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Eu estava triste, não deveria, já que todos me tratavam assim há algum tempo, mas isso não me impediu de ficar um pouco deprimida. Fui deitar sem comer, tomar banho ou trocar de roupa. Simplesmente arranquei as botas e deitei na cama.
-Ei.
Fiquei em silêncio, aquilo de certa forma era culpa de Riwty por ter nos trancado tanto tempo na padaria. Não, eu estava sendo injusta, a culpa era daquela sociedade hipócrita em que os homens podiam fazer tudo, mas as mulheres eram julgadas o tempo todo.
As lágrimas começaram a cair e Riwty me abraçou, virei para o seu lado e me enganchei nele, com uma das pernas enroscada em sua cintura, como se ele fosse uma grande boneca de pano. O choro aumentou com sua proximidade e eu devo ter encharcado sua bata, que aliás era de um material tão macio que esfreguei o rosto. O fae passou a mão nas minhas costas de maneira circular, me acalmando.
-Quer que eu retire essa dor?
-É um favor ou um favor?
Ele riu.
-Vai ser de graça.
-Então eu a..
Parei a palavra com medo de que virasse uma ligação, mas ele entendeu e a mão em minhas costas começou a esquentar. A cada segundo me sentia mais calma, não feliz ou realmente bem com a situação da vila, até porque acho que Riwty não achava aquilo uma coisa normal, mas apenas calma. Sem a tristeza que dominava meu coração há poucos minutos atrás.
-Obrigada.
-Agora sente, vou trazer algo para você comer.
-Você sabe cozinhar?
-Claro, fiquei em um exército por muito tempo, precisava fazer minha própria comida.
Balancei a cabeça e ele me ajudou a ficar sentada na cama, então saiu para a cozinha. Depois de alguns segundos acabei me levantando e procurei uma camisola no armário, ainda não tinha ânimo para tomar banho e eu havia tomado um pela manhã. Sabia que tomava mais banhos do que a maioria das pessoas dessa vila, minhas irmãs tomavam apenas um por dia e o resto fazia isso no máximo três vezes na semana. Portanto, não me sentia incomodada em pular o banho da noite por um dia.
Já tinha voltado para a cama quando Riwty chegou com um prato. Ele tinha feito sopa de alguma coisa, abóbora ou cenoura. Tomei uma colherada e vi que era de abóbora, nem lembrava que tínhamos alguma no armário. Será que ele colheu da horta? A sopa estava muito boa, só faltava um pão para acompanhar. Não tinha certeza se havia sobrado algum aqui.
-Riwty, pode dar uma olhada no armário e ver se tem um pedaço de pão, por favor?
-Já está abusando da minha boa vontade.
Revirei os olhos e ele piscou para mim antes de seguir para a cozinha. Ele voltou com um que parecia endurecido, o que não tinha problema, já que ia mergulhar na sopa. Ele o quebrou no meio e me deu uma metade enquanto comia a outra.
Pouco tempo depois eu estava cheia, calma e aquecida por um cobertor e pelo abraço de Riwty, não demorei nem cinco minutos para pegar no sono. Em algum momento de meu sonho me senti esticada, alongada para os lados, o que deixou uma leve sensação de desconforto. Aquilo me fez acordar e percebi que o fae havia saído. Tentei voltar a deitar, mas após me revirar muitas vezes na cama, aceitei que tinha perdido o sono.
Acendi uma vela, peguei meu livro preferido e comecei a ler. Era a história de uma mulher que passava vinte anos presa, acusada injustamente de matar a vizinha. No final, descobrem que o culpado era o marido da morta, mas a protagonista já havia perdido tantos anos que seu noivo se casou com outra, seus pais morreram e ela ficou sozinha. Estava na parte em ela jurava a sua inocência, enquanto se debatia par não ir para a prisão, quando meu desconforto passou, mas Riwty não entrou em casa.
Coloquei um casaco longo, as botas e saí com cuidado, com uma direção certa, como se seguindo uma linha entre nós. Tentei fazer o mínimo de barulho possível, mas como Riwty estava de frente para mim, me viu logo de cara, mas a fae prateada à sua frente o impedia de demonstrar qualquer reação.
Me abaixei para que ela não me visse caso virasse para o meu lado, porque queria ouvir a conversa. O rosto de Riwty estava coberto de sangue, que não era dele, já que eu não tinha nenhum machucado, senti medo pelo que ele poderia ter comido.
