16 (liz)
Corro até a frente da casa para entender o que está acontecendo, e a cena com que me deparo é a de Sarah, com o mesmo pedaço de madeira que utilizou para abrir o portão, parada diante de uma janela quebrada em milhares de pedaços. Cassie cobre o rosto com as mãos, como quem tentou avisar, mas não conseguiu impedir que a tragédia acontecesse.
— Mas que droga! — Noah sussurra atrás de mim, percebendo a bagunça causada por ela. Meu coração acelera de irritação ao pensar na possibilidade de termos que acrescentar "vandalismo" às nossas fichas criminais também.
— Sarah, nós tínhamos encontrado uma porta nos fundos, poderíamos ter entrado por lá! — Exclamo, zangada com o fato de que ela simplesmente não consegue esperar que as coisas aconteçam fora de seu tempo.
Ela dá de ombros.
— Já perdemos muito tempo! Eu não sei vocês, mas eu gostaria dar o fora daqui o mais rápido possível. — Ela diz, antes de pular com uma facilidade impressionante para dentro da casa através do estrago que causou na janela da frente.
Respiramos fundo, buscando o que resta de paciência dentro de nós, e assim como ela, pulamos para dentro, nos desviando com cuidado dos cacos de vidro pontudos deixados expostos na janela.
O interior da casa é escuro. Pequenas faixas de luz atravessam as janelas de vidro, mas não é o suficiente para iluminar o caminho por onde passamos. Sarah e Cassie se dividem pelo andar inferior, analisando atenciosamente cada canto da casa, enquanto Noah e eu subimos as escadas para analisar o andar superior.
Honestamente, parece apenas uma casa normal, e é difícil não deixar a ideia de que podemos ter invadido uma casa qualquer no meio da floresta me abalar. Ligo a lanterna do celular buscando por mais detalhes escondidos, que possam revelar qualquer coisa sobre o dono da casa e potencial responsável pelas fotos.
Entro em um dos quartos, e sobre a mesa de cabeceira ao lado da cama perfeitamente arrumada, me deparo com um porta-retrato de uma família sorridente diante de uma montanha cheia de neve. Tenho certeza absoluta de que não conheço nenhum dos pais presentes na foto, mas por alguma razão, a criança entre os dois me parece familiar. A mãe exibe um sorriso tão largo que parecem espremer seus olhos até que pareçam estar fechados. Já o pai, tem um sorriso sutil, e seus olhos são tão verdes que seria possível notar de longe. O garotinho entre os dois sorri exibindo a ausência de um dente, o que me faz sorrir junto. Não possui muitos traços da mãe, mas é idêntico ao pai, que também me parece familiar, apesar de nunca tê-lo visto antes. Pego o porta-retrato nas mãos para analisá-lo de perto, mas a sensação de familiaridade permanece indecifrável para mim.
— Liz... — Noah chama minha atenção na porta. Não fala muito alto, mas o tom de sua voz é o suficiente para me assustar em meio ao silêncio da casa. Ele faz um movimento com a cabeça, pedindo para que eu o siga.
Atravessamos o corredor escuro em direção a uma pequena escada, que nos leva a um pequeno quartinho no sótão. Trata-se de um quarto vazio e desinteressante, e de cara, não consigo imaginar o que ele pode ter encontrado de tão interessante por ali.
E então vejo a janela.
Aproximo-me imediatamente dela, e não leva muito tempo para que eu consiga localizar o local exato onde estávamos quando enterramos o corpo de Dylan. Noah e eu nos entreolhamos, e não é preciso que nenhum de nós diga coisa alguma para que eu saiba que estamos pensando a mesma coisa. Pego meu celular e abro na foto que recebi em meu email, e percebo que foi tirada exatamente do lugar onde estamos.
Saímos apressados do sótão para contar a Sarah e Cassie que, pela primeira vez desde que tudo isso começou, temos alguma coisa. Podemos ainda não saber quem vive aqui, mas acredito que a partir de agora, não será muito difícil descobrir, o que faz com que eu me sinta muito melhor desde que chegamos aqui.
Enquanto procuro euforicamente por elas em cada cômodo da casa, ouço Noah soltar uma exclamação:
— Colin!
Levo alguns segundos para compreender o que ele diz, antes de começar a juntar as peças. Há uma razão para o garotinho da foto parecer tão familiar. Colin é o garotinho da foto no porta-retratos sobre a mesa de cabeceira. A casa onde estamos, provavelmente pertence a seus pais, o que significa que de algum modo, Colin deve ter estado aqui na noite do acidente, e, portanto, Colin deve ser o responsável pelas fotos que recebi em meu e-mail.
Perco o fôlego com a sequência de pensamentos, e apoio-me em uma das paredes do corredor, sem ar. Como pude não enxergar o óbvio? Se há alguém que seria capaz de nos chantagear, esse alguém deve ser Colin Wright. Sinto raiva de mim mesma por não ter ao menos cogitado isso antes.
— Ele está aqui! — Noah exclama do alto da escada, trazendo-me de volta à realidade.
