Capítulo bônus - Dopada (por Eduardo)
― Eduardo... – Amanda chamou, ao separar nossos lábios. Eu encolhi os ombros, receoso de que fossemos começar uma discussão, quando tudo que eu queria era só continuar a beijá-la. – Não estou me sentindo bem.
Para ser totalmente sincero, acho que ela nem terminou essa frase. Seus olhos já estavam se fechando e seu corpo desabando antes que eu conseguisse entender o que ela tinha dito. E, de repente, Amanda estava desmaiada nos meus braços.
― Gustavo! – eu gritei pelo salão. Algumas pessoas já nos olhavam com curiosidade, quando eu gritei, o número delas aumentou, fazendo uma rodinha ao redor de nós dois. – Gustavo!
Eu endireitei Amanda nos meus braços, carregando-a como uma criança. Por sorte, ela não era muito alta, nem pesada. Porém, eu não sabia o caminho da enfermaria. Gustavo não apareceu de primeira, mas Lila sim. Ela chegou correndo esbaforida, olhando de mim para a amiga no meu colo, sem entender nada.
― O que aconteceu?
― Você sabe onde é a enfermaria? – eu perguntei.
Estava tentando ao máximo me manter calmo, afinal, pânico não ajudaria em nada. Lila começou a chorar antes de conseguir responder, mas começou a apontar em uma direção. Não conseguia ver nada com todas aquelas pessoas ao redor de nós, porém, comecei a andar na direção apontada. Logo depois, Gustavo estava atrás de mim, puxando a namorada, ainda em prantos, pelas mãos. Ele sabia onde ficava a enfermaria e me direcionou até lá, gritando para as pessoas saírem do caminho, enquanto isso.
― Deixa eu adivinhar? – a socorrista disse, quando chegamos. – Coma alcóolico?
― Não sei, nem você e ajudaria muitíssimo se você fizesse o seu trabalho, ao invés de julgar a paciente – eu respondi, supreendentemente irritado com a pergunta.
A socorrista me olhou em choque, como se não estivesse esperando aquela resposta. Ora, caguei. Quem fala o que quer, ouve o que não quer. Deitei Amanda na improvisada cama da enfermaria com o maior cuidado que consegui e a socorrista se aproximou. Dei espaço, mas acompanhei seus movimentos com atenção.
A socorrista colocou Amanda no soro, provavelmente ainda crente que a situação era de coma alcóolico. Claro que poderia ser. Eu não sabia se Amanda bebia muito, mas quando a beijei, senti um ligeiro gosto de álcool. Porém, era muito evasivo tratar o caso como uma simples bebedeira.
― Não é melhor fazer um exame de sangue? – eu perguntei. – Para tentar descobrir a causa exata do desmaio?
A socorrista me encarou por cima do ombro, mexendo em agulhas descartáveis. Eu dei um sorriso presunçoso, mas Lila e Gustavo entraram no coro, dizendo que realmente era melhor fazer um exame. Lila pode ter dito algo como “não vou sair daqui até você fazer um exame de sangue nela”, porém não dá para entender perfeitamente, devido as ainda presentes lágrimas.
― Ela só precisa de um acompanhante – a socorrista comentou, preparando as ampolas para o exame. – Dois de vocês podem esperar lá fora.
― Fica você, Eduardo – Lila disse. Isso eu entendi. – Fica você. Qualquer necessidade, me ligue. Ou para Gustavo.
Assenti, em silêncio. Meus olhos ainda fixos no que a socorrista fazia. Ela tirou amostras do sangue de Amanda sem que esta esboçasse a menor reação.
― Tem algum laboratório próximo? – perguntei.
― Temos um laboratório conveniado que funciona 24 horas. O que pensa que somos, irresponsáveis? – ela respondeu, irritadiça. Tenho certeza que ela queria adicionar “irresponsável é a sua amiga, que bebeu mais do que devia”, porém ela não diz nada. – Em umas duas horas teremos o resultado. Vou pedir para que levem as amostras agora mesmo.
― Obrigado.
A socorrista começou a falar no telefone, mas eu parei de ouvir. Aproximei-me da cama e sentei na beirada. Sinceramente, era muita falta de sorte. Depois de todo esse tempo esperando e cogitando, era muita falta de sorte que justo no dia que eu tenha resolvido fazer alguma coisa, Amanda desmaie logo depois.
Não tinha como não fazer nada, todavia. Quando a vi entrar no salão daquela festa, eu senti algo que nunca tinha sentido antes. A impressão era que toda festa tinha parado para vê-la entrar no salão. Com certeza eu tinha parado. Meu coração também. Essas sensações eram todas muito estranhas e, de certa forma, todas muito novas. Porém, o fato de Amanda ter um efeito estranho sobre mim não era realmente uma novidade. Desde o início do acampamento eu já percebia que nossa dinâmica era bem diferente da minha dinâmica com o restante das mulheres.
Para começar, mulheres não costumavam me deixar nervoso. Amanda me deixava praticamente em pânico.
Quando ela entrou naquele salão, eu decidi: eu falaria com ela hoje. Falaria de verdade. Não sobre copos, não sobre canto, não sobre flauta. Falaria sobre como eu a acho maravilhosa, talentosa e como ela tem um sorriso incrível, mesmo quando está fingindo gargalhar. Eu só queria que ela soubesse o tanto que ela ocupou da minha mente nessas poucas semanas. Sei que ela tinha achado estranho o envolvimento da melhor amiga com meu melhor amigo num período de tempo tão pequeno, mas eu queria que, lá no fundo, ela percebesse que algumas coisas, quando são feitas para acontecer, acontecem, independente do que pensa nosso lado racional. Eu queria que ela enxergasse que, talvez, nós dois fossemos uma dessas coisas.
Porém, quando estava me preparando para levantar e ir ao seu encontro, uma dupla de meninas começou a cantar muito desafinadamente uma música nacional muito ruim, que eu não conhecia, nem quero conhecer. Eu desviei os olhos de Amanda por um segundo. Um segundo, quando a dupla de meninas deu um agudo que doeu no fundo da minha alma. No segundo seguinte, Amanda tinha desaparecido. Eu corri atrás dela pelo salão, mas ele estava muito mais cheio do que o normal e, um trajeto que normalmente era possível de ser feito em trinta segundos, demorou mais de 3 minutos, de tantas pessoas que eu tive que desviar, empurrar e pedir licença.
Quando cheguei no corredor, ela já tinha sumido.
Todavia, não desisti. Era hoje, ou nunca. Toda coragem que eu vinha reunindo para essa conversa poderia se dissipar se eu continuasse adiando. Procurei-a por toda parte. A Amanda, não a coragem. Fui até seu quarto, bati na porta como um desesperado, mas ninguém atendeu. Fui até a piscina, até a academia e nada... Em um lampejo de medo, saí correndo até a guarita, pensando que ela tinha finalmente fugido, mas os seguranças me garantiram que ninguém tinha saído.
Voltei lentamente para a festa, sentindo minha coragem se dissipar. A coragem tinha sido reunida com muito esforço... Pelo meu coração que não aguentava mais ficar apertado, pelo meu cérebro que não tinha mais paciência para fazer tantas especulações em cima de uma mulher só e pelo meu corpo, que a desejava mais do que qualquer outra mulher que eu já havia me interessado. Porém, toda essa perseguição me fazia sentir mais como um psicopata do que como um garoto apaixonado.
E me auto intitular garoto apaixonado já era perturbador o bastante.
― Onde você estava? – Gustavo perguntou, quando eu me aproximei dele e da namorada.
― Procurando uma pessoa – respondi.
Os dois se entreolharam, mas não disseram nada. Eu fiquei mais uns dez minutos inquieto na festa, ouvindo o karaokê se encerrar – graças a Deus – mas resolvi ir embora logo depois. A pista de dança se encheu de casais, com uma música clássica tocando, no estilo valsa, e eu levantei para ir embora. Se não seria naquela noite, eu só queria sair dali.
Contudo, quando cruzei a porta, dei de cara com Amanda.
Ela estava parada, apoiada na janela aberta, olhando o céu de forma contemplativa. Meu estômago se apertou, respirei fundo e comecei a andar na sua direção.
Teria que ser hoje.
Ou nunca mais.
― Amanda – chamei.
Ela tremeu, com o susto. Eu parei, no meio do corredor. Procurei por palavras, enquanto esperava ela dizer algo.
― Oi – foi o que ela disse. Só oi.
― Você está bem? – perguntei, retomando minha caminhada. Eu mesmo não tinha realmente certeza de que eu estava bem. Toquei seu ombro, nem sei por qual razão. Precisava tocá-la. – Você está gelada.
― Ué, está frio.
Eu fiz um movimento rápido para tirar a minha jaqueta e, antes que ela terminasse de falar, já tinha estendido na sua direção. Amanda tinha uma mania horrível de esquecer de usar casacos, ou qualquer outra peça de vestimenta que fosse, de fato, apropriada para o inverno em Teresópolis.
― Não precisa – ela disse, mas eu continuei segurando a jaqueta, insistindo para que ela vestisse. Por fim, ela cedeu. – Obrigada.
― Disponha – sorri, satisfeito por tê-la convencido. Agora precisava convencê-la de outra coisa – Vamos voltar lá para dentro?
― Acho que vou para o quarto – ela deu um passo para trás e eu senti que ela estava prestes a ir embora.
― Ah, Amanda, por favor? – me ouvi implorar, com muita vergonha de mim mesmo. Um lampejo de coragem me fez segurar seu braço. – Só uma música. Dança comigo só uma música e depois eu te levo até seu quarto.
Ela suspirou, como se estivesse se dando por vencida. Então fez algo que eu nunca imaginaria: estendeu a mão na minha direção. E pronto, o pânico estava instaurado novamente. Eu não podia deixar isso transparecer, então segurei firme a mão dela e começamos a andar na direção da entrada do salão, enquanto eu rezava para minha mão não começar a suar loucamente.
Estava me concentrando em fingir que estava tudo bem, que esse simples segurar de mãos não estava me tirando totalmente do controle, quando senti que Amanda ficou para trás. Ela puxou minha mão e continuou puxando, querendo mudar de trajetória, sem dizer nada. Eu apertei a mão dela com força, olhando para ela, tentando entender o que acontecia. Ela não olhou para mim de volta, nem mesmo por um segundo. Estava pálida e um tanto desnorteada. Talvez irritada.
Eu percebi o motivo. Ele estava um pouco mais a frente, beijando uma menina que eu não reconhecia. Ele estava ali. O motivo, talvez, dela nunca ter olhado duas vezes para mim. O motivo, provavelmente, de todas as suas lágrimas. Possivelmente, inclusive, o motivo de seu sumiço mais cedo. Aquele cara estava lá, enroscado com uma outra menina como se Amanda nem sequer existisse.
Eu já tinha percebido que algo estranho acontecia entre Amanda e esse cara. Todavia, o que eu não sabia era que tudo não era um caso de paixão platônica. Eu achava que Amanda gostava dele, mas não era correspondida. Só que era. Com certeza era. O monitor abriu os olhos e olhou na nossa direção. Na verdade, olhou na direção dela. Ela não viu, pois eu continuava a puxando para longe. Mas eu vi. Eu vi aquele desgraçado olhando para ela e simplesmente soube que, o que quer que tenha acontecido entre os dois, era muito mais do que uma simples paixão platônica.
E eu queria dar um soco na cara daquele idiota com todas as minhas forças.
Eu queria dar uma surra nele por todo sofrimento que ele infringiu à Amanda, mas me contive. Apertei mais ainda sua mão e continuei andando para longe, satisfeito porque, seja lá o que tenha acontecido, aquele cara tinha, sozinho, cavado seu caminho para cova.
Quando chegamos até a pista de dança, não estava mais pensando nisso. Quando começou a tocar Ed Sheeran, eu dei uma risada, porque aquilo era muito correto para ser só coincidência. Às vezes eu me questionava se estava mesmo sentindo tudo aquilo ou se eu mesmo não era um caso de amor platônico, ou desejo de ter algo que não se consegue alcançar. Contudo, quando ela sorriu de volta, quando ela deu aquele sorriso espontâneo e gracioso na minha direção, todas as dúvidas foram embora.
Era verdade mesmo, cacete. Eu gostava daquela menina. Eu gostava muito daquela menina.
E eu não tinha nem ideia de como agir para fazê-la perceber isso.
Na verdade, tinha um monte de coisas presas na minha garganta, mas eu não conseguia colocar nada para fora. Eu conseguia menos ainda com ela tão perto assim, com as mãos tocando a ponta dos meus cabelos e o cheiro de perfume vindo em ondas na minha direção. Eu só conseguia pensar em como eu queria beijá-la. Como ela era maravilhosa e eu sentia essa necessidade física, além da psicológica, de me perder nos seus braços.
Desesperado em busca de sanidade, me ouvi dizer:
― Talvez devêssemos ter nos inscrito na aula de dança, ao invés de canto.
― Eu não sei dançar – ela respondeu, aproximando-se da minha orelha.
Perdi a sanidade imediatamente. Tanto, que respondi:
― Claro que sabe – tentei rir, mas estava mesmo completamente perdido. – Assim como também sabe cantar, tenho certeza.
― Claro que não sei, Eduardo.
― Eu já te ouvi cantar, Amanda – sinceramente não sei porque entrei nesse mérito novamente. Eu tinha prometido a mim mesmo que eu ia falar o que precisava, mas lá estava eu novamente falando sobre canto. Eu não podia entrar no mérito de copos, ou seria o fim.
― Sandy e Junior não conta – ela respondeu, se esticando para alcançar meu ouvido de novo.
Abaixei minha cabeça instantemente, porque sabia que ia começar a queimar. Minhas bochechas em poucos segundos iam ficar da cor do meu cabelo se ela continuasse a agir daquela maneira. E a pior parte é que ela nem sequer sabia o que estava fazendo comigo.
― Não estou falando de Sandy e Junior.
― Está falando de que, então? – ela não entendeu e eu não quis explicar.
Não era irônico que uma menina tão esperta pudesse ser tão tapada? Será que minha voz é realmente tão diferente assim em uma conversa ao vivo e em uma conversa pelo basculante do banheiro? Aparentemente sim.
Aqueles olhos inquisidores eram mais do que eu conseguia suportar.
Com a pequena quantia de coragem que ainda havia em meu corpo, esqueci toda cortesia e todas os assuntos que queria tratar e simplesmente virei o rosto na sua direção e uni nossos lábios.
Finalmente.
Para minha surpresa – e meu deleite – Amanda respondeu muito melhor do que eu pensava. Seus dedos enroscaram no meu cabelo e ela se inclinou na minha direção, como se quisesse mais. E eu queria dar tudo que ela quisesse.
Porém, alguns segundos depois, ela estava desmaiada em meus braços.
― Vim recolher os vidros da coleta? – um homem apareceu na porta da enfermaria, gritando.
Assustado, estiquei minha mão para tocar a de Amanda, numa medida que gosto de pensar como meramente de proteção. Amanda escolheu justamente esse momento – ou talvez tenha sido culpa de minha ação – para respirar pesadamente, abrir um pouco os olhos e começar a balbuciar sabe lá Deus o que.
― Amanda? – eu chamei, me inclinando na sua direção.
A socorrista entregou os frascos para o rapaz, o dispensou e veio correndo na direção da cama, me enxotando para fora. Debruçou-se sobre Amanda, ajustando o soro no lugar e levando a mão à sua testa. Ela continuava balbuciando um monte de coisas sem sentido, totalmente impossível de compreender, até que ela disse uma palavra, no meio de tudo aquilo, que eu entendi.
Porque ela disse meu nome.
― Eduardo é você, suponho? – a socorrista, essa pessoa muito inteligente, comentou, olhando por cima do ombro para mim.
― Supôs corretamente – eu disse, com um ligeiro sorriso, voltando a sentar na beirada da cama.
Ignorando qualquer sinal de indignação por parte dessa mulher insuportável, estiquei minha mão de novo e segurei a de Amanda. Como se meu toque tivesse um novo poder de liga/desliga, Amanda suspirou profundamente de novo e fechou os olhos mais uma vez.
― Não tem nada que possamos fazer agora – socorrista disse. – O resultado do exame sairá mais ou menos em uma hora, se o laboratório conveniado estiver vazio, o que imagino que esteja. Por enquanto, ela fica aqui. Tem café e biscoitos na saleta ao lado, se você quiser. Estarei lá, caso ela acorde novamente ou você precise de alguma coisa.
― Obrigado – respondi.
E não larguei a mão de Amanda até ela voltar com as folhas do exame.
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Eu tive certeza que não era um simples caso de porre quando a socorrista voltou com o exame. Ela me olhava alarmada, desviando os olhos para Amanda e para as folhas, como se estivesse em choque de verdade.
E dessa vez eu juro que não caguei nem um pouco.
― O que houve? – eu perguntei, ligeiramente desesperado.
― Você esteve com ela a noite toda?
Meu desespero se intensificou com essa pergunta.
― Não. Encontrei-a pouco antes dela desmaiar, por que?
― O exame acusou algo... – ela disse, de forma vaga, ao revirar as folhas.
― O que? Acusou o que?
― Talvez seja um pouco precipitado, provavelmente vamos ter que rodar outros exames...
Minha vontade era de levantar e pegar aquelas folhas da mão dela, com a rispidez que ela merecia, mas respirei fundo e tentei ser o mais educado que pude:
― $@%$@%$$#@, que $@#$#@$@# tem nesse exame?
― Acho que sua amiga foi dopada.
Dopada.
A palavra me atinge como um tiro. Quer dizer, nunca levei um tiro, mas imagino que a sensação seja semelhante.
― Dopada – repeti. Estava difícil assimilar.
― Vou pedir para testarem os alimentos e bebidas da festa – a socorrista disse, já apertando botões no telefone, soando como se estivesse no maldito CSI.
Ah, seria mesmo um caso de CSI se eu descobrisse o filho da mãe que fez isso com Amanda.
― Acho que não foi na festa – eu sugeri. – Se fosse alguma coisa da festa, ela não seria a única a passar mal. Além disso, ela passou grande parte da noite fora da festa, mas não sei onde.
― De qualquer maneira, preciso mandar testar – socorrista retrucou, com o telefone pendurado no ouvido. – Você acha que foi um caso relacionado ao contrabando?
― Acho – respondi, de imediato. – Acho mais: acho ainda que o problema do contrabandista é direto com ela. Novamente, se fosse um ato geral, ela não seria a única a passar mal assim. Você sabe quantas pessoas frequentam esse contrabandista?
― Ah, sei. Pode ter certeza que sei – ela respondeu, mas então começou a falar no telefone, levantando o dedo para pedir licença. Retirou-se, então, da sala.
Dopada.
Passei os dedos pelos dedos dela, sentindo-me terrivelmente culpado. Eu precisava ter chegado do outro lado do salão a tempo de impedir que ela o deixasse. Poderíamos ter conversado, nos divertido e a noite poderia ter acabado de outra forma.
De qualquer outra forma que não envolvesse Amanda dopada.
― O que aconteceu? – uma voz cortou meus pensamentos e eu levantei a cabeça para encarar o dono dela.
O monitor.
Ele estava parado na porta, olhando para Amanda com uma expressão ligeiramente confusa. Tornou-se totalmente confusa quando eu levantei e bloqueei sua visão. Lamento, chapa. Mentira, não lamento droga nenhuma.
― Não sabemos ainda – menti. Não confiava naquele cara. – A princípio é só um porre.
― Um porre – ele repetiu, dando um passo na nossa direção.
Eu cruzei os braços, sem sair nem um centímetro do lugar. Se ele tentasse tocar um dedo sequer em Amanda, meu punho tocaria sua cara.
― Amanda? – o idiota chamou e eu tive que apertar meus braços para não adiantar o soco.
Atrás de mim, Amanda começou a balbuciar novamente. Só que muitos decibéis mais alto. Seus olhos semiabertos estavam tremendo e ela continuava incompreensível, mas estava gritando.
― O que está acontecendo? – socorrista apareceu, desesperada com os gritos.
― Ela começou a fazer isso quando me ouviu chama-la – o monitor disse, dando de ombros.
― Bruno – a socorrista chamou, puxando-o pelo braço. – Pode me aguardar na outra sala? Precisamos conversar sobre esse caso.
Eu encarei aquela idiota com uma expressão que só pode ser definida como pavor, mas ela nem reparou. Estava muito ocupada checando o que acontecia com Amanda. Ela precisava mesmo contar para ele?
― Agora, Bruno! – socorrista disse, entre dentes, e ele finalmente obedeceu.
Virei para Amanda novamente, abaixando-me perto do seu rosto. Socorrista estava tentando tirar sua temperatura e ela continuava gritando.
― Amanda, calma – eu disse, só por dizer.
Ela parou de gritar na hora.
― Que bruxaria – socorrista disse, olhando pra mim. – Você é o que, uma maldita sereia?
Amanda voltou a balbuciar, mas bem baixou dessa vez. Eu me inclinei na direção para tentar entender e, no exato momento que socorrista também estava próxima de seu rosto, ela disse duas palavras que nós dois entendemos.
― Tequila... Bruno...
Sei que nós dois entendemos porque ela olhou para mim, horrorizada. E com certeza não era por causa da temperatura apontada no termômetro em sua mão. Estiquei minha mão para tocar a de Amanda, simplesmente porque essa era a única alternativa que me impedia de ir até a sala ao lado e quebrar o nariz de Bruno.
Como da outra vez, ela silenciou ao meu toque. Se socorrista cogitou qual era a bruxaria envolvida, não disse nada. Não sobre isso.
― Você ouviu?
― Claro que sim – respondi.
― O que você acha que ela quis dizer?
― Não tenho certeza, mas se esse cara chegar perto dela, você vai ter mais um paciente – respondi. – E não serei eu.
― Teoricamente ela é responsabilidade dele...
― Não – interrompi.
― Mas eu não posso simplesmente entrega-la para você – socorrista disse. – Não sei se você é quem diz, nem se o que conta sobre a noite é verdade.
Suspirei, irritado. Apertei o canto dos meus olhos, cansado. Eu queria acabar com aquilo de uma vez, mas precisava ganhar essa argumentação.
― Vamos analisar as reações da paciente? – disse, da maneira mais didática que pude. – Primeiro, ela reagiu positivamente ao meu toque todas as vezes. Segundo, ela se acalmou ao ouvir minha voz. Terceiro, ela se apavorou ao ouvir esse idiota do cômodo ao lado chama-la. Quarto, a conexão que ela fez entre o nome dele e bebida alcóolica deveria ser suficiente para você querer manter os dois separados. Devo continuar?
Socorrista deu um pequeno sorriso, cruzando a sala para chegar mais perto.
― Se você entregar ela para ele, juro por Deus que te denuncio pro CRM – ameacei, procurando seu crachá. Quis rir quando vi seu nome. – Por favor, Socorro.
― Eu vou até a outra sala conversa com Bruno. Trate de sumir com Amanda antes de nós voltarmos para essa sala. Também não confio nele – Socorro, a socorrista, disse. – Porém, também não confio em você. E se eu descobrir que você mentiu sobre qualquer coisa, também vou te denunciar. Só que na polícia.
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Amanda estava mais ou menos acordada. Conseguimos passar por todo caminho sem levantar suspeitas. Claro, ela estava caminhando estranho, seus olhos ainda não estavam plenamente abertos e, vez o outra, ela ainda começava a murmurar no seu próprio dialeto.
Porém, isso não era muito diferente do que os bêbados do acampamento estavam fazendo.
A única diferença marcante era que ela estava usando meus sapatos. Seus pés estavam sambando dentro dos tênis, mas era melhor do que usar aquele salto absurdo. E antes que alguém pergunte: não, eu não estava usando o salto absurdo. Que ideia. Estava andando descalço mesmo, carregando os sapatos dela na minha mão.
Bati na porta do quarto dela, esperando que Lila atendesse, mas não houve resposta. Não houve resposta mesmo quando eu bati de novo, de novo e de novo. Peguei meu celular para ligar para ela, mas descobri que estava sem bateria.
Amanda não estava com bolsa e seu vestido não parecia, realmente, ter algum bolso. Não sabia onde estava seu celular, muito menos sua chave. Ela começou a desabar contra parede, sonolenta, e eu tive que apressar para escorá-la.
― Amanda, onde está sua chave?
― Chave – ela repetiu de olhos fechados. Então abriu uma fresta deles e completou – Calcinha.
Antes que eu pudesse assimilar sua resposta, ela começou a puxar a saia do vestido para cima. Encarei, sem saber o que fazer. Metade de mim queria puxar aquilo para baixo, porque era um absurdo ela se despir dessa maneira no meio do corredor, mas outra metade de mim queria ver o show. Suas coxas começaram a se revelar e eu não tinha nem meu casaco para esticar na frente dela, visto que ela mesma estava vestindo-o. Olhei em volta, desesperado, mas o corredor estava vazio.
Ela me estendeu a chave, sem se dar o menor trabalho de puxar o vestido de volta para o lugar. Ao mesmo tempo que tentava enfiar a chave na fechadura com uma mão, com a outra puxava seu vestido para baixo. Consegui abrir a porta e empurrei, ouvindo-a bater contra a parede. Amanda já estava prestes a desabar de novo, então carreguei-a no colo para dentro. Deitei-a na cama, tirei seu sapato (na verdade, meu) e arrumei os travesseiros. Ela suspirou de novo, virou de lado e estava dormindo antes que eu sequer tivesse tempo de fechar a porta.
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Um pouco depois, Lila apareceu com Gustavo. Nós três conversamos um pouco, mas eu omiti as informações sobre o exame de sangue. Apenas disse que novos exames terão que ser feitos, mas que talvez não seja só bebedeira. Lila tinha finalmente parado de chorar e me garantiu que ia cuidar direitinho dela, mas eu queria desesperadamente ficar.
Porém, sabia que não devia.
Havia uma probabilidade bem grande que Amanda não se lembrasse dos acontecimentos da noite e a última coisa que eu queria era que ela acordasse me odiando. Ainda mais.
Perto das três da manhã, Gustavo foi embora. Eu estava prestes a ir também, mas Lila falou que ia rapidinho tomar banho e que, quando ela voltasse, eu podia ir. Nós não queríamos deixar Amanda sozinha. Assenti, voltando a me sentar ao seu lado na cama.
Lila tinha acabado de ligar a água, quando alguém bateu a porta. Achei que era Gustavo. Ele costumava esquecer coisas em todos os lugares e era provável que fosse um desses casos. Porém, não era.
Era Bruno.
Não sei o que ele estava esperando achar, mas definitivamente não era eu.
― O que você está fazendo aqui? – falamos juntos.
― Vim ver Amanda, ela é minha responsabilidade – ele respondeu, fazendo menção de dar um passo a frente.
― Se você se aproximar mais do que isso, eu prometo, quem vai ficar inconsciente é você.
Ele se refreou, olhando na minha direção, horrorizado. Tentou olhar por cima do meu ombro, na direção da cama, mas eu fechei a porta, deixando apenas uma pequena fresta para encará-lo.
― Você pode receber uma sanção disciplinar por isso – ele tentou ameaçar.
― Campeão, não poderia me importar menos.
― Farei questão de fazer queixa no Conselho de Monitores desse final de semana.
― Ah, existe um Conselho de Monitores? – perguntei, sarcasticamente. – Que ótimo, vocês devem estar mesmos em nenhum trabalho, não é?! Afinal, se preocupar comigo! Logo comigo quando eu ouvi dizer que tem um casal de contrabandistas de bebida tocando o terror no Acampamento e deixando jovens em coma alcóolico.
― Amanda está em coma alcóolico?
― Não disse nada sobre Amanda. E, mesmo que estivesse, não seria da sua conta. Porque responsável, você não é. Muito menos por ela – respondi, irritado. – Agora cai fora daqui antes que eu mesmo faça uma queixa sua no Conselho de Monitores.
Ele foi embora sem mais discussões. Eu fechei a porta com cautela, temendo acordar Amanda. Para meu alívio, ela continuava dormindo profundamente. Respirei fundo, tentando liberar a tensão. Aquele cara não era quem dizia e eu tinha grandes suspeitas sobre ele...
Lila saiu do banho e eu a adverti veementemente para não deixar Bruno se aproximar. Ela não entendeu meus motivos e eu não quis explicar, mas a fiz prometer. Fiz outras recomendações sobre a saúde de Amanda e fui embora.
Não consegui dormir a noite inteira, pensando em como seria o dia seguinte. Só queria que ela lembrasse.
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OI GENTE!!! Como prometido, aí está o capítulo bônus do Edu! E não quero ouvir NENHUMA RECLAMAÇÃO, porque esse capítulo está ENORME! Acho que é o maior capítulo que eu já escrevi na vida!!
E não quero ouvir reclamação MESMO, porque o capítulo ficou TÃO ENORME que resolvi parar aí e ainda tem uma coisinha pro Eduardo contar... E ele vai contar no próximo capítulo!! Yes, ele vai ser narrado pela Amanda, mas no finalzinho vai ter um mini-bônus narrado pelo Eduardo novamente.
Enfim, espero que vocês gostem do capítulo e de conhecer esse ruivo mais de perto <3
Obrigada por todas as estrelas, comentários, leituras e surtos! Tenham certeza que sem vocês, eu não escreveria! Sou mestra em desistir de histórias se não tenho esse incentivo! Então continuem participando da história e me deixando assim tão felizzzzzzzzzz.
ATÉ TERÇA! :D
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