Capítulo 15 - Torta e barraca
Na sexta nós marcamos nosso ensaio para depois do almoço, visto que a minha aula de flauta era de manhã. Tomei café da manhã com Eduardo, num ato extremamente atípico, visto que de manhã cedo raramente tenho apetite - mesmo para bombas de chocolate. Ainda assim, tudo correu bem. Conversamos sobre nossa apresentação, ele não falou em momento nenhum sobre nossa denúncia e eu me senti quase confortável. Palavra que eu nunca usaria para definir a forma como eu me sentia perto de Eduardo há algumas semanas. Confortável ainda não era uma palavra totalmente acurada. Não quando meu coração ficava batendo daquela forma. Ele me deixou na sala de flauta, com a promessa de me encontrar mais tarde no ensaio com Igor.
A aula de flauta foi regular. Eu gostaria de dizer que estava sendo uma aluna melhor, agora que sabia que ia participar do show, mas na verdade isso estava tendo o efeito contrário: eu estava em pânico e voltei a errar todas as notas importantes. A professora, que agora eu me permitia chamar de Patrícia, seu nome, parecia prestes a ter um ataque dos nervos.
Assim como Igor.
O que é isso, síndrome das vésperas do show? Quem deveria estar tendo um ataque de nervos não era eu?
Eu deveria mesmo estar tendo um ataque de nervos. Estava errando as notas na flauta, não fazia ideia do que ia cantar e não conseguia sair do "olá" no e-mail que estava escrevendo para meus pais.
Já estava cansada de ignorar seus telefonemas e e-mails. Até Lila já tinha recebido ligações do meu pai. Eu precisava mandar notícias. A parte boa é que, dessa vez, eu tinha boas notícias: eles poderiam vir para o show, eu participaria dele. Quer dizer, não sei até que ponto isso é realmente uma boa notícia, mas imagino que seja uma boa notícia para os dois. Bom, pelo menos para meu pai.
Claro que eu ainda estava insegura em relação ao que eles ouviriam sobre mim nos corredores e era isso que me impedia de continuar escrevendo aquele e-mail.
A hora começou a correr. Percebi que não ia ter tempo de almoçar, se continuasse daquela forma morrinhenta. O ensaio estava marcado para as duas horas e eu estava sentada na frente do computador desde o término da minha aula de flauta, ao meio dia e meia. Já era quase uma e meia e até agora eu realmente só tinha o "oi".
Certas coisas são difíceis de dizer para seus pais. Acho que minha mãe entenderia melhor do que meu pai, mas provavelmente contaria para ele. Talvez não intencionalmente, mas depois de beber alguns drinques, com certeza. Eu realmente não consigo entender como os dois ficaram juntos, para início de conversa. Muito menos como conseguiram suportar dez anos de casamento, sendo tão diferentes. E não são diferentes complementares, não. São tipo antagônicos mesmo. Do tipo nada em comum.
Exceto eu.
Mas eu não gosto de pensar que fui o único motivo pelo qual meus pais se suportaram por dez anos. Especialmente porque eles deviam se gostar, pelo menos fisicamente, visto que me tiveram.
Oi.
Eu e a tela do computador estávamos em um relacionamento complicado. Ao mesmo tempo que o oi brilhava na tela, me convidando a tentar continuar, o relógio reluzia no canto direito, mostrando que em breve eu precisaria ir embora, ou ia me atrasar de novo. E dessa vez Igor poderia realmente dar um tapa na minha cara. Do jeito que ele estava maluco.
Fechei os olhos, confiei no meu conhecimento do teclado do computador e comecei a digitar.
Oi.
Estou passando para dizer que andei muito ocupada ensaiando para o Show Final. Ele é na próxima terça-feira e, realmente, eu continuo achando que é um desperdício de tempo e dinheiro vocês virem me ver, mas se vocês quiserem muito, não me oporei.
Será que vocês podem, por favor, me avisar o que decidiram?
Prometo atender o celular agora, se possível.
Beijos,
Amanda.
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― Desculpe, Igor, eu veto Alejandro - Eduardo disse, empurrando a letra de volta para cima do meu amigo.
― O senhor está muito vetador, hein amiguinho? Tem certeza que quer gastar seu último veto? - Igor perguntou num tom sarcástico, mas eu sabia que ele estava irritado.
― Tenho. Com certeza tenho.
― Mesmo que eu diga que a próxima banda que vamos analisar é One Direction? - Igor deu um sorriso de lado.
― Ah, pelo amor de Deus... - Eduardo levantou da cadeira, andando em volta do piano, um pouco desesperado. - Homem, eu toco bateria. Eu quero cantar uma música decente. Não estou dizendo que precisa ser do Metallica, ainda que eu fosse gostar disso, mas One Direction você só pode estar brincando...
― Amanda, o que você acha? - Igor perguntou.
― Não tenho nada contra o One Direction. Acho as músicas fofas. Eles não cantam Amnesia?
― Amnesia é do 5 Seconds Of Summer... - Igor pontuou, ligeiramente exasperado.
― Ah - ops. - Então não sei como me sinto sobre One Direction. O que eles cantam?
― Você é impossível, garota. Vive em baixo de uma pedra, ou o que?
― Normalmente eu conheço as músicas, mas não conheço quem canta - justifiquei.
― O que você veio fazer nesse Acampamento, afinal? - Igor perguntou, batendo a caneta contra o piano, mas eu sei que ele queria era bater a cabeça mesmo.
― Boa pergunta - respondi, dando de ombros.
― Me conhecer - Eduardo disse com um sorriso e a sala foi atingida por um daqueles silêncios constrangedores.
― Então... - Igor pigarreou. - Deixando One Direction de lado, o que vocês sugerem?
― Não pode ser nada em português? - perguntei.
Igor olhou de mim para seus papeis, antes de responder:
― Bem, não trouxe nada em português. Você tem alguma sugestão?
― Ela gosta de Paralamas do Sucesso - Eduardo respondeu por mim e um novo silêncio se instaurou.
Por que ele estava dizendo isso? Era ele que gostava de Paralamas do Sucesso. A música que tinha cantado para mim pelo banheiro era do Paralamas, bem como a que ele tinha cantado na apresentação na aula de canto. Se tinha alguém fã de Paralamas naquela sala, não era eu. Aliás, eram duas músicas que me traziam lembranças muito difíceis de serem digeridas.
― Não - eu disse, num sussurro. - Eu veto Paralamas.
― Você veta Paralamas? - Igor perguntou, horrorizado.
― Veto - respondi, olhando em frente. Nunca para Eduardo. Jamais para Eduardo, quando o assunto é delicado assim. - Por favor.
― Vocês dois vão me deixar malucos, é sério.
― Desculpa, Igor. Não me sinto confortável com essa banda - tentei finalizar a conversa, rezando para que Eduardo não retrucasse.
Ele ficou quieto.
Ficou quieto, inclusive, pelo resto do dia.
Quando deu a hora do jantar, o ensaio encerrou-se. Obviamente nós não tínhamos escolhido uma música, Igor saiu da sala cheio de lágrimas nos olhos e eu me senti culpada por ter vetado Paralamas do Sucesso, ainda que ele não tivesse sido nem mesmo uma opção real. A minha vontade real era dizer que pra mim tanto fazia, que eu cantaria qualquer coisa que me dessem na mão, mas tinham dois problemas: a) isso ofenderia ainda mais o Igor, que entende que esse deve ser um esforço de grupo e b) eu não tenho voz para cantar realmente qualquer coisa que cair na minha mão. Por exemplo, se você me der She Will Be Loved para cantar, eu com certeza vou estourar seus tímpanos.
Fica o aviso.
Eduardo mal se despediu, mas não fiquei muito chateada, porque sabia que ia encontra-lo novamente no jantar mais tarde. Eu tinha combinado de jantar com Lila e ela tinha estendido o convite aos dois rapazes. Antes de ir para o restaurante, fui correndo para o quarto, checar se por acaso meus pais tinham respondido meu e-mail, já que não recebi nada no celular. Porém, o sinal daqui não é uma maravilha. Também, enfiados assim no meio do mato seria de se estranhar um sinal excepcional de celular. Ele só pegava quando queria. Assim como o wi-fi do acampamento.
Filhota - o e-mail começava assim. Eu não precisava nem ler o remetente para saber que se tratava do meu pai. O e-mail continuava dizendo que ele com certeza estaria presente, que estava muito orgulhoso dos meus talentos e que não via a hora de me ver arrasar no palco.
