Capítulo 4
A atmosfera mudou, o som mudou, eu mesma ... Mudei.
Minhas pálpebras pareciam pesadas, presas umas nas outras como se tivesse com conjuntivite. Tentei aliviar o ar, soltando ele, mas o máximo que consegui foi uma curta e ofegante respiração.
Continuava claro, ainda tinha o frio do amanhecer. Porem, não estava mais sozinha nos meus pensamentos. Não sentia dor. E agora eu conseguia ver o mundo. E estava focado em uma única pessoa.
O cabelo da mesma cor de carvão voava livremente na ventania das primeiras horas do dia, imaginei que talvez tivesse quase 1,80 de altura. Os olhos lembravam uma rua sem iluminação de tão escuro e profundos que eram. Percebi sua mão no meu ombro e a forma como ele me encarava, como se eu fosse maluca.
Quando falou sua voz era grave e me despertava lembranças que não eram reconhecidas por mim.
- Você esta maluca garota! - Seu tom era ríspido, profundo e intenso. - O que pensou que estava fazendo indo em direção aquele caminhão?! - Ele apontou para a avenida. Me livrei do seu olhar e encarei assustada o meu redor. Tinha entrado em um transe profundo e estava sendo difícil me desapegar da pouca liberdade que senti.
Observei carros passarem em sintonia com caminhões e ônibus. Alguns motorista olhavam curiosos para gente, algumas pessoas passavam na pequena passarela despreocupados com a vida. Tudo seguia seu rumo.
Lembrei do que havia acontecido, a expressão assustada do motorista, a forte buzina, o barulho dos pneus em contato com a rua quando os freios foram fortemente acionados. E lembrei de segundos antes de levar a trombada que decidiria o meu despertar, fortes mãos me puxando pela cintura me levantando no ar e me abraçando de forma protetora e ... Estranhamente familiar. Então percebi que aquele que estava diante de mim tinha me salvado.
- Você ... Mas por que? - Imaginei que estivesse pálida e nessa hora minha respiração ficou ofegante.
- O porque?! - Ele me encarou como se tivesse achando sentido para aquela pergunta. - Se você deseja se matar faça isso de modo mais conveniente! De preferência sem estragar a manhã de alguém! - Ele encarou os veículos que ali circulavam.
- Você ... Não devia me salvar! - Comecei a cair em mim, agora eu poderia esta acordada e tudo aquilo teria somente sido um sonho e se caso tivesse sorte não me lembraria de nada, mas parecia que eu estava condenada a ficar presa naquele clichê.
- Não de salvei, você é mesquinha demais para ser salva. Salvei a eles - Ele retornou a apontar para as pessoas que ali passavam. Me encarou com desdém. Percebi que uma das mãos dele ainda mantinha os dedos pressionados no meu ombro. Ele também percebeu e soltou rapidamente. Cruzou os braços atrás de si e se inclinou ate seus olhos ficar mais acessíveis aos meus, disse de uma maneira ... Arrepiante.
- Olha, você não seria patética a ponto de acabar com a diversidade do que esta vivendo. Não seja irônica e não pense de forma fechada. Tente se ver de maneira única. E caso ainda assim queira se suicidar faça de maneira criativa e sem envolver pessoas. Esse é um problema seu e não deles. - Ele me encarou por mais uns segundos, vendo que eu não falaria nada ele retornou a sua postura e se virou para andar de onde eu tinha vindo.
Olhei de maneira reflexiva para o céu, os primeiro raios fracos do sol se estendia entre as nuvens cinzentas. Não estava somente perdida entre as ruas, mas perdida dentro de mim mesma.
Caminhei para casa, na verdade tive que pegar um ônibus e ainda assim caminhar bastante.
Quando entrei na sala quente meu corpo teve um impacto tão grande de temperatura que comecei a tremer bastante. Precisava primeiro estabilizar a temperatura do meu corpo para depois tomar um banho quente.
Não sei por que eu sentia um certo desconforto bom nos meus ombros a onde aquele estranho havia me tocado. Queria desesperadamente odiar, xingar e insinuar sua existência fútil na terra, porém só conseguia imaginar que mesmo na minha situação parecia tolice tentar me matar.
Quando finalmente tive um certo controle sobre as tremedeiras do meu corpo fui me banhar. Quando estava no chuveiro nenhum pensamento passou pela minha cabeça, mas quando me deitei inevitavelmente me veio a imagem de Davi e Andy, juntos.
Segurei as lagrimas e não as deixei ser liberadas, apenas fiquei olhando de forma dramática para o teto do meu quarto. Murmurava um "por que tem que ser assim", sentia uma dor profunda e incômoda dentro de mim, como se um ferro quente estivesse me marcando, não conseguia nem sequer imaginar o que tinha perdido por que de qualquer maneira eu já tinha perdido de mais ... De verdade.
Sorri tristemente ao pensar " Quem se importa que também sou uma perdedora até mesmo nos meus sonhos que deveria me trazer prazer ou felicidade ? É o de se esperar."
Recebo varias ligações de Lis já Andy não me ligou. Deveria esta magoada... Tentei ponderar se isso me incomodava... Dei de ombros.
Não atendi nenhuma ligação, não as retornei, somente atendi quando o numero do meu pai apareceu na tela. Tinha ocorrido tantas coisas que me esqueci completamente dele, subitamente me amaldiçoei por aquele deslize. A ligação foi breve, ele me contou que provavelmente eles chegariam na manha de segunda e que minha mãe estava estranhamente ... Contente. Não consegui controlar meu coração ao imaginar que teria mais algumas horas de carro antes que ele estivesse de volta, comigo.
Era estranho ficar sozinha em uma casa grande ... Era vazio, assustador, incômodo, era o tipo de liberdade que eu não gostava.
Quando estava escurecendo e a lua deu seus primeiro sinais de presença fui contemplar a mesma. Sai com um casaco no quintal dos fundo e fui na direção de Esperança, me acomodei na terra macia e me encostei na árvore deixando que a fraca luz da lua me banhasse e acolhesse. Sorri quando uma pequena lembrança me invadiu.
Tinha chegado tarde em casa por que não percebi que as horas passavam, era como se as mesmas tivessem sido congeladas quando estava com ele. Claro tinha ficado a tarde toda com Davi. Inusitado, eu conhecia ele a duas semanas apenas e me sentia ardente com a vida, como se de alguma forma tudo tivesse passado do nível difícil para o fácil, rapidamente.
Ficamos a tarde toda depois da aula conversando e a conversa fluía de maneira sincronizada com ele completando minhas frases.
Quando por fim ele sorriu e me disse que já estava tarde, um ar triste se apoderou de mim, porém ele me estabilizou dizendo que me veria de novo no outro dia e claro me levou até em casa. Adorava essa maneira cavalheira de Davi, imaginava que se ele usasse terno e tivesse chovendo ele provavelmente retiraria o mesmo e colocaria em uma poça para que eu não molhasse meus sapatos.
Duas semanas e a gente não estava namorando, nem mesmo tínhamos nos beijado.
Quando ele me deixou na porta de casa me presenteou com um abraço demorado e murmurou um breve " de vejo amanha senhorita" e eu entrei.
Foi a primeira fez que vi minha mãe beijando outra pessoa que não fosse meu pai e eu senti as batidas do meu coração maltratando meu corpo.
Eles estavam diante da escada que dava para os quartos, minha mãe segurava a mão do cara - que mais adiante descobriria que seu nome também era Pedro - e a outra mão estava depositada na nuca do mesmo, já ele segurava gentilmente a sua cintura. A cena toda me deu ânsia.
Eu devo ter soltado a porta quando entrei porque fez um barulho que estragou a ceninha amorosa. Minha mãe me encarou como se não me conhecesse. O cara também encarava-me, porém um sorriso tomou seus lábios, um sorriso nada ... Amigável.
Minha mãe foi quem falou.
- Anne esse é - Ela esperou um pouco para ver se eu estava mesmo a ouvindo - Pedro, esse é o Pedro.
- Então essa é a famosa Anne! - Ele se aproximou e eu comecei a detectar sua aparência. Ele tinha cabelos grisalhos, porém seu corpo não permitia que alguém pensasse que ele era muito velho. Olhos castanhos comuns e um sorriso meio amarelado. Ele estendeu a mão para me tocar e eu a afastei, encarei bem seus olhos e disse.
- Não ouse tocar em mim. - Minha mãe ficou impaciente e ladrou.
- Olhe seus modos! – Encarei-a.
- Meus modos?! Que palhaçada é essa? Trazer um cara para dentro de casa! Que tipo de pessoa você se tornou?! - Pedro vendo a confusão se afastou e não tinha mais nada no caminho entre eu e minha mãe.
- Olha como você fala! Essa é minha casa! E EU TOMO OS RUMOS DA MINHA VIDA! Você se tornou uma menina mimada, com certeza! Se eu a tivesse criado nunca seria assim! - Um pequeno choque passava por mim e ela, imaginei que fosse a raiva acumulada.
- A casa não é somente sua, querida. Sabe muito bem que ele me deixou a sua parte - Falei em um tom mais sutil. - Se você me tivesse criado provavelmente seria igual a você. E pelo amor acha mesmo que eu iria querer ser alguém que não esboçou nenhuma reação na morte do marido ? Vocês tinham anos de casados! Devo imaginar que você é uma péssima mãe e obviamente uma péssima companheira, tenho pena desse ai. - Apontei para Pedro que agora estava entre os sofás encarando a briga. Logo em seguida minha mãe já estava na minha frente e senti a dor nas minhas bochechas quando ela me deu um tapa. Não foi a dor na bochecha que me incomodou, mas sim a dor que senti por dentro. Meus olhos encheram de lagrimas e ela disse.
- Não é só por que ele morreu que eu tenha que morrer junto. - Disse em um tom como se fosse um murmúrio e eu não disse nada. Apenas a encarei antes de sair apressada pela porta de trás da cozinha.
Devia ser quase sete horas da noite, encarei um céu maravilhoso, a lua já estava presente e parecia sorrir para o nada. No céu só tinha ela, como se fosse uma bola de isopor navegando pelo mar escuro. Sentei da maneira que sempre fazia diante de Esperança e fiquei olhando para lua imaginando meu pai do meu lado me confortando, mas quem apareceu ao meu lado foi Davi.
Eu já o havia levado na Esperança e contado para ele toda a historia da mesma. Com Davi eu conseguia contar tudo sem nem pensar duas vezes.
Ele sentou-se do meu lado sem dizer nada e eu olhei para ele brevemente, mas também não disse nada. Quando se passou alguns segundos ele me puxou para que minha cabeça descansasse no seu ombro, tomei a iniciativa de falar.
- Achei que tinha ido embora ... - Senti o maxilar dele se contrair com um sorriso.
- Eu também achei que iria embora. Mas virei para lhe dizer que iria vir busca-la de manhã para irmos juntos a escola quando vi você paralisada com a porta entreaberta, esperei que as coisas se acalmassem e cá estou.
- Ah ... - Olhei para terra a baixo de nós, ele continuou.
- Quando por fim o falatório acabou sua mãe abriu a porta e eu estava lá, acho que foi uma cena meio patética, mas ela não disse nada, não perguntou nada, apenas me deu espaço para que eu entrasse e viesse até você e olha só, aqui estou! - Ele sorriu novamente e eu também esbocei um sorriso. Aconcheguei-me mais perto dele que começou a fazer carinho na minha cabeça, passando os dedos longos pelo meus cabelos. Ficamos assim durante minutos até que ele voltou a falar.
- Aqui é realmente lindo. - Concordei com a cabeça - É o cenário perfeito para o que eu queria fazer.
Encarei-o ainda com a cabeça encostada no seu ombro. Vi o sorriso tomar forma no seus lábios e a respiração dele acelerar brevemente, ele me encarou também. A mão que estava nos meus cabelos parou e madeixas do seu cabelo caiu em seus olhos. Pareceu que a luz da lua ficou mais intensa, iluminado somente nós.
Ele se virou de modo que ficou de frente para mim, senti seus dedos se posicionarem na minha nuca e a pontas fazendo carinho na minha bochecha, fechei os olhos e deixei que a sensação me tomasse. Logo depois senti a quentura de nossos lábios juntos e depois o começo do beijo, que logo se tornou a maior dádiva, mistura de calmaria com intensidade... Parecia a primeira vez de tudo e ao mesmo tempo era nada que alguém pudesse explicar. Quando terminou eu murmurei um " uau" sem fôlego e ainda com nossas testas grudadas uma na outra, ele sorriu.
- O paraíso em um pequeno gesto caloroso. - Ele murmurou e essa foi a deixa para que eu sorrisse também.
- Eu te amo Anne. - Ele disse com um sussurro e a sensação que tomou meu corpo foi ainda melhor que a do beijo - Não como as pessoas amam hoje em dia no mundo, eu amo você de maneira verdadeira.
- Eu também amo você de maneira verdadeira. - Sussurros breves da minha parte.
Nos beijamos de novo.
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