Capítulo 3
Ouço as vozes das meninas e finalmente desperto, logo percebendo que as músicas ainda estão tocando em meu fone. Bateria fraca. Pauso a música e procuro o carregador dentro da bolsa; a tomada mais próxima é ao lado da cama de baixo, então dou "bom dia" para as meninas e desço para conectá-lo. Volto para pegar o que vou precisar no banheiro e saio do quarto.
A fila do banheiro próximo ao meu quarto tem cinco garotas, então vou até o outro, que, graças a Deus, tem apenas duas.
Assim que termino deixo minhas coisas no quarto e vou até o da Lia, mas ela não está lá, o que acho estranho porque falta meia hora para as sete da manhã, e ela sempre costuma se atrasar para as coisas.
Saio da casa e percebo que tudo aqui fora já está bem movimentado: pessoas conversando, outras jogando, outras em grupos de brincadeiras, outras no celular... Mas uma coisa que percebi é que ninguém fica por entre as árvores onde eu estava ontem, o que é bom porque agora é um lugar onde tenho certeza que será só meu, onde poderei ficar mais à vontade, sem estar sendo observada. Tudo bem, é um lugar meio assustador, ainda mais à noite, mas não significa que existam fantasmas lá ou coisas do tipo.
Sento em um banco que há perto dos galhos e começo a pensar em quem pode ser a pessoa que estava conversando comigo ontem à noite. Acredito que seja alguém que já me conhecia antes, porque não tem como uma pessoa que me viu pela primeira vez já conseguir meu número, a não ser que... Bom, ontem a Lia disse que precisava tratar um assunto sério com o Vitor, então ela deve estar sabendo de alguma coisa. Será que ele deu meu número para alguém? Ou será que ela deu meu número e queria contar a ele ou perguntar sobre a pessoa? São muitas hipóteses, e pra confirma-las só falando com eles dois.
Como não tenho nada para fazer aqui, levanto e vou em direção à casa das meninas, sempre olhando atentamente ao redor para confirmar se Lia está ou não está do lado de fora.
Vejo em seu dormitório, mas ela ainda não está. Decido desistir e caminho até o minha mala para pegar meu celular. Só tem 41% de carga, mas ele ainda terá a tarde inteira para carregar. Sério, eu odeio o fato de esses celulares de hoje descarregarem tão rápido! Coloco-o no bolso, pego meu copo para receber o café e saio do quarto.
Quando chego ao salão percebo que já está significativamente cheio, mesmo que ainda não tenham começado a servir o café. Faltam 5 minutos para as sete.
— Sam! — Ouço uma voz me chamar ao longe e olho ao redor. Percebo que é o Samuel e com um pouco de dificuldade consigo ver onde está: encostado ao balcão onde em menos de dois minutos começarão a servir a comida. Mas uma coisa me incomoda profundamente: uma garota está junto com ele, e se há uma pessoa nesse mundo de quem eu morro de ciúmes é ele. Meu cenho se fecha e eu me aproximo com passos duros.
Sempre comento com a Liana em relação a namorar com ele, mas 1: é brincadeira; e 2: mesmo que não fosse, eu confio na minha amiga, e acredito que ela não o faria sofrer.
— Fala. — Digo cruzando os braços e o encarando com uma sobrancelha erguida assim que chego à sua frente. Não gosto quando ele fica de conversinha com garotas que nem conhece, na minha cabeça elas só estão interessadas em status, porque ele é um gato.
— Vish! Que foi? Acordou com a macaca? — Ele então olha para a garota e dá um sorriso de lado, o que me faz ficar com ainda mais raiva, pois lembro que Lia me disse que esse sorriso dele derrete qualquer uma.
Viro de costas e me preparo para me afastar, mas lembro que a fila vai lotar, então ficar com eles, além de me fazer ouvir o que vão conversar, será uma ótima oportunidade para comer logo.
— Sim... Continuando... — Ela fala com ele.
— Era só aquilo mesmo. Já terminei. — Samuel responde.
— Só?! Mas você nem disse o... Ah tá! — Ela para de insistir depois que repete o olhar do meu irmão em mim.
É horrível a sensação, ou melhor, a certeza de estar atrapalhando alguém (ou a conversa de alguém), mas se eles não podem falar na minha frente com certeza estão escondendo algo. Reviro os olhos.
Ai dele se entrar em um relacionamento sem me avisar!
Recebo meu pão com manteiga e o copo com achocolatado quentinho e corro os olhos pelo salão, mas não vejo nem Lia nem Vitor, e como Samuel vai ficar com os amigos dele, me sentiria uma intrusa na mesma mesa.
Ando devagar na direção da casa das meninas, mas desvio e me direciono ao banquinho entre as árvores enormes.
Assim que termino o café coloco o copo a alguns centímetros de mim e começo a cantar.