Tadinho.
Não havia sinal da minha mãe, mas eu não me importei. Ela era desse tipo e eu tive todos esses anos de vida para me acostumar com esse fato. Não posso dizer que me acostumei totalmente, mas a superproteção do meu pai compensava a ausência da minha mãe. Não compensava seus problemas com álcool, mas isso já era outro problema. Um problema que eu fazia muita questão de expulsar do meu cérebro toda vez que vinha a tona.
Resolvi que ainda havia tempo disponível para um banho antes de descer para jantar. Não havia motivo para desespero, eu podia me atrasar um pouquinho. Como eu tinha bastante certeza que Eduardo tinha ido direto para o jantar, estava me sentindo livre para cantar no chuveiro. E eu não fazia isso há muito tempo.
A água quente batendo nas minhas costas me fez soltar um suspiro de alívio. Esse acampamento, que era pra ser algo divertido e distrativo, vinha sendo um fardo muito difícil de suportar. Muito por culpa de Bruno, mas mais por minha própria culpa. Eu tinha muito medo de assumir meus sentimentos, até para mim mesma. Por vezes eu nem tinha certeza do que estava sentindo. E isso tinha relação perfeitamente DIRETA com Eduardo.
Talvez por conta de toda essa frustração, eu tenha começado a cantar uma música que faria Ana Júlia ficar orgulhosa. Dessa vez eu não sabia o nome da música, mas sabia quem cantava. Eu sabia que era da Katy Perry. Isso era bem incomum.
― In another life, I would be your girl...
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Como previa, cheguei atrasada para o jantar. Gustavo estava repetindo, mas Eduardo e Lila já estavam nas sobremesas. Ele estava comendo bomba de chocolate e eu queria rir, mas ele não olhou na minha direção para compartilharmos esse momento.
― Ah, resolveu aparecer? - Lila perguntou, irônica. - Achei que você não ia vir e nem daria satisfação.
― Não posso mais tomar banho em paz? - respondi em minha defesa.
Eduardo levantou os olhos de sua bomba para mim no momento que eu terminei de fazer a pergunta. Eu esperei ele dizer alguma coisa. Qualquer coisa era melhor do que mais aquele momento de silêncio, mas ele voltou a comer sua bomba em silencio.
― Claro que sim, desculpa pela inconveniência - ela riu e eu me sentei ao seu lado.
O jantar fluiu bem, exceto pelo fato de que, em certo ponto, eu era a única que ainda estava comendo. Os demais só estavam na mesa para me fazer companhia. Lila e Gustavo pareceram não achar nenhum problema, visto que estavam conversando animadamente sobre o Show Final (assunto preferido dos dois, não é possível). Eu palpitei pouco, considerando que na maior parte das vezes, eu tinha comida na boca.
Talvez se aproveitando desse fato, Eduardo tenha resolvido começar a falar. Justo sobre o quê.
― Vocês têm alguma sugestão de música para eu e Amanda cantarmos? - ele perguntou. - Sabe, eu sugeri alguma coisa do Paralamas do Sucesso, mas ela vetou.
― Amanda nunca gostou muito dos Paralamas - Lila disse, como se eu não estivesse na mesa e não pudesse falar eu mesma o que eu achava sobre Paralamas (nada contra, por sinal). - Ela sempre foi mais fã de Capital Inicial.
― Engraçado, achei que ela amasse Paralamas - foi o que ele se dignou a dizer, levantando os olhos para me olhar.
Claro que eu estava olhando para ele. O que ele queria dizer com tudo aquilo? Quem tinha cantado Paralamas para mim era ELE, ora essa. DUAS VEZES. Que ideia.
― Não sei de onde você tirou essa ideia, foi você que cantou Paralamas para mim primeiro - acabei dizendo, meio irritada.
― Não foi não, eu nunca tinha cantado Paralamas antes do nosso duelo - ele respondeu e eu errei a garfada.
O arroz caiu do garfo para o prato e eu enfiei o garfo vazio na boca. Gustavo e Lila não perceberam, pois estavam muito ocupados tentando entender o que estava se passando entre eu e Eduardo, mas este viu e deu uma pequena gargalhada, que não combinava com nosso clima de discussão.
Só que nem sua gargalhada conseguia me fazer parar de pensar que se aquela vez tinha sido a primeira música do Paralamas que ele tinha cantado, quem é que cantou Meu Erro no banheiro?!
O casal começou a dar sugestões sobre possíveis músicas, mas eu não estava mais ouvindo. Estava olhando para Eduardo e ele também estava olhando para mim, os dois um tanto confusos e desconfiados de que tinha alguma coisa errada bem ali debaixo de nossos olhos que estava nos impedindo de nos ver a verdade.
Ou talvez só eu estivesse me sentindo dessa forma. Talvez ele estivesse só com raiva mesmo.
Não sei quanto tempo passou até que Gustavo pediu companhia para ir pegar mais uma sobremesa e Eduardo levantou para ir junto. Por algum motivo achei que ele não queria sobremesa droga nenhuma, só queria tirar Eduardo da mesa. Pensei que era porque queria contar algo para ele, mas descobri que, na verdade, era porque LILA queria me contar algo.
― O acampamento é amanhã, você lembra, né?
Não.
― Sim, claro que sim - respondi com um sorriso amarelo. - Vamos dividir a barraca, não é isso?
― Então, sobre isso... - ela disse, com um pequeno sorriso. - Eu meio que estava querendo dividi-la com Gustavo.
Muito bom eu já ter terminado de comer ou haveria mais um momento de perder a garfada. E dessa vez talvez eu enfiasse o garfo na garganta, com a surpresa da afirmação.
― Como assim? - perguntei, tentando ganhar tempo para pensar em alguma coisa.
― Você não se importaria de dividir a barraca dos meninos com o Eduardo, né? É só por uma noite, ninguém vai nem notar...
Eu sinceramente não podia acreditar que estava ouvindo aquilo. Não satisfeita em me chutar para fora da nossa barraca, Lila ainda queria que eu dormisse com Eduardo? Como eu ia sobreviver a uma noite na mesma barraca de EDUARDO quando tudo que nós compartilhamos no momento são fatias não muito saborosas de torta de climão?
Antes que eu pudesse responder, avistei os meninos retornando. Lila também, pois ela se debruçou para me dar um abraço apertado e dizer:
― Obrigada, amiga, sabia que podia contar com você. Esse acampamento vai ser ótimo.
ÓTIMO provavelmente não era a palavra que eu usaria para defini-lo, mas, mesmo assim, era estranho dizer que eu estava um pouco ansiosa para saber o que eu ia fazer da minha vida trancada numa barraca com Eduardo por, sei lá, doze horas.
Ou melhor, o que Eduardo ia fazer da vida dele.
Isso me interessava muitíssimo, apesar do dissabor de nossa torta.
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GENTE, OI!!!!
Tô atrasada porque hoje viajo para POÇOS DE CALDAS, para a Flipoços! Se estiver alguém da região, por favor passe lá para me ver!!! Vou ficar muito feliz. Talvez eu até chore (TPM).
EU GRAVEI O VÍDEO!!! Estou fazendo upload dele no youtube nesse EXATO MOMENTO e muito em breve eu venho deixar o link para vocês assistirem! Ficou com uns 15 minutos, porque eu sou essa matraca que vocês conhecem, mas espero que vocês assistam mesmo assim. Minha internet está uma droga, achei que nem ia conseguir postar o capítulo, então estou orando pelo vídeo.
Peço desculpas pelo capítulo pequeno, mas quero lembrá-los que faltam só cinco dias para o final do acampamento e se eu escrever capítulos muito grandes, a história vai acabar mais rápido. As boas novas são que na terça dia 05 vai sair esse capítulo do acampamento, em si, que vai ser BEM GRANDE e bem cheio de emoções e que eu já programei mais 2 capítulos bônus lá para frete: um narrado pelo Igor e um narrado pelo Eduardo :)
Aguardem!
Obrigada pelas estrelas e leituras! Passamos de 30 mil leituras e quase 2k de estrelas. Feliz estou!!! Ao infinito e além <3
LEITORES NOVOS: BEM VINDOS!!! Vi vários de vocês e fiquei com o coração assim, pulando de alegria. Vocês me deixam muito feliz. Todos vocês! Beijos de gratidãooooooooo.
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