14 (liz)
Não sei quanto tempo fico presa nesta situação. Meus músculos estão tão enrijecidos que qualquer simples movimento é doloroso. O tempo e o espaço desaparecem para mim enquanto sinto as sensações mais agonizantes de uma vez só. Sinto que estou caindo em um poço profundo, e não sei quando vou parar, então apenas decido parar de me debater e entender que não há nada que eu possa fazer para evitar minha própria queda sem fim. Solto um soluço de dor em meio às lágrimas.
— Liz? — Ouço uma voz distante. Não tenho certeza se a voz veio do fundo da minha mente ou se em algum canto, alguém realmente está chamando por mim. Não importa, de qualquer forma. Minha voz desapareceu, e ainda que quisesse responder ao chamado, não conseguiria. — Liz? — Escuto mais uma vez, de forma mais nítida. De repente, uma mão me puxa de volta para a realidade. Finalmente levanto o rosto manchado de lágrimas, e levo um tempo para perceber que é Noah. Percebo o quão imersa estava em meus próprios pensamentos quando noto que não o vi chegar. Sentado ao meu lado dentro da banheira com o olhar assustado, ele me puxa para si, me envolvendo em um abraço apertado, e eu me agarro nele com mais força do que planejava, porque estive esperando desesperadamente até que alguém me trouxesse de volta ao mundo real e tenho medo de que, se não me segurar forte o bastante, possa cair novamente na parte mais obscura da minha mente.
Ele diz algo sobre ter me procurado por toda a parte, mas não ouço nada com muita clareza. Meus ouvidos parecem estar tampados, e ouço tudo ao meu redor de uma forma abafada. Noah segura o meu rosto com as mãos trêmulas.
— Liz, eu preciso que me diga o que aconteceu. Alguém te machucou? — Ele pergunta, desesperado. Talvez esteja quase tão assustado quanto eu. A diferença é que ele claramente sabe bem como controlar seu medo, enquanto eu, fui completamente dominada por ele. Quando levo tempo demais para responder a pergunta, ele a repete, com a urgência de que eu a responda. Nada no meu corpo parece funcionar como deveria. Abro a boca, mas nenhum som sai, então apenas balanço a cabeça enfaticamente, acenando que não, e seus ombros caem lentamente, como se um peso tivesse sido retirado de cima deles, e sinto sua respiração de alívio em meu rosto.
Respiração. Noto que ainda estou lutando com afinco para voltar a sentir a minha.
— Eu... não... consigo... respirar... — apoio a cabeça em seu ombro esquerdo e sussurro em seus ouvidos, com dificuldade, enquanto meu peito sobe e desce rápido demais para que eu consiga sentir o ar em meus pulmões.
— Está tudo bem. — Ele fala, pousando a mão em minhas costas e tentando me acalmar — Você só está agitada, precisa respirar pausadamente. Pode fazer isso?
Tento respirar fundo e regular minha respiração mais uma vez, embora já tenha tentado inúmeras vezes. Mais uma vez, é completamente inútil. Aceno negativamente com a cabeça, frustrada por sentir que nunca vou conseguir. Sinto minhas bochechas ficando quentes, graças à má oxigenação. Noah pega uma de minhas mãos e leva até o seu peito.
— Lizzie, tente respirar comigo, tudo bem? — Ele fala, parecendo estar tentando ao máximo manter a calma quando na verdade, também está surtando por dentro.
Assinto novamente, disposta a tentar mais uma vez. Tento prender a respiração por alguns segundos para recomeçar. Ele respira fundo, enchendo os pulmões de ar, e faço o mesmo, junto dele, mas solto o ar rápido demais, perdendo o controle novamente.
"Tudo bem", ele sussurra em meus ouvidos. "Tenta de novo", pede, então tento. Leva aproximadamente cinco tentativas até que eu consiga sentir minha respiração se tornando mais compassada, e meu coração, lentamente desacelerar. Apesar de saber que ele tem muitas perguntas, ficamos em silêncio durante vários minutos. Ele acaricia minhas costas enquanto eu continuo descansando minha cabeça em seu ombro, sentindo meus sentidos, aos poucos, voltarem ao normal. Minha visão volta a ficar clara, e meus ouvidos destampam, revelando os sons ao meu redor, muito mais altos do que eu podia ouvir. Desfruto da sensação de conseguir respirar novamente, e penso no quão pouco valorizamos o fato de conseguirmos respirar todos os dias, até que não possamos mais.
— Está melhor? — Pergunta, quando acha que já ficamos em silêncio por tempo o suficiente para que agora finalmente possa obter algumas respostas. Não posso culpá-lo. A cena que presenciou realmente requer algumas explicações – acho até que ele esperou tempo demais.