Eu o assisto sair em disparada pela escada, e, embora tente acompanhá-lo, é completamente inútil. Em um piscar de olhos, ele praticamente atravessa a janela quebrada, desaparecendo do lado de fora, seguido por Cassie e então Sarah.
Me apresso em segui-los, porque a ideia de ficar sozinha nessa casa escura, por alguma razão, me parece pior do que me embrenhar na floresta mal iluminada com minhas amigas, atrás de Colin Wright.
Pulo cuidadosamente na janela, claramente dispondo de menos habilidades e agilidade que os outros. Passo minha perna direita para o outro lado, me esquivando dos vidros pontudos que restaram na janela depois que Sarah decidiu que quebrar o vidro seria uma boa ideia.
Meu pé já está quase alcançando o chão do lado de fora quando sinto algo pontiagudo perfurando a minha coxa esquerda. Não tenho muito tempo de me esquivar, porque quando percebo, já é tarde demais. Estou basicamente com a perna presa em um enorme pedaço de vidro quebrado na janela, e meu sangue está escorrendo por toda a parte. Fico alguns segundos em choque, assistindo uma grande quantidade do meu sangue vazar para fora numa rapidez e intensidade preocupante, sem saber exatamente o que fazer. Apenas quando volto à realidade é que me dou conta do quanto o corte é profundo, e do quanto dói. Dói tanto que chega a ser ridículo. Uma agonia atravessa o meu corpo em forma de arrepio, e solto um grunhido enquanto decido se devo tentar remover minha perna ou simplesmente tentar não me mover até que alguém apareça para me ajudar.
— Merda! — Praguejo alto, mas já não há ninguém por perto para me ouvir. Droga de pernas curtinhas!
Ignoro a parte do meu cérebro que me diz que o melhor a se fazer é tentar não me mover demais, e com o máximo de cuidado possível, tento retira minha perna, presa através do corte mais profundo que já vi, do enorme pedaço de vidro que causou tudo isso. A simples ação de mover um centímetro me causa arrepios de dor, e por fim, entre um palavrão e outro, ouço o vidro quebrar.
Arregalo os olhos. Por um lado, estou livre para retirar minha perna da janela. Por outro, o vidro virá junto, pois está preso dentro do corte.
Fecho os olhos e reúno coragem para me mover. Ainda é desafiador e doloroso. Tento não forçar meu pé contra o chão, porque a última coisa de que preciso nesse momento é de que, além de tudo, o vidro se quebre dentro do corte, porque removê-lo seria um tanto mais difícil.
Sem conseguir ir muito longe enquanto apoio todo o peso do meu corpo em uma perna só, sento-me nos degraus da escada da varanda da casa, me sentindo sozinha e assustada. Tento remover o enorme pedaço de vidro da minha perna, mas o simples ato de envolvê-lo em minhas mãos trêmulas já faz com que uma intensa pontada de dor se espalhe por toda a minha coxa, então apenas desisto. Decido não olhar para o corte ou pensar na quantidade de sangue que estou perdendo nesse exato momento, ou pensar em como minhas mãos estão grudentas com meu próprio sangue ou em como iremos resolver isso. Não posso ir até o hospital sem que liguem para meus pais, e isso seria um grande problema, porque disse a eles que estou na casa de Sarah.
Levanto meus olhos para o céu escuro, e me pergunto onde é que todos estão. Me lembro da escuridão da floresta naquela noite, e sinto uma sensação incômoda. Depois disso, começo a me sentir o corte em minha perna começa a formigar, e murmuro uma música para me distrair, assistindo as estrelas que cobrem o céu brilharem mais e mais com o cair da noite, enquanto tento pensar em todas as razões pelas quais Colin Wright pode querer nos prejudicar, e todos os meios pelos quais ele pode.
Já estou começando a me sentir impaciente quando Noah, Sarah e Cassie finalmente ressurgem de dentro das árvores, parecendo frustrados e cansados.
— Não acredito que o perdemos! — Cassie exclama enquanto se aproxima, irritada. Noah parece igualmente frustrado, mas não diz coisa alguma.
— Tudo bem. Ele não pode se esconder por muito tempo, mesmo. — Sarah consola.
Noah franze o cenho ao se aproximar, notando algo de errado em minha expressão, mas sem conseguir enxergar o problema no escuro.
— Você está bem? O que foi que aconte... — ele interrompe sua fala no meio da sentença ao se aproximar o suficiente para finalmente localizar o que há de errado. Ele cerra o punho e cobre sua boca, tentando esconder seu espanto, mas é tarde demais.
— Eu tive um probleminha. — Digo, com muito esforço.
Ele me olha com preocupação, olhar ao qual já não consigo retribuir a essa altura, e então se agacha ao meu lado, acendendo a lanterna de seu celular para analisar melhor a situação. A quantidade de sangue que perdi faz seus olhos se arregalarem.
