31 (liz)
Durante a semana, iniciam-se os preparativos para o famoso baile Homecoming. A maior parte dos alunos se voluntaria para ajudar com os preparativos, já que, em uma cidade tão pequena e com tão poucos programas atrativos para preencher os dias dos jovens, qualquer evento comum se torna um grande evento.
— Por acaso você dormiu essa noite? Ou está usando drogas? Liz?
De repente sou tirada do caos da minha própria mente e trazida de volta a realidade.
— O quê? — Indago, quando noto que todos os olhares do comitê de contagem estão sobre mim.
— Você está um bagaço. — Amy aponta, de forma rude e grosseira.
Abro um sorriso forçado.
— Obrigada, Amy. Você é muito gentil. — Rebato.
Ela suspira, irritada.
— Preciso que se preste atenção no que está fazendo, está bem? A contagem dos votos para rei e rainha do baile é muito importante e eu estou encarregada de supervisionar os comitês preparativos e garantir que tudo saia perfeito. Se você ferrar com isso, a culpa vai ser minha, então... por quê não passa uma água no rosto e vai buscar um café? — Sugere ela, antes de sair batendo os pés irritada, pronta para arruinar o dia de outras pessoas também.
Talvez, se estivesse me sentindo melhor, discutiria com ela bem aqui e agora. Alguém devia mesmo colocá-la no lugar dela. A garota se acha o centro do mundo quando, na verdade, não é melhor do que ninguém aqui. Todos nós vivemos em uma cidade que é praticamente o porão de Ohio. Mas, como não me sinto em condições de desperdiçar a pouca energia que me resta com a babaca da Amy Schutz, apenas reviro os olhos e decido acatar à sua sugestão de fazer uma pausa e buscar um café.
Saio do ginásio, onde todos os alunos estão espalhados, causando o maior barulho enquanto falam animados sobre as expectativas para a noite do baile — o tipo de coisa que eu e minhas amigas também ficaríamos animadas se estivéssemos vivendo um último ano bom e tradicional. Ao invés disso, estamos correndo em círculos, tentando encobrir um crime que nos assombra desde o início das aulas e tentando desesperadamente adiar as consequências de nossos erros, em vão. Portanto, a noite do baile acabou perdendo o brilho para nós. Ainda planejamos vir, mas honestamente, não acho que vai ser nada demais.
Vou até o meu armário, no fim do corredor vazio, e começo a procurar por minha carteira para comprar um café, quando meu celular começa a vibrar com uma ligação de Noah. Todos os dias, trocamos mensagens pela manhã ao acordar. Ele me dá bom dia, e eu lhe conto sobre os sonhos malucos que tive quando consigo me lembrar deles. Mas hoje, quando recebi sua mensagem de bom dia ao acordar, não consegui responder. Não consegui fingir que as coisas entre nós estão normais, apesar desse ser o plano até que eu e minhas amigas possamos ir até o depósito em Rosefield e investigar o que é que Noah esconde lá — o que ele tem escondido de mim. Sinto meu estômago embrulhar só de pensar que o garoto que achei conhecer esse tempo todo, pode, na verdade, ser alguém completamente diferente do que imagino.
Suspiro fundo, e pressiono o botão de ignorar chamada, guardando o celular de volta em meu bolso.
— Você está me evitando. — Sua voz ressoa atrás de mim de repente, me causando um sobressalto.
Volto-me para ele, constrangida, sem saber exatamente o que dizer sobre o que ele acabou de presenciar.
— Não estou, não. — É o que respondo, soando meio manhosa. É mentira.
Noah inclina a cabeça, olhando-me profundamente nos olhos, como se pudesse ler os meus pensamentos. Por um segundo, temo que ele consiga mesmo, e então me dou conta de que há poucas semanas, eu adorava estar sob seu olhar. Sentia-me especial. Sentia-me vista, compreendida e amada. Agora, de repente, sinto-me como uma presa, prestes a ser devorada. Como uma criminosa de lábios secos, suplicando por um copo de água enquanto o detetive espertalhão espera o momento certo para arrancar uma confissão.
— E-eu só... estava prestes a te procurar. — Digo. Outra mentira.
Ele cruza os braços e assente, fingindo engolir essa história, mas não parece muito convencido.
— Eu te esperei no seu armário mais cedo, quando você chegou. Você passou direto por mim, como se eu fosse um fantasma. — Comenta, soltando um riso que me parece meio macabro.
— Desculpe, eu não te vi.
— Você sempre me vê, Liz. O que está acontecendo? — Indaga ele, frustrado e parecendo estar se esforçando muito para não repetir o incidente da noite passada, quando elevou sua voz além do necessário, mostrando até certa agressividade.
Ajeito o cabelo atrás da orelha, desejando que não estivéssemos sozinhos no corredor agora. Odeio que, desde aquela noite, já não tenho mais certeza se estou mesmo segura ao lado de Noah, o que é a pior sensação que eu poderia sentir.
— Nada. — Falo, sem a intenção de prolongar essa discussão, apesar de parecer improvável que ele aceite deixar as coisas dessa maneira agora que já notou que há algo de estranho acontecendo entre nós. Eu sabia que não iria conseguir enganá-lo por muito tempo. — Noah, está tudo bem. Só estou cansada. Muito cansada. Você sabe, não tenho dormido bem há meses, é óbvio que isso iria começar a me afetar mais cedo ou mais tarde. — Tento argumentar.
Ele permanece cético.
— Liz. Eu te conheço. Já estivemos nesse lugar antes.
Franzo o cenho, confusa.
— O quê? Que lugar?
— Nesse lugar estranho na nossa relação em que você fica estranha do nada e eu fico a ver navios sozinho! — Exclama, irritado. Contenho o impulso de me afastar, porque isso revelaria demais sobre o que realmente estou sentindo sobre ele ultimamente. Ao invés disso, permaneço imóvel em meu lugar e inclino a cabeça, como se o que ele estivesse dizendo agora fosse uma tremenda maluquice. Como se não passasse de uma paranóia, como se fosse apenas o resquício de um trauma emocional persistente, mas desimportante. Como já não sei o que dizer para convencê-lo de que está tudo bem, coloco-me nas pontas dos pés e deposito um beijo em sua bochecha, na esperança de que ao menos isso o acalme.
— Se sente melhor? — Indago, sedutora.
Noah me encara em silêncio por alguns segundos, como se estivesse ponderando.
— Não pode fazer isso.
Arqueio as sobrancelhas, surpresa com sua reação.
— Desde quando não posso te beijar na bochecha? — Indago, confusa.
— Não pode me beijar para tentar me distrair do fato de que há algo de errado aqui, Liz! Por que ainda não pode ser honesta comigo depois de tudo?
Abro a boca e deixo escapar um riso irônico. Não era exatamente a minha intenção, mas talvez sua hipocrisia tenha despertado o pior de mim mais rápido do que eu imaginei que poderia.
— Por quê o riso? — Ele pergunta, incomodado.
— Porque acho irônico você me pedir sinceridade quando não sou eu quem está escondendo coisas de você.
Noah se empertiga.
— Do que está falando?
Fecho a porta do meu armário com força, causando um estrondo que ecoa pelo corredor vazio.
— O que realmente aconteceu naquela noite, Noah? — Pergunto, irritada.
Noah franze o cenho, tentando entender por quê estou trazendo isso à tona novamente.
— Eu... já te contei o que aconteceu. — Diz.
— E foi sincero? — Insisto.
Noah começa a parecer ofendido.
— O que te faz pensar que eu não fui? Liz, aonde quer chegar com isso?
— Você empurrou Dylan na frente do carro de Sarah. Não empurrou? — Pergunto, mas acaba soando mais como uma afirmação.
De repente, a expressão de Noah parece mudar. As rugas de confusão que surgiram entre suas sobrancelhas segundos atrás, agora se dissipam, como se ele finalmente entendesse do que estou falando — e como se não pudesse negar a verdade.
— Noah? — Chamo-o esperando que ele me diga que estou errada. Que me diga que estou tão maluca quanto a pessoa que me sugeriu isso. Que isso não faz o menor sentido, e que me convença de fato que não faz. Mas ele não responde à minha pergunta, nem com "sim", e nem com "não". Apenas me encara com um olhar duro, que do tipo que nunca vi em seus olhos antes.
— Por quê está me perguntando isso? — São as palavras que saem de sua boca quando ele finalmente decide dizer alguma coisa.
— Por quê não está negando? — Devolvo a pergunta, com o coração acelerado. Consigo senti-lo pulsar forte contra o meu pescoço.
Noah suspira fundo, olhando para além de mim, para o corredor vazio e
— Podemos conversar em outro lugar?
A pergunta revela tudo o que preciso saber. De repente, é como se o chão estivesse se desfazendo sob os meus pés. Coloco a mão sobre o estômago, sentindo que a qualquer momento posso vomitar.
Não acredito que de todas as pessoas, Colin Wright estava me dizendo a verdade enquanto Noah Thompson mentia descaradamente para mim, fazendo com que eu e minhas amigas acreditássemos durante todo o esse tempo que a culpa de tudo o que aconteceu foi exclusivamente nossa.
