CAPÍTULO 14
ALICE
A verdade é que não tinha uma posição confortável, então desisti de assistir algo e fui tomar um banho. Aproveitando que estava sozinha, coloquei a banheira para encher, e estou aproveitando a noite para relaxar. Os últimos dias em especial têm sido muito, corrido.
Tenho procurado adiantar meu trabalho o máximo possível, até o momento não pensei sobre a licença maternidade. Na verdade tenho pensado muito se continuo ou não na empresa. Agora tenho uma sociedade com Tina numa pequena confeitaria, que acredito muito que após o casamento de Sam, terá seu nome bajulado, e teremos a oportunidade de ampliar nosso negócio.
Ela não me cobra muita participação, porque melhor que ninguém sabe como anda minha rotina e tudo que tem acontecido na minha vida, mas não acho justo. Adam tem assumido muitas responsabilidades que caberiam a mim, e sei que ele faz para que eu não me preocupe. Mas mais uma vez não acho justo.
Passo a mão cheia de espuma na barriga, estranhando como Isabela ficou quietinha hoje. Ultimamente ela tem mexido bastante. Me assusto com o clarão que se estende pelo céu do lado de fora da janela.
A tempestade que cai, nunca tinha sido vista. Ao menos, não por mim desde que vim morar na cidade. Procuro fechar os olhos, e relaxar, mesmo que o barulho provocado pelos raios seja impossível de não se ouvir.
Odeio tempestades.
Acompanhando a intensidade de um dos trovões, uma dor forte me faz parar de respirar por alguns segundos. Fico em alerta, porque tanto minha médica, quando a instrutora do curso que fiz, falaram sobre o início das contrações do parto.
Mas lembro que no final da tarde passei em consulta, e a médica falou após fazer o ultrassom que eu só entraria em trabalho de parto daqui a vinte dias. Poderia ser algo que comi e não me faz bem.
Me ajeito novamente após passar a dor, e tento relaxar. Então a campainha toca. Abro os olhos, irritada. Quem poderia ser? Todos estavam em seus compromissos, e mesmo se fosse Adam, Tina ou Tyler, eles tem chave. Seja quem for, eu deixarei tocar.
Escutei a campainha por mais cinco vezes antes de parar. Peguei meu celular para ver se tinha alguma mensagem, e vi que não tinha sinal. Fiquei mais um tempo aproveitando a água quente, não faço ideia de quanto tempo se passou, mas quando as luzes se apagaram por alguns segundos, eu sabia que era hora de sair da banheira. Quando eu estava pronta para sair a porta é aberta com tudo.
— Ah! — grito de susto. Estou segurando a toalha na frente do meu corpo. — O que está fazendo aqui? — pergunto para Alex, que está como uma estátua na minha frente.
— Aqui está você. — ele fala alto, e coloca a cabeça para fora do banheiro. — Ela está bem, obrigado pela ajuda.
— Você está falando com quem? — pergunto. — Afinal o que você está fazendo aqui? — ele fecha a porta e me olha, para logo desviar os olhos. — Alex? — eu grito.
— Não grita!
— Então me responde. — eu ainda estou falando alto.
— Eu toquei a campainha diversas vezes, e você não atendeu. — ele fala me olhando. — Então pedi para o porteiro abrir a porta. — eu estou com a respiração acelerada, meu coração está batendo tão rápido que quase não escuto o que ele fala.
— Eu ouvi a campainha, mas estava ocupada tentando relaxar. — ele olha para a banheira. — Eu não acredito que você entrou no meu banheiro. — olho para os lados sem saber o que fazer. — Sai daqui. — ele nem se mexe, e reparo que ele está todo encharcado. — Porque você está molhado?
— Está chovendo. — ele fala.
— Eu reparei. — Alex revira os olhos.
— A garagem do prédio está alagada, tive que parar na rua. — agora consigo compreender o motivo dele estar molhado. Penso em pegar uma toalha para ele, mas para isso eu teria que me mover e caso eu faça isso, eu ficarei nua. — O que tanto está pensando?
— Em como pegar uma toalha para você sem que a minha caia. — ele olha para onde estou olhando, e ri. Alex se aproxima, estica o braço e pega uma das toalhas que estão em cima do armário e me olha.
— Estarei aqui fora. — então sai.
— Era só o que me faltava. — aproveito que ele saiu, e termino de me enxugar.
Antes de colocar a roupa, me olhei no espelho. Apesar de estar próximo ao parto, minha barriga não cresceu muito, mas essa semana senti que ficou bem mais pesada. Pego o pote de hidratante, e passo mais um pouco. Geralmente esse momento pós banho, é nosso momento. Quando converso mais com minha filha, cuido mais de mim.
Acabo rindo.
— Hoje vai ser diferente. — falo vestindo a camiseta que escolhi para passar a noite. — Pelo visto teremos a companhia do mala do seu pai. — passo o pente nos cabelos e saio.
Ao passar pela porta sinto novamente a pontada no pé da barriga. Seguro no batente, e procuro respirar fundo, até que sinto ela diminuir. Dessa vez, a dor foi mais intensa, e mais demorada. Penso por um momento, se já seriam as contrações de parto.
Mas não seria possível, passei hoje á tarde na médica, ela fez os exames devidos, e me garantiu que seria para daqui uns vinte dias. Deve ser por conta do susto que levei ao ver Alex invadir meu banheiro.
Claro. Só pode ser isso.
Sigo para a sala, e o encontro sentado mexendo no celular.
— Continua sem sinal. — comenta.
— Deve ser algum ciclone passando por perto, só isso explicaria essa chuva. — ele concorda.
Ficamos nos encarando em silêncio, somente o barulho da chuva lá fora batendo no vidro da janela, é ouvido. São tantas emoções e sentimentos conflitantes, que é difícil saber o que devo fazer. Alex sorri, e nega.
— Não adianta arrumar nenhuma desculpa, eu não vou embora.
— Porque acha que eu o mandaria embora?
— É o que você sempre faz, Alice. — ele fala calmamente. — Me manda embora, ou simplesmente foge, o que acaba sendo sua alternativa mais usada, já que eu não vou embora.
— Veio aqui pra me lembrar o quanto você é chato e insuportável? — sinto novamente a pontada. Levo a mão até o local, movimento que não escapa dos seus olhos.
— Está tudo bem? — pergunta, e sinto que há preocupação na voz.
— Só uma dorzinha chata que não passa. — explico. — E coincidentemente ela apareceu justamente quando você apareceu. — ele ri.
Os raios lá fora continuam cada vez mais intensos. Procuro não pensar no que está acontecendo lá fora, olho para Alex que me encara sem cerimônia. Não vou conseguir ficar aqui, sendo alvo do seu olhar.
— Você realmente não vai embora, certo? — ele nega. — Ok! — me levanto com cuidado. — Vou fazer algo para comer, já que pelo visto nenhum entregador vai chegar até aqui.
— E você come comida de rua, nesse estado? — ele olha para minha barriga. — Acho que não é muito indicado. — vou para a cozinha e sinto que ele vem atrás.
— Eu aproveito todas as vezes que fico sozinha para comer o que gosto, já que com a minha amiga ao meu lado, isso é impossível. — faço uma careta. — Não aguento mais comer cereais, integrais, zero gordura, sem açúcar. — minha pele até arrepia com a lembrança. Olho as opções na geladeira. — Mas desconfio que não vou conseguir sair disso essa noite. — pego um vidro de pêssegos em calda. Minha boca chega a salivar.
Seguro ele, e dou mais uma olhada, querendo achar algo mais, mas sou surpreendida pela dor dilacerante que me invade.
— Aí! — o vidro escorrega da minha mão, se espatifando no chão.
— Alice. — Alex está ao meu lado. Sinto algo quente escorrendo pela minha perna. Olho para o chão.
— Estourou. — falo baixo. — Isso não pode ser...
— Não se preocupe com isso, são só pêssegos... — a dor volta com tudo, e sinto o ar me faltar. — Alice? — simplesmente não consigo responder. Me encolho contra meu próprio corpo.
— Alex... estourou... — tenho dificuldade em pronunciar as palavras.
— Alice, é somente um vidro. — eu nego, procurando respirar.
