trás e me deparei com um leão anormalmente grande, albino e estranhamente manso.
Achei ser uma criatura mágica, mas na volta para casa rindo muito minha mãe revelou ser apenas um ligre. Criatura essa que era filhote de uma tigre com um leão macho; essas criaturas cresciam a proporções descabidas por conta das tigresas não terem os genes que inibe o crescimento que os genes do leão macho entrega. Assim os pobres híbridos acabavam morrendo jovens e gigantescos.
Fiquei a pensar. Naquele ser enorme com alma de um bebe dócil; será que poderia existir algo assim com os draconatos? Estaria sendo ingênuo.
Tarel tinha conhecimentos em magia, e por conta disso conseguimos cruzar os redemoinhos com uma facilidade anormal. Ele explicava que magia para um feérico era como um conhecimento de leitura para os humanos, ninguém nascia sabendo. Sim eles poderiam fazer o que seus corpos permitem como um draconato cuspir chamas, entretanto a magia como estas eram como aprender a escrever e ler; construir, tecer, plantar ou montar.
Era um alívio saber disso, que nem todos ser mágico podia tudo.
Mas ainda sim, não me sentia no direito de conversar com os demais tripulantes e me mantive em completo silêncio.
Ao finalmente atracarmos a costa, simplesmente parei ali alguns minutos completamente perplexo com o que via.
Logicamente que durante minhas viagens já havia posto estes olhos em diversas árvores, sejam elas grandes ou pequenas, nada me impressionava mais, até mesmo escalei uma Sequoia. Mas aquilo foi de outro mundo.
A árvore em si não era nada demais, havia visto essas versões fluorescentes nos territórios das fadas, entretanto jamais vi uma árvore nascer dentro de uma caixa como aquela. Um cubo que no mínimo posso descrever como alienígena. Ridiculamente grande, e no meio daquele reinado que os nativos chamavam de cidade.
Ela era ainda mais majestosa, pois me passava a impressão de ser a única coisa mágica em meio a tanto nada.
Pois em todo aquele reino, não havia nada. Nada de outras árvores ou grama no chão, sem animais ou coisas a se olhar. Existiam apenas construções em pedra moída que eles chamavam de concreto; e deixavam tudo com esse tom desolado e claustrofóbico.
Era de fato o lugar mais feio que já visitei, um reino sem amor de seus lideres, e lideres sem o amor de seu povo.
E eu não sei dizer se aquela árvore tão grandiosa, me fazia à admirar por trazer um mísero de esperança; ou por que me dava tristesa em saber que ela está ali sozinha.
— Esta passagem que usamos nos faz desviar dos muros, essa costa não faz parte da área mapeada por vocês. — Tarel comenta comigo. Parecia, dentre todos, ser o único a se comunicar comigo, e não me evitar ou olhar com desprezo por estar ali; ele parecia estar se divertindo muito com tudo aquilo.
E uma hora ou outra acabamos nos tornando amigos, não sei como; foi aos poucos entre as caminhadas e frases como estas que ele me soltava e eu o respondia ansioso por conversar com qualquer um.
— E como chegaremos ao reino por aqui? — pergunto preocupado contudo o ser mágico me sorri, expondo seus dentes parecidos com uma escova de cabelo; se abaixando em coroas e riscando o solo com a ponta de seus dedos que eram como garras ósseas pontudas.
— Iremos cruzar pelo canto assim, beirando os rios e lagos e voltar para dentro dos muros aqui. Bem na costa do reino atacado, na direção oposta que o povo foge indo na mesma direção do ataque como me pediu.
— Como? — nosso cozinheiro grita em pânico, quase mais branco que a pele alva e colorida do tritão que parecia ter a pele de uma bela carpa. — Vamos passar pelos dragões e não ir escondidos pela outra parte? Isso é suicidio! — ele grita, mas não posso evitar admirar a beleza de sua barba de cor de fogo.
— Suicidio seria chegar escondido deles e sermos confundidos com o povo que desejam erradicar. Draconatos são sábios e justos, eles não tem por que nos matar se souberem que não somos inimigos.
— E a vossa alteza acha que as criaturas vão simplesmente nos permitirá passar? — logicamente que a decisão recai sobre mim.
