24
Acordei sendo sacudida por alguém, estava tão cansada. Coloquei as mãos no rosto e aí ouvi o grito.
-Ellie, mas o que é isso na sua unha?
Sentei depressa na cama e olhei para as minhas mãos. Ainda estava com esmalte vermelho, não consegui evitar a careta.
-Você não acha que foi longe demais? Onde passou a noite? Ainda mais com as unhas pintadas? Resolveu virar prostituta? Ser vadia do noivo não é mais o suficiente?
Não me controlei, dei um tapa na cara dela. As lágrimas caíam do meu rosto. Agora que eu pensei que nossa relação ia melhorar.
-Sua vagabunda, eu quero uma explicação agora.
-Sai Ester, você está completamente descontrolada. _Elise empurrou nossa irmã mais velha para fora do quarto e trancou a porta.
Ester continuou gritando e esmurrando a porta por um tempo. Eu estava arrasada, tinha esquecido completamente de tirar o esmalte antes de dormir.
Era um sonho infantil, olhei para as mãos que antes pareciam tão bonitas, agora me davam vergonha. Minhas lágrimas não paravam de cair. Elise me abraçou por trás, ela me balançava como um bebê.
-Ellie?_ Falou Elise após alguns minutos.
-Oi.
-Você está melhor?
Balancei a cabeça afirmativamente.
-Eu, eu não sei como começar. Bem, eu sei que você é diferente. Não tem nada errado em ser diferente. Eu te acho uma pessoa maravilhosa, seu comportamento apenas é diferente do das pessoas daqui. Eu te amo muito, do jeito que você é.
Apertei meu ser de luz em forma de irmã.
-Mas Ellie, eu preciso que você entenda que ser diferente tem consequências, consequências graves. Você precisa se endurecer um pouco, porque muitas pessoas são maldosas e até as que não são podem nos magoar com seus preconceitos. Minha linda, Ester não tem raiva de você, mas ela tem preconceitos e medo por você. Tente entendê-la e tente entender meu pedido agora.
-O quê?
-Tira o esmalte, pelo menos das unhas das mãos.
-Miau
(Isso é um absurdo, uns pingos de tinta vermelha não significam nada.)
Não tinha visto Bolinho no canto do quarto.
-Tudo bem.
Elise me deu um sorriso triste e buscou um vidrinho de álcool e um pano. Ela cantava uma música infantil para mim enquanto esfregava minhas unhas.
-Eu tenho um gato
Um gato eu tenho
O gato é meu
Sou eu que tenho.
A música verdadeira era com pato, mas gostei da adaptação.
-Miau
(Você pode até ter um gato, mas esse gato não sou eu)
Dei uma risadinha, ela estava tão animada cantando que eu comecei a cantar também.
"Eu tenho um gato
Um gato eu tenho
O gato é meu
Sou eu que tenho
Eu tenho um gato
Um gato eu tenho
O gato é meu
Sou eu que tenho
Eu tenho um gato"
Ouvimos uma batida na porta, Elise olhou para mim com uma expressão interrogativa e eu afirmei com a cabeça.
Ester parecia mal quando entrou no quarto. Seu rosto estava inchado de chorar, o que me deixou impressionada.
-No nós precisamos arrumar as malas, o senhor George disse para nos encontramos com ele às 10 na taverna.
-Tudo bem.
-Elise vai ficar na taverna com Mariane, Pablo e John, que a meu pedido vai ficar lá pelos dias que estivermos fora.
Senti meu coração gelar, precisaria falar com Elise e Mariane. Não sabia o que John poderia fazer com a menina, talvez até matá-la.
Elise começou a me ajudar a arrumar um baú. Eu só tinha dois, um com minhas coisas da costura e um para possíveis viagens que nunca haviam acontecido, até agora.
-Tudo vai precisar caber aí.
-É muito pequeno, Ellie. Não vão caber suas blusas e saias, vai ser melhor colocar os vestidos, ainda mais que eles não são rodados.
Fiz uma careta, mas peguei meus três vestidos. Um roxo, um rosa claro e um marrom. Vesti o marrom, para a sujeira da estrada não ficar tão aparente e guardei os outros dois.
Acabou sobrando espaço para a roupa de baixo. Peguei apenas as de lã, a capital era bem mais fria que aqui. Por último peguei minha capa cinza e estava pronta.
Na minha bolsa de mão coloquei algumas moedas, um tecido e linha para bordar e um dos poucos livros que eu realmente possuía.
Ester montou nosso lanche, não sabíamos que horas pararíamos para comer.
Ainda não acreditava que ia conhecer a capital, diziam que era linda, será que eu poderia ver a casa urbana do conde?
Eu desci antes das duas, queria passar na padaria e garantir que tudo ficaria bem sem mim. Provavelmente não teria emprego quando voltasse, Dona Gema não precisava mais de mim com o neto aqui.
Beto estava sozinho na padaria.
-Beto, onde está a Vovó?
Quando Beto me viu ficou completamente vermelho. Achei bonitinho. Acabei me lembrando da nossa noite, seus beijos e também fiquei vermelha.
-Ela passou mal.
-O que ela tem?
-Não sei, o doutor deu algo para ela beber e ela melhorou, mas ele recomendou repouso.
Apoiei a mão em seu ombro em solidariedade.
-Ele me disse depois que ela não deveria mais trabalhar.
Eu arregalei os olhos, aquela padaria era tudo para dona Gema. Bem, quase tudo agora que o Beto se mudou.
-Ellie, eu não vou conseguir levar esse lugar sozinho. Você consideraria trabalhar depois de casada? Não conheço as pessoas daqui e você já conhece a rotina da padaria.
-Claro, eu amo trabalhar aqui.
Ele sorriu e seus olhos viraram fendas e eu não resisti e encostei o dedo ao redor. Eram tão diferentes.
Nesse momento, Beto abriu os olhos e sua expressão mudou. Ele me puxou e me beijou. O cheiro dele era maravilhoso, cheirava ao meu lugar preferido do mundo.
Abracei seu pescoço e ele aprofundou o beijo. Beto me encostou contra o balcão e aí eu retornei para a realidade.
-Não, eu preciso ir. Diga para a vovó que eu estou torcendo por sua melhora. Até a próxima semana, Beto.
-Até.
Ele pareceu triste, mas não me impediu de sair, peguei meu baú e caminhei para a taverna. Ouvi um assovio, o barulho se repetiu e eu procurei a fonte.
Felipe estava atrás de uma parede, fui até lá.
-Ellie, meu amor.
Felipe não parecia bem, seus olhos estavam fundos e sua expressão era dolorida.
-Oi.
-Você não precisa fazer isso, ainda dá tempo.
-Felipe, não comece, por favor.
-Não faça isso comigo, você vai me matar de tristeza.
Ele colocou meu baú no chão e me abraçou. Eu me senti uma traidora, mas me lembrei que ele também fazia sexo com outras.
Eu o abracei de volta, meu coração doía. Apesar disso, a dor era menos intensa do que eu esperava. O que eu sentia mais era ter de casar com Pablo, não perder Felipe. Será que eu estava deixando de gostar dele?
Minha cabeça estava longe, ele começou a me beijar e eu respondi automaticamente. Quando ele tentou subir minha saia eu percebi que precisava sair.
-Não posso, Felipe.
-Eu sinto saudades, não nos encontramos faz tempo.
-Vá para o bordel, você tem dinheiro para pagar as meninas.
Deixei um Felipe chocado e andei até a taverna, minhas irmãs estavam chegando.
-Miau.
(Eles ficam aí dizendo que te amam, fazendo comparações poéticas, mas a única coisa que tentam quando você está saindo é foder você.)
Levei um susto quando ouvi Bolinho, não o tinha visto em momento algum. Tentei fazer com que aquelas palavras não me machucassem, não adiantou muito.
-Miau.
(Você é muito melhor do que isso, apesar de eu achar que o padeiro é melhor que o apressadinho.)
-Aposto que você sabe o nome deles._ Falei entre dentes para que ninguém percebesse.
-Miau
(Assim é mais divertido)
Comecei a ignorar o gato, até o momento que ele pulou em cima do baú e eu quase caí com o peso extra.
-Gato obeso_falei bufando.
-Miau.
(Mais magro do que você vai estar em pouco tempo. Glutona, come feito um porco)
Rangi os dentes e entrei na taverna logo atrás das minhas irmãs. Pablo manteve a porta aberta para mim e segurou o baú assim que entrei.
-Olá, Ellie_disse ele logo depois do selinho obrigatório.
-Miau.
(Terceira boca do dia)
Bolinho pulou do baú para o meu colo. Meu desejo era deixá-lo cair no chão, mas as pessoas achariam estranho.
-Pablo, onde a Elise vai ficar?
-No seu quarto.
-Por que vocês dormem em quartos separados? Não pode ser pela dece...
Ester ficou vermelha e se calou antes de terminar a frase.
-O Pablo ronca muito._ disse, vermelha também.
-Leve Mariane para o meu quarto, preciso falar com ela e Elise.
Subi com minha irmã para o terceiro andar, ela parecia muito animada com a viagem. Fiquei triste por ela não nos acompanhar, mas Ester foi irredutível, ela não deveria faltar as aulas.
Enquanto Elise pulava na minha cama, realmente mais confortável do que a da nossa casa, Mariane entrou.
-Oi, Mariane. Essa é minha irmã Elise.
Mariane ficou visivelmente desconfortável e instintivamente puxou o cabelo da franja para baixo. Ela havia cortado uma franja para cobrir a marca da tortura.
-Olá.
Minha irmã, por sua vez, estava vermelha e com os olhos ligeiramente arregalados.
-Olá.
-Bem, eu preciso falar com vocês duas sobre John. Meu cunhado tem um preconceito muito forte com transviados, tome cuidado com ele.
Mariane assentiu, o rosto ficando mais triste. Como eu não disse mais nada, não queria contar o que havia acontecido, ela foi embora.
-Elise, não deixe ela ficar sozinha com ele. Se você precisar faltar aula para isso não tem problema, o caso é muito sério.
-Ele fez algo contra ela?
Contei a situação para minha irmã e ela fechou o rosto.
-Nossa irmã não deveria se casar com ele.
-Não adianta falar, ela é muito apaixonada por ele. Vai apenas fazê-la sofrer.
Disse adeus para Elise e corri para alcançar Pablo, tarefa difícil como peso de Bolinho.
-Pablo.
Ele virou para mim.
-Por favor tome cuidado, se seu irmão descobrir tudo vai ser perdido.
-Eu prometo que vou ser cuidadoso. Já falei com Matias para não nos encontrarmos até vocês voltarem.
Desci as escadas tentando acreditar naquilo.
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