— A bolsa... minha bolsa... — ele me olha sério.
— Consegue andar? — nego. Sem esperar mais, ele me pega com cuidado e me leva para o sofá. Quando sento, sinto a dor aliviar. — O que eu faço agora?
— Eu tenho que ir para o hospital. — ele olha para a janela. — Agora.
— Tive dificuldade para chegar aqui e a chuva estava menos densa, nenhuma ambulância vai conseguir chegar. — ele volta a mexer no celular, e xinga baixo.
Procuro lembrar de todas as instruções que aprendi no curso. Manter a calma, é a primeira. A segunda é que leva um tempo do início das dores até o parto. Isso era o que me tranquilizava. O que me dava medo, é que eu sabia que a tendência era que cada vez as dores viessem mais fortes.
— Tenho que pegar as bolsas. — Alex não compreendeu. — Documentos, roupas, tudo o que vou precisar, são duas bolsas de couro que estão ao lado do berço, no meu quarto. — Alex concordou e foi em direção ao corredor errado. — Do outro lado. — apontei e ele voltou.
ALEX
Entro no quarto e vejo um berço branco cheio de detalhes em lilás, e ao lado dele as bolsas. Vou até eles e as pego, sinto que tem algo de estranho no quarto, mas não consigo compreender nesse momento.
Alice, geme na sala.
Volto para a sala e ela está se retorcendo no sofá. Penso no que fazer, mas não acho outra alternativa a não ser tentar leva-la ao hospital. Olho para as duas bolsas nas mãos, e para Alice.
— Não tem como levar isso. — deixo as bolsas no chão, e me aproximo pegando Alice no colo.
— Mas eu preciso do que está ali. — ela tenta argumentar.
— Você precisa de um hospital. — ela concorda.
Tenho dificuldade para abrir a porta, estando com Alice no colo, se retorcendo de dor. Procuro manter a calma, mesmo sem saber o que devo fazer. Quando paro em frente ao elevador, me aproximo apertando o botão.
Por um segundo penso se não seria mais seguro descer pelas escadas, mesmo isso sendo dez andares. Mas quando penso, as portas se abrem e Sara sai dele toda encharcada. Ela olha assustada para nós.
— Meu Deus, o que aconteceu? — entro no elevador.
— A bolsa estourou. — Sara compreende.
— Ok. Mantenham a calma. — olho para minha secretária, e ela revira os olhos. Ela volta para dentro do elevador e aperta para descer. — Procure manter as respirações, mesmo que a dor seja intensa, respire o máximo que puder, não pode faltar oxigênio nesse momento. — olho para Sara, e ela sorri.
— Como sabe de tudo isso, se não tem filhos? — pergunto.
— Que comentário mais brega, preciso ter filhos para saber o que se deve fazer? Tenho irmãs, e uma penca de sobrinhos. Ou seja, sou Phd no assunto. — assim que as portas se abrem no saguão vejo que não será fácil.
— Aonde está o seu carro?
— Está um pouco mais acima. — ela aponta na direção. — Espere aqui, vou buscar e procuro parar o mais próximo possível. — Sara saiu correndo na chuva.
— Alex... eu... — Alice parecia pálida. Não sei se pelas dores, ou pelo frio que estava fazendo aqui fora.
— Calma, já vamos chegar ao hospital. — Alice estica o braço e leva até o meio das pernas. — Está com muita dor? — ela concorda, e quando levanta a mão, vejo o sangue.
Que merda!
A chuva continua caindo abundantemente. O porteiro que me ajudou a entra no apartamento aparece ao meu lado com um cobertor nas mãos.
— Meu rapaz, a cubra com isso. — ele estica o cobertor por cima dela, e prende atrás do meu pescoço. Para que não caia.
— Obrigada. — lembro de algo. — Deixei o apartamento aberto, feche. — ele concorda.
Escuto buzina e vejo o carro de Sara parado perto da calçada. Saio com cuidado para que não tropeçar em nada, e assim que me aproximo Sara abre a porta traseira, e volta para a direção do carro. Não consigo entrar com Alice no meu colo, então a coloco no banco, e espero com que ela se ajeite o melhor possível e eu consiga entrar.