Engulo seco.
Não desejava usar minha autoridade, muito menos bater de frente com ninguém.
— Podem retornar com o navio se assim desejarem. A imposição de me auxiliar foi dada pela antiga rainha e creio que meu irmão... nosso rei ira compreender minha atitude e aceitar o retorno de todos. — digo ao me abaixar retirando um pergaminho vazio para escrever sobre ele. — Me incomoda serem obrigados a irem a uma guerra suicida. Isso foi vontade minha.
Ouço o silêncio dominar enquanto escrevia; me levanto e entrego o pergaminho ao capitão, mas este recusa e o entrega ao cozinheiro que permanece com os olhos arregalados.
— Eu estou muito curioso. Quando terei essa chance? Conhecer um draconato! — responde animado. — Me voluntariei a vir na expedição humana, por meus próprios motivos egoístas. — Sorri expondo mais uma vez seus baldios.
— Eles não tem como retornar sem seus poderes. — respondo e ele parece pensar.
— Me aguarde retornar por gentileza? — pede como uma súplica. — Serei mais veloz retornando sem ficar sobre uma embarcação humana.
— Foram três dias até chegar aqui. — respondo sério. — Deseja que por egoísmo eu espere mais tempo em vez de resgatar as pessoas?
— Pois bem. — ele abaixa a cabeça rendido. — Continue a viagem, irei seguir seu odor e o encontrar. Os mapas tem toda rota que precisa saber. — Sorri ao mover o rosto e percebo que seu nariz grande se assemelhava mais a um focinho de um tubarão, e seus olhos inexpressivos e brancos completavam essa imagem de predador. E por fim me estica um tentáculo imitando a forma de nos cumprimentarmos, mas o respondo como uma reverência.
— Como desejar. — digo ao pegar meus mantimentos e seguir pela trilha que risquei em um pergaminho pela lógica que ele havia me explicado. — Nos vemos se realmente retornar.
— Eu irei. — sorri mais uma vez, e desta vez os olhos dos tripulantes ao partirem e me deixarem era de carinho, admiração e zelo.
Senti meu coração quente com aquilo.
Tinha feito o que era certo.
Segui pelo caminho demarcado com temor e confiança, o correto era seguir pelo rio até o outro lado, e pelas contas levaria apenas alguns dias para cruzar tudo a pé, entretanto poderia reduzir muito se fizesse uma boa canoa para seguir as corredeiras.
Continuei então o percurso por todo o dia, ignorando a canseira e peso, para chegar logo ao ponto onde as corredeiras poderiam arrastar uma canoa bem feita, sabendo que teria de fazer uma boa o suficiente para carregar não só a mim mas as coisas.
Contudo a curiosidade humana, não era algo na conta do feérico que fez o mapa.
Eu poderia muito bem continuar no rio, e ser levado até meu destino como foi planejado, entretanto o encanto de luzes estranhas me cativaram o olhar, na calada da noite. Desejava seguir um pouco mais pelo rio e contornar aquele local, contudo sentia que me chamava.
Atraquei, escondi a canoa e as coisas entre a relva alta e segui apenas de trajes comuns sem a armadura em direção a aquela vila brilhante.
E assim percebi que nada ali parecia real.
As folhas eram de um material estranho, a água e solo quanto mais caminhava mais escuros ficavam como se todo solo ali já tivesse morrido. Me lembrei da cidade que era uma vila de pedra abandonada onde atracamos e logo a comparei aquele local.
Forrado de bandeiras com pessoas e coisas escritas em seu próprio idioma; luzes espalhadas e muitas pessoas. Muitas mesmo.
Haviam mais pessoas naquela única vila, do que todas em todas juntas de nosso reino.
— Perdeu!
— Já era forasteiro. Entrega tudo.
Fui idiota, me encantei tanto olhando aquele reino, que não percebi uma aproximação.
— Vocês falam meu idioma? como? — me ergo rendido sem demonstrar vontade de lutar e percebo pessoas magras e aparentemente fracas, como se tivessem pouco alimento ou evitado o sol. Faz sentido, com casas parecendo pedras enormes cobrindo o sol e tantas pessoas não teria como ter alimento a todas.
— Muitos forasteiros se perdem por aqui. — outro responde. Eram três então.
Mas ainda seria errado usar minha força e treino contra aqueles homens fracos e frágeis.
Entretanto eu nunca havia conhecido suas armas, jamais teria como me preparar para o que aquele povo era capaz.
E logo um som forte corta a noite, eles se viram assustados apontando coisas para a direção do som e vejo um deles se dobrar e cair sangrando e verbalizando palavras em seu idioma.
Mais uma vez o som rompe a noite, e os dois homens restantes apontam esses objetos estranhos que emitem o mesmo som estridente, e vejo que acertam algo invisível nas árvores e plantas sendo todas falsas de alguma forma estranha.
Me escondo percebendo que os homens eram acertados por pequenos projéteis como se alguém tivesse conseguido unir uma bola de canhão a flechas. Era uma arma assustadora.
— Pode sair daí humano. — uma estranha voz me chama, e percebo que os três agressores haviam morrido, sabendo que não tinha chances contra o dono daquela estranha voz, deixo meu esconderijo vendo aquelas armas, os canhões portáteis com curiosidade. — Se pegar uma arma eu te mato ouviu.
Não tinha mesmo como ela ser humana...
Linda a um nível indescritível, com os cabelos parecendo que havia acabado de arrumar, como se andasse com fadas invisíveis o ajeitando a cada vento que tomava, mantendo aquela forma perfeita.
O rosto? Uma mistura de boneca de porcelana com um anjo de mármore. Feições dignas da inveja alheia, e seios tão perfeitos que posso descrever apenas com um suspiro de volúpia.
A cintura então, era digna de uma pessoa que vivia em pró de sua saúde ou aparência, provavelmente moldadas por um espartilho ou muita força de vontade; por fim as fartas coxas forjadas pelo caos do inferno, pois é impossível não ter sua mente possuída pelo pecado ao ter seus olhos sobre elas.
Mas... como alertei. Ela não era humana.
Era apenas uma perfeita obra de arte, criada por um titereiro muito talentoso. Uma meca ou marionete com engrenagens e roldanas, que me faziam questionar seu real propósito para tal aparência.
E você?
— Diga forasteiro. O que faz por aqui? — mas ela fala como uma pessoa, e isso me surpreende. — Como chegou até aqui? Tem como deixar este lugar? Anda! Responda!
Entendi.
Aquele lugar lotado as pessoas eram como baratas esperando a chance de deixar em busca de um lugar melhor. Ou pegar o que pudessem como migalhas que caíam.
— Você quer sair daqui? Tudo bem eu te levo comigo. — respondo o que parecia óbvio para mim.
— Acha que sou idiota? — ela parece tentar demonstrar fúria mas seu rosto era como de uma bela estátua assim como sua voz parecia um eco de alguém.
— Não é o que deseja? — pergunto mas o ser inexpressivo a minha frente parecia confuso com tal habilidade dedutiva.
Parou uns segundos em reflexão, provavelmente de seu dono; que deveria ser o rel portador daquela voz.
— É mas... por que facilitaria?
— Por que negaria?
Minha pergunta parece dar um nó em sua mente.
— Tudo bem. Vamos precisar de mantimentos não? — ela diz ao se virar e seguir em direção a vila amontoada de pessoas. — Venha. — ela ordena, mas me abaixo e pego os canhões. — Solte isso! — ordena ao me apontar um deles.
Observei bem como eles seguravam e como os faziam funcionar.
Disparei em suas pernas sentindo um tranco menor do que esperava por ser um pequeno canhão.
— Desgraçado como...
— Essa arma é bem mais fácil de se manejar que as minhas. — digo ao caminhar até a boneca que falava. — Agora me diga. Onde vai me levar? Quer tomar meu órgão criatura?
Ela ri.
— Eu não sou uma ser vivo idiota. Essa coisa que está conversando é uma versão meca de mim, que uso para sair em segurança. Eu a criei, mas preciso deixar esse lugar, por isso a deixei de vigia caso veja algum forasteiro que pareça fraco.
— Então se enganou comigo.
