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3 (liz)

Não consigo mover minhas mãos da minha boca enquanto tento digerir os fatos. As lágrimas brotando em meus olhos começam a bloquear minha visão e a imagem diante de mim se torna uma grande mancha.

— Mas que droga! — Sarah exclama após alguns minutos encarando o corpo em silêncio.

Olho para ela, que antes me olhou com um olhar indecifrável, quase pedindo socorro, agora agindo como se isso fosse algo natural. Mais um dia comum na vida de Sarah Headington.

— O que faremos agora? — Cassie pergunta, levantando-se do lado do corpo e cruzando os braços. Depois de Sarah, ela é a segunda que age com mais naturalidade, mas ainda consigo ver a preocupação em seus olhos.

Olho novamente para Sarah. Ela não demonstra nada.

— Devíamos chamar a polícia. — Daisy diz baixinho, encolhida. Ela está tremendo, apesar de não estar realmente frio, e noto que também estou.

— Você ficou maluca?! — Sarah vocifera.

— Talvez seja uma boa ideia... — começo a dizer, mas ela me interrompe para dizer o óbvio.

— Não podemos chamar a polícia! Se fizermos isso, estaremos imediatamente ferradas! Isso pode arruinar nossas vidas!

Embora odeie admitir isso para mim mesma, ela tem razão. Todas nós bebemos e meio que já estávamos fugindo da polícia, o que não é bom.

— O que faremos, então? — Repito a pergunta de Cassie. — Não podemos ficar paradas aqui para sempre, esperando que o corpo se decomponha sob nossos olhos, e não podemos simplesmente deixá-lo aqui e fingir que isso nunca aconteceu!

Nós quatro nos encaramos em silêncio, buscando por algum consolo no rosto da outra, esperando que uma de nós saiba o que fazer.

— Vamos enterrá-lo. — Sarah finalmente diz.

Arregalo os olhos e Cassie faz uma cara de "isso é uma péssima ideia".

— O quê? Você só pode estar brincando! — Daisy exclama, mas Sarah permanece séria.

— Você por um acaso tem alguma ideia melhor? — Indaga, mas já sabe que a resposta é não. Nenhuma de nós tem ideia alguma do que fazer diante da situação, e nosso silêncio responde por nós. — Bom, foi o que eu imaginei. — Sarah fala, por fim.

Sarah agarra os dois pés do garoto e começa a arrastá-lo em direção ao carro. Eu a encaro com desaprovação, e ela percebe.

— Ele está morto, Liz. Ele não se importa.

Fico sem reação quando ela praticamente cospe essas palavras na minha cara. Olho para trás, e Daisy e Cassie também parecem chocadas.

"Já está feito", ela diz, antes de voltar a puxá-lo pelas pernas, sem a menor demonstração de culpa.

Não fazemos a menor ideia do que Sarah está planejando fazer, apenas a seguimos. Quando ela abre o porta-malas, indica com a cabeça que precisa de ajuda. Seguro os braços de Dylan, ajudando a levantá-lo e amassá-lo lá dentro, sentindo uma sensação cada vez pior no estômago, acompanhada de uma enorme dificuldade para respirar.

Ela fecha o porta-malas e nos manda entrar no carro, mas preciso de um tempo para respirar fundo. Encolho-me ao lado do carro, conto até três e inspiro e expiro, inspiro e expiro, até sentir o ar passando novamente pelos meus pulmões e minhas mãos suadas pararem de tremer tão intensamente.

— Não podemos fazer isso aqui! — Ouço Cassie dizer assim que abro a porta e salto para dentro do carro, me sentindo meio tonta.

— O quê? Por que não? — Sarah questiona. — As chances de descobrirem tudo será muito maior se o corpo estiver enterrado aqui, e aí estaremos ferradas!

— Cassie, querida, convenhamos, nós já estamos ferradas de qualquer jeito. — Sarah constata o óbvio.

— Qual é o problema? — Pergunto, tentando acompanhar a conversa.

— Cassie acha que devemos enterrar o corpo em Rosefield. — Sarah explica, e seu tom deixa clara a sua opinião.

Rosefield fica a quarenta minutos de distância de Redgrove. Apesar de ser remotamente mais populosa, não é tão mais interessante do que nossa entediante cidade, apesar de vez ou outra, jovens de Redgrove acabarem indo parar lá em busca de diversão.

As duas olham para Daisy, esperando que ela exponha o que pensa sobre o assunto, mas ela não diz uma palavra. Apenas solta um suspiro no banco de trás e se encolhe, abraçando os próprios joelhos, sem saber o que dizer. Talvez ainda esteja se recuperando do momento que acabamos de viver, lutando para digerir o fato de que agora, não tem mais volta. Não há como voltar atrás e desfazer o que já foi feito.

Quando Daisy não responde coisa alguma, as duas voltam seus olhos para mim, esperando que eu me manifeste e decida de uma vez por todas o que fazer. Suspiro, sentindo um peso cair sobre mim. A sensação boa que eu sentia há poucos minutos, desapareceu por completo. Agora me sinto vazia e desesperada, se é que é possível sentir as duas coisas ao mesmo tempo.

Relutante, entro na discussão.

— Bom, se sabemos que já estamos ferradas de qualquer jeito, talvez o melhor que possamos fazer agora é tentar encontrar formas de adiar que descubram o que fizemos...

— Por isso deveríamos enterrá-lo em Rosefield! — Cassie torna a insistir na ideia.

Sarah nos encara, zangada.

— Vocês não podem estar falando sério! — Exclama — Liz tem que estar em casa no máximo às duas. Não acho que conseguiremos fazer isso a tempo. — Fala, olhando para o relógio no painel, marcando 00h47.

Dou de ombros, demonstrando que não me importo com isso no momento. De alguma forma, a bronca que eu posso levar dos meus pais por chegar tarde perdeu a importância. Talvez eu mereça mesmo algum castigo, afinal. Talvez a consciência de que estou sendo punida de alguma forma ajude a aliviar uma parte da culpa pelas coisas terríveis que estamos prestes a fazer essa noite.

Sarah fica em silêncio por alguns segundos, seus olhos inquietos percorrendo nossos rostos. Por fim, levanta as mãos em sinal de redenção, tirando-as do volante por alguns segundos. Sinto um aperto no coração, como se algo ruim pudesse acontecer novamente dentro daqueles segundos, apesar do carro estar desligado e a estrada estar totalmente vazia a essa hora. Nesse momento, consigo perceber claramente que vou demorar a querer dirigir um carro depois dessa noite, mesmo já tendo idade suficiente para isso. Nunca fui muito boa em superar meus traumas. Me admira o fato de Sarah ainda conseguir se sentar no banco do motorista sem ter um ataque de pânico.

— Tudo bem. — Ela diz, cedendo.

Nós nos entreolhamos, nervosas. As chances de tudo isso dar errado são enormes. Mas sabemos que metade do caos já está feito, então temos que tentar acabar com tudo isso. Temos que enterrar a bagunça que fizemos, literalmente. Mas não consigo deixar de pensar que, se Sarah tivesse seguido os outros carros como deveria, não estaríamos no meio disso tudo. A ideia me deixa irritada, com vontade de distribuir uma dúzia de tapas nela. Mas a última coisa de que precisamos agora é uma briga entre nós. Mais do que nunca, precisamos permanecer unidas.

— E como vamos fazer isso, afinal? — Daisy pergunta, por fim, após um longo período em silêncio. Ela rói o esmalte em suas unhas, nitidamente nervosa com o fato de estarmos perdendo tanto tempo discutindo sobre o que fazer com o corpo sem vida no porta-malas. Não um corpo qualquer. O corpo de Dylan.

Sarah leva as mãos de volta ao volante e me encara.

— Seu pai não tem uma coleção de pás? — Pergunta.

Ouvir isso seria engraçado em qualquer outra ocasião. Mas como eu sei bem onde ela pretende chegar com isso, não é tão engraçado assim. Mas sim, meu pai é dono de um bando de pás. Há cerca de quatro anos ele havia decidido fazer um curso de paisagismo e decidiu que faria uma coleção de pás. Utilizou algumas para fazer o nosso próprio jardim. Outras, eram proibidas ao toque. Lembro-me do dia que contei a Sarah que meu pai era um amante de pás, e ela riu tanto que saiu café do seu nariz.

— Você não espera que eu mexa nas pás do meu pai, não é? Ele me mata se souber disso. E vai me enterrar com as mãos para não ter que usar as pás novamente!

Sarah solta um riso. Tenho a impressão de que ela está imune a sensação de culpa que todas estamos sentindo, e isso é estranho e irritante ao mesmo tempo. Sinto raiva da forma como ela encara toda a situação. Sinto raiva da forma como ela encara tudo na vida com uma certa indiferença.

— Lizzie, por favor, isso é importante! Vamos devolver antes que ele perceba.

O problema não seria apenas meu pai perceber que pegamos suas preciosas pás. O problema também seria ele querer saber para quê as utilizamos, e acho que ele não gostaria de saber que elas eram parte de um crime — um crime no qual eu estava envolvida, ainda por cima.

— Como espera que eu faça isso sem que ele perceba? As pás ficam na garagem, não consigo entrar escondida lá. — Digo.

— Não precisa entrar escondida, Liz, é a sua casa.— Ela fala, com uma certa rispidez em sua voz.

— E o que você sugere? — Indago.

— Bom, olha só... — ela coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha e se senta de lado no banco, virada para mim, para garantir que vou prestar atenção em seu plano — eu te levo até sua casa, e seus pais vão ver que você chegou dentro do horário. Você diz que vai dormir, mas vai até a garagem e pega as pás. Sobe até seu quarto, tranca a porta e sai de fininho pela janela. Quando a gente voltar, limpamos as pás, você as coloca de volta na garagem, ninguém percebe nada e no fim, todo mundo sai ganhando.

Fico perplexa com a rapidez com a qual ela bola o plano.

— Nem todo mundo sai ganhando. — Daisy fala baixinho, provavelmente pensando em Dylan. Dá para ver a culpa começando a consumí-la. Sarah não diz nada. Não dá para saber se o comentário pesou em sua consciência, mas com certeza pesou na minha.

— O que acha disso, Cas? — Sarah pergunta. Não é como se Cassie fosse a sabe-tudo dos homicídios, mas por alguma razão, temos a impressão de que ela sabe bem mais do que a gente sobre o assunto graças à sua obsessão estranha por programas criminais.

Cassie dá de ombros.

— Acho que pode funcionar...

A verdade é que nenhuma de nós tem muita certeza do que estamos fazendo, nem mesmo Cassie. Tudo parece muito incerto, e eu tenho certeza de que depois de enterrarmos o corpo, tudo o que fizermos nos fará parecer suspeitas de alguma forma. Com a culpa estampada em nossos rostos, não será tão difícil desconfiar de algo. Teremos que ser muito cuidadosas a partir daqui.

A resposta parece boa o suficiente para Sarah.

Ela liga o carro, e, com a maior atenção do mundo, começa a dirigir. Seus olhos não desviam da estrada nem por um segundo, e suas mãos agarram o volante como se sua vida dependesse disso. Ficamos em silêncio durante todo o caminho até minha casa, e percebo que a playlist que Daisy havia colocado ainda está tocando baixinho no rádio. Não reconheço a música, mas soa meio triste em meus ouvidos.

Não consigo deixar de pensar no corpo de Dylan amassado no porta-malas, e partir desse momento, tenho a impressão de ouvi-lo balançando lá atrás a cada curva que Sarah faz com o carro. Tenho vontade de olhar para trás para me certificar se sou a única que está pensando nisso, mas estou tão tensa que não consigo me mover. Tento me forçar a pensar em qualquer outra coisa. Talvez no fato de que eu posso ser a próxima a morrer, assim que Sarah descobrir que esqueci seus sapatos na festa. Acho estranho ela não ter reparado até agora, já que todas estão altas em seus saltos e eu, não mais.

Consigo me distrair por alguns minutos, mas não dura muito. O barulho do corpo no porta-malas parece ficar cada vez mais alto, e é perturbador. Não percebo o quanto estou inquieta até que Sarah, sem tirar os olhos da estrada, dá um leve tapinha em minha perna, que balançava incessantemente de um lado para o outro.

— Você está me desconcentrando. — Ela diz, e então eu paro.

Por fim, ela estaciona o carro em frente à minha casa. As luzes estão todas apagadas, exceto pela luz fraca da televisão na sala. Talvez minha mãe esteja dormindo no sofá, mas meu pai com certeza está acordado. Respiro fundo, pensando em como agir naturalmente na frente dos meus pais. Não me sinto a mesma pessoa, e tenho medo de que eles percebam isso em mim.

— É a sua deixa. — Sarah diz, me encarando fixamente, esperando que eu saia de

uma vez.

Observo minha casa. Meus pulmões se fecham sob a perspectiva de entrar lá depois do que fizemos, e principalmente de ter que sair novamente para dar continuidade a tudo isso.

— Vamos te esperar bem aqui. — Cassie diz, tocando meu ombro. Tenho certeza de que sua intenção é me passar algum tipo de consolo, mas infelizmente, suas palavras não ajudam em nada.

— E-eu não consigo ir sozinha. — Falo, e sinto lágrimas brotando em meus olhos por alguma razão. Meu coração acelera junto da minha respiração.

Sarah suspira, prestes a começar a ficar irritada.

— Lizzie, qual é?

— Sarah, tudo bem. — Cassie intervém, em um tom amigável, e sou tomada por uma enorme gratidão por ela estar aqui. — Podemos ir com ela. É só dizermos que vamos dormir aqui. — Ela sugere.

Sarah assente, parecendo constrangida com a forma com a qual reagiu, e Daisy faz o mesmo, embora pareça relutante.

Cerro os punhos, nervosa e ciente de que não tenho como evitar isso. Respiro fundo pela última vez, e descemos do carro, caminhando em direção à porta de casa.

Pego a chave que costumamos deixar escondida debaixo do vaso de planta ao lado do carpete e entramos em casa, na ponta dos pés, para não acordar meus pais, caso algum deles estejam dormindo. Sinto uma sensação estranha ao cruzar a porta ao me dar conta de que esse poderia ser apenas mais um dia comum, mas não é. De alguma forma, tudo mudou, ao mesmo tempo em que tudo ainda parece igual.

Quando me vê passando pelo corredor, meu pai dá uma olhada em seu relógio para garantir que cheguei no horário, e silenciosamente, levanta o polegar, fazendo um sinal positivo. Como eu havia previsto, minha mãe está dormindo. Sua cabeça está encostada no ombro dele e a boca está ligeiramente aberta. Provavelmente está babando em seu ombro, mas ele não se importa, o que me faz abrir um pequeno sorriso. A cena quase me faz esquecer que há um corpo frio e sem vida no porta-malas de Sarah, esperando para ser enterrado por nós.

Coloco o cabelo atrás da orelha e sussurro:

— As garotas vão dormir aqui hoje. — Digo, com medo de que tudo o que eu diga soe como uma mentira, enquanto elas acenam para meu pai, acanhadas.

Meu pai concorda com a cabeça e sorri, sem perguntar nada sobre a festa e volta sua atenção para o filme que está assistindo na televisão. Provavelmente algum filme de terror, do tipo que minha mãe não aguentaria ver se estivesse acordada.

Percebo que talvez, sair de casa carregando suas pás pode ser mais fácil do que eu pensei que seria, então, ainda tentando fazer o mínimo de barulho possível, caminhamos sorrateiramente até a cozinha, onde há uma porta que nos leva até a garagem, onde meu pai guarda suas ferramentas e as pás. Selecionamos cuidadosamente as mais antigas — aquelas que eu imagino que ele não sentiria tanta falta caso algo acontecesse com elas.

Em seguida, subimos as escadas até meu quarto. Pego uma mala de ombro velha em meu closet, e enfio as pás dentro dela. É grande o suficiente para caber todo o necessário, mas enrolamos cerca de cinco minutos olhando para ela e nos perguntando se não precisaremos de mais nada. Por fim, tranco a porta do quarto e levo a chave comigo, para evitar que meus pais entrem aqui mais tarde e percebam que não estamos aqui.

Descemos lentamente pela janela, nos agarrando aos galhos de uma árvore enorme que eu costumava odiar por ficar bem na frente da minha janela, bloqueando a luz. Odiei aquela árvore até o dia em que ela se tornou útil. Com o passar dos anos, ela se tornou minha melhor amiga, já que me ajudava a sair de fininho sempre que precisava. Quando nossos pés finalmente alcançam o chão, corremos em direção ao carro, a fim de encerrar essa noite o mais rápido possível, apesar de, no fundo, eu ter consciência de que, na melhor das hipóteses, nunca descobrirão o que fizemos, mas ainda teríamos que lidar com isso todos os dias, para sempre.

Entramos no carro, e ninguém diz coisa alguma. Não faço ideia do que faremos para cobrir nossos rastros. Apenas tento pensar em uma coisa de cada vez, e torço para não nos esquecermos de nada importante.

Sarah dirige com o maior cuidado do mundo até Rosefield. O rádio foi desligado, e todas nós permanecemos em silêncio durante os trinta minutos mais longos de nossas vidas. Obviamente, todas estamos meio perturbadas, nos afogando no caos em nossas mentes, mas a ausência de qualquer tipo de barulho não torna as coisas mais fáceis, ao contrário do que eu havia imaginado.

Cerca de uma hora mais tarde, chegamos à cidade vizinha. Levaria vinte minutos a menos se Sarah não estivesse dirigindo com tanta cautela, mas também não reclamo. É melhor assim.

Sarah sai da estrada, embrenhando-se na floresta próxima dali, torcendo para que os galhos das árvores não arranhem a pintura de seu carro. Conforme ela dirige, a floresta se torna cada vez mais densa, nos obrigando a parar o carro em um determinado ponto.

— Acho que aqui já está bom. — Ela diz, olhando para trás para se certificar de que ninguém havia nos seguido até o meio do nada.

Ela pula para fora do carro e dá alguns passos à frente. Quando percebe que ninguém a segue, olha para trás e nos lança um olhar que indica que esperava que já estivéssemos atrás dela, mas nenhuma de nós parece estar pronta para fazer isso, diferente dela, o que é estranho.

— Vocês não vêm? — Sarah pergunta, parada diante do carro, encarando nossas caras assustadas através do vidro. — Eu gostaria de acabar com isso o mais rápido possível.

A forma como ela trata o acontecimento com descaso me faz revirar os olhos.

Cassie respira fundo, tão cansada dessa noite quanto eu, tira os sapatos e desce do carro em seguida.

— Não pretende enterrá-lo aqui, não é? — Pergunta a Sarah. Daisy e eu assistimos a cena em silêncio, nos preparando para receber ordens do que fazer em breve. Cassie parece estar assumindo o controle, e uma parte de mim quer acreditar que as chances da gente se livrar de tudo com ela no comando são muito maiores, mas outra parte de mim sussurra em meus ouvidos que ela está tão perdida quanto a gente, e que está apenas apontando o óbvio, mas também não sabe bem o que fazer.

— Qual o problema? — Sarah pergunta de volta, sem entender.

— Você não pode enterrar o corpo no mesmo local em que estacionou o seu carro! — Cassie protesta, parecendo inconformada por não termos pensado em algo tão óbvio. — Pneus deixam marcas na terra.

— E...?

— Se o corpo for encontrado bem ao lado dessas marcas vai ser muito mais fácil chegarem até nós eventualmente.

Não vejo muito sentido naquilo. Na verdade, tenho estado meio zonza há um tempo e não vejo muito sentido em nada. As coisas parecem estar acontecendo rápido demais e não tenho tempo de entender tudo com muita clareza. A verdade é que estamos ferradas de qualquer jeito, mas o lema da Cassie parece ser "se é para fazer algo errado, vamos fazer isso da melhor forma que pudermos".

— Vai com calma, Nancy Drew. Eles chegariam até mim. — Sarah corrige.

— Grande diferença! Estamos juntas nisso. Tirem os sapatos. — Ela ordena, enquanto caminha confiantemente até o porta-malas. Assim que ela o abre, o inconfundível cheiro de sangue e morte se espalha rapidamente pelo ar, apesar do corpo não estar ali há tanto tempo.

As garotas jogam os sapatos dentro do carro. Não é necessário para mim, pois já estou descalça há um bom tempo. Sarah ainda não percebeu, por isso ainda não teve um surto por eu ter perdido seus saltos. Corro até Cassie para ajudá-la a tirar o corpo dali de dentro. Imediatamente meu estômago se embrulha novamente, dessa vez com uma intensidade maior, que quase me faz pensar que vou vomitar.

Sarah carrega as pás enquanto Daisy e eu ajudamos Cassie a carregar o corpo, com muita dificuldade. Cassie insiste para andarmos durante uns vinte minutos, adentrando cada vez mais a floresta, até ficar escuro a ponto de não enxergarmos nada a um palmo de distância de nossos olhos. A única luz presente é a luz da lua cheia, salpicada pelas folhas das árvores que quase a cobrem por inteiro. Sempre gostei de observar a lua, mas dessa vez, o efeito de quase-iluminação me deixa um pouco perturbada. A luz está aqui, mas não é o suficiente para enxergarmos qualquer coisa com clareza.

— Vamos parar aqui. — Cassie diz, quando chegamos no que parece ser o centro da floresta, mas seria impossível saber ao certo. Nós obedecemos. Não tinha percebido o quanto estava cansada de segurar aquele peso até o colocarmos no chão.

Sarah pega uma pá, entrega as outras para o resto de nós, e começamos a cavar.

Cavamos em silêncio, com as mãos trêmulas e manchadas de sangue, pensando nas possíveis consequências, e se existe qualquer possibilidade de nos livrarmos dessa situação caso sejamos descobertas. Acho que, a essa altura, já não há nenhuma chance de sairmos ilesas.

De repente, tenho a terrível impressão de ouvir um estalo ao longe, e imediatamente paro o que estou fazendo para olhar ao redor, assustada, apesar de não conseguir enxergar coisa alguma em meio à escuridão da floresta.

— Ei! Por que parou? Precisamos acabar logo com isso! — Sarah sussurra, enraivecida.

— E-eu acho que ouvi alguma coisa. — Digo, ofegante. Meu coração pulsa tão acelerado que sinto que a qualquer momento pode explodir para fora do meu peito.

— Não ouviu, não, só está paranoica. Estamos no meio do nada. — Ela fala, como se tivesse plena certeza disso, e parte de mim gostaria de sentir o mesmo. — Continue cavando. — Ela ordena, quando percebe que ainda estou parada, com a mesma expressão de receio em meu rosto. E então eu continuo.

Enquanto isso, consigo ouvir a respiração de Daisy se tornando cada vez mais alta e ofegante ao meu lado. Suas mãos, pequenas e delicadas, estão tremendo e suando excessivamente. Por fim, ela larga a pá.

— Não posso fazer isso, me desculpem, eu não posso fazer isso! — Exclama, eufórica, e até mesmo sua voz soa trêmula. Apesar de não conseguir enxergar bem o seu rosto, consigo imaginar as lágrimas brotando em seus olhos e escorrendo por suas bochechas rosadas.

— Daisy, não temos tempo para isso agora! Temos que dar o fora daqui o mais rápido possível, e para isso acontecer, precisamos de toda ajuda possível! — Sarah exclama de volta, impaciente.

— Sarah, isso é um crime! Nós matamos alguém e estamos escondendo o corpo, se alguém nos descobrir estaremos ferradas de verdade! — Daisy rosna, falando um pouco mais alto do que deveria. Apesar de estarmos enfiadas no meio da floresta, seguimos falando o mais baixo possível. Não gostaríamos de ser ouvidas agora.

Cassie, que nessa noite está definitivamente sendo a minha pessoa favorita, calmamente obriga Daisy a se sentar em um canto e pega novamente sua pá para nos ajudar a terminar o trabalho. Continuamos a cavar em silêncio por cerca de trinta minutos intensos, ouvindo o choramingar de Daisy. Embora esteja tentando se manter discreta, seu desespero é tão notável e barulhento, que quase podemos ouvir os pensamentos desordenados em sua cabeça.

Quando achamos que já está bom o suficiente, checamos os bolsos de Dylan para ter certeza de que não nos esquecemos de nada importante, e por fim, jogamos o corpo na cova, que apesar de termos feito o nosso melhor para que ficasse o mais funda possível, ainda parece meio rasa. Tudo me parece muito incerto, mas não estou a fim de discutir se estamos cometendo um crime de forma correta ou não, apenas faço tudo o que Cassie manda. Estamos confiando nela, mas sei que ela também está com medo. Talvez uma parte dela também se questione se estamos realmente fazendo tudo certo. Uma voz na minha cabeça diz que não, e ela fica cada vez mais alta à medida que terminamos o que estamos fazendo.

Após cobrirmos o corpo com terra, guardamos as pás sujas de volta na mala, tentando desesperadamente esconder não só o corpo, mas também nosso segredo, cientes de que agora, já é tarde demais para voltar atrás.

Ao terminarmos, corremos de volta para o carro, sentindo uma mistura dos piores sentimentos.

— Vamos ficar bem. É só fingir que isso tudo nunca aconteceu. Essa noite nunca aconteceu. — Sarah diz ao entrarmos no carro, ainda olhando para mim, e depois para as outras garotas. — Fomos à festa do Dylan, a polícia chegou, e fomos embora como todas as outras pessoas. Entenderam?

Quero discordar. Quero gritar com ela por não parecer estar se importando tanto quanto deveria com o fato de que matamos alguém. Uma pessoa viva e com sangue quente correndo em suas veias, que sorria todos os dias para a gente na escola em frente aos armários. O garoto que conhecíamos está morto agora, e ela não está nem aí. Mas me sinto exausta. Não quero discutir. Só quero voltar para a casa, tomar um banho e me deitar. Não tenho certeza se vou conseguir dormir, mas pelo menos estarei deitada em minha cama. Então apenas digo que sim com a cabeça, como as outras.

Sarah dirige de volta para a estrada. Mais uma vez, ela dirige mais devagar do que o usual e não desvia o olhar nem sequer por uma fração de segundo. Durante todo o caminho, permanecemos em um silêncio mórbido. Todas nós estamos tensas e cansadas demais para falar sobre o ocorrido. Dessa vez, a única música que ouvimos é o som de nossos pensamentos, ecoando desordenadamente em nossas cabeças.

— Acham que alguém nos viu? — Pergunto. O pensamento me ocorre de repente. Planejava deixá-lo apenas em minha mente. Não queria causar mais desespero do que já estamos sentindo, mas não posso suportar a ideia de ficar remoendo isso sozinha. Antes que eu possa me dar conta ou sequer medir minhas palavras, já é tarde demais, a pergunta já me escapou.

— Acho que não. — Cassie responde do banco de trás, soando mais incerta do que esteve durante toda a noite, o que me deixa ainda mais insegura. Olho para trás, e vejo Daisy deitada encolhida no banco, com a cabeça no colo de Cassie, como uma criança. Está escuro, mas consigo ver sua silhueta tremendo, como se estivesse segurando o pranto mais doloroso dentro de si. Meu coração se parte com a cena, apesar de saber que estamos todas no mesmo barco.

— Quer parar com isso? — Sarah diz, irritada. — Ninguém nos viu. Caso contrário, já teria alguém atrás de nós.

— Bom, talvez tenha... — começo a dizer.

— Liz! — Sarah exclama, me interrompendo, tentada a desviar o olhar da estrada para me encarar com o olhar mais feroz que pode. — Ninguém nos viu. Dá para relaxar?

Não consigo simplesmente ignorar a pergunta que ecoa em minha mente. Mas apenas encosto minha cabeça no vidro e fico quieta. Queria poder fechar os olhos e não pensar no que fizemos. Queria conseguir me sentir em paz novamente. Mas não consigo. Não paro de pensar em Dylan, que há poucas horas estava vivo e sorridente. Imagino seus pais, que estão sempre viajando, descobrindo que o filho está desaparecido. E ele não vai voltar. Imagino os amigos mandando mensagens em seu celular, preocupados, e ele não vai responder. Ele nem pôde se despedir.

Dylan tinha a nossa idade. Poderia ser qualquer uma de nós. Ele estava bêbado como nós. Estava sorrindo, como nós. Há alguns minutos atrás seu coração pulsava rapidamente, como os nossos. Seus olhos estavam cheios de luz e sua respiração era quente. Agora ele se foi, e a culpa é nossa. Não é como se fôssemos grandes amigos, mas também não é como se não nos importássemos nem um pouco. Me pergunto se ele morreu instantaneamente ou viveu segundos intermináveis de dor antes de ir, mas luto para afastar o pensamento porque tentar imaginar uma resposta é doloroso demais.

No caminho de volta para a casa, uma densa chuva desaba sobre nós, e tenho o impulso de apertar ainda mais o cinto de segurança.

— Ótimo. Pelo menos não vamos precisar lavar o carro depois disso tudo. — Sarah fala. Não tenho certeza se ela está brincando, mas não consigo responder. Apenas a encaro até ela perceber que está sendo babaca. Não sei se percebe, mas volta a ficar em silêncio.

Mesmo sentindo um alívio por aos poucos, nossos rastros estarem sendo cobertos, não consigo deixar de me sentir mal. Essa noite está sendo a mais estranha da minha vida. Nada mais parece normal. Até mesmo o ar parece diferente, de certa forma. Talvez meus pulmões estejam apertados demais, impedindo a passagem do ar, ou o ar realmente tenha se tornado mais pesado e difícil de respirar. Não consigo deixar de lado a ideia de que alguém poderia estar nos assistindo de longe, no meio da floresta. Fecho os olhos e tento imaginar cada brecha de onde alguém poderia ter nos assistido, e me pergunto o que essa pessoa teria pensado de nós. Lembro-me da festa, quando Noah e eu observávamos todos no andar de baixo sem que eles nem soubessem. Lembro-me da breve sensação de estar no controle de algo ao observá-las de longe, quando a ideia de que isso podia estar acontecendo nem se passava em suas mentes. O lado ruim de saber que isso estava acontecendo naquele momento é que agora não consigo simplesmente apagar a ideia de que isso pode ter nos acontecido também, e desta vez, não sou eu quem está no controle de nada. Concluo que passarei o resto dos meus dias paranóica com isso, mas não torno a compartilhar a ideia com ninguém. Só uma de nós precisa se sentir assim.

Quando Sarah estaciona novamente na frente da minha casa, destravamos os cintos e abrimos a porta, saltando para fora do carro.

— Estou feliz por estarem aqui. — Admito a elas, ciente de que não conseguiria ficar sozinha essa noite.

Elas esboçam um sorriso, como se soubessem que no fundo, se sentem da mesma forma, e me seguem em direção a minha casa, que está longe de ser grande como a de Sarah, mas nós sempre demos um jeito para que todas coubessem.

O exterior da casa é comum: paredes de cores neutras, cerca branca, jardim de tamanho convencional, janelas de vidro e uma porta que só permite a passagem de no máximo duas pessoas por vez. Todas as luzes estão apagadas agora, incluindo a da sala, o que significa que tanto meu pai quanto minha mãe estão dormindo. Tento abrir a porta da maneira mais silenciosa possível, tentando não acordá-los. Responder perguntas é tudo que eu menos preciso nesse momento.

Entramos na ponta dos pés, e agradeço internamente por estarmos descalças, pois nossos saltos com certeza fariam um barulho assombroso contra o piso de madeira do corredor, levando em conta que tudo ao nosso redor está silencioso.

As garotas me acompanham até a garagem para devolver as pás ao lugar onde pertenciam. Nós as limpamos com um pano úmido e produtos de limpeza duvidosos e então eu as guardo, como se nunca tivessem sido tocadas por nós. Depois, nos desviamos cautelosamente de tudo que aparece em nosso caminho e subimos as escadas até chegarmos em meu quarto.

Sinto um alívio de estar de volta ao meu quarto. As paredes são todas pintadas de um verde suave desde que eu era criança, o que, para ser honesta, nunca me incomodou. Gosto da sensação familiar que me trás ao saber que apesar de eu ter crescido, algumas coisas ainda continuam iguais. Parece bobo, mas sinto como se elas fizessem parte de mim, parte de que eu sou. Com o passar dos anos, mudei apenas a decoração: me livrei da cama de solteiro, da cortina de florzinhas, da roupa de cama de ursinhos e do abajur de estrelinha que ficava sobre a mesa de cabeceira, ao lado da minha cama. Comprei uma cama maior, uma roupa de cama neutra, um novo abajur, e uma escrivaninha, que aos poucos, foi se enchendo de livros conforme fui adquirindo gosto pela leitura. Não é um quarto enorme, mas é grande o suficiente para mim, e grande o suficiente para nós quatro.

Estamos todas encardidas de terra e sangue após o ocorrido. Daisy é a primeira a tomar banho, logo em seguida, Sarah. Cassie é a penúltima e eu sou a última.

Quando entro no banho, a sensação é reconfortante. Deixo que a água caia sobre mim lavando não somente meu corpo mas também meus pensamentos. Tento me lembrar de que tudo não passou de um acidente. Nada daquilo foi planejado, não fizemos de propósito. Aceito isso como verdade, e por um curto período de tempo, até funciona, e sinto meus músculos relaxando. Mas minutos depois sou atingida por uma onde de preocupação novamente e torno a ficar tensa. Sinto meus pulmões se fechando, e por mais que tenha a consciência de que estou respirando, sinto uma extrema falta de ar. O vapor no banheiro, gerado pela água quente, não contribui muito.

Fecho o chuveiro, abro a pequena janela do banheiro, me enrolo na toalha e paro diante do espelho, apoiada sobre a pia. O espelho está embaçado, e eu não consigo ver minha imagem refletida nele. O fato de eu não conseguir me enxergar me incomoda. Não que eu tenha a necessidade de me ver o tempo todo, mas já estou me sentindo suficientemente perturbada emocionalmente nessa noite. Matamos alguém inocente, e enterramos seu corpo esperando que ninguém descubra o nosso erro. Já não me sinto a mesma. Preciso me olhar e ver que eu ainda sou eu, mesmo depois disso, mesmo não me sentindo assim. Mas não consigo me ver.

O vapor começa a se esvair, e o espelho começa a desembaçar, mas ainda não é o suficiente para que eu me veja, e simplesmente paro de insistir. Apago a luz e saio do banheiro. Tenho medo de finalmente conseguir enxergar meu reflexo e me deparar com uma estranha. Pelo menos, se não me vejo, consigo manter a lembrança de quem eu era em minha mente, e fingir que ainda sou eu.

Empresto pijamas para cada uma das minhas amigas e colocamos um colchão de casal no chão para Daisy e Sarah dormirem. Cassie e eu dormimos em minha cama. Não falamos nada além do indispensável desde que saímos da floresta, e o silêncio causa uma sensação ainda pior em meu peito, me deixando desconfortável, mas isso não me incentiva a falar qualquer coisa, assim como as outras.

Ao fim da noite, bebemos um pouco do chocolate quente cremoso que Sarah teve a bondade de preparar enquanto o resto de nós se aprontava para dormir, o que quase compensa a forma como ela tem agido durante a noite. Fico me perguntando se essa era a sua intenção: nos compensar. Por um segundo, penso na possibilidade de que, talvez, no fundo, ela esteja sentindo tanta culpa quanto o resto de nós, embora não pareça querer demonstrar.

Apago as luzes e nos deitamos. Normalmente, costumo dormir no escuro total, mas hoje, a ausência de uma pequena luz traz de volta a lembrança de estarmos na floresta, no escuro, lutando para enxergar com a fraca luz do luar, e sinto uma sensação estranha. Começo a imaginar se Dylan está no escuro agora.

Acendo a luz do abajur, e ninguém reclama.

Sinto-me extremamente cansada depois de tudo, mas toda vez que fecho os olhos um turbilhão de pensamentos me atinge como uma onda forte. Estou cansada demais para tentar afastar esses pensamentos novamente, então apenas fecho os olhos e permito que eles venham à tona, todos de uma vez, me causando calafrios e me esmagando completamente. Permito-me sentir culpa pelo que fizemos, por toda essa noite. Permito até que algumas lágrimas escorram ao pensar no Dylan que conhecíamos, sempre sorridente, e no Dylan que não tivemos a oportunidade de conhecer. Permito-me pensar e sentir tudo, até que os pensamentos se tornam confusos e escuros em minha mente e já não consigo pensar ou raciocinar mais nada. Aos poucos, tenho a sensação de estar caindo. Ou talvez voando. Não tenho certeza. Mas não é uma sensação ruim. É como se estivesse flutuando em um lugar distante, onde meus medos e preocupações já não podem me alcançar. Me sinto em paz, e à essa altura, sinto como se já fizessem anos desde que me senti assim pela última vez.

Estou em um lugar distante. Não sei bem onde é, apenas sinto que é distante. As águas são cristalinas e a areia é clara e quente por conta do sol que parece brilhar como nunca em um céu azul, totalmente livre da presença de qualquer nuvem. É um dia lindo. As árvores balançam suavemente, levantando uma leve brisa que me causa arrepios. Me sinto livre de tudo, todo o peso que senti durante aquela noite, tudo se foi em um piscar de olhos.

Caminho até o mar diante de mim. A água é calma e tão clara que consigo ver meus pés no fundo. Abro os braços e deito meu corpo sobre as águas.

Por uma fração de segundos meu coração dispara com a sensação de que vou me afogar, mas logo em seguida estou flutuando tranquilamente. Flutuo por muito

tempo, sem nunca me sentir cansada ou enjoada disso. Esse momento poderia durar para sempre.

Boio para o meio do mar, sem sentir nenhuma necessidade de voltar para a areia. O sol quente aquece meu corpo e brilha em meus olhos, me impedindo de mantê-los abertos, o que também não me incomoda.

De repente, minha mão esbarra em algo, e me assusto. Ao virar o rosto me deparo com algo igualmente assustador: Dylan. Na verdade, ele parece bem. Está sorrindo, como sempre, e o som de sua risada ecoa em meus ouvidos. Mas vê-lo novamente me deixa sem reação. Ele percebe a expressão de quem viu um fantasma em meu rosto e abre a boca para falar algo, mas antes que consiga dizer qualquer coisa, é violentamente puxado para baixo.

Tento agarrar sua mão com toda a força possível, mas não é o suficiente. Independente da força que eu faça, não consigo trazê-lo de volta para a superfície.

Ele se debate desesperadamente debaixo d'água, e eu luto com afinco para puxá-lo de volta, até que ele para e desaparece diante de mim. Já não estou mais segurando sua mão. Encolho-me, abraçando meu próprio corpo, me sentindo culpada por tê-lo deixado ir novamente. Sinto como se tivesse ganhado uma chance de consertar o meu erro, e não tivesse aproveitado, como se eu pudesse ter me esforçado mais.

Olho ao redor, e toda a beleza que eu via antes também desapareceu. Agora estou sozinha no meio do nada, encolhida como um animal indefeso prestes a ser atacado. Sinto minha respiração se tornar ofegante, repentinamente me sentindo dez vezes mais cansada do que antes. Apenas permaneço ali, no meio do mar, solitária e confusa, tentando entender o que havia acontecido. Em poucos minutos, tudo mudou. Agora, o céu está coberto por nuvens cinzas que bloqueiam grande parte da luz do sol, e até mesmo a água parece mais escura, com um aspecto poluído. As árvores balançam com mais intensidade agora, e o vento gelado me faz tremer de frio. Algumas ondas se levantam no mar, de início fracas e inofensivas, até se tornarem fortes e violentas, me balançando de um lado para o outro com agressividade.

Tento nadar de volta para a areia, mas Dylan surge de volta à superfície atrás de mim, e me assusto mais uma vez. Sua expressão é aterrorizante, e dessa vez ele realmente parece um fantasma, como se tivesse voltado do mundo dos mortos só para se divertir me aterrorizando. Ele não fala nada, mas não é necessário. Parece estar zangado por eu não ter conseguido salvá-lo novamente. As ondas violentas nos aproximam e nos afastam o tempo todo. Me sinto como um barco humano em um mar de tempestade.

Com um movimento rápido, Dylan agarra meu cabelo com a maior força do mundo e me puxa para debaixo d'água, indo cada vez mais fundo. O desespero toma conta de mim. Consigo ver a pouca luz penetrando a água na superfície, mas estou me afastando cada vez mais dela. Me debato e luto para me livrar dele, e estico meus braços ao máximo na esperança de que alguém surja e me salve, mas isso não acontece. Ele continua me puxando para baixo, para o fundo do mar, até que não enxergo mais nada. Tudo está escuro, meus ouvidos estão tapados por conta da pressão e luto para guardar o resquício de oxigênio que há em meus pulmões, mas ele logo se vai. Sinto que estou morrendo lentamente, e é uma sensação horrível.

Já não tenho mais forças para me debater e lutar. Apenas continuo com os olhos abertos, sufocada, sendo agressivamente puxada pelos cabelos para o fundo do mar. Mesmo não conseguindo enxergar mais nada, consigo saber que minha visão escurece, e estou apagando. Tento sussurrar um pedido de desculpas. Talvez para mim mesma, talvez para aqueles que estou deixando para trás, talvez para Dylan, o fantasma que eu criei, e talvez para todos, por tudo.

Já não sinto mais nada. Talvez eu também esteja morta agora.

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