— Uhm-hum. — Murmuro, levantando o rosto para finalmente encará-lo. Sinto que não consigo olhá-lo nos olhos desde que chegou aqui, talvez porque não quisesse que ele me visse naquele estado lamentável. Essa é a parte de mim que eu tenho temido revelar para ele desde a noite do acidente. Ele me observa preocupado, embora ainda me olhe da mesma forma de sempre: para ele, ainda sou a Liz de sempre, e talvez essa seja a parte mais difícil de entender para mim. Não sei como ele pode me olhar como se eu ainda fosse a mesma pessoa, quando muitas vezes, eu mal me sinto como uma pessoa, e se sou uma pessoa, já não sei mais quem sou. Mas é bom sentir que ainda sou eu, mesmo que apenas nos momentos em que ele me olha desse jeito. Se pudesse, pediria para ele me olhar assim o tempo inteiro, e talvez eu começasse a acreditar que ele vê. — Tive uma crise de pânico. — Constato em voz baixa, embora a essa altura, já esteja óbvio. Por alguma razão, sinto a necessidade de dizer o óbvio.
Ele assente.
Afasto-me dele, encostando-me na banheira e encarando os azulejos encardidos da parede. Noah gentilmente afasta o cabelo do meu rosto molhado de lágrimas.
— Sinto muito. — Falo, e uma pequena ruga surge entre suas sobrancelhas enquanto ele me observa.
— Pelo que? — Ele pergunta, confuso.
— Por tudo isso. Eu sou um caos e você deveria me achar maluca, no mínimo.
Ele sorri, sem tirar os olhos de mim.
— Eu não acho. — Fala, e soa sincero. Sorrio de volta.
— Manchei sua jaqueta com rímel. — Digo, apontando para a pequena poça de lágrimas escuras que deixei em seu ombro.
— Tudo bem. — Ele responde com um sorriso suave, sem se dar o trabalho de desviar o olhar para verificar, o que acho gentil de sua parte.
Noah não tira os olhos de mim, nem por um segundo, e se eu não o conhecesse bem, seria assustador. Sei que está apenas esperando que eu me sinta à vontade para começar a falar o que me levou a isso, mas nem sei a partir de onde começar. A verdade é que esta noite toda tem sido um pesadelo, e talvez eu já estivesse me sentindo mal há tempo demais, embora as coisas parecessem ainda estar sob controle. Achar ter visto Dylan no corredor só foi a gota d'água necessária para fazer o meu copo cheio de sensações negativas reprimidas transbordar.
Mordo o lábio inferior, relembrando o ponto inicial que me levou a ter uma crise vergonhosamente forte na banheira vazia de um desconhecido, o que, parando para pensar agora, é meio nojento.
— Eu... eu estava procurando por você quando... — começo a falar, e então paro. Não consigo encontrar nenhuma maneira de fazer a frase que quero dizer soar menos ridícula ou absurda, então apenas desisto de tentar fazê-la parecer natural. — acho que esbarrei com Dylan no corredor.
Suas sobrancelhas se curvam, e vejo a nítida expressão de confusão e descrença em seu rosto.
— Dylan? Quer dizer, aquele que vocês...
— Sim, esse Dylan. — Interrompo-o antes que ele termine a frase, embora acredite que ele mesmo fosse se interromper em algum momento. Não existe uma boa forma de concluir aquela frase, então simplesmente evitamos dizê-la em voz alta.
— Você... tem certeza? — Noah pergunta, claramente tentando ser cuidadoso com suas palavras. Não quer fazer com que eu me sinta mais maluca do que já me sinto, mas sabe que o que estou dizendo é loucura. Até mesmo eu sei. Mas ainda me lembro exatamente do momento em que estava parada diante dele, com os olhos arregalados e fixos em seu rosto, sentindo sua respiração quente em meu rosto enquanto o mundo ao meu redor não parava de girar. É loucura, mas é o que vi.
— Noah, só podia ser ele. Eu sei que é loucura, mas... eu conseguia sentir a respiração dele, está bem? Era o Dylan, e ele estava vivo diante de mim.
Ele me escuta, parecendo estar se esforçando ao máximo para não agir de forma incrédula. Talvez até esteja tentando acreditar em mim, mas seu lado racional fala mais alto. Não posso culpá-lo.
— Lizzie, ele está... morto.
Sei que ele está certo, mas tenho o ímpeto de continuar defendendo o que acho que vi, apesar de não fazer o menor sentido.
— Era ele, está bem? Eu não sei como, mas era. Acha mesmo que eu ficaria tão mal se achasse que pudesse ser outra pessoa? — Falo, defendendo com afinco o que estou dizendo.