— Pelo visto, sim. Mas é mais fraco que os que vem do céu. — afirma. — Vamos trocar ajuda tudo bem. Eu preciso fugir o quanto antes, e posso oferecer ajuda.
— Então venha até mim.
— Não posso. Meu corpo real não se locomove bem.
— Você é deficiente? Por que ainda vive então? Sua família deveria ter a descartado para que sua alma pudesse renascer em um corpo sadio e ter uma vida plena sem infortúnios.
— Aff... ok. Você é de um povo bem atrasado na vida né? Pessoas com deficiências não são descartáveis ok. Eu sou genial!
— Veremos.
Tinha adiantado alguns dias com o uso da canoa, e não pretendia perder tempo ali.
Mas aquele povo estranho me cativava a curiosidade, e se a boneca fosse mesmo parecida com sua criadora valeria a pena conhecer essa tal gênio.
— Te levarei se me for útil. — digo ao apanhar a boneca no chão, percebendo ser bem mais pesada do que esperava.
— Realmente é um homem muito forte. — ela parece se impressionar mesmo que nem o tom ou semblante dedure isso.
Caminhei então seguindo o caminho que a boneca ditava para dentro da vila de pedra, e mesmo a carregando em minhas costas ninguém parecia se importar comigo; estando cada um preso em suas próprias vidas; e com isso fui perigosamente me embrenhando mais naquilo que mais parecia uma floresta densa. Sentia eu mesmo brigando comigo, de como aquilo era idiota e perigoso, mas precisava entender aquele lugar.
Era próximo de mais de casa. Perigoso demais, violento demais, doente demais.
Quando finalmente chegamos ao topo daquela escada, percebi que não estava como no meu reino onde culminava no topo de uma linda e bem construída torre; mas sim no teto sem o mínimo de zelo por aqueles que moravam ali ou que o construiu.
Meus olhos foram bombardeados por tanta informação, que levei um tempo para assimilar que não havia ficado cego.
— Você ou é corajoso ou idiota. Se bem que um é sinônimo do outro. — Uma moça surge ao meu lado riu de minha reação que para eles passava um tom infantil ou até mesmo rústico, caipira. Como se eu fosse atrasado ou interior de alguma forma.
Não me importei.
Eles eram incapazes de compreender como era o meu lar e meu reino, se viveram por toda a vida nesta colmeia de aço. Sem poder ver o sol e as nuvens da mesma forma que eu via todos os dias. Nem mesmo deveriam saber como é uma planta de verdade...
Me sentei na beirada e fiquei a olhar até meus olhos se acostumarem com essa guerra de informações. E foi engraçado ver os medos dos nativos ali com a beirada. Como se não tivessem o mesmo controle corporal que eu possuía.
— Vamos. — ela me cobra e enfim a olho. Sim, era parecida com sua versão de metal e aço. Até mais encantadora por ser real. Os cabelos estavam bagunçados e emaranhados, sua pele manchada e unhas imundas. Sorri. — O que foi? — ela franze o rosto, e posso ver que estava sobre uma cadeira com rodas como se fosse uma mini carruagem. Ri. — O que foi?
— Tudo de vocês é a versão menor de algo? — pergunto e ela parece segurar o riso. — Seus canhões são pequenos, as carruagens cabem uma pessoa, e os guerreiros parecem frangos. — me levanto rindo e a percebo rubrecer. Sabia que era belo. — Então deseja fugir daqui comigo? — pergunto a provocando de ela engasgar. — Me mostre em que é útil, já que seu povo vê utilidade nos deficientes. — cutuco e logo ela volta a ficar furiosa.
— Venha seu lixo atrasado. — a forma que ela vira a cadeira com rodas era insana, como se fossem suas pernas, e vejo como esta adentra a casa e se virava muito bem mesmo sem poder caminhar.
Ali ela me mostra o que é energia, o que são armas de fogo, a famosa tecnologia. Televisão, câmeras, tudo que seu mundo cinza possui.
Não sei dizer quanto tempo fiquei ali, mas com toda certeza havia perdido todo tempo extra que ganhei com a canoa e mais.
Mas valeu muito a pena.
Estava deixando aquele lugar com armamentos que nunca cogitei existirem e que meu povo poderia o replicar para se proteger. Conhecimentos que iriam ajudar em muito o crescimento de nosso reino, até mesmo aos feéricos aliados.
Outra coisa que percebi em meio às conversas na descida pela escada foi que a verdade não era que eles conseguiam lidar melhor com a visão do que eu, mas o oposto. Eles eram cegos. Incapazes de ver os detalhes que eu pontuava enquanto descíamos, não haviam percebido nem mesmo metade das coisas que eu vi em alguns minutos, vivendo ali por toda uma vida.
Cegos. Mas cegos de verdade, não como o tritão das profundezas que vivia a fazer negócios com meu pai, cujo não possuía visão. Cegos de uma forma que eu não sabia definir.
Mas talvez fosse por sobrevivência. Minha terra era linda, já essa atrocidade... era melhor ser cego na alma mesmo. Impossível encontrar uma única beleza para admirar. Sim, era grandioso, mas enlatado. Sim era diferente, mas pelo meu gosto particular, desagradou em demasia.
Já imaginava meus irmãos respondendo minhas cartas rindo e me chamando de chato.
Sim, eu era exigente, afinal fui criado para ser um rei e reger tudo para o bem do meu povo; e aquele povo não parecia nada bem.
Sair daquela cidade foi mais complexo do que entrar, pois realmente parecia que aquela moça estava sendo procurada por algo; mas não achei que ela sentou e me explicou os motivos logo de cara. Isso demorou meses, e foi só porque... Bem você verá.
Caminhei por aquela vila com nome diferente, aceitando os motivos de ter outro nome, já que apesar de também parecer um uma vila era mais complexa do que o castelo em si. Meus olhos trafegavam entre, crianças roubando para comer, homens sendo violentos com todos que podiam, velhos jogados se acabando em bebidas... Se eu nascesse ali; também iria querer fugir. Eu não sabia ainda o que ela tinha feito, mas seja o que for, já estava passando pano.
As pessoas nos olhavam levemente curiosas, já que estava a carregando nas costas; enquanto esta se preocupava em segurar sua cadeira que ia carregando algumas coisas.
Para qualquer um, a levar seria algo minimamente ridículo, ela deveria ser descartada ali por ser um peso e um atraso, mas estava encantado e curioso com as capacidades que ela demonstrava. E todas aquelas coisas que ela trazia pareciam extremamente úteis; principalmente o tal do papel higiênico e toda a idéia de banheiro e encanamento em casa. Esses diagramas e plantas poderiam revolucionar o estilo de vida em meu reino, ajudar na salubridade e evitar doenças.
Isso era muito mais relevante para meu povo e valia muito mais o esforço de a levar comigo.
Assim deixei a cidade, e aparentemente passamos por um casal aleatório a trafegar, e a cadeira com rodas foi disfarçada como um carrinho; ela teve de pintar minha pele e cabelos para disfarçar minha aparência exótica, enquanto ela mesma que era procurada se embrenhou entre as coisas que carregava e se fingiu de grávida, além de logicamente cobrir seu rosto e cabelos.
Acredito que por ter muitas pessoas ali, e estarem em busca de uma fugitiva específica, não cogitaram a procurar como uma mulher grávida sendo carregada por seu marido. Um guarda até chegou a nos parar e questionar o por que ela estava sendo carregada e não caminhava:
— Sua gravides está de risco, estou á levando a parteira. — os ensaios para imitar a fala nativa ali haviam dado certo. Ela me traduzia sussurrando em meu ouvido e eu repetia o melhor que podia.
Com tanta gente amontoada, uma ou outra via que deixamos a cidade em direção a floresta; entretanto diferente de casa, não davam a mínima.
Segui de volta a canoa que havia feito, percebendo ser inútil pois agora havia mais o que carregar, perdi mais tempo fazendo outra maior e assim partimos.
Ela permaneceu em silêncio este tempo todo, parecia refletir sobre suas escolhas e a pegava com um olhar triste. Não parecia correto lhe perguntar sobre sua família ou amigos; afinal ninguém deixaria tudo que conhece para trás em rumo ao desconhecido caso o tivesse.
— Como é a sua cidade? — depois de dias em completo silêncio ela finalmente verbaliza algo. Já estava quase pronto para zarpar, mas depois de fazer uma canoa desta capacidade sozinho estava bem cansado; e precisava descansar para zarpar.
— Eu vim de um reino distante, pelo que sei vocês confundem reinos com cidades. — Comento ao organizar as coisas para deitar, vendo que ela apenas me observava. — Um reino possui inúmeras vilas a seus cuidados, e atinge um vasto terreno além das áreas construídas.
— Entendo. Mas não quis dizer comando?
— Cuidados mesmo.
E mais uma vez o silêncio reina.
Gostaria de saber o que tanto ela pensa.
Mas infelizmente ficar ali perdendo tempo para fazer uma embarcação útil não foi a coisa mais inteligente que fiz, e logo quando estávamos partindo rio abaixo pelas corredeiras, fomos descobertos. Afinal muita gente nos viu, e alguns pareciam propensos a falar em troca de alguma recompensa.
— Merda! Um dia você "vai" ter de contar por que isso! — grito irritado, éramos um alvo fácil para aqueles canhões portáteis.
Disparava de volta, mas os inimigos estavam entre aquela falsa floresta.
Pensei que iria morrer por ser burro, mas minha mãe disse que os burros tem alguma proteção a mais, caso contrario não iriam sobreviver. E nesta hora ri de nervoso, pois do lago surgiu meu colega tritão.
Ele deu um salto sobre minha jangada e tapou meus ouvidos e os dela com seus tentáculos; foi um bote desconfortável e nojento, quase sufoquei no susto; mas foi muito prático pois suas ventosas nos impedia de ouvir qualquer coisa e logo ele usou sua voz amaldiçoada contra aqueles que nos atacavam.
Os homens gritaram de horror e atingiram uns aos outros e a criatura mágica apenas riu da fragilidade humana perante seus poderes básicos.
Gelei vendo que uma simples habilidade corporal podia ganhar assim de um avanço humano.
— Precisa cuidar mais de si mesmo. — Ele ri ao me soltar e posso a perceber tremendo de medo. Afinal, quase morremos. — Estranhei sua demora, e segui o som de briga humana, imaginei que poderia estar em perigo ou feito besteira.
— O que ele... é? — ela aponta quase em pânico.
— Nunca viu um feérico? — ele pergunta curioso ao se aproximar, e ela parece ter ainda mais medo; e com isso ele obtém sua resposta logo se jogando de volta ao rio, agarrando a canoa com seus tentáculos e nos arrastando corredeira abaixo.
— Calma! Quer nos matar? — grito revoltado, vendo o desaguar no mar a frente, e percebendo que o ser marinho não se importava nem um pouco com nosso desconforto nos arrastando mar a dentro em direção a guerra que buscamos.
Apesar de fúnebre e assustadora, por conta do breu da noite e toda aquela neblina, a imponente construção me fez lembrar de casa.
Picos altos e pontiagudos se diferenciavam das belas torres que brincavam quando jovem, mas o formato alongado podendo ser visto de longe era muito semelhante. Igualmente era seu domínio por todo o terreno alto das montanhas.
Mas diferente do belo castelo que cresci, esse estava ali solitário sem um reinado para o adornar.
Estava apenas ali. Existido, do outro lado daquele precipício que dividia a montanha que eu estava da onde ele dominava.
Chegamos a esta praia de pedras, quase impossível de atracar se não fosse pela ajuda do Tarel.
Meu corpo tremia por debaixo da armadura pesada.
Minha respiração travava.
Era humanamente impossível esconder o medo que me dominava.
Minha alcunha me obrigava a manter uma postura de elegância e força, mas eu era humano como todos junto a mim.
Dragões... nome dado pelos humanos às criaturas mais perigosas do mundo.
Uma raça extremamente inteligente, que é capaz de viver séculos e por conta disso aprender muito além do que uma vida humana proporciona. E que além disso possuem um corpo blindado por escamas mais fortes que minha armadura; isso sem contar os poderes elementais.
Era suicidio.
Por que este Rei imbecil foi arrumar confusão com uma raça tão perigosa?
Só me resta fazer o meu melhor, e tentar salvar o povo deste reino de sua sina.
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