-Precisamos de você, a guerra não está indo como o planejado. Eles estão usando seiva da árvore sagrada, aquele culto maldito deve ter descoberto e contado. Como não somos muitos, os soldados estão desertando. A linha de frente, porque diz que está sendo mandada para o abate por ter pouca magia e os nobres por serem importantes demais para perder tempo com humanos. Desconfiamos também que eles têm alguns meio faes. Tínhamos mil soldados, 300 foram mortos e 400 desertaram após isso. O pior é que esses humanos parecem formigas, você mata mais e mais e eles nunca acabam.
A voz de Syara pingava desgosto e eu tremia de raiva.
-Sabe que não posso sair, tenho uma ligação.
As mãos da fae prateada se fecharam com força.
-Todos sabemos e estamos com raiva pois temos certeza de que se estivesse conosco já teríamos ganhado essa guerra.
-Me sinto lisonjeado, mas não vejo motivo para isso. Estão desperdiçando vidas atoa, essa guerra é inútil.
-Também acho, mas não posso fazer nada. Apenas torcer para o golpe dar certo antes de termos mais baixas.
-Estão tentando matar o rei?
Riwty parecia genuinamente surpreso, mas não conseguia entender, se entre os humanos isso já era comum, imaginava que seria pior ainda com criaturas tão sorrateiras quanto os faes.
-Quem?
-Não sei, não estou em uma posição de muita confiança.
-Então pode ser só um boato.
-Duvido muito, e mesmo que seja, vão logo tentar de verdade. Preciso de ajuda enquanto isso, já que não vai se juntar a nós me diga algo que posso fazer.
-Por que não coloca fogo em tudo?
-Não acabei de dizer que sempre voltam mais? Além disso, não podemos nos dar ao luxo de perdermos mais árvores sagradas, elas demoram a crescer.
-Então faça armadilhas, transforme os animais comuns em cores diferentes para que os humanos pensem que somos nós e afastem os faes de cores muito exuberantes.
Ela concordou com a cabeça.
-E se quiser menos deserções pare de discriminar os soldados, aposto que eles estão certos e vocês estão usando os com menos magia ou de status mais baixo para os trabalhos mais arriscados.
Syara não respondeu, mas suas asas tremeram.
-Saiba que se as coisas não derem certo darei um jeito de me livrar dessa humana.
O rosto de Riwty virou pedra ao mesmo tempo que meu sangue gelava.
-Você não pode fazer isso, matar um humano sabendo de sua ligação com um fae é proibido.
-Eu sou da realeza, além disso, vão me agradecer por devolver nosso melhor general em épocas difíceis.
Pensei que ela ia embora, mas ouvimos o som de uma briga.
-Vamos embora.
-Não, estou com tanta raiva dessas pragas que será bom descontar um pouco em alguns humanos. Você vem comigo, é uma ordem da sua realeza.
Riwty bufou e a seguiu, mas antes me lançou um olhar como se dissesse fique aí. Obviamente não fiz isso, precisava saber quem os dois iam torturar. Se Riwty quisesse mesmo me impedir teria lançado uma magia que me manteria presa ali.
Esperei um pouco até ir atrás deles. Quando cheguei lá vi uma cena que me deixou enjoada. Richie estava desmaiado no chão, com a cara machucada enquanto Jeremiah estava em choque olhando para Syara.
-Qual você quer Riwty? Confesso que não acho graça em brincar com bêbados, prefiro esse aqui que entende muito bem o que está acontecendo.
Jeremiah ficou com uma mancha escura cada vez maior na frente da calça, aquilo fez a fae rir.
-Prefiro privacidade para me alimentar, se não se importa.
-Pode ir, vou me divertir mais se não estiver aqui. Sei que não é muito a favor de brincar com a comida.
A cara de desgosto de Riwty foi óbvia. Ele andou até Richie, o segurou pela blusa e andou em minha direção. Quando tocou em mim nós nos dissolvemos. Bati com os joelhos no chão de casa completamente enjoada.
Riwty parecia uma fera, mas sumiu logo em seguida. Fiquei inquieta, será que ele mataria Richie, não queria pensar nisso, mas tinha sido uma ordem da realeza e ele não se importava muito com os humanos. O único consolo é que Richie estava desmaiado e não saberia de nada. O fae havia limpado o rosto quando voltou, o que tornou mais fácil olhar para ele. Minha voz saiu tremida quando eu perguntei.
-Já o matou?
Riwty arregalou os olhos.
-Claro que não, eu não mataria seu pai.
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