— Bom, talvez você se sinta culpada de estar aqui, tão próxima de onde tudo aconteceu, e sua mente esteja te sabotando. — Argumenta.
Lanço-lhe um olhar furioso, frustrada por ele não estar acreditando em mim, apesar de ter todos os motivos para isso. Ainda assim, é difícil de engolir.
Respiro fundo, tentando recobrar minha racionalidade.
— Você tem razão. — Admito, após alguns minutos de irritação silenciosa. — Provavelmente não era ele.
Falar em voz alta não faz com que eu me sinta melhor. Ele permanece em silêncio, então me junto a ele, até que de repente estamos ambos encarando novamente a parede encardida como se fosse a coisa mais empolgante do mundo.
— O quão dispostas você e suas amigas estariam de ir embora daqui agora mesmo? — Ele pergunta de repente, com uma expressão brincalhona no rosto, mas sei que a sugestão é verdadeira, afinal, não há nada para nós aqui, e, sendo honesta, estou doida para dar o fora daqui também. Nem mesmo queria vir, para início de conversa, e não estaria aqui se não fosse pelo estúpido plano de Cassie, do qual, no final das contas, nem participei, e ainda me sinto mal por isso.
— Acho que elas estariam cem por cento dispostas se não estivessem... ocupadas. — Digo, e Noah franze as sobrancelhas, sem saber exatamente o que quero dizer com isso.
Comprimo os lábios e suspiro, ciente de que terei que revelar a Noah o verdadeiro motivo para estarmos nessa festa, e sei que ele não irá gostar nada disso.
— Elas estão na floresta. — Murmuro, como se isso pudesse diminuir a estupidez do fato.
Os olhos azuis de Noah parecem perder toda a cor de repente.
— O que? Liz,está falando sério? — Ele pergunta, inconformado.
Fecho os olhos e assinto.
— Sim, está bem? Sarah e Cassie estão na floresta. — Reafirmo. — Queriam que eu fosse com elas, mas eu... — suspiro, sentindo-me uma covarde — não tive coragem de voltar até lá. — Admito.
Ele franze o cenho, como se finalmente estivesse juntando as peças.
— Espera, é por isso que estamos aqui essa noite? — Indaga. — Foi por isso que Cassie aceitou tão rápido o convite para vir até aqui?
Abaixo a cabeça.
— Sim. — Confesso. — Temos que ir atrás delas! — Exclamo enquanto tento me levantar, mas não consigo. Parece exigir uma força física que eu não possuo neste momento, o que é uma droga.
— Liz, por que não me disseram nada disso? Achei que tínhamos concordado em não voltar lá! Mas se fosse fazer isso de qualquer modo, deveriam ao menos ter me informado! — Noah exclama, e, pela primeira vez, parece levemente irritado com a situação. Não posso culpá-lo. Se estivesse em seu lugar, também estaria.
Suspiro.
— Minhas amigas acharam que seria melhor não te falar porque você nunca concordaria com isso. Mas a razão pela qual eu não te falei é porque eu não queria que você voltasse até lá conosco! — Exclamo, e Noah dá um passo para trás, parecendo um pouco ofendido com a minha resposta.
— O quê?
— Noah, eu não quero que tenha problemas com isso! — Digo, aproximando-me dele e segurando suas mãos.
— Liz, nós já falamos sobre isso! — Ele exclama de volta. Não afasta suas mãos das minhas, mas seus dedos não se entrelaçam aos meus. Consigo ver que ele está frustrado.
— Eu sei, e foi um erro não te contar que iríamos voltar à floresta hoje. Me desculpe. Agora precisamos ir, porque minhas amigas precisam de mim. — Torno a dizer, sendo motivada por uma repentina corrente de adrenalina que receio que desapareça logo se eu não aproveitá-la enquanto posso.
Noah me encara por alguns segundos em silêncio antes de assentir. Ele comprime os lábios e respira fundo, sem argumentos, ou talvez engolindo os muitos argumentos que ainda tinha guardado. Então, se levanta, e em seguida, estende a mão para me ajudar a ficar de pé e sair da banheira. Tenho a impressão de que minha pressão cai por alguns segundos, porque tudo ao meu redor parece girar e em seguida, escurece, mas recobro os sentidos rapidamente.
Abrimos a porta e a música, antes abafada, nos atinge como um balde de água fria, parecendo deixar nossos sentidos em alerta. Noah segura minha mão, me guiando por entre as pessoas, porque está completamente mais sóbrio do que eu. Tenho a impressão de que dessa vez, elas colaboram conosco, abrindo passagem e tornando o caminho até a porta muito mais fácil. Na escada da varanda, diminuímos o ritmo de nossos passos, e ele me ajuda a descer os degraus com cuidado.
Discutimos por alguns minutos se deveríamos ir de carro ou a pé, e por fim, ele cede e concorda em ir a pé, porque percebe que já estive nessa situação antes e sei bem sobre o que estou falando. Caminhamos lado a lado em silêncio pelas ruas mal iluminadas de Rosefield. É uma cidade quase tão deprimente quanto Redgrove – eu diria que são da mesma família de cidades pequenas e tristes, de onde os jovens saem correndo assim que podem, e nunca mais voltam. Nossos corpos se esbarram vez ou outra, porque estou balançando de um lado para o outro enquanto caminhamos.
— Sabe, hoje eu... senti ciúmes de você. — Admito, e é doloroso. Me sinto uma boba. Mas sei que se não falar a respeito, nunca vou conseguir parar de pensar nisso.
Interrompemos nossa caminhada, e Noah se vira para mim, me olhando nos olhos.
— Liz, do que você está falando? — Pergunta, sem entender de onde veio essa ideia.
Dou de ombros.
— Você... nunca falou sobre a Adélia. E vocês pareciam tão íntimos... eu sei lá, só pensei que, se vocês fossem mesmo só amigos, eu provavelmente já teria ouvido algo sobre ela.
Ele comprime os lábios e inclina a cabeça para trás, como se de repente entendesse onde tudo começou a dar errado, e então solta um riso, como se a ideia lhe parecesse absurda.
— Eu fiquei irritada, está bem? — Continuo — Não percebeu a quantidade de vezes que ela acariciou o seu braço? Ela estava quase se esfregando em você! — Exclamo, voltando a me sentir incomodada com o fato.
— É claro que ela não estava... — Noah ri enquanto tenta encontrar as palavras certas para explicar toda a situação. Cruzo os braços, séria, porque é a única reação que consigo ter no momento. — Liz... Adélia e eu somos amigos desde a infância, praticamente crescemos juntos...
Olho para ele como se isso não ajudasse em nada, porque, na verdade, isso não significa coisa alguma.
— Ela sempre foi apaixonada pelo Theo, na verdade. Acho que ele nunca soube disso, mas eu tive que presenciar cada momento em que Adélia esteve secretamente babando pelo meu irmão. — Revela, por fim.
Olho no fundo de seus olhos, e levo um tempo para processar a informação.
— Ah. — É só o que consigo dizer em resposta. Por alguma razão, não sinto o alívio que imaginei que sentiria.
Nos encaramos por alguns segundos, e então voltamos a caminhar em silêncio.
— Por que nunca falou nada sobre ela? — Pergunto, finalmente.
Ele coloca as mãos nos bolsos da jaqueta e dá de ombros enquanto caminha observando os próprios pés, e sei que ele está pensando em como contar uma história longa.
— Bom, eu e ela perdemos o contato nos últimos anos. Eu nunca mais a vi desde que ela e seus pais se mudaram para Portland, mas parece que ela voltou para cá para fazer faculdade.
Franzo o cenho, intrigada.
— Por que uma pessoa sairia de Portland para voltar a esse fim de mundo em que moramos? — Questiono, inconformada.
Noah dá risada.
— Eu sei lá. Acho que algumas pessoas preferem a calmaria de cidades pequenas.
Solto um riso irônico.
— Redgrove e Rosefield não são só cidades pequenas. São claustrofóbicas. Ela poderia escolher melhor do que isso.
Ele dá de ombros.
— Bom, acho que perdeu a sua chance de dizer isso a ela. — Diz
Continuamos a caminhar em silêncio. Sinto os dedos de Noah se entrelaçarem aos meus em algum ponto do caminho, firmes e gelados, mas reconfortantes. Quando chegamos ao local, Sarah e Cassie estão de pé, os olhos arregalados e as lanternas apontando diretamente para a direção de onde ouviram nossos passos vindo. A luz atinge violentamente nossos olhos acostumados com a escuridão, de modo que mal consigo manter meus olhos abertos. Continuamos nos aproximando delas, e Cassie abaixa a lanterna, suspirando aliviada ao perceber que somos nós. Apenas quando meus olhos se adaptam novamente ao escuro é que percebo o enorme buraco vazio entre elas, e então percebo como as duas parecem abatidas e desesperançosas, como se nada pior pudesse acontecer agora. Imediatamente ligo os pontos, mas me recuso a acreditar no que estou pensando.
— O-o que é isso? — Gaguejo, com dificuldade de colocar as palavras para fora.
Sarah suspira.
— Isto... — ela começa a dizer, como se já tivesse aceitado os fatos e chegado ao fim de uma montanha-russa emocional — era a cova onde o corpo de Dylan estava.
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