— Eu despertei com um choque quando você pegou minha mão, te percebi com outros olhos e então... Mas o que você vai pensar se eu me mostrar de verdade? Meu passado, erros, meus defeitos... Descobri que o amor vê de um jeito que dispensa a gente de se esconder... — Não estou com o violão, mas também não é difícil saber que estou cantando em sol. E quando penso em notas lembro que o Samuel comentou comigo que tinha pegado um violão emprestado de um amigo, então levanto e corro pra casa dos meninos.
v
Entro lentamente, olhando ao redor e lendo as listas com os nomes nas portas dos dormitórios. Preciso admitir que as coisas por aqui estão mil vezes mais organizadas do que na casa das meninas, mas me forço a ficar atenta só nos papeis que estão em cada porta. Acho alguns nomes que conheço, mas não o do Samuel, então subo a escada.
Depois de passar por uns dois quartos leio seu nome e bato na porta, mas o movimento que faço é tão natural que só depois percebo que alguém já está usando o violão dentro do dormitório, pois ouço uma melodia muito doce.
— Entra! — Um garoto responde enquanto continua tocando, mas decido nem entrar e nem responder, já que não vou mesmo conseguir o que queria. — David?! Entra, já te disse que aqui é só a gente, não precisa bater, não! — Ele continua tocando e eu continuo calada e imóvel. Pra dizer a verdade, eu não faço ideia de quem está aí dentro. De repente ouço uma bufada, e em seguida ele para de tocar, então me afasto da porta e dou alguns passos rápidos para trás. Ele franze as sobrancelhas e entorta a cabeça. — Oi.
— Oi. — Respondo e esbanjo um sorriso.
— Eu sou o Hugo, somos da mesma equipe. — Ele ri simpaticamente. — Sam, né? — Pergunta, apontando para mim. Assinto e ficamos vários segundos nos encarando em silêncio, apenas acenando com a cabeça. — Então... — Ele fala depois de longos minutos. — Não quer entrar para tomar uma xícara de café? — Ele pergunta e sorri. Seu sorriso é tão lindo que acabo sorrindo também. Ok, não só por isso, também rio porque amo rir de piadas sem graça.
Enquanto não consigo parar de sorrir continuo olhando para o seu sorriso; não é como se só os seus dentes estivessem felizes, toda a sua face ri junto, e isso é totalmente nítido para mim. É um riso sincero, verdadeiro, seria impossível alguém não ser contagiado.
— Não seria muito incômodo? — Pergunto, entrando na brincadeira e ainda sorrindo.
— Claro que não, queira entrar. — Ele fala, abrindo espaço.
— Está falando sério? Não posso fazer isso! — Digo com um sorriso e o encarando.
— Desculpe, tive que dar continuidade à frase da dona Florinda. — Sorri. — Então, o que faz por aqui?
— Queria apenas saber se o Samuel está. — Ficamos em silêncio. — Ele está? — Pergunto arregalando os olhos, fazendo com que ele pisque de uma vez.
— Ah, está. — Fala me encarando. — Quer dizer, não! — Balança a cabeça rapidamente. — Desculpa, eu... — Ele sorri e faz um espiral com o indicador ao redor da orelha. — Ele é seu namorado?
— Não. — Respondo em alto tom e franzo as sobrancelhas. — Meu irmão. — Sorrio.
— Ah sim, desculpa.
— Não precisa se desculpar, tudo bem.
Mais um período em silêncio.
— Bom, posso ajudar? — Ele pergunta, encostando-se na porta.
— Não sei, é que meu irmão me disse que estava com o violão de um amigo aqui, então procurei o quarto dele para vir buscar.
— É, esse é o dormitório dele, sim. Quer o violão?
— É seu? — Pergunto.
— Sim. É pra você tocar?
— Era, mas se você está usando não tem problema.
— Não! — Ele ergue o tom. — Pode tocar, não tem problema mesmo. — Fala, entrando no dormitório e me deixando sozinha no corredor.
— Então tchau, né? — Digo olhando para ele, já que deixou a porta aberta.
— Tchau?! Já está indo?! — Volta a olhar para mim.
— Já. — Falo duvidosa.
— Espera, você canta? — Ele pergunta.
— Canto. — Fico em dúvida do que responder, mas opto pela verdade. Só espero que ele não me convide para cantar.
— Pode cantar uma música comigo?
Respiro fundo. — Desculpa, mas não é permitido a gente ficar sozinho, ainda mais dentro do quarto. — Falo.
— Mas nós não vamos ficar sozinhos. — Diz e faz um sinal com a mão para que eu entre. Dou pequenos passos devagar, e olho para a direção que ele está apontando. Outro garoto dormindo na cama. Sem camisa.
Fecho os olhos e respiro fundo. — Sério, não posso.
— Ah, por favor, é uma música com duas vozes, e tem uma parte muito aguda que uma mulher canta, não consigo. — O encaro por uns segundos. — Vai, só uma, por favor! — Vejo-o apoiar-se na caixa do violão e juntar as mãos na frente do rosto, implorando.
Balanço a cabeça e suspiro. — Tudo bem, mas só uma. — Respondo, então ele ri e pega o violão, dizendo-me qual a é música.
— Mas essa eu não sei a letra decorada. — Argumento.
— Pesquisa no celular, não tem problema. — Hugo fala, então pego meu celular e procuro a letra. Logo começamos a ensaiar.
"Mesmo assim", Henrique Cerqueira.
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