Capítulo 9 - Revisado
** Primeira revisão 26/05/2021. Contém 2.349 palavras **
A primeira coisa que senti foi uma forte dor de cabeça, piorando assim que abri os olhos.
Estava de novo no jardim da escola, porém me lembrava de tudo.
Aquilo era cansativo demais. Toda aquela confusão interna.
Fui caminhando devagar para o pátio, havia ainda poucas pessoas ali. Para mim havia se passado horas desde o momento que apaguei até a hora que retornei, porém aparentemente não havia se passado minutos.
Quando cheguei na sala de aula o professor já aplicava matéria, sentei diante de Lis e tentei o acompanhar.
Richard não estava na sala.
Fiquei batalhando com a forte do de cabeça até que na ultima aula uma das coordenadoras entrou na sala me procurando.
- Anne, poderia me acompanhar? - concordei de leve com a cabeça levantando-me - Acho melhor você guardar seus materiais.
- O que houve? - Perguntei quando já estávamos no corredor.
- Só continue me acompanhando, tudo bem?
- Tudo bem – Continuamos fazendo o trajeto em silêncio.
Ela me direcionou até a sala da diretora onde estava uma mulher que logo reconheci como Beth, mãe de Andy.
Ela sorriu para mim, mas expressa culpa e solidariedade.
- Oi Anne ...
- O que esta acontecendo ? - Perguntei, ignorando a cordialidade.
- Eu ... Anne sua avó me ligou ... - Ela começou a falar.
- Minha avó? O que houve com ela?
Ela abaixou o olhar, aquilo me deixou impaciente. Retornei a perguntar um pouco mais grossa.
- O que houve com ela? - Todos os olhares da sala se permanecerão em mim.
- Nada. - Uma curta resposta antes da bomba explodir. – Mas... Seus pais sofreram um acidente.
As vezes o choque é tão grande que faz com que o mundo pare na nossa volta, assim que estava me sentindo naquele exato momento.
Uma dor alucinante se instalou no meu peito como se algo me cutucasse de dentro para fora. Meu joelhos cederam e eu fui jogada ao chão, trazendo mais dor pelo impacto.
Mãos me acolheram e escutei palavras de consolo, porém nada fazia sentido.
- Ele está morto - Sussurrei, não como uma pergunta, mas sim uma afirmação.
- Não sabemos de nada ainda Anne ... Pode está tudo bem. Seremos otimistas. - A diretora respondeu.
- Não ... - Respirei fundo - Ele está morto.
Declarei, me levantando firmemente.
- Anne eu sei que é difícil ... Irei levar você lá. Tudo bem? - Olhei Beth e apenas concordei com a cabeça.
Saímos da escola sem nem me despedir das meninas, fui guiada até o Pálio Vermelho de Beth e a mesma me levou em silencio até o hospital. Quando chegamos a recepcionista nos guiou a área de emergência.
Quando o medico chegou já tinha um vislumbre do que ele iria falar, poupei-o.
- Não me dê explicações, apenas me diga qual é o quarto.
Ele me encarou espantado, mas me guiou até a onde minha mãe estaria.
Quando de fato o acidente aconteceu não fui visitar minha mãe, estava horrorizada com a morte do meu pai.
Lembrava friamente das palavras do medico.
- Seus pais foram submetidos a algumas cirurgias e atendimentos rápidos. Sua mãe teve algumas fraturas e quebrou um dos braços. Infelizmente tentamos tudo com o seu pai, fizemos o possível, mas ... Sinto muito.
Parei diante da porta que marcava o quarto 14. O medico começou a falar algo, mas o ignorei, só escutei a pequena frase que se formou abafada atrás de mim quando entrei porta a dentro.
- Ele precisa de descanso ...
A porta se fechou atrás de mim.
A primeira coisa que vi foi a perna engessada, logo em seguida o braço também no mesmo script, e o rosto tinha aqueles famosos cortes artificiais.
Escutei a porta se abrir atrás de mim e o medico falar.
- Desculpe-me, iria avisa-la que provavelmente ele estaria dormindo por conta dos fortes analgésicos para dor.
Olhei para ele abismada.
- Por que meu pai está aqui? - Ele estreitou os olhos e então com um tom profissional disse.
- Ele não corre risco de vida, por isso ele pode ficar no quarto.
- Mas ... E minha mãe? - Estava tentando acompanhar os fatos.
O medico abaixou o olhar, nessa hora percebi que seu nome era Marcelo, Dr Marcelo.
- Sua mãe quebrou algumas costelas e infelizmente órgãos vitais foram atingidos. Ela aguentou firmemente o processo da primeira cirurgia, porém os resultados só pioraram e ela não aguentou.
Percebi o quanto era difícil para ele dar aquela notícia. Provavelmente era a primeira vez desde que se formará medico que ele dava a noticia da morte de algum paciente.
- Sinto muito pela sua perda.
Só quando ele saiu do quarto percebi o que tinha acontecido.
Primeiro a ideia de que minha mãe tinha morrido não foi assustadora. Algo dentro de mim tentou me confortar " Ah está tudo bem, você nem gostava tanto assim dela" , depois pequenas memorias veio até mim e eu comecei a me desesperar. Nunca mais a veria, nunca mais escutaria sua voz, não a veria, não iria mais discutir com ela, de repente tudo pareceu confuso e distante.
Um dia atrás estava com aquele famoso remorso que sempre guardei por ela, agora não sabia como agir.
Fiquei encarando o rosto sereno de meu pai, lembrando o que eu havia sentido na hora que soube sua morte.
Dor? Desespero ? ... Não, medo. Pela primeira vez eu tive medo de nunca mais vê-lo novamente, foi como na vez do parquet e todos aqueles palhaços, porém era aquele medo baseado em certezas. Certeza que ele havia me deixado para sempre.
Comparando as circunstâncias agora eu sentia ... Hum, complicado, havia uma certa dificuldade de assimilar tudo.
Já havia pensado algumas vezes como seria diferente se minha mãe tivesse morrido no lugar do meu pai, na época a ideia parecia até boa...
Meu pai resmungou de leve, o que atraiu minha atenção, mas não chegou a acorda.
De repente tudo parecia estúpido. Não havia perdido minha mãe, pelo menos não de verdade. Ela estava viva naquele momento e eu aqui vivendo esse sonho estúpido.
Minha avó chegou duas horas depois, estava com os longos cabelos brancos presos em um coque e vestia um conjunto florido.
Abraçou-me fortemente como se quisesse tomar para ela todas as minhas dores e me proteger de todo mal.
Na exata hora não sabia se ela já sabia da noticia da morte de sua filha, mas depois que ela me encarou atentamente e uma única lagrima solitária escorreu por seu rosto, foi a confirmação, ela já sabia.
Eu lembrava a minha mãe, nossa fisionomia era a mesma até no formato dos olhos, mudando só a cor. E vovó sabia disso. Senti pena por ela, o que nos reconforta na hora da perda são as lembranças e talvez ela tinha poucas lembranças boas junto da filha.
E ai eu percebi ... Eu também possuía um arsenal de poucas lembranças boas junto da minha mãe.
Me senti no escuro ... Não no tipo de escuro reconfortante, mas outro tipo de escuro ... Aquele que você se desespera achando que esta cego e nunca mais poderá enxergar a luz.
Lá estava eu, do lado da minha avó, em um silencio absurdo, em um ambiente claro de mais, sem quaisquer emoção simplificada. Vivendo o outro lado da história, aquele que eu perdia minha mãe. Estava sentindo as duas dores e elas estavam competindo dentro de mim, tudo parecia surreal.
Uma enfermeira parou em nossa frente, com os olhos gélidos e os cabelos bem puxados para trás, esperou alguns segundos até ter nossa atenção e então disse.
- Esta passando os efeitos dos analgésicos do Sr Pedro, talvez seja melhor ter alguém ao seu lado quando acorda.
E então ela saiu, minha avó sorriu para mim e disse.
- É melhor você ir, vou resolver as papeladas.
- OK.
Me levantei e voltei para o quarto, estava mais frio do que mais cedo, fechei as janelas e me sentei ao lado da cama distraindo-me com as gotas de soro que caia no tubinho.
Quando meu pai acordou o soro já estava acabando e fiquei aliviada por que não sabia o que iria fazer quando minha única distração acabasse. Ele tentou mexer a mão que não estava engessada e resmungou ao sentir a dor. Foi então que ele me viu.
- Anne, está tudo bem? - Concordei com a cabeça - Meu Deus ... Não acredito que isso possa ter acontecido.
Ele passou um tempo processando tudo antes de perceber algo
- Cadê a Lilian ? - Me senti no lugar do medico que me deu a noticia mais cedo, tentei fingir que meu pai era alguém completamente estranho e assim facilitaria na hora de dar a noticia ruim, porém as coisas pareciam ainda mais complicada, como se eu não soubesse lidar com todos aqueles sentimentos, sendo assim só consegui permanecer curvada suprindo as lágrimas.
- Anne ... Anne! - Olhei para ele assustada - Cadê sua mãe? - Senti o impulso das lágrimas e comecei a chorar, compulsivamente, de maneira descontrolada.
Não entendia exatamente o motive do meu descontrole. Não havia chorando assim nem quando havia recebido a noticia da morte do meu pai ou mesmo a de Davi...
- Lilian ... Ela ... Lilian! - Meu pai soltou um ruído estranho e também começou a chorar, fungando entre uma pausa de choro e outra. A dor dele passou para mim e vice versa.
- Ela morreu. - Falar alto era como acreditar na realidade e agora eu estava em conflito sem saber em qual realidade eu estava. Em alguns meses atrás meu pai tinha morrido, agora minha mãe tinha morrido. Dessa forma minha razão e meu consciente se atacaram e nada daquilo parecia certo.
Houve mais uma onda de choro. Tentei imaginar como meu pai se sentia, a dor física e a psicológica ... Juntas.
Logo depois quando retornei a ver minha vó, e meu pai já estava dormindo novamente por conta dos remédios foi que eu percebi que ela também deveria ter chorado. Todos ali tinham uma dor imensa que não podiam ser medida.
O velório seria na madruga e o enterro as nove horas da manha, não me importei com esses detalhes, eram apenas casualidades e minha única concentração era na dor que sentia ainda pela noticia.
Às 23:00hrs o corpo da minha mãe estava no caixão e na sala mal iluminada e silenciosa. Não sabia quais tinham sido os procedimentos pois minha avó havia arcado com tudo. Sinceramente não queria ir para aquele lugar, mas decidi respeitar a todos e comparecer. Depois que cheguei lá e me aproximei junto de minha avó e meu pai ao caixão e vimos os cabelos castanhos bem penteados e o rosto pálido e tranquilo, percebi que não queria ir mais embora. Ficaria ali para sempre, já que seria a ultima vez que veria ela novamente.
Houve choros, despedidas e conforto. Tudo aquilo. Cada vez que a encarava procurava a paz que nunca tinha encontrado em seu rosto ruborizado por raiva, e ali estava ela, até parecia outra pessoa.
Acreditei no que as outras pessoas falavam, parecia que ela tinha entrado em um sono tranquilo. Se não fosse pelos algodões todos diriam que ela somente estava dormindo.
Foi alucinante ver meu pai chorando, ver minha vó chorando, de repente a dor estava completamente presente e se manifestava cada vez mais.
Foi uma madrugada complicada, toda vez que o choro cessava, recomeçava rapidamente, não tinha uma pausa se quer.
No fim, a claridade inundou o lugar e as horas começaram a passar depressa e o desespero foi imenso, daqui a pouco definitivamente teria uma despedida de verdade.
Poucas pessoas ficaram todo o tempo, algumas saíram e retornaram na hora do enterro, somente eu, meu pai e minha vó não saímos do lado dela.
Quando fecharam o caixão foi ainda pior, seguramos a mão fria dela, fizemos orações, pedimos a Deus para que ele cuidasse bem de sua alma.
O caixão foi fechado firmemente, impiedosamente e encaminhado para uma caminhonete a onde seria levado ao cemitério.
Beth havia chegado as 5:00hrs trazendo Andy e Lis, as duas me confortaram, mas a verdade é que não escutava as suas palavras estava deprimida demais para isso.
E o céu estava lindo, simples, porém lindo da sua forma. Era uma manhã tranquila.
Caminhei com passos leves, causando pequeno barulhos na grama. Tentei o máximo não encarar nenhum tumulo. Foi em vão, primeiro passamos por um de uma jovem -Carmen Santos 1997/2013 depois foi uma senhora - Francisca Oliveira 1954/2012- ambos tinham seus retratos, ambas estavam sorridentes ...
Não foi surpresa quando chegamos no mesmo local a onde meu pai havia sido enterrado. Um buraco profundo já havia sido cavado - a cova- pensei. Ali seria o novo lar dela.
Pena que ela não possa trabalhar mais, isso com certeza a deixaria triste. Refleti sobre isso, depois imaginei que talvez a onde ela estivesse teria um novo trabalho para que ela ocupasse. Isso me reconfortou.
O caixão foi deixado no buraco e começou os discursos.
Alguns do trabalho dela falaram o quanto ela era uma profissional brilhante. Depois foi a vez de vovó elogiar ela como filha e pessoa, até mesmo Beth falou uma pouco, dizendo que "era um orgulho e honra ter sido amiga de uma ótima pessoa". Meu pai também disse alguns coisas, estava na cadeira de rodas com os olhos cheios de lagrimas disse que " não existe pessoa melhor no mundo do que você Lilian, e mesmo que não esteja entre nós continuarei a dizer, você é brilhante, eu te amo" .
Não sabia o que dizer na minha vez, todos esperavam que eu falasse algo, mas o que eu poderia dizer? Não tinha nada ...
- Enxergue a esperança ... - Disse e pareceu suficiente para mim.
Todas as flores e os arranjos de despedida foram jogados em cima do caixão e coberto pela terra. Havia acabado e Diante de tudo aquilo tentei realmente enxergar a esperança.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro