25 (liz)
Quando abro os olhos pela manhã, não sei onde estou, o que é um péssimo sinal. Meu coração acelera enquanto me sento na cama e tento me lembrar se ingeri alguma substância suspeita na noite de ontem. Mas me sinto bem. E se tivesse ingerido algo suspeito, provavelmente me sentiria mal. Percorro os olhos ao redor do cômodo desconhecido, em busca de alguma pista relevante para me dizer onde estou. As paredes do quarto são pintadas de um azul escuro, e não há muitos livros na prateleira suspensa sobre a parede à minha frente. Para ser sincera, o quarto parece quase abandonado, o que me assusta um pouco. Como vim parar aqui?
Não há cortinas nas janelas, o que permite que a luz do sol invada o quarto livremente. O carpete parece ter sido limpo recentemente, porque exala um cheiro de produto de limpeza. Dentro do closet semi-aberto e praticamente vazio, enxergo uma guitarra preta. Quando me levanto para bisbilhotar, piso em um travesseiro, e percebo uma cama improvisada com cobertas no chão e um moletom da universidade de Rosefield jogado ao lado.
Essa não. Theo.
Droga!
Droga, droga, droga!
Eu não devia estar aqui. Isso é muito ruim.
Levanto-me da cama, confusa sobre como acabei aqui e procurando pelos meus itens pessoais, especialmente o meu telefone, desesperada para dar o fora daqui.
Do lado de fora do quarto, escuto conversas amenas pela cozinha, cheiro de panquecas e passos na direção da porta, e meu coração acelera tanto que quase consigo ouvi-lo pulsar em meus ouvidos. Com certeza não estou em um dormitório da faculdade, e se for pega no quarto de Theo enquanto Noah dorme no quarto ao lado, não existe nada no mundo que possa fazer essa situação melhorar ou sequer parecer plausível.
Merda! Isso é muito ruim. Sarah tinha razão. Eu devia ter mantido distância de Theodore, assim, não estaria nessa situação. Agora, estou exatamente onde ela disse que eu acabaria: no meio de uma situação muito complicada envolvendo Theo e Noah, como se fosse apenas uma peça em seus jogos de guerra. Odeio quando ela está certa!
A maçaneta gira devagar, como se tentasse não fazer barulho.
— Ah, oi. Você acordou. — Ele fala com naturalidade, caminhando para dentro do quarto com uma caneca nas mãos. — Quer café? — Oferece, mas não aceito. Na verdade, nem me movo. Estou completamente paralisada pela tensão, pela raiva e pelo choque de que isso está mesmo acontecendo.
Eu o encaro de pé ao lado da cama, de braços cruzados e com um olhar fuzilante, de modo que até me esqueço de piscar por longos segundos.
Theodore franze o cenho, como se estivesse confuso com a minha reação.
— Sempre acorda de bom humor? — Pergunta, na tentativa de quebrar o gelo, mas não dou o braço a torcer.
— Você disse que me levaria para a minha casa! Theodore, o que eu estou fazendo na droga do seu quarto? — Questiono, aproximando-me dele. Quero que ele saiba o quanto estou zangada, mas não posso me dar ao luxo de levantar a minha voz e chamar a atenção de todos da casa, embora essa seja a minha vontade.
— Bom, eu ia te levar até sua casa, mas eu não faço ideia de onde você mora e você apagou no meu carro durante o caminho! — Explica Theo, no mesmo tom.
Ele fala como se não tivesse tido escolha alguma, o que me tira do sério ainda mais.
— E você não pensou em me acordar? Teria sido tão difícil assim? — Questiono, procurando por meus tênis ao redor de sua cama.
— Me desculpe, eu tentei, tá legal? Mas você parecia tão cansada que nem se mexeu.
Passo a mão pelo rosto e pelos cabelos, irritada.
— E aí você me trouxe para a sua casa? Com Noah aqui? O que estava pensando? — Indago, tentando ressaltar o quão péssima foi a ideia, porque ele não parece entender de fato o que isso poderia causar.
— O que esperava que eu fizesse, Liz?
— Eu não sei, tá legal? Qualquer coisa menos isso! Tem noção de que acabei de passar a noite no seu quarto? O que acha que Noah iria pensar se...
Antes mesmo que eu termine de falar, o vejo revirar os olhos, impaciente.
— Já te ocorreu que talvez eu não planeje estrategicamente cada movimento da minha vida em torno do Noah? Por que não experimenta fazer isso, para variar?
Suas palavras me atingem mais do que eu poderia prever. Cruzo os braços, sentindo uma mistura de sentimentos que variam entre irritação e ofensa se espalharem por todo o meu rosto. Consigo sentir minhas bochechas ficarem quentes e o meu sangue ferver, e de repente, tudo o que sei é que preciso dar o fora daqui agora, não apenas porque não posso correr o risco de ser encontrada em seu quarto, mas porque não quero ter que encará-lo mais.
E assim, nossa amizade chega ao fim, tão rápido quanto começou. Fui ridícula em achar que isso poderia dar certo.
— Me desculpe. — Ele fala, assim que percebe o efeito que sua fala causou em mim.
Suspiro, balançando a cabeça e tirando o moletom que ele me emprestou na noite anterior. Minha blusa continua manchada com a bebida, mas ao menos não está mais transparente.
— O que está fazendo? — Pergunta, confuso.
— Vou para a casa. — Rebato, frustrada com toda a situação. Sento-me novamente em sua cama apenas para calçar os sapatos.
Theo me assiste meio perplexo, como se não tivesse previsto que isso poderia acabar dessa maneira.
— Sabe que está um gelo lá fora, não é? — Fala, olhando para mim e então para a janela embaçada.
Balanço a cabeça, amarrando os cadarços.
— Não importa.
Theodore suspira, deixando a caneca de café sobre a escrivaninha e se aproximando de mim. Sinto meu estômago roncar, e por um momento, me arrependo de não ter aceitado o café quando ele ofereceu, apesar de que isso diminuiria a credibilidade da minha frustração.
— Olha só, Liz, não seja boba, está bem? Eu cometi um erro. Me desculpe. Mas não é tão grave assim, e posso te levar até sua casa agora.
Solto um riso de escárnio. Ele não parece entender o tamanho do problema que causaria se Noah nos encontrasse aqui. Partiria o seu coração. Mas Theo não se importa com isso, porque não se importa em ferir o irmão, como já deixou claro quando nos conhecemos. Eu deveria ter prestado mais atenção. De repente me lembro do meu pai dizendo "quando as pessoas te mostrarem quem elas são, acredite da primeira vez". Sinto lágrimas surgirem em meus olhos, porque não queria que fosse assim, mas preciso aceitar que as coisas são como são. Esfrego os olhos, afastando-as.
— Não se incomode. Eu vou sozinha. — Respondo, ríspida.
Ele arqueia as sobrancelhas.
— Andando? Liz, está chovendo!
— Eu não sou feita de açúcar. — Rebato.
Theodore passa a mão pelo rosto enquanto me assiste caminhar até a porta. No entanto, quando alcanço a maçaneta, sinto o peso de sua mão contra a porta, impedindo que eu a abra.
Reviro os olhos. Fala sério.
— Pode me odiar o quanto quiser, Elizabeth, vou encontrar um jeito de viver com isso. Mas não posso deixar você caminhar até a sua casa sob a chuva, porque isso realmente me faria o maior babaca do planeta Terra. — Diz, de pé atrás de mim.
Suspiro. A essa altura, já não me importa a maneira como vou sair daqui, apenas quero sair.
— E então? Posso te levar até sua casa? — Ele pergunta quando me volto para ele, impaciente. Está tão próximo de mim que consigo sentir o cheiro doce e amadeirado do perfume que estava usando na noite anterior.
Como se estivesse me dando escolha.
Dou de ombros.
— Tanto faz. Só quero ir para a casa. — Respondo, séria.
Ele assente, e coloca as chaves do carro no bolso da calça de moletom, finalmente possibilitando que eu abra a porta.
— Vamos ter que sair pelos fundos. — Sussurra, enquanto caminho atrás dele pelo corredor, meio apavorada com a possibilidade de acabar dando de cara com qualquer membro de sua família a essa altura.