— Ah, meu Deus! Você fez mesmo isso, não fez? Você nem consegue negar! — Exclamo, eufórica. Nem mesmo tento lutar contra as lágrimas que brotam em meus olhos. A essa altura, não tenho forças para lutar contra nada.
— Liz, eu...
— Foi por isso que reagiu tão bem, não foi? Você sempre soube que a culpa era sua! — Exclamo, juntando todas as peças que faltavam. — Você é quem causou tudo isso, você é quem fez algo terrível e nem se desculpou! Nem precisou sentir muito, porque deixou todo o trabalho sujo com a gente!
— Liz, espere! — Ele grita, quando começo a sair marchando na direção oposta, deixando-o para trás enquanto sinto o mundo ao meu redor girar e girar. — Eu estava tentando te proteger! — Ele grita, irritado por eu não entender algo que lhe parece tão simples e sensato.
Imediatamente paro de caminhar, voltando-me para ele com um olhar fuzilante. Como ele se atreve a dizer isso?
— Não tente me convencer de que o que você fez foi por uma razão boa e nobre! Você matou alguém, e nos deixou pensar que a culpa era nossa! Você arruinou a minha vida, e a vida das minhas amigas, e a vida dos pais do Dylan, e eu te odeio por não ter tido nem mesmo a coragem e decência de me contar isso nesse tempo todo, quando sempre fui honesta sobre isso com você.
Noah solta um riso debochado.
— Qual é. Como se você não me escondesse nada. — Insinua.
Franzo o cenho, confusa.
— O quê? Do que está falando?
— Não quer me contar como descobriu isso? Sei lá, talvez em um certo encontro com um certo jogador de futebol americano.
— Em primeiro lugar, aquilo não foi um encontro de verdade, e só fui até lá porque minhas amigas e eu precisávamos de respostas, já que você escolheu omitir a verdade esse tempo todo! E, em segundo lugar, está mesmo tentando insinuar que o modo como descobri isso é pior do que o que descobri? Nossa. Você realmente sabe como manipular uma situação, não é? — Digo, dando-lhe as costas novamente.
— Tudo o que eu fiz foi para te proteger! — Ele grita, agarrando o meu pulso e puxando-me de volta para perto dele. Talvez houvesse espaço para o medo dentro de mim se eu não estivesse completamente preenchida pela maior frustração que já senti na vida, de modo que todo o meu corpo até parece estar dormente diante de tamanha decepção.
— Tudo o que fez foi para se proteger! — Grito de volta, pressionando o dedo indicador contra seu peito, de modo incriminatório.
Olho em seus olhos, e não consigo acreditar que o garoto que conhecia até semana passada seria capaz de fazer isso conosco. Por um instante, tenho um vislumbre de todos os momentos doces que vivemos juntos: as aulas no laboratório, todas as vezes em que nossos olhos se encontravam na multidão, cada piada idiota que nos fazia rir, nosso primeiro beijo, as músicas que ouvíamos juntos quando dividíamos os fones de ouvido, e o garoto cujos os braços me faziam sentir segura de todos os perigos do mundo quando me envolviam com gentileza e ternura. O garoto que me encontrou tendo um ataque de pânico em uma banheira duvidosa e não se importou de se sentar diante de mim e me ajudar a recuperar o fôlego, com calma e paciência. Esse garoto desaparece bem diante dos meus olhos. De repente, estou olhando para um desconhecido, um fantasma muito parecido com o garoto de olhos extremamente azuis que um dia amei.
Mas quem quer que seja esse garoto diante de mim agora, ele não é Noah.
— Eu tinha boas intenções. — Ele insiste,
Balanço a cabeça em negação, sem conseguir nem mesmo ouvir as palavras que saem de sua boca mais. Todas soam como mentira.
— Não existe boa intenção no que você fez. Não existem justificativas para o que fez. Você é a pessoa mais egoísta que já conheci. E eu nunca mais quero ter que olhar para você. — Falo, aproximando o meu rosto dele para que minhas palavras fiquem bem marcadas em sua mente. Sinto-me completamente tomada pela raiva.
Abro a porta de metal no fim do corredor, enxugando com força as lágrimas que rolam pelo meu rosto enquanto desço os degraus da escada apressada, mas incerta de para onde ir. Sinto-me desnorteada e meio zonza, mas continuo indo em frente, esperando que a névoa mental se dissipe e eu consiga pensar com clareza sobre o que fazer, porque agora, honestamente, não faço a menor ideia.
Já estou quase alcançando o último degrau da escadaria quando sinto alguém me agarrar por trás e me levantar pelo pescoço, me enforcando até eu sentir todo o ar se esvair de meus pulmões e minha visão escurecer por completo.
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