Capítulo 1
Mais um ano se passou e novamente estou eu aqui, no último banco de um dos ônibus alugados pelo pastor da igreja, onde todos os jovens estão cantando, brincando e fazendo piadas no decorrer da viagem. Todos são legais, mas a essa altura da minha vida eu tenho receio de qualquer contato que não esteja dentro do meu ciclo de amizades, simplesmente porque eu não quero arriscar: porque eu tenho medo de me apaixonar.
Fico apenas observando as árvores com folhas verdes e algumas amarelas passarem rapidamente diante da janela. Nós sempre viajamos nas férias de final de ano e passamos cerca de duas semanas, mas não é como se eu já tivesse acostumada, sempre ocorre em um lugar diferente, com programações diferentes e com uma outra igreja.
Fecho os olhos por alguns minutos, mas com esse barulho todo vai ser impossível cochilar.
— Acorda Samuela! — Ouço essa voz, que distingo com facilidade em meio a milhares, depois do enorme solavanco que ele causou no meu corpo ao me balançar. Olho pra ele com uma expressão raivosa, não só por ter me assustado, mas por saber que eu odeio quando me chamam pelo meu nome. Sério, meus pais não poderiam ter sido mais criativos! Ele revida levantando uma das sobrancelhas, como se não estivesse feito nada errado.
— Eu não me importo que você fique gritando e dançando do meu lado, mas pelo menos me deixa quieta. Aff!
— Aff digo eu, Sam. A gente está aqui a caminho de um lugar maravilhoso para passar um quarto das férias e você fica dormindo?! Ah! Me poupe!
— Você não precisa dormir comigo, Samuel! Continua cantando aí, please! — Ouço-o bufar e se virar novamente, mas logo acompanha os outros jovens que estão cantando e me esquece por um tempo.
Samuel é meu irmão mais velho (não que eu tenha outros); ele tem 17 anos, mas faz questão de me provocar sempre que tem chance.
Apesar dos ciúmes que tem, nós não somos do tipo confidentes; então além de contar meus segredos para Deus, que é meu melhor amigo principal, eu conto para mais duas pessoas: a Lia e o Vitor, que são meus melhores amigos e da mesma igreja que eu desde sempre.
Eu ia sentar junto com eles durante a viagem, por isso fiquei mais atrás, mas o Samuel e os outros garotos sentaram aqui e acabou faltando espaço, já que o ônibus encheu rápido e eles ainda se atrasaram. Ambos moram na mesma rua e por isso sempre combinam os horários para saírem juntos, mas dessa vez alguém se atrasou, e eu aposto que foi a Lia. Enfim... Eles acabaram indo no outro ônibus, e como também estava cheio eu fui obrigada a permanecer aqui.
— Pessoal, pessoal! — Ouço o André, que é o coordenador de jovens, chamar lá na frente enquanto levanta os braços pedindo silêncio. Aos poucos o barulho vai se esgotando, então ele dá um sorriso simpático. — É o seguinte: nós já estamos chegando e preciso que vocês sejam muito organizados, porque esse ano outros jovens de outra igreja vão participar, como vocês bem sabem. Peguem as coisas de vocês e deixem no ponto, que em cerca de cinco minutos vamos descer. Lembrando: primeiro o pessoal da minha esquerda desce, só depois o da minha direita. Quando nos reunirmos lá vou explicar como se dará o acampamento desse ano.
— Quer que eu leve alguma coisa? — Samuel pergunta se virando pra mim.
— Não, valeu! A mala é de rodinha, nem dá trabalho. — Ele só assente e organiza as duas mochilas que trouxe.
Depois de alguns minutos sinto o ônibus parar, então André fica dando as ordens lá na frente. Depois de mais algum tempo chega a nossa vez de descer e caminhamos em direção à porta.
Levo um susto ao ver o local. É simplesmente lindo! Vejo um caminho largo delimitado por cercas e muitas árvores ao redor. Um lugar totalmente acolhedor.
— Gente, nós vamos seguir esse caminho até chegar à parte central do sítio. É um lugar muito grande, então não se afastem do grupo para não se perderem. A Fabiane vai guiar vocês e nos encontramos lá, vou esperar o outro ônibus para ver se está tudo normal.
— Vamos lá, gente! — A Fabiane chama. Vou depressa até o André.
— André, será que tem como eu ficar com você por enquanto? Tinha combinado com a Lia e o Vitor de irmos juntos, mas eles estão no outro ônibus.
Ele me olha um pouco apreensivo. — Só você?
— Uhum. — Assinto.
— Tudo bem então. Ih! Olha ali eles! — Fala um pouco mais alto apontando para o ônibus que já vem chegando.
O ônibus pintado de laranja e azul enfim chega e todos descem devagar. Logo avisto os dois juntos e aceno, eles acenam de volta com um largo sorriso que retribuo com facilidade.
— Sam! — Lia dá um gritinho enquanto me abraça e depois o Vitor faz o mesmo, tentando imitá-la, ou melhor, provoca-la. Ficamos juntos enquanto ouvimos André repetir a mesma coisa que falou para os jovens que estavam no ônibus comigo e logo ele nos guia pelo caminho.
Todos estão conversando, mas mesmo assim decidimos andar um pouco mais devagar pra ter mais privacidade.
— E aí, está animada? — Vitor pergunta com um sorriso de lado e uma sobrancelha levantada.
— Super. — Respondo com ironia.
— Ah, Sam, não exagera! — Lia fala. — Não é só porque vai ter um monte de garotos novos que você vai ser obrigada a se apaixonar. Mesmo que eles sejam bonitos. E fofos. E interessados. E...
— Tá, entendi, entendi! — Corto-a.
— E como estava lá no teu ônibus? — Vitor pergunta mudando de assunto.
— Nossa, o pessoal estava incontrolável! Eles gritavam tanto que nem dava pra saber a música que estavam cantando. — Rio.
— No nosso estava a mesma coisa. — Ele ri. — Muito massa!
— Sabe com o que eu estou animada?! — Lia pergunta com os olhos brilhando.
— Com o quê? — Pergunto.
— Com o pessoal da outra igreja.
— Meu Deus! Ela só pensa nisso! Acredita que veio o caminho inteiro falando as qualidades que o namorado dela tem que ter? Não, e não é só isso! Ela ficou dizendo que Deus a fez vir paro acampamento desse ano pra entregar o amor da vida dela e blá blá blá.
Olho pra Lia e começo a rir. — Olha, 16 anos é maioridade só nos Estados Unidos, tá? Aqui no Brasil é mais difícil que isso.
— Acalma o coração que um dia chega a hora. — Vitor completa.
— Sam, o Samuel veio? — Lia pergunta mostrando os dentes.
— Ô Liane, por que você não pede logo pra namorar com ele? Aff!
— Ah Sam, não precisa se estressar. — Diz. — Mas você não gostaria de ter como cunhada sua melhor amiga? — Pergunta depois de um tempo em silêncio.
— Até que eu gostaria, sim. — Brinco.
Até dou razão para a Lia, Samuel é muito lindo mesmo! Seu cabelo é bem loiro e liso, assim como o meu, e a franja caindo sobre a testa dá um aspecto muito fofo, já que ele é meio alto e forte. Acho que ser neto de alemães nos fez muito bem, ainda mais porque eu amo meus olhos verdes, e ele tem a maior inveja por causa disso, porque os dele são pretos iguais aos do papai. Na verdade eu dei muita sorte, porque não sei como, mas puxei exatamente para minha bisavó, a única pessoa da família com os olhos verdes, já que quase todo o resto tem olhos pretos ou castanhos escuros.
Apressamos o passo e acompanhamos o restante da turma, conversando sobre várias outras coisas sem muita importância.
— Pessoal! — Ouço novamente a voz de André; o barulho está muito grande, o bom é que ele sempre consegue essa proeza. — Obrigado! Enfim, sejam bem-vindos ao acampamento desse ano! O negócio é o seguinte: mais à frente vocês estão vendo duas casas, uma amarela e outra laranja. As meninas podem se dirigir à laranja e os meninos à amarela. Na porta de cada quarto vocês vão encontrar uma lista com os nomes de vocês, e o quarto que tiver o nome de vocês na lista é o que vocês vão ficar durante as duas semanas do acampamento. Lembrando: não vamos trocar ninguém de quarto, a não ser que essa pessoa nos apresente uma explicação plausível. Assim que vocês acomodarem suas coisas lá se direcionem àquele salão depois da piscina, vamos fazer uma pequena reunião. Podem ir.
Todos começam a sair em direção às casas, as meninas para a esquerda, perto de várias árvores, e os meninos para a direita, perto de um lago pequeno.
— Será que vamos ficar juntas?
— Não sei. — Respondo insípida, mas eu não sou uma amiga grossa (só às vezes).
Assim que chegamos à casa percebo que seus cômodos são enormes e vão acomodar muita gente, então acho que será um milagre se eu e Lia ficarmos no mesmo quarto.
Ao caminhar percebo que ao redor de toda a casa há uma varanda, e conto dois quartos, uma suíte, um banheiro, sala e cozinha em baixo; e em cima quatro quartos e dois banheiros. Procurei meu nome em todos os quartos de baixo, onde possuem cerca de cinco ou seis pessoas nas listas, mas só encontrei "Samuela Dühem Britto" junto com outros quatro nomes no andar superior, onde eu conheço apenas um, que é o da Eduarda, uma menina morena, magra, do cabelo enorme e cacheado e olhos escuros; ela faz parte do grupo de dança da minha igreja.
— Ah não, Sam. Vamos falar com o André. — Lia diz deixando as malas no meio da casa e já me puxando.
— Lia, é óbvio que ele não vai deixar. O que vai dizer? Ah, muda a gente porque não aceitamos ficar separadas. Não cola, amiga!
Ela franze as sobrancelhas e abaixa o olhar. — Você nem liga, né Sam? Aposto que estava era torcendo pra ficarmos separadas; vai contar seus segredos para a Duda agora?!
— Para, Lia! Claro que eu não quero isso, mas sei que o André não vai nos mudar só porque somos melhores amigas. Procura lá teu quarto que eu vou escolher minha cama. — Ela respira fundo e assente.
Entro no quarto e vejo que já têm três meninas aqui dentro (contando com a Eduarda), ou seja, só sobraram duas camas pra eu escolher: uma é só um colchão no chão e a outra é a cama de cima de um dos beliches de madeira escura, então, obviamente, escolho a beliche. Subo a escadinha com um pouco de trabalho, já que estou levando a mala e coloco-a sobre o colchão; logo desço e saio do quarto.
Procuro pelo corredor o quarto que tem a lista com o nome da Lia: Liane Carvalho de Almeida, e para a minha surpresa é enfrente ao meu, o que é bom. Entro e percebo que só têm duas pessoas no quarto, contando com ela, então presumo que as outras três sejam da outra igreja.
— Vamos? — Pergunto me aproximando da cama que ela escolheu.
Assim que saímos da casa pra ir em direção ao salão — que fica, inclusive, um pouco longe de ambas as casas, mas é realmente enorme, tendo várias mesas longas, quatro banheiros e uma cozinha — percebemos que há vários outros jovens chegando, e penso, logicamente, que são os da outra igreja. São tão numerosos quanto nós.
— Quer esperar o Vitor? — Pergunto me direcionando a minha amiga.
— É bom, né? — Fala; apenas assinto e andamos em direção à casa dos meninos.
Ficamos encostadas na parede da varanda enquanto vários garotos que não são o Vitor passam por nós.
— Estão esperando alguém? — Conheço essa voz. Viro-me e vejo meu irmão vindo da lateral direita da varanda. Olho rapidamente para Lia, que está com um sorriso enorme e as bochechas rosadas, o que é bem comum quando está envergonhada.
— Estamos sim. — Respondo.
— Posso saber quem, mocinha? — Olho impaciente pra ele, como se já não fosse óbvio quem nós estamos esperando. Ele me ignora. — Oi Liane!
— Oi Samuel!
— E aí, tudo bem?
— Tudo sim, e com você?
— Tudo ótimo. Já vou indo, não quer ir comigo enquanto a Sam espera o namorado dela? — Bufo. Lia ri um pouco sem graça e olha pra mim, apenas assinto e eles saem conversando.
Então... Estou aqui sozinha aqui em meio a uma multidão de garotos que eu vejo três ou duas vezes na semana e garotos que eu nunca vi na vida.
— Oi. — Ouço uma voz que não conheço e viro na direção dela. É um garoto que deve ser da outra igreja, porque nunca o vi. Assinto com a cabeça pra ele e sorrio simpaticamente sem mostrar os dentes. — É... A casa das meninas é a laranja. — Olho pra ele com as sobrancelhas erguidas. Ele pensa que sou burra?
— É... — Dou um sorriso sem graça. — Estou esperando um amigo.
— Ah tá. — Ele ri. — É a primeira vez que você vem?
— Não.
— Hum... É a primeira vez que eu venho. — Ele comenta e eu só balanço a cabeça novamente.
— Oi Sam. — Viro rapidamente. Ainda bem que você apareceu, Vitor! Penso aliviada.
— Oi. Demorou, viu?! — Falo.
— É... E você nem sabe! — Ele começa a explicar o fato de seu nome não estar em nenhuma das listas e ele ter ido falar com o André sobre isso, mas percebo que o garoto que falou comigo fica me olhando direto, então puxo o Vitor pelo braço, me despeço dele e vamos caminhando em direção ao salão.
Já há bastante gente no salão quando chegamos, e ao procurar Lia e Samuel sinto um pouco de dificuldade, mas logo vejo que estão em uma mesa perto da plataforma com o pedestal, o microfone, uns cabos e uma caixa de som. Andamos até lá e sentamos. Junto com eles estão três amigos do Samuel, os que estavam sentados atrás com a gente, e uma garota, que deve ser a namorada de um deles.
— Todos estão aqui? — Ouço a voz de André no microfone. Na plataforma, com ele, estão a Fabiane e mais dois homens que provavelmente são o coordenador e o vice da igreja deles. Os jovens começam a se entreolhar para tentar confirmar presenças, mas tenho certeza que ainda falta muita gente.
Eles esperam mais um pouco enquanto mais pessoas vão chegando, e depois de uns minutos o salão está lotado.
— Bom, pessoal, paz do Senhor! Sejam todos muito bem-vindos! Chamamos vocês aqui para explicar o funcionamento do acampamento desse ano. Pra quem não sabe, meu nome é André, essa é a Fabiane, esse é o Márcio e esse é o Júnior. Vou começar pela programação. Número um: o café da manhã é servido das 7 até as 8 horas, ou seja, quem acordar tarde e tiver problemas na filinha do banheiro, resultando assim no atraso, e o café tiver acabado, não nos culpem, por favor. Número dois: a manhã é de vocês. Leiam, cantem, dancem, brinquem, durmam, enfim, aproveitem como quiserem, porque a tarde é toda programada. Número três: o almoço é servido das 12 até as 13 horas; mesmo esquema do café da manhã: não deixem pra se arrumar na última hora. Número quatro: às 14:30 vocês precisam estar aqui no salão, pois vamos definir a prova ou as provas do dia, que durarão até aproximadamente 17:30. Número cinco: às 19 horas temos culto aqui nesse salão. Seis: o toque de recolher é às 23 horas. Demos a vocês uma folha com o cronograma e todas essas informações, então não esqueçam. Agora vou passar a fala para a Fabiane.
— Bom dia, gente! — Ela fala e todos respondem. — Paz do Senhor! Bom... Agora eu vou dizer as regrinhas básicas, as proibições. Primeira: meninos e meninas não podem ficar sozinhos em lugares vazios. Isso mesmo! Nada de se isolarem pra conversar, mesmo que já sejam namorados. Segunda: o banho de piscina e no lago só serão permitidos de acordo com o dia e o horário. Nas segundas, quartas e sextas, das 9 às 11 horas, são as meninas. E nas terças, quintas e sábados, no mesmo horário, são os meninos. Domingo é o dia que limparemos a piscina, então o banho será no lago, sendo que das 9 às 10 horas serão as moças, e das 10 às 11, os rapazes. Isso também está na folha que vocês têm. Terceira regra: todos deverão participar das provas, a não ser que tenham uma boa justificativa. Quarta regra: sujou a louça, lavou, ok? Nada de deixar para as cozinheiras ou os colegas lavarem, a não ser que eles queiram, o que eu acho bem difícil. — Ela dá uma risadinha. — Quinta: todos devem participar dos cultos, a não ser que também estejam impossibilitados de permanecer no salão. Por exemplo: "Ah, Fabiane, eu estou com diarreia e toda hora preciso ir ao banheiro." — O pessoal começa a rir, mas logo para. — Sexta: nós vamos sortear dez equipes que participarão das provas e serão responsáveis pela limpeza do local. Todos precisarão participar? Sim. Todos precisarão limpar? Sim. Também teremos três vencedoras, e cada uma vai ganhar um prêmio conforme a colocação. Sétima regra: Cumpram as outras regras. — Ele solta um risinho e se afasta do pedestal.
— Olá pessoal! — Fala o Márcio. — Paz de Cristo! O Júnior está aqui com uma caixinha que contém o nome de todos vocês. Agora vamos fazer o sorteio das equipes. E para me ajudar eu quero chamar aqui à frente o Roberto. — Todos começam a olhar para os lados procurando esse Roberto, que logo chega à plataforma com outra caixinha. — Pessoal, este jovem rapaz aqui está com as fitinhas das cores. Mas que cores? Bom... As equipes serão diferenciadas pela cor, e temos a azul, a vermelha, a amarela, a verde, a marrom, a laranja, a preta, a roxa, a branca e a rosa. Cada equipe vai ter dez componentes. Quem nós formos chamando venha aqui à frente pra receber a fitinha que deverá ficar no braço de vocês até o final do acampamento. Lembrando que as equipes ficarão imutáveis, ou seja, sinto muito se você não gostar da equipe que ficar, porque não poderá trocar. E vamos lá... Alyson. — Ele começa a chamar vários nomes e várias pessoas vão indo à frente.
— Espero que a gente fique na mesma. — Falo meio nervosa para a Lia e o Vitor e eles concordam, na expectativa.
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