Quando chegamos às escadas, não consigo deixar de notar a enorme quantidade de fotos de família espalhadas por toda a parede, como uma galeria. Por um momento, até me esqueço de que estou com pressa. Diminuo o ritmo de meus passos para observar as fotos antigas de Noah e Theo, em diversos momentos da infância. Em uma das fotos, vejo os dois pescando, envolvidos pelo abraço de segurança do pai, cujos olhos são tão claros quanto os de Noah. Em outro canto, vejo Noah, ainda pequeno, fotografando algo com o auxílio do avô, uma foto da família toda na praia no que parece ser o feriado de quatro de julho pela quantidade de bandeiras espalhadas, e uma foto de Theo, ainda bebê, usando apenas fraldas e uma chupeta azul enquanto se apoia em uma cadeira com suas perninhas gordinhas. É uma fofura. Meus olhos passeiam por toda a parede, tentando observar com atenção o máximo de imagens possível. Sinto que estou diante de algo precioso demais para ser ignorado, mesmo em meio às circunstâncias.
— Eu tinha três anos aí. — Theo fala, voltando até mim e parando ao meu lado quando percebe que não o segui.
Não respondo, mas não consigo evitar sorrir.
— Fico impressionada que a chupeta não tenha estragado sua arcada dentária.
— Ousado da sua parte assumir isso, mas saiba que eu passei quatro anos da minha pré-adolescência usando aparelho nos dentes.
Curvo os lábios para baixo, tentando imaginar como ele deveria ser quando ainda era adolescente, naquela época em que somente seus pais te acham bonito, de alguma forma. Curiosamente, não consigo encontrar fotos reveladoras dessa fase nos quadros da parede. Ele provavelmente percebe a minha tentativa, porque sorri.
— Não se empolgue, não. Não vai encontrar nenhuma foto dessa época constrangedora aí. Eu estava no colégio interno. — Avisa.
Reviro os olhos, frustrada, voltando-me para ele. Theo me encara com um leve sorriso, como se quisesse dizer alguma coisa. Devo admitir que é difícil continuar me sentindo zangada quando ele me olha assim.
— Theo? Está em casa? — Uma voz feminina ressoa do andar debaixo.
Arregalo os olhos. Ai, merda!
Theodore percebe o meu desespero e pede para que eu faça silêncio e entre na porta à minha direita, indicando-a com a cabeça. Franzo o cenho e nego, porque isso me parece loucura.
— Liz, ande logo ou vai conhecer minha mãe de um jeito muito esquisito! — Exclama, em um sussurro.
— Theo, eu não vou... — começo a dizer, mas ele não dá atenção, porque a mãe começa a subir as escadas, e ele abre a porta e me empurra para dentro do que descubro ser o banheiro, vindo logo atrás de mim e trancando a porta.
Olho para ele exasperada, como quem espera que ele tenha um plano, porque não vejo como ser encontrada no banheiro com ele seja remotamente melhor do que ser encontrada em seu quarto.
— Ligue o chuveiro. — Ordena.
— O quê? — Indago, assustada com a sugestão.
Ele inclina a cabeça, como se eu estivesse sendo boba.
— Confie em mim, tá legal? Não estou te pedindo para tirar a roupa, só deixe o chuveiro ligado. — Explica.
Suspiro, impaciente. Eu achei que não tinha como isso tudo piorar.
Abro o box e ligo o chuveiro, deixando a água rolar pelo chão e escorrer pelo ralo sem propósito algum.
— Satisfeito? — Indago, irônica. Nem estaríamos nessa situação se não fosse por ele, e, ao meu ver, seu plano não nos ajuda em nada.
— Theo? — A mãe o chama, do lado de fora. Sinto todo o ar se esvair de meus pulmões.
— Relaxa. — Ele sussurra para mim, mas estou tão tensa que mal consigo raciocinar. — Oi, mãe. — Responde a ela, mais alto.
— Não sabia que estava em casa. Por que não avisou que viria?
— Ahm... eu decidi de última hora. — Fala, torcendo para que seja uma resposta boa o suficiente.
Sinto as palmas das minhas mãos transpirarem com o nervosismo.
— Que horas chegou? — Ela pergunta.
Theo balança a cabeça, como se esperasse que ela já tivesse parado de falar com ele através da porta a essa altura.
— Tarde. — Responde, sucinto.
— Vai ficar o fim de semana todo? Fomos convidados para almoçar com os Gilbert no domingo, eles ficarão felizes em te ver depois de tanto tempo, você vai? Sabe que a filha mais velha deles sempre teve uma quedinha por você, não é?
Ele suspira.
— É, talvez. Mãe, podemos conversar quando eu não estiver no banho? — Pede.
— Está bem. Seu pai e eu vamos ao mercado. — Ela avisa, antes de ouvirmos seus passos se afastando e descendo as escadas.
Finalmente volto a respirar, expirando uma enorme quantidade de ar que eu nem sabia que estava preso em meus pulmões.
— Vamos esperar alguns minutos e então nós saímos. — Ele diz, baixinho.
Assinto. Theo recosta-se na pia e eu, na parede oposta, de frente para ele. A água do chuveiro continua rolando. Começo a me sentir horrível por ter acabado aqui, mesmo não tendo escolhido isso, e, ao menos agora, Theodore me olha como se estivesse começando a se sentir culpado por suas escolhas que fizeram com que acabássemos aqui. Mas não dizemos coisa alguma. Nos contentamos com o silêncio entre nós, e o barulho da água indo embora pelo ralo, bem como o bom relacionamento que construimos.
Cerca de sete minutos se passam até que finalmente achamos seguro sair do banheiro. Theo vai à frente, verificando o terreno, e, dessa vez, quando passamos pelas fotografias na parede, não me distraio. Descemos as escadas devagar, na ponta dos pés, e, mesmo não tendo mais ninguém no andar debaixo, saímos pela porta dos fundos, indo até a garagem através de uma porta no quintal.
— Liz, eu... sinto muito. — Ele fala, quando entro em seu carro e coloco o sinto.
Balanço a cabeça. A essa altura, isso já não importa mais. Sentindo muito ou não, isso só serviu para me provar que eu estava errada. Theodore e eu não podemos ser amigos. É complicado demais.
— Deixa para lá. Vamos apenas esquecer que isso aconteceu e seguir com nossas vidas.
Ele franze o cenho, como se estivesse confuso com o que acabei de dizer e quisesse perguntar mais, mas muda de ideia antes mesmo de começar.
Por fim, ele liga o carro e sai da garagem, dirigindo pelas ruas depressivas de Redgrove. O clima cinzento e chuvoso não torna essa situação toda menos melancólica. Direciono Theo quanto à localização, para que ele finalmente aprenda onde eu moro. Não que ele vá precisar a partir de agora, de qualquer forma. Mas em questão de minutos, já estou na porta de casa.
— Obrigada. — Falo, sem ao menos olhar para ele enquanto destravo o cinto.
— Ei, o que quis dizer com "esquecer que isso aconteceu"? Sobre o que estava falando, exatamente? — Pergunta, antes que eu saia.
Suspiro, colocando o cabelo atrás da orelha.
— Theo, ontem foi legal, mas... nós não deveríamos continuar agindo como se estivesse tudo bem sermos tão íntimos. É complicado demais.
Vejo uma ruguinha surgir entre suas sobrancelhas, quase como se não soubesse do que estou falando, mas seu olhar me diz que sabe, sim. Eu sei que sabe.
— Qual é, Liz. Somos apenas amigos, qual é o problema nisso?
Passo a mão pelo rosto, frustrada. Ele não entende.
— Theodore, você sabe que se Noah descobrisse que eu estava em seu quarto, não haveria justificativa para nós. O que acha que ele pensaria? Sei que diz que não estava pensando em Noah quando tomou essa decisão, mas eu acho difícil de acreditar que isso não tenha passado pela sua mente em momento algum. Talvez, no fundo, ainda exista uma parte de você que se ressente dele. — Argumento, e seu silêncio serve quase como uma confirmação das minhas palavras. — Eu não quero ser parte desse ressentimento. Não vou ser uma peça nos jogos de guerra entre vocês dois. — Falo.
Ele suspira.
— Olha, Liz, eu cometi um erro, tá legal? E eu sinto muito. Achei que era a única coisa que eu poderia fazer. Mas eu... não estava pensando no Noah. E, talvez, seja esse o problema, na verdade. — Reflete. — Mas podemos resolver isso. As coisas não precisam ser assim.
Inclino a cabeça, como se fosse ingênuo da parte dele pensar que uma questão tão complexa possa ser resolvida do dia para a noite, com tanta facilidade. Já cometi o erro de pensar isso também.
Suspiro, sentindo um nó se formando em minha garganta e um peso tomar conta do meu peito, mas ciente do que preciso fazer. Ele me observa como se soubesse o que está por vir, o que parece magoá-lo. Odeio o fato de que, para não magoar Noah, preciso magoar Theodore.
— Adeus, Theo. — Digo, abrindo a porta e saltando para fora, correndo até a minha varanda enquanto a chuva cai com intensidade.
Quando entro em casa, ele ainda está parado dentro do carro, me assistindo partir com pesar.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro