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1 (liz)

A primeira coisa que vejo ao cruzar a porta do Mugs Coffee são minhas amigas. Não é tão difícil localizá-las. Estão sentadas em nossa mesa de sempre, rindo histericamente de alguma bobagem, e apesar de não fazer ideia do que estão falando, não consigo evitar soltar um riso também. Lembro-me de termos escolhido esta mesa para ser nossa porque dentre todas as outras onde poderíamos nos sentar, esta é a única que fica bem diante de uma enorme janela de vidro, por onde a luz do sol entra durante qualquer hora do dia, iluminando todo o ambiente e aquecendo os sofás de veludo em cores vivas.

— Bu! — Exclamo ao me aproximar, tão baixo que mal seria possível assustar uma criança. Ainda assim, consigo ver os ombros de Daisy pularem sutilmente, e seus olhos se arregalam por um breve segundo antes de pararem sobre mim. Ela se assusta com facilidade, diferente de Sarah e Cassie, que apenas explodem em gargalhadas junto de mim enquanto Daisy se recupera de seu pequeno susto.

— Você é uma vaca, sabia? — Sarah fala, rindo, enquanto ela e as garotas se levantam para me abraçar. — Mas sentimos sua falta!

Sorrio.

— Também senti. — Abraço-as com força, me dando conta de que estou em casa novamente. O cheiro de café, as paredes de tijolos, o abraço apertado de minhas amigas, tudo faz com que eu me sinta feliz e segura, de volta ao lar. — Mas quer saber? Eu acreditaria mais nisso se você me trouxesse uma torta de maçã. — Falo, sentando-me no banco, ao lado da janela.

Sarah franze a testa, fingindo estar brava por eu mal ter voltado e já estar abusando de sua boa vontade, mas em seguida sai caminhando até o balcão para fazer o pedido. Seu salto faz a antiga madeira do chão ranger conforme caminha, mas de qualquer forma, Sarah se recusa a sair de casa sem sapatos que a façam parecer mais alta do que realmente é, independente do lugar para onde estejamos indo, porque, embora odeie isso, ela é uma das mais baixas do grupo, assim como eu. A diferença é que isso nunca foi um grande problema para mim. Então, ela usa saltos em qualquer ocasião e nós fingimos que acreditamos que ela realmente tem aquela altura.

— Por que não avisou que voltaria hoje? Teríamos feito alguma surpresa para você! — Daisy exclama.

Dou de ombros, sorrindo.

— "Melhor do que ser surpreendida, é surpreender". — Falo com ironia, citando

algo que Sarah sempre diz, e Daisy ri.

— E então, como estava a Espanha, afinal? — Cassie pergunta ao se sentar diante de mim, parecendo genuinamente interessada. Seus olhos verdes brilham de expectativa e curiosidade. Brilham tanto, que não consigo responder de imediato, ciente de que a resposta será um tanto decepcionante.

A verdade é que foram três longas e tediosas semanas longe de casa. Essas férias foram as piores desde a oitava série, quando quebrei a perna pulando de uma árvore e tive que ficar o verão inteiro sentada em frente à televisão, enquanto o sol brilhava do lado de fora e as pessoas saíam para se divertir. Mas ficar longe de casa e das minhas amigas para ficar na casa das minhas tias que dormem às nove e meia da noite foi terrível, para dizer o mínimo. Eu adorava ir para a Espanha no natal quando era mais nova, mas dessa vez não era natal e eu acabei crescendo demais para achar que as coisas que eu gostava quando mais nova ainda seriam divertidas.

Respiro fundo antes de respondê-la, tentando encontrar um termo adequado para definir as últimas semanas.

— Talvez "frustrante" seja uma das melhores definições. Mas aprendi a fazer macramê. — Falo, e ela ri.

— Uau. Parece ter sido intenso. — Zomba.

— Ah, parece interessante. — Daisy fala ao seu lado, acanhada. Ela sempre gostou de atividades mais calmas como bordar e jogar jogos de tabuleiro, por isso macramê não deve estar longe de seus interesses. Sarah diz que ela é o espírito idoso do nosso grupo, mas gosto de como seus gostos são tão únicos e de como ela não tem medo de ser ela mesma, mesmo quando suas preferências vêm acompanhadas de desaprovações alheias. Para ser honesta, é uma das coisas que mais admiro nela.

Sarah se aproxima, trazendo minha torta de maçã com canela. Ela desliza cuidadosamente o prato sobre a mesa até chegar a mim, e se senta no sofá ao meu lado, sorrindo misteriosamente ao ouvir a última parte da conversa.

— E por falar em interessante, adivinhe quem está interessado em você?

Reviro os olhos com o trocadilho bobo, tentando conter o riso. Às vezes, suas piadas são tão ruins que quase chegam a ter graça.

— Por favor, não me diga que é quem estou pensando! — Peço, quase em tom de súplica, e ela ri, pois sabe exatamente de quem estou falando.

Colin Wright, popular por jogar futebol americano — apesar de jogar muito mal —, passou grande parte do ano passado no meu pé, até finalmente entender que nós nunca sairíamos. Ele não é bem o meu tipo, e quando eu disse isso para minhas amigas, Cassie se levantou em silêncio de sua cadeira no refeitório, indignada, e começou a fazer um discurso sobre como ter um tipo é algo totalmente ignorável se for para sair com alguém como ele. Até entendo o porquê: ele é bonito, e isso é um fato indiscutível. Poderia conquistar qualquer garota com seu sorriso perfeitamente alinhado e seus olhos verdes, além de ficar muito bem no uniforme do time de futebol, desfilando pelos corredores como se fosse dono do colégio, cheio de si. Infelizmente, nunca pude apreciar toda a sua beleza porque toda vez que ele abre a boca, fala algo extremamente estúpido e eu me lembro de que Colin não passa de um grande idiota. Consequentemente, toda sua beleza não vale de nada para mim. Para ser sincera, às vezes até me esqueço de que ele é bonito. Não é muito difícil.

Sarah ri.

— Sinto muito em dizer que você está certa. Nos esbarramos na rua semana passada e ele não parava de perguntar sobre você. Ele está obcecado!

Faço uma careta. Sua persistência seria impressionante se não fosse assustadora.

— Fala sério, Liz, ele é um gatinho! — Cassie exclama, incapaz de digerir o fato de que uma garota possa não se derreter por seu sorriso. — Por que não lhe dá uma chance?

Sarah revira os olhos enquanto remexe o canudo em seu copo vazio.

— Cassie, quer desencanar? Você sabe, Liz é anti-atletas. Nada de "jogadores-de-futebol-suados-e-vazios-de-conteúdo". — Ela fala, me lançando um sorriso provocativo e citando algo que devo ter dito uma única vez, mas que por alguma razão, ficou bem registrado em sua mente.

Dou risada. É estranho o modo como Sarah me conhece bem.

— Além disso, ela já está obcecada por outra pessoa. Não é? — Provoca.

Sinto minhas bochechas queimarem.

— Não estou obcecada. — Rebato, soando um pouco mais defensiva do que gostaria.

— Qual é, Liz! Nenhum garoto nunca teve chance com você desde que Noah e você se aproximaram.

Abro a boca para contestar, mas não consigo. A essa altura, parece inútil tentar fingir que não sinto coisa alguma por Noah Thompson. Sinto tantas coisas por ele que mal consigo tentar fingir o contrário. Mas me lembro de não ter sido sempre assim.

Apesar de estudarmos juntos desde o jardim de infância, nosso primeiro contato aconteceu no ensino fundamental quando fomos a uma excursão ao planetário e tivemos que passar o dia inteiro de mãos dadas, andando em parzinhos. Mesmo naquele dia, não nos falamos muito. Apenas dividimos um sanduíche de atum, ele me contou dois ou três fatos sobre os planetas e disse que meus olhos eram tão bonitos quanto Júpiter, o que me fez sorrir. O silêncio preencheu boa parte do tempo restante. Talvez iniciar conversas nunca tenha sido nosso ponto forte, mas não me incomodei. Ficar em silêncio com ele não era tão terrível quanto poderia ser com qualquer outra pessoa. Lembro-me de como aquela foi a primeira vez que parei para prestar atenção em como seus olhos azuis eram claros, tão claros que era possível enxergá-los até mesmo no escuro, como se fossem águas cristalinas.

E isso basicamente resume nossa relação no ensino fundamental, o que é ridículo, eu sei. Acontece que Noah nunca foi do tipo que gosta de chamar atenção, por isso, era fácil não pensar nele ou notar sua presença ao longo dos anos.

No entanto, as coisas começaram a mudar no ensino médio. De repente, Noah se tornou um dos garotos mais altos e bonitos da escola, e por onde passava, deixava garotas do primeiro ano encantadas, dando risadinhas e cochichando umas com as outras a seu respeito. Gostaria de poder julgá-las, mas a verdade é que não podia, porque sem ao menos me dar conta, me tornei uma de suas admiradoras, o que era embaraçoso, mas totalmente inevitável. Eu tinha a impressão de que nossos olhos estavam sempre se encontrando em meio à multidão de alunos. Quando isso acontecia, desviávamos o olhar rapidamente, e depois acabávamos nos encontrando de novo. Isso aconteceu durante o período de um ano, até que Sarah começou a dizer que eu estava obcecada por ele e precisava de ajuda. A partir daquele momento, tentei me controlar e fingir que ele não mexia nem um pouco comigo, o que era uma grande mentira. Observá-lo havia se tornado o meu hobby favorito, porque, por razões que nem eu mesma compreendia muito bem, só de olhar para ele meu coração disparava. Mas fingir que aquilo não acontecia me pareceu mais fácil do que tentar me aproximar dele naquele momento.

No ano seguinte, me matriculei em biologia, apesar de saber que decorar nomes difíceis de bactérias, animais e células do corpo não era o meu ponto forte. Para ser honesta, eu nem queria saber muito sobre nada daquilo, mas ainda assim, a ideia me pareceu melhor do que me matricular em química, uma matéria que eu odiava infinitamente mais.

O lado ruim de estar matriculada em biologia era que, independentemente do quanto eu me esforçasse, não conseguia gostar das aulas. Pouquíssimas vezes compreendia cem por cento do que saía da boca do professor, e durante esta aula, as horas pareciam se esquecer de cumprir seu papel, e se arrastavam lentamente pelo relógio brega em forma de cérebro na parede. O único lado bom era que, para a minha sorte, Noah estava lá também, e pude passar a observá-lo algumas horas por dia sem parecer "completamente obcecada", como Sarah diria. Eu me sentava na última carteira, e ele, uma carteira à frente, à minha esquerda. Quando a matéria se tornava incompreensível e entediante, eu concentrava minha atenção nele: às vezes, em sua nuca e suas costas, às vezes em como ele sempre parecia estar batendo levemente os pés contra o chão sem ao menos perceber, no ritmo de alguma música que eu raramente reconhecia.

Nossa primeira conversa de verdade foi no início do ano passado, quando fomos unidos por um projeto esquisito de biologia. Fiquei preocupada. A biologia nunca foi o meu ponto forte, e tratei de já ir alertando Noah o mais rápido possível. Ele riu, e disse que, para a nossa sorte, ele era muito bom nisso.

O projeto tomou pelo menos um semestre inteiro de nossas vidas, e, apesar de nunca termos nos falado antes, nos tornamos próximos com uma facilidade surpreendente para ambos. Com o tempo, percebi que, entre ter sua companhia ou a de qualquer outro garoto da escola, com certeza escolheria a dele. Noah tinha o humor fácil e suas piadas eram horríveis, mas eu me sentia muito bem ao seu lado. Às vezes me ocorriam comentários e pensamentos que me faziam desejar que ele estivesse por perto para que eu pudesse compartilhá-los, porque sabia que ele riria. Podíamos ficar em silêncio ou conversar durante horas a respeito de qualquer bobagem, o que para mim, era uma das coisas mais incríveis da relação que havíamos desenvolvido em tão pouco tempo. E assim, tudo ia bem, até que para a minha surpresa, as coisas começaram a mudar de rumo, e depois disso, meio que começaram a desandar.

— Ele parou de te ligar? — Sarah pergunta, sua expressão ficando séria de repente.

Faço que sim com a cabeça, em silêncio. Não sei como me sinto em relação a essa conversa. Ou talvez, não seja exatamente a conversa, mas os fatos. Noah parou de ligar. Eu o fiz parar de ligar. Ao mesmo tempo, não queria que tivesse parado. Por um breve segundo, tento me lembrar onde foi que tudo começou a dar errado, e tento imaginar como poderia ter sido se não tivesse dado. Se eu tivesse sido corajosa o suficiente para fazer com que desse certo.

— Acho que ele desistiu em algum ponto. — Digo, sentindo um nó estranho na garganta. — Podemos não falar sobre isso? — Peço, enfiando um pedaço de torta na boca, deixando que o gosto doce amenize a minha tristeza por uma fração de segundos.

Sarah revira os olhos e joga a cabeça para trás, deixando clara a sua opinião sobre o assunto.

— Ainda? Não vamos falar disso nunca? — Questiona, irritada.

— Não. — Respondo rapidamente. — O que fizeram enquanto estive fora? — Tento desesperadamente mudar de assunto. Felizmente, funciona. Embora saiba que estou fazendo isso de propósito, apenas para evitar a conversa, Sarah deixa de lado o meu único drama amoroso para falar com empolgação sobre como Daisy e Matt Howard apostaram corrida no estacionamento do boliche de Rosefield em troca de uma porção de fritas e Daisy ganhou, de quando foram a uma festa e cobriram o jardim do diretor com papel higiênico e sobre quando Sarah e Cassie decidiram invadir a piscina pública no meio da noite, e foram expulsas por um policial de meia idade chamado Carl.

Cubro a boca, admirada com cada história que escuto. Sinto um aperto no coração quando me ocorre que meus dias de verão longe delas não passaram de um grande desperdício. Gostaria de ter estado aqui para viver cada um desses momentos com elas.

— Não acredito que chegamos ao último ano do ensino médio. — Daisy suspira — Sinto que os últimos anos passaram tão rápido...

Sarah faz uma careta, prevendo um tipo de conversa que procura evitar a todo custo.

— Ugh. E ainda assim, não foi rápido o suficiente. — Resmunga. — Que papo sentimental é esse, Hannover?

Daisy ri.

— É sério. Vou sentir falta de vocês todas as manhãs. De você, acordando toda a vizinhança com sua buzina barulhenta e nos trazendo café. Da Liz, se atrasando todos os dias, e Cassie lendo as últimas notícias do mundo dos artistas no carro...

— E principalmente, dos nossos verões. Ah, meu Deus, meus verões vão ser horríveis sem vocês! — Cassie a interrompe e exclama em tom dramático.

Dou risada, mas sei que sentirei falta de tudo isso também.

Nossos verões costumavam ser sempre agitados, mas o melhor verão de todos havia sido no ano passado, quando viajamos com Cassie para a casa de praia de sua avó, em Cape May. A avó dela tinha um espírito incrivelmente jovem. Acredito que foi dela que Cassie herdou toda sua energia.

Passamos duas semanas incríveis lá, indo a festas e saindo com pessoas mais velhas, o que, à propósito, era muito mais divertido do que sair com pessoas da nossa idade. Antes de irmos, Sarah nos arranjou identidades falsas tão reais que chegavam a ser melhores do que nossas identidades verdadeiras.

Em uma das noites, enquanto caminhávamos de volta para a casa, Cassie e Sarah estavam discutindo sobre algo que não dei muita atenção. A noite estava linda, com o céu repleto de estrelas sobre nossas cabeças, e eu me sentia nas nuvens. O barulho do mar soava como a mais doce melodia em meus ouvidos. Estávamos tão exaustas, que estávamos carregando nossos sapatos nas mãos, e a areia da praia entrava entre os vãos dos meus dedos, massageando meus pés cansados. O cheiro de água salgada e o vento fresco que bagunçava nossos cabelos e agitava as folhas das árvores me causavam uma sensação de liberdade tão boa, que mesmo cansada, sentia vontade de sair rodopiando sobre a areia da praia. E foi o que eu fiz. De um segundo para o outro, eu estava simplesmente saltitando sobre a areia, me aproximando cada vez mais da maré, molhando meus pés e torcendo para que aquele momento durasse para sempre.

Enquanto isso, a briga entre Sarah e Cassie evoluiu para um outro nível quando Sarah jogou uma "bola de areia" nela, alegando que na falta de neve, areia servia. As duas começaram a jogar areia uma na outra, até caírem na água, ambas ficando encharcadas e explodindo em gargalhadas. Não pude conter o riso também. De repente, Daisy pegou seu celular e começou a nos gravar. Diante da câmera, começamos a fazer poses e gracinhas, achando que ela estava nos fotografando. Aquele verão entrou para a história em nossas vidas, mas aquele momento em particular, tinha sido o meu favorito.

Fico em silêncio, as assistindo conversar e rir, enquanto penso em como tê-las como amigas me faz feliz. Para ser sincera, não sei bem quem eu seria sem elas, e o fato de que logo seguiremos caminhos diferentes parte o meu coração tão intensamente, que prefiro afastar o pensamento.

***

No fim da tarde, caminhamos pelas calçadas largas de Redgrove, nossa pequena cidade de nome esquisito no estado de Ohio. Não tem mais de cinco mil habitantes, e normalmente, viajantes passam pela cidade sem ao menos se dar conta de que estão dentro de uma cidade. O centro — supostamente a parte mais interessante da cidade — não é lá grande coisa também. É basicamente composto por pequenas lojas de comidas artesanais, restaurantes onde a Beyoncé jamais pisaria, mercados minúsculos que competem entre si e farmácias igualmente pequenas. Uma praça deprimente e vazia, com bancos de madeira mais velhos que a própria existência humana são o cartão postal da cidade, junto da igreja pintada de um azul triste. A piscina pública, a cafeteria e o pequeno cinema são basicamente as únicas opções de entretenimento para jovens que tiveram o azar de crescer em um lugar tão pacato, além das lanchonetes retrô e do Museu das canecas, que segundo nossa professora de história, é o melhor ponto turístico da cidade, o que diz muito por si só. Sarah diz que essa cidade é perfeita para excursões de turismo para idosos, e que se não se tornar rica até os trinta anos, vai dar um jeito de enriquecer através disso: tirando dinheiro de velhinhos ao fingir que o Museu das canecas é de fato um lugar que possa ser considerado turisticamente interessante. Segundo ela, essa porcaria de Museu só está aberto até os dias de hoje por causa de sua parceria com a cafeteria Mugs Coffee. Se comprar uma caneca no museu, ganha dez por cento de desconto em seu café. O mais triste é que essa provavelmente é a coisa mais interessante para se falar a respeito de Redgrove.

Apesar disso, o Mugs coffee não deixa de ser o lugar mais frequentado por nós e por grande parte das pessoas da nossa idade, tanto pelo desconto quanto porque serve a melhor torta de maçã da cidade. Passamos tanto tempo aqui, que já poderíamos chamar o lugar de "segunda casa".

— Vai mesmo fazer isso? — Sarah pergunta à Cassie, encarando-a com os olhos arregalados quando ela faz menção de entrar em seu carro comendo um muffin. As regras em relação a comidas no carro de Sarah são bem claras: não entre comendo, e se comer, não derrube. Caso contrário, você pode morrer.

Cassie revira os olhos e enfia o bolinho de uma só vez na boca, lançando um sorriso provocativo em sua direção antes de abrir a porta de trás e se acomodar.

O carro de Sarah é um Honda HR-V preto. Ainda me lembro de como ficamos extasiadas quando no segundo ano, ela ganhou o próprio carro como presente de aniversário, tornando-se nossa motorista oficial. Desde então, nunca mais tivemos que pegar o ônibus para ir à escola e as manhãs se tornaram muito menos dolorosas. As habilidades de Sarah no volante são medianas. Qualquer um que não esteja acostumado com a maneira brusca e radical que ela dirige, se assusta. Mas esse já não é mais o nosso caso. Demorou um pouco, mas acabamos nos acostumando.

Sento-me no banco do carona, como sempre. Abro a janela para poder apreciar a leve brisa e assistir ao sol indo embora com sua luz, abrindo espaço para que as estrelas que estiveram ali o tempo todo, invisíveis, finalmente possam brilhar com a chegada da noite.

Observo as ruas vazias, banhadas pela luz alaranjada do pôr do sol. As folhas das árvores estão começando a adquirir uma coloração avermelhada conforme o outono se aproxima. As casas, perfeitamente alinhadas, parecem ter saído diretamente do cenário de um filme antigo. Apesar de quase nos matar de tédio, Redgrove ainda tem sua beleza. Sarah a odeia tão ferozmente que parece não conseguir ver absolutamente nada de bom na cidade. Sempre diz que se pudesse, fugiria para uma cidade grande, como Seattle ou Nova York. Não a culpo. Sei que grande parte de sua frustração vem do fato de termos dezessete anos e ainda não termos tido experiências comuns, como presenciar grandes shows de nossos artistas favoritos ou sequer ter estado em um parque de diversões decente, o que de fato, é uma droga. Mas para mim, apesar de ser totalmente desinteressante, ainda tem seus pequenos charmes. Ainda me admiro com a forma como o sol se põe nas colinas que cercam a cidade, e como as árvores enchem as ruas de cor e vida na primavera. Gosto de como o ar parece mais fresco por aqui, e de como as pessoas preferem utilizar bicicletas ao invés de carros, porque tudo é relativamente próximo. Gosto de todas as pequenas coisas, todas as coisas idiotas que nunca admito que irei sentir falta, mas no fundo, sei que vou.

— E então, como eram os garotos na Espanha? — Cassie pergunta, interrompendo meus pensamentos, enquanto ela e Daisy brigam discretamente no banco de trás por um último chiclete.

— Bem, eram... garotos. Isso não importa, eles nem falavam a minha língua!

— Achei que você falasse espanhol... — Franze a testa, confusa.

— Muito pouco e muito mal. — Respondo, e damos risada. Durante metade da minha vida, convivi com parentes espanhóis, graças à minha bisavó materna, que insiste que mantenhamos as visitas anuais para que a família não se disperse. Mas nunca me tornei fluente no idioma porque todos eles sabem falar inglês, então nunca tive que me incomodar em aprender espanhol. Tudo que aprendi em todos os meus dezessete anos de experiência foram apenas algumas expressões que quase nunca são utilizadas e palavras aleatórias que mal sei encaixar numa sentença, assim como meu pai. — Além do mais, não saí muito enquanto estive lá. A não ser que ir à farmácia para comprar absorventes conte.

Ela ri.

— Pelo menos o vendedor era bonito?

— Era uma mulher. Mas sim, ela era muito bonita. — Respondo, rindo, e ela faz cara de decepcionada.

— O idioma não é um problema. Sarah não namorou um garoto da Alemanha por uns três meses? — Daisy recorda.

Dou risada ao me lembrar da imagem de Sarah e o garoto tentando se comunicar através de mímicas.

— Ele era um gatinho! — Sarah protesta. — Valeu a pena.

— Você não entendia nem uma palavra do que ele dizia! — Rebato, rindo.

— A gente nem tinha tempo para se importar com isso. — Insinua ela, lançando aquele olhar que só eu conheço.

— Eca. — Digo, e ela ri, curvando-se sobre o volante.

Cassie se inclina entre os vãos dos bancos da frente e começa a mexer no rádio, tentando colocar alguma música. Ela sempre coloca músicas com o intuito de provocar Sarah, por isso, desta vez escolhe Baby, de Justin Bieber. Sarah revira os olhos, fingindo estar zangada porque isso a lembra da fase mais constrangedora de sua vida, mas consigo ver o canto da sua boca se curvando em um sorriso sutil. Cassie beija sua bochecha e volta para o banco do fundo, onde ela e Daisy abrem as janelas e cantam o mais alto que conseguem por toda a cidade.

Sarah nos leva até sua casa para nos arrumarmos juntas para a festa dos formandos, como sempre planejamos fazer quando esse dia finalmente chegasse. Não sabemos exatamente quando foi que a tradição começou, mas todos os anos, os formandos de Redgrove High dão uma festa exclusiva para quem está no último ano, e tudo o que temos ouvido a respeito até agora são histórias incrivelmente insanas que percorriam pelos corredores durante o ano todo. Há dois anos, Elliot Grayson quebrou o braço pulando da sacada da casa onde a festa estava acontecendo até a piscina. Apesar de não soar como uma boa ideia, Elliot provavelmente estava tão bêbado que no momento, lhe pareceu uma ideia brilhante. No dia seguinte, apareceu na escola com o braço engessado e descreveu o momento como "irado", embora eu duvide muito que esse tenha sido o seu primeiro pensamento quando tudo aconteceu. No fundo, devia saber que tinha sorte de estar vivo.

A festa do último ano foi ainda mais polêmica, já que contou com a participação do Sr. Davis, nosso ex-professor de química, que foi despedido no dia seguinte à festa. Ele era um daqueles professores jovens demais para ser chamado de "senhor", porque ainda parecia estar na casa dos vinte e poucos anos. Sarah, assim como grande parte das garotas do ensino médio, tinha uma grande "quedinha" por ele. Consigo entender por quê. Ele era um cara mais velho, mas não velho o suficiente para parecer que não tinha vida social ou que vivia com uma esposa infeliz. Vez ou outra, o encontrávamos no boliche com alguns de seus amigos. Além do mais, não era exatamente feio. Seus olhos eram de um cinza claro que vez ou outra pareciam adquirir outra tonalidade. Os cabelos castanhos quase sempre bagunçados de um jeito charmoso, a pele bronzeada e o fato de que ele usava camisa social sem gravata e um All Star preto no lugar de sapatos sociais apenas ressaltavam o quão jovem era. Mas aparentemente, sabia lidar bem com o cargo e era um bom professor. Nas palavras de Sarah, "química nunca foi tão interessante".

Talvez tudo continuasse indo bem para o Sr. Davis se ele não tivesse acabado na festa dos formandos naquela noite. Como isso aconteceu ainda é um grande mistério para nós. O que sabemos é que tudo foi por água abaixo no momento em que Bridget Johnson, completamente bêbada, o agarrou, e ele permitiu.

Depois disso, não tivemos mais notícias do Sr. Davis. Cassie diz que ele deve estar preso ou talvez tenha se mudado de Redgrove, porque um escândalo grande em uma cidade pequena pode acabar com a sua vida. A pior parte é que nosso professor de química passou a ser o Sr. Dalson, um velho de cinquenta anos que usa gravatas bregas, odeia dias de sol e cospe quando fala. Desde então, o interesse de Sarah por química desapareceu por completo, o que já era de se esperar.

Mas o ponto é que algo sempre acontece nessas festas, e Sarah, mais do que qualquer uma de nós, tem esperado ansiosamente por esse dia desde que pisamos no ensino médio. Ela falou tantas vezes sobre isso ao longo dos anos, que em determinado momento, definimos que cobraríamos um dólar dela toda vez que mencionasse o evento novamente. Desde então, ela tem falado muito menos sobre a festa dos formandos, porque falar sobre isso já estava lhe custando caro. De qualquer forma, seu bom humor discreto não esconde o quão animada está com o fato de que a nossa vez de ir ao tão esperado evento finalmente chegou.

Para a nossa sorte, Dylan Hastings, o maior festeiro da escola, é o responsável por organizar a festa esse ano, e segundo ele mesmo, irá superar todas as festas anteriores. Ele carrega o título de maior festeiro há anos. Desde que entrou no ensino médio, deve ter organizado mais festas do que somos capazes de contar nos dedos, em parte porque seus pais estão sempre viajando e ele deve ficar entediado em sua casa gigante. Na escola, os professores sempre reclamaram de seu barulho excessivo e necessidade de chamar atenção, mas também sempre foi o tipo de garoto que se destaca facilmente por essas razões. Nunca tivemos muito contato com ele, mas sabíamos da sua existência tanto quanto ele sabia da nossa, e felizmente, isso já era o suficiente para que ele nos convidasse para suas inúmeras e agitadas festas. De sorriso largo, olhos sorridentes e rosto fino, o fato de estar sempre com o astral para cima era apenas uma das muitas coisas que o tornavam encantador.

Sarah para o carro em frente sua casa enorme, que sem sombra de dúvidas, poderia entrar na lista das maiores e mais belas casas de Redgrove, com grandes paredes e colunas de cor creme, inúmeras janelas de vidro, uma elegante porta de madeira e um jardim grande o suficiente para caber cerca de oito carros enfileirados.

No hall de entrada, nos deparamos com as dezenas de fotografias espalhadas pelas paredes, em molduras douradas de diversos tamanhos. Em algumas fotos de família, é notável que Sarah herdou toda a aparência do pai. Os cabelos de sua mãe são curtos e castanhos. Sua pele é pálida, e os olhos acinzentados, vez ou outra, parecem até meio tristes. Ela é linda, mas totalmente diferente da filha, que tem longos cabelos loiros e olhos de um azul profundo, características claramente herdadas do pai. Lembro-me de tê-lo visto pessoalmente apenas duas vezes, ambas durante o oitavo ano, e depois disso, nunca mais. Tudo o que vemos dele desde então é o seu rosto sorridente e imóvel registrado em algumas das fotos.

Apesar da casa grande, Sarah e a mãe vivem sozinhas, porque seu pai está sempre viajando a trabalho. Nunca soube exatamente com o que ele trabalha, mas também não me atrevo a perguntar. Mencioná-lo em alguma conversa casual parece algo arriscado demais, já que Sarah nunca gostou de falar muito sobre ele desde que a conheci. Talvez porque, desde sempre, mencioná-lo também implicava mencionar que ele nunca estava presente, e ela odiava o olhar de pena que as pessoas lhe lançavam quando falava a respeito. Suspeito que essa seja a razão pela qual ela deixou de falar sobre o que sente ao longo dos anos, e tocar no assunto é como jogar álcool em uma fogueira.

No entanto, embora ela não diga nada e aja como se nunca pensasse nisso porque não faz diferença em sua vida, sei melhor do que ninguém o quanto a ausência do pai a afeta.

Em seu aniversário de dezesseis anos, Sarah decidiu dar uma tremenda festa em sua casa. Seu jardim foi completamente ocupado por pessoas da escola, e todos sorriam e a cumprimentavam porque todos a conheciam. Ela sempre foi uma das garotas mais populares do colégio desde muito cedo, o que sempre me impressionou e me assustou profundamente a seu respeito. Parecia ter um talento para chamar a atenção das pessoas e fazer com que gostassem dela e desejassem ser seus amigos. Parecia ser o tipo de garota que tem tudo perfeitamente alinhado em sua vida.

A festa ocorreu bem. Centenas de pessoas transitavam pela casa, de modo que pela primeira vez, os cômodos de sua casa pareceram pequenos. Algumas pessoas pulavam na piscina com a própria roupa do corpo, outras dançavam ridiculamente com a música alta, ou jogavam jogos e bebiam como se não houvesse amanhã.

Em determinado momento, Sarah desapareceu. Achei que ela devia estar com Max Stevens, o garoto com quem saía na época, mas quando me deparei com Max completamente bêbado e concentrado em uma partida de beerpong, percebi que ele com certeza não fazia ideia de onde ela estava.

Mais tarde, enquanto ainda procurava por ela, eu a encontrei chorando encolhida em um canto escuro de seu quarto. A luz estava apagada, e eu provavelmente não teria notado a sua presença se não fosse por um soluço em meio ao seu choro silencioso. Ela levantou os olhos para mim, parecendo assustada, e com uma pequena faixa de luz entrando através da porta aberta, pude ver as densas lágrimas que escorriam pelo seu rosto, arruinando sua maquiagem.

Parada na porta, hesitei por um segundo antes de entrar. Até então, eu nunca tinha visto Sarah chorar, apesar de já sermos amigas há anos naquela época, e era algo novo e assustador, por alguma razão.

Após alguns segundos absorvendo aquela imagem, entrei no quarto e fechei a porta, me aproximando dela em silêncio. Pude ver uma fotografia de uma Sarah pequena, sorrindo e tomando sorvete com seu pai repousando sobre seus joelhos, e ao seu lado, no chão, uma garrafa de uísque quase vazia. Ela não precisou dizer nada para que eu entendesse do que se tratava.

Sentei-me ao seu lado, sem saber o que dizer para fazer com que se sentisse melhor de alguma forma.

— Sabia que... ele nem ao menos ligou? — Ela falou com dificuldade, em meio aos soluços e às lágrimas que escorriam continuamente pelo seu rosto.

Olhei para ela, mas não disse nada.

— Talvez ele tenha achado muito difícil, não é? Discar um número ou mandar a droga de uma mensagem com um simples "Feliz aniversário, filha. Eu te amo". Talvez se lembrar do aniversário de sua única filha, que acontece uma vez por ano, seja difícil demais. — As palavras se arrastavam para fora de sua boca, e ouvi sua voz aumentar gradualmente até ela estar gritando. Em seguida me olhou no fundo dos olhos, talvez buscando algum consolo que não fui capaz de oferecer naquele momento, e então caiu no choro novamente.

Eu a abracei, cada vez mais forte, porque a cada soluço de dor que ela soltava, eu sentia algo como um soco no estômago. Vê-la dessa forma pela primeira vez depois de tantos anos de amizade parecia estar me destruindo completamente, pedacinho por pedacinho. A imagem da Sarah que eu conheci durante anos se desfez bem diante dos meus olhos.

Ela chorou por aproximadamente dez minutos que pareceram uma eternidade para mim, que não sabia o que fazer ou dizer naquela situação.

Por fim, seu choro cessou. Ela respirou fundo, levantou sua cabeça do meu ombro e limpou as lágrimas com a costa das mãos, com tanta naturalidade que era como se nem tivesse passado os últimos minutos se desfazendo em lágrimas. Se não fosse pelo nariz e as bochechas vermelhas e o rímel manchando todo o seu rosto, talvez eu nunca adivinhasse que estava chorando. Parecia profissional em disfarçar e se recompor com rapidez.

— Quer saber? Deixa para lá. — Falou, com naturalidade. — Isso é besteira.

Deixei minha expressão demonstrar minha confusão.

— Não é, não! — Exclamei.

Ela ignorou. Me olhou de canto enquanto deixava a fotografia de lado e tomava o último longo gole da garrafa de uísque que repousava ao seu lado. Quando notou o espanto em meus olhos, esclareceu:

— Relaxa, eu não bebi a garrafa inteira. Já estava acabando quando peguei.

Assisti a ela se apoiar nas paredes e, com menos esforço do que imaginei que seria preciso, se colocar de pé.

— Pode me ajudar a refazer minha maquiagem? — Pediu, parada diante de mim.

Ainda em choque, assenti e caminhei até o banheiro atrás dela.

Enquanto limpava todo o seu rosto e refazia sua maquiagem em silêncio, senti seus olhos atentos sobre mim, como se quisesse dizer algo importante.

— Liz? — Me chamou, quebrando o silêncio monstruoso que havia crescido entre nós.

— Hum? — Resmunguei de volta, tentando me manter concentrada no que estava fazendo, porque fazer maquiagens elaboradas nunca foi o meu ponto forte.

— Pode não contar a ninguém sobre isso? — Pediu.

Coloquei uma mexa de cabelo atrás da orelha, me sentindo inquieta.

— Claro. — Respondi, sem conseguir olhar para ela.

Ela segurou meu pulso de forma dramática, e olhou no fundo dos meus olhos.

— Promete? — Sussurrou, com uma urgência assustadora.

— Prometo. — Respondi, intimidada.

Quando finalmente terminei sua maquiagem, ela abriu o maior sorriso que cabia em seu rosto, entrelaçou seu braço ao meu e saímos do banheiro, de volta à festa. Me senti estranha durante todo o resto da noite.

Nunca mais falamos a respeito daquele dia. O assunto foi incluído na nossa lista de assuntos proibidos. A lembrança me traz um desconforto inexplicável, mas desde aquele dia, não consegui deixar de pensar que talvez Sarah nunca fale sobre o que sente porque, além não gostar que os outros sintam pena dela, também não gostaria que percebessem o quão frágil ela é debaixo de sua máscara e de todo o seu exterior inatingível. E essa é a parte de Sarah que ninguém conhece, e que para ser honesta, às vezes, eu também gostaria de não conhecer.

Ela nos guia até o seu quarto, no andar de cima. É uma suíte quase tão grande quanto o quarto de sua mãe. As paredes são cobertas por um papel de parede cinza e prateado, do tipo sofisticado demais para uma adolescente. Sua cama é grande o suficiente para caber até três de nós, e está sempre perfeitamente arrumada com uma colcha que eu nunca soube dizer se é azul ou lilás. Talvez uma mistura dos dois. Ao lado da cama, fica uma mesa de cabeceira, onde há um abajur delicado, com pequenas borboletas coladas e uma pilha de livros que eu tenho quase certeza de que ela nunca leu. Sarah não é o tipo de garota que gosta de "perder tempo" lendo. É impaciente demais para isso. Sempre que precisamos ler algo para fazer algum trabalho escolar, ela sai desesperadamente procurando por um resumo ou uma versão cinematográfica do livro.

No chão de seu quarto, há um enorme tapete branco, coberto com pelinhos, onde gostamos de nos deitar no inverno porque é quentinho e confortável. Seu closet é enorme e cheio de roupas que ela quase nunca usa, mas diz que têm valor sentimental porque odeia a história de "se livrar de algumas roupas para liberar espaço no armário", apesar de não se importar em emprestar suas roupas para nós, afinal, ninguém pode negar que seu senso de moda sempre foi impecável. Enquanto a maioria das garotas só passou a usar salto no ensino médio, Sarah já os usava desde o sétimo ano.

Uma das paredes de seu quarto é coberta por um vidro, como se fosse uma enorme janela, e as cortinas acabam não sendo o suficiente para evitar que a luz do sol invada o quarto pela manhã, por isso, sempre que dormimos em sua casa, dormimos na sala, porque seu quarto é claro demais, embora isso provavelmente já não a incomode depois de tantos anos vivendo aqui.

— Você leu algum desses livros? — Pergunto, voltando a analisá-los em sua mesa de cabeceira.

Ela ri.

— É claro que não, só acho que ficam ótimos na decoração. Além do mais, se não me conhecessem achariam que eu sou super intelectual.

— Soletre "intelectual". — Zombo.

Ela me mostra a língua e ignora o comentário, caminhando até o seu closet e abrindo os braços para agarrar o máximo de roupas possíveis, para em seguida jogá-las na cama.

— Tudo bem, vamos começar. — Ela diz, animada.

Sarah sempre diz que a parte mais divertida de ir a festas nem sempre é a festa em si, e sim, a parte em que nos arrumamos juntas. Ela tem razão. Sempre adorei a bagunça que fazemos, com as roupas espalhadas por todo o quarto, a música alta, o cheiro de chapinha e gloss de cereja, e todas as outras maquiagens perdidas no meio das roupas e sapatos jogados.

Deixo Sarah escolher minha roupa. Ela me empresta uma blusa vermelha e fina que segundo ela, "é a minha cara", e me obriga a trocar o conforto de minha calça jeans por uma de suas minissaias jeans que na verdade, parece ser minha. Passa alguns longos minutos escolhendo um sapato para mim, e volta com um par de saltos pretos lindos, porém desconfortáveis. Sei que meus pés estarão destruídos no fim da noite, mas por enquanto, apenas ignoro esse fato. Em seguida, Daisy tira algumas mechas de franja de seus olhos e começa a pintar minhas unhas com um esmalte vermelho de tom idêntico ao da blusa. Suas mãos estão trêmulas, e minhas cutículas ficam um pouco borradas, detalhe que escolho ignorar.

Assim que o esmalte seca, vou até a penteadeira, onde Cassie está super concentrada passando delineador em seus olhos. Nunca fui muito boa em me maquiar, então assim que ela termina sua maquiagem, a deixo fazer a minha. Ela exala um hálito de menta enquanto murmura uma música diferente da que está tocando na pequena caixa de som no quarto, me deixando um pouco confusa. Sua habilidade de se perder em pensamentos sempre foi uma coisa que me admirou profundamente. É como se ela estivesse imersa em um mundo que só existe em sua cabeça, ao mesmo tempo em que realiza automaticamente as tarefas do mundo externo, como se tudo por aqui já tivesse se tornado fácil demais para ela e a entediasse o suficiente para que precisasse se refugiar em mundo mais interessante dentro de sua própria mente.

Noto também as mechas cor de rosa em seu cabelo, e sorrio comigo mesma. Lembro-me de que no início do verão, ela decidiu que faria algo diferente no cabelo para o último ano, apesar de termos insistido que seu cabelo era perfeito exatamente como era e que a química dos produtos provavelmente estragaria seus cachos para sempre. Mas Cassie não é o tipo de pessoa que se convence facilmente, ou que pode ser impedida de fazer o que quer conforme sua própria vontade.

Quando ela termina, se afasta e levanta o meu queixo, erguendo minha cabeça para que ela possa admirar o resultado de seu trabalho, virando minha cabeça para que eu possa ver meu reflexo no espelho em seguida. Gosto de como ela me faz parecer natural, mesmo estando maquiada. Nunca vi a maquiagem como algo necessário ou até mesmo interessante. A ideia de construir praticamente um outro rosto que sairá com um removedor no fim da noite não me parece muito agradável. Mas minhas amigas parecem gostar bastante, embora, em minha opinião, não precisem de quantidades exageradas de cobertura. Sempre as achei lindas exatamente como são.

Mas ao contrário de mim, Cassie sempre gostou de caprichar em suas maquiagens. O batom vermelho que está usando se destaca em sua pele clara, e o delineador escuro destaca seus olhos verdes. Cachos dourados e cor-de-rosa caem sobre seus ombros, deixando-a com um ar clássico e misterioso. Ela observa o próprio reflexo no espelho por alguns segundos, e então desvia o olhar. Às vezes, tenho a impressão de que Cassie muitas vezes parece não saber reconhecer a própria beleza.

Quando ela finalmente declara que acabou seu trabalho, vou até o banheiro para utilizar o espelho, já que Daisy, do outro lado do quarto, utiliza o espelho maior para passar chapinha na franja, alisando-a obsessivamente, apesar de seus cabelos já serem lisos. Para a minha surpresa, Sarah também está utilizando o espelho do banheiro. Felizmente, ele é grande o suficiente para que nós duas possamos dividi-lo. Paro ao seu lado, mas ao invés de me concentrar em meu próprio reflexo, me concentro no dela, observando-a enquanto ela divide o cabelo em várias mechas e enrola as pontas com um babyliss azul metálico, resmungando algo sobre ter queimado as pontas dos dedos durante o processo. Divido meu cabelo de um lado para o outro, inquieta, até que por fim, desisto de tentar arrumá-lo.

— O que foi? — Ela pergunta, deixando o babyliss de lado e encarando o meu reflexo no espelho. — Conheço essa sua cara.

Ao lado de Sarah, meu reflexo parece perder um pouco do brilho, não apenas porque ela usa um vestido preto coberto de lantejoulas cintilantes, mas porque Sarah é o tipo de garota que inevitavelmente chama a atenção por sua beleza. Perto dela, meu reflexo parece quase infantil demais para uma garota de dezessete anos, talvez pelas sardas em meu rosto, ou porque ainda me sinto como uma garota magricela cujo corpo ainda não parece ter se desenvolvido totalmente.

Respiro fundo e me sento na enorme bancada de madeira, de costas para o espelho.

— Acha que eu estraguei tudo? — Pergunto, com medo de sua resposta. Apesar de não ser a mais sensível do grupo, Sarah é a mais honesta. Na maioria das vezes, diz aquilo que todos pensam, mas não têm coragem de dizer, o que, às vezes, é uma tremenda inconveniência, mas de vez em quando acaba sendo uma característica útil. Cassie e Daisy não teriam coragem de dizer que estraguei tudo, mesmo que pensassem que sim. Por outro lado, se Sarah achar que sim, ela dirá, e logo em seguida, dirá para eu seguir em frente.

— Fala do Noah? — Ela pergunta, voltando a encarar o próprio reflexo e passando os dedos entre os cachos, tentando soltá-los aos poucos, de modo que pareçam mais naturais.

Assinto com a cabeça.

Ela se vira para mim, pronta para dizer o que pensa, e por um segundo, me arrependo de ter perguntado. Não sei se estou realmente pronta para ouvir o que ela tem a dizer.

— Sinceramente? — Ela começa — Se fosse qualquer outro garoto, eu diria que sim. Mas estamos falando do Noah. De você e do Noah. Qualquer um pode ver o quanto se gostam. Depois que se tornaram amigos, apostamos para ver por quanto tempo vocês seriam "só amigos".

— Ei! Por que eu nunca soube disso?

— Porque estávamos apostando em você. Não teria graça se você soubesse. — Ela diz, como se fosse óbvio.

Sarah volta a concentrar sua atenção na imagem diante do espelho enquanto passa um batom vermelho. Ela inclina o corpo diante da bancada para enxergar o que está fazendo mais de perto.

De repente me sinto cansada. Comecei uma bagunça que agora preciso arrumar, e mal sei como me justificar por tudo.

— Tem que ser honesta com ele. — Fala, de repente.

Faço uma careta.

— E o que eu vou dizer? "Me desculpe por ser uma covarde"?

Ela me olha com o canto dos olhos, e solta um riso, e penso que ela fará algum comentário sarcástico a respeito de toda a situação, mas não o faz. Ao invés disso, sua expressão fica séria.

— Quer parar de ser boba? Não tem nada demais. Você só ficou assustada, e tudo bem. Quer dizer, você podia ter falado com ele antes, mas... não tem nada de errado em se assustar, Liz. Quer dizer, é mesmo assustador estar com alguém dessa forma. Ficamos vulneráveis, e ninguém gosta muito disso. Mas um dia, você vai estar com alguém. E acredite em mim, é melhor que esteja com alguém de quem realmente gosta. Amor falso é uma droga.

Seus olhos estão sobre mim, mas já não parecem estar me enxergando. É como se de repente, ela tivesse sido transportada para um lugar em sua mente, muito longe daqui. Já não sei se ela está falando sobre mim ou sobre si mesma.

— Gosta mesmo dele? — Pergunta, voltando à realidade.

— Gosto. — Admito, enrubescendo.

— Então tem que ser honesta com ele. Fale com ele, e vai dar tudo certo, está bem? Ele vai entender. Ele é bobinho por você.

— Que maldosa! — Exclamo, rindo.

Sarah sorri, como se estivesse orgulhosa de si mesma, e então volta a se inclinar sobre a pia, aproximando o rosto do espelho enquanto passa o rímel. As lantejoulas em seu vestido brilham sob a luz conforme ela se move.

No quarto, Daisy e Cassie colocam Dancing Queen na caixinha de som no volume máximo. Sarah revira os olhos. Ela cultiva um ódio por qualquer música que faça parte da trilha sonora de Mamma Mia desde que não conseguiu ficar com nenhum dos papéis principais da peça quando estávamos no oitavo ano, e principalmente por ter perdido o papel que queria para Amy Schutz. Então nos entreolhamos e rimos quando as garotas começam a cantar "You can dance, you can jive, having the time of your life" a plenos pulmões, com a intenção de provocá-la.

— Ninguém merece. — Ela resmunga, com um meio sorriso, tentando ignorar a cantoria desafinada do lado de fora. Pela última vez, ela se vira para mim e diz: — Não precisa se preocupar. Você e Noah ainda tem muito chão pela frente. Sabe que se eu achasse que não, eu diria.

Concordo com a cabeça, pela última vez, abrindo um pequeno sorriso.

Ela dá uma última olhada no espelho, ajeitando seu cabelo, beija minha bochecha, deixando a marca de seu batom vermelho e sai do banheiro berrando:

— Será que dá para vocês tirarem essa droga de música? Cadê a minha Katy Perry?

Fico sozinha no banheiro, rindo.

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