— Eu só não sei para que hospital devo tentar ir.
— Vá para o mais próximo. — fecho a porta, e jogo o cobertor molhado no canto do banco, contra a outra parte.
— Aí meu Deus! — Alice volta a gritar.
— Elas estão mais próximas? — Sara pergunta.
Elas quem?
— Sim, e estou sentindo uma pressão muito forte. — minha secretária me olha pelo retrovisor e não sei gosto do seu semblante.
— Alex, deita ela com as costas para a porta e tira a roupa dela. — encaro Sara. — Vai!
— Sara... eu não sei fazer isso. — eu sabia exatamente a que ela se referia que eu teria que fazer.
— Você é a única opção. — ela começou a buzinar. — Até parece que todo mundo resolveu sair de casa nessa chuva.
— Tem você.
— Não vai dar muito certo, se eu ver sangue eu desmaio. — ela voltou a me olhar e sorriu. — Eu sei o que tem que ser feito, não falei que tinha feito.
— Dá pra parar essa dor? — Alice se contrai contra meu corpo.
— Alice, eu preciso que deite aqui. — pego o cobertor que havia jogado e faço um apoio para ela.
Assim que ela deita, eu olho para seus olhos, e sem desviar começo a tirar sua calcinha. Procuro não pensar no que estou fazendo. Nesse momento lembro das imagens que vi no dia que a acompanhei no médico. Ali tem uma vida indefesa, precisando de ajuda.
Como se ligasse no automático, vou fazendo tudo que Sara me diz para fazer. E claro que em pensamento eu peço para que dê tempo de chegar ao hospital. Alice volta a gritar e não penso em seu sofrimento nesse momento.
— Quando vir a contração, você empurra.
Era estranho, porque Alice e Sara estavam mantendo um diálogo, e era como se eu tivesse virado um mero espectador, mas então algo aconteceu. De repente entre as palavras de Sara, e os gritos de Alice, eu vi.
Meu coração disparou sem um único movimento, eu estava somente esperando. Parado. Esperando. A pequena cabecinha surgiu. Eu não sabia o que fazer. Tinha medo de fazer algo errado. Tinha medo de machucar algo tão pequeno e delicado.
— Alex, você precisa verificar se o cordão não está em volta do pescoço. Passe a ponta dos dedos em volta do pescoço.
Faço o que Sara fala, e não sinto nada.
— Não tem nada.
— Agora segure a cabeça com delicadeza, e vire para o lado. — eu poderia perguntar, o porquê, e para quê. Mas sentia que deveria ser rápido.
Com todo cuidado fiz tudo o que minha secretária, falava, e tão logo eu senti que o bebê virou, Alice voltou a gritar, e como num passe de mágica, ela saiu. Tão pequenininha. Pareia com medo de cair, os bracinhos procurando apoio.
Era como se o mundo a minha volta, tivesse sumido. Eu não conseguia tirar meus olhos daquele pequeno ser. Acabei sorrindo. Barulho de buzinas e vozes estavam em algum lugar na minha mente. Mas foi o fato de alguém ter aberto as portas do carro que me trouxe de volta, ao momento atual.
— Deixa eles vão cuidar delas. — Sara falou segurando meu braço.
Quando olhei para Alice, ela estava com os olhos fechados, ela estava chorando. O desespero bateu.
— Alice?
Eu fui retirado de dentro do carro, e dois enfermeiros assumiram os passos seguintes. Sara parou ao meu lado e me abraçou, ela também estava em lágrimas.
— Achei que a gente não fosse chegar. — ela falou baixo, e senti que ali ela confessava que tinha medo.
— Graças a você, deu tudo certo. — a abracei de volta. — Obrigado. — ela se afastou e limpou o rosto todo borrado de maquiagem. — Deveria acrescentar isso ao seu currículo. — ela ri.
— Pode deixar. — ela esticou o braço e limpou meu rosto. Me surpreendi ao notar que eu também estava chorando. — Não vou contar a ninguém. — ela piscou e se afastou.
Eu não estava nem ai para se alguém iria reparar se eu tinha chorado ou não. Eu só precisava vê-la, mais uma vez.
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