— Liz, há quanto tempo você... — ele faz menção de perguntar, mas mal consegue terminar sua frase. — Você está pálida! Está perdendo muito sangue! — Ele exclama, olhando meu rosto de perto.
Nesse momento, Sarah e Cassie, alheias ao mais novo problema, se aproximam, tagarelando sobre a corrida na floresta, e então param, absorvendo o clima pesado.
— O que aconteceu? — Cassie pergunta.
Noah se move para o lado, permitindo que as duas enxerguem o ferimento em minha perna.
Sarah e Cassie não escondem suas reações melhor do que Noah.
— Ah meu Deus! — As duas gritam, assustadas com o tamanho e a profundidade do corte, e se movem para trás, desesperadas. — Como conseguiu fazer isso?
— Naquela droga de janela. — Falo, sem forças nem mesmo para me virar e apontar para a janela quebrada.
— Ela parece fora de si. — Cassie fala, se aproximando e acenando com a mão próxima ao meu rosto, como se eu estivesse em outra dimensão onde não pudesse vê-la ou ouvi-la.
Afasto o rosto, confusa.
— Deve estar um pouco aérea. — Noah fala, observando meu rosto. De fato, estou. — Isso não é muito bom.
Ele respira fundo, olhando atentamente o corte, e em seguida, para mim, com uma cara de quem tem más notícias.
— O que foi? — Questiono, começando a me sentir tensa.
— Precisamos tirar esse vidro daí. Agora.
Sinto um calafrio percorrer minha espinha, me lembrando da dor horrível que senti da última vez que tentei fazer isso. Olho para o corte mais uma vez, sob a luz da lanterna. Não pareço ter muita escolha, já que o sangue ao redor do vidro parece estar se tornando mais espesso e grudento. Fecho os olhos e assinto, ciente de que vou me arrepender.
Noah entrega o celular para Cassie, para que ela ilumine seu campo de vista, e ela se aproxima, receosa.
— Isso pode doer. — Alerta, mas já estou ciente. — Tente não contrair a perna.
Ele tira a jaqueta e a utiliza para envolver o grosso pedaço de vidro em suas mãos enquanto tenta puxá-lo lentamente, o que é pior. Quando se dá conta disso, respira fundo e o retira rapidamente, com um só puxão.
Praguejo e grito de dor, apesar do movimento ter sido rápido, e Cassie faz uma careta, como se tivesse sido pega de surpresa. Sarah contribui com o momento se mantendo distante. Imediatamente, minha perna volta a sangrar com a mesma intensidade de antes, o que me preocupa. Me esqueço de como respirar por um instante, enquanto uma dor dilacerante se espalha por toda a minha coxa.
Ele analisa o pedaço ensanguentado de vidro para ter certeza de que não se partiu dentro da minha perna, e o deixa de lado, aliviado ao concluir que não.
— Ah, meu Deus, ela está sangrando mais! Está perdendo muito sangue! — Cassie exclama, eufórica, assim que seus olhos descem até o corte em minha coxa. Por um segundo, tenho impressão de que ela vai vomitar e tenho o impulso de inclinar o corpo para trás, assustada. — O que faremos agora? — Ela questiona, esperando que Noah tenha um plano.
Ele suspira.
— Precisamos cuidar disso o mais rápido possível. — Noah fala, tentando manter a calma, mas consigo ouvir a urgência em sua voz.
Tento argumentar que não posso ir até o hospital, porque provavelmente ligariam para os meus pais. Tento dizer que precisaria ao menos de um acompanhante adulto, mas assim que abro a boca para falar, meus sentidos começam a desaparecer.
Meu corpo balança para lá e para cá, como uma árvore de troncos finos esperando por uma tempestade. Quando isso acontece, Noah me segura pelo ombro, porque o medo de que eu caia se torna cada vez mais real. Em determinado momento, me inclino tanto que Cassie, me observando de frente, se aproxima, segura meu queixo e levanta meu rosto de várias formas, me analisando com os olhos apertados, e diz algo que soa abafado, mas que só consigo identificar como "Ela não parece muito bem, devia comer alguma coisa".
Noah suspira, nervoso.
Sarah dá algumas voltas diante de mim, mas se mantém afastada. Sinto que não consigo processar nada do que está acontecendo com clareza e começo a me sentir irritada. De certa forma, me sinto indefesa. É como se eu estivesse sob o efeito de drogas que não escolhi ingerir, e de repente sinto uma preocupação real a respeito disso.
Meu corpo trabalha como uma máquina velha, processando tudo com a maior lentidão possível. Tudo em mim dói: o corte profundo em minha coxa, meus pulmões, minha cabeça, meus olhos e meu estômago gritam por socorro, como se estivessem tentando saltar para fora de mim. Por fim, minha visão escurece, e nem tenho tempo de processar o que vem a seguir. "Ah meu Deus, ah meu Deus, ah meu Deus!", ouço uma de minhas amigas exclamar freneticamente enquanto meu corpo desmonta para trás e minha cabeça bate com força contra a madeira do chão da varanda, antes de desligar por completo.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro