Capítulo 8
Não restava mais nada a Mira além de esperar.
Aqueles dias passaram e era sempre o mesmo. Mira estudava, respondia às mensagens deixadas pelos seus pais, pesquisava e à noite percebia quando Amélie abria a porta para sair, achando que estava passando despercebida.
Mira ainda tinha pesadelos, mas Nicolai a evitava. Ela sabia que teria que esperar pelo dia em que receberiam permissão para ir até Hazima. Os outros membros do grupo se tornaram mais próximos, o termômetro da amizade estava cada vez melhor, principalmente quando se tratava de Zoe, cuja gentileza facilmente cativou a todos.
Naquela manhã, Amélie estava mais feliz do que nos outros dias.
— Hoje é o grande dia! — Amélie quase saltitava de empolgação.
— O que tem hoje? — Apolo perguntou, curioso.
— Não me diga que não lembra depois dela falar um milhão de vezes? — Roberto perguntou, e Apolo se lembrou dos outros dias.
— É o meu aniversário! — Amélie não se abalou com o esquecimento. — Preparem-se porque junto ao meu aniversário acontece o festival da salvação e este ano vocês serão meus convidados para o jantar.
— Este ano os Monstros irão tocar. Eles são incríveis — Seline também se animou.
Os Monstros eram uma banda bastante famosa. Seus shows sempre tinham muitos artifícios mágicos, já que o cantor era um mago. Os outros membros eram um elfo, dois lobisomens e uma feiticeira, sendo esta última responsável pela parte visual.
— Fiquei sabendo que o festival aqui de Blain é famoso pelas barracas de adivinhações, seja por cartas ou até sonhos. — Zoe ficou curiosa após ter visto notícias sobre o festival e comentários de outros colegas sobre o assunto.
A fala da sereia chamou a atenção de Mira. Ela ficou animada em ir ao festival, poderia tentar descobrir o significado de seus pesadelos por lá e talvez assim não precisaria ficar pedindo ajuda a Nicolai. Será que uma feiticeira experiente em adivinhações realmente poderia ajudá-la? Talvez ela também pudesse prever se sua pulseira de bloqueio à luz seria eficaz. Em breve a última encomenda chegaria e ela poderia testar a pulseira pela primeira vez, se livrando de ter que continuar usando guarda-sol e óculos.
Durante as aulas, de vez em quando, a mente de Mira vagava pensando em como seria quando suas preocupações fossem embora, ou se nunca terminariam. Em meio aos pensamentos, o tempo passou mais rápido e os alunos foram dispensados de suas atividades acadêmicas. Os portões da escola foram liberados devido ao festival. Todos foram se arrumar para aproveitar tudo o que o centro de Blain no dia da salvação tinha a oferecer.
Por ser uma noite quente, Mira optou por usar um vestido. O tecido era leve, no entanto, ela não se permitiu deixar os braços descobertos. Ainda que as mangas fossem finas, eram o suficiente para cobrir suas cicatrizes. O tecido azul-marinho cobria todo seu corpo, deixando apenas o pescoço e uma pequena parte do busto à mostra. Ao contrário dela, as outras não tiveram problemas para se mostrar um pouco mais.
Seline usava uma blusa com estampa da banda que tocaria, larga e comprida, junto com shorts e tênis. Amélie usava um short de tecido brilhoso e sua blusa justa deixava à mostra um pouco da barriga. O tênis foi uma opção para a maioria ali que previa ter que andar muito pelas ruas durante o festival. Pela primeira vez, Zoe usava uma jardineira jeans com uma blusa de mangas cor-de-rosa claro. Mira lhe ensinara técnicas de maquiagem terrena, que ela estava experimentando pela primeira vez.
Para os meninos, não havia tantas diferenças a não ser pelas cores e estampas. Nicolai usava um conjunto que deixava suas tatuagens do braço direito à mostra. Era o único que estava de calça. Roberto foi quem mais ousou, usando um blusão estampado com o universo, sem mangas e com capuz. Apolo não escolheu tanto, apenas colocou uma camisa e bermuda e foi feliz sem pensar muito no que vestir. Pensava apenas em ter praticidade para proteger Zoe no meio da multidão e esperava poder ter um momento de privacidade sem guardas os observando. Zoe partilhava do mesmo desejo.
Na saída do colégio, o grupo pegou um transporte coletivo. Através da janela era possível ver as árvores dando lugar a casas e prédios. Em um ponto, eles desceram para seguir o resto do caminho a pé. O grupo caminhou por um tempo em meio à multidão de pessoas nas ruas de Blain. Tentando não se perder, seguiam Amélie com atenção redobrada até que ela parou em frente a um local. Mira agradeceu às Deusas por finalmente acharem o restaurante.
O restaurante tinha uma fachada de madeira rústica, com desenhos na porta e uma placa pendurada acima dela com o nome "Restaurante Halloween".
Ao entrar, eles viram que as poucas janelas eram cobertas por cortinas pretas e as toalhas das mesas tinham a mesma cor. O que iluminava o ambiente eram diversas luminárias espalhadas pelo local, deixando o ambiente sombrio, porém claro o suficiente para podermos transitar.
— Só eu achei esquisito? — Zoe se encolheu, observando ao redor, inconscientemente se aproximando mais de Apolo.
— Acho que só não estamos acostumados. Vamos nos sentar? — sugeriu Apolo, e todos concordaram, satisfeitos.
Uma mística se aproximou para atendê-los. Levou um tempo até todos fazerem o pedido e, antes que a comida chegasse, conversaram banalidades sobre o colégio e as futuras provas. Apesar da conversa os distrair, quando finalmente puderam comer, a atenção foi voltada para a refeição.
— Puxa! Esses legumes cozidos estavam perfeitos, mas agora está chegando a melhor hora. — Amélie bateu palminhas.
Após terminarem e uma jovem levar todos os pratos, outra foi em direção à mesa segurando uma bandeja com sobremesas em taças. A moça entregou o doce e pegou uma vela que ainda não tinha sido percebida. Ela era vermelha, grossa e tinha detalhes em dourado.
— Essa vela concede desejos. Você deve pensar bem no que vai pedir para não se arrepender depois. Então, acenda, sopre pensando no pedido e a enterre em um lugar significativo.
Amélie pegou a vela e a guardou com muito cuidado. Ela parecia bastante séria. Ao observar a amiga, Mira pensou: Por que nunca ganhei uma dessas no meu aniversário?
Com a barriga cheia e a conta paga, eles caminharam em busca da atração principal do dia.
Por toda a extensão da rua principal havia barracas variadas e decorações coloridas. A rua toda estava fechada para apenas transitarem místicos nela. Mira estava ansiosa para encontrar uma barraca de adivinhação onde poderia perguntar sobre suas visões, mas ainda estava incerta sobre a segurança das informações.
Passeando a vista até onde seus olhos alcançavam, Mira avistou uma figura bem peculiar. Ela usava um lenço brilhoso na cabeça como se fosse um chapéu, um vestido na altura dos tornozelos, parecia estar descalça e cheia de adereços no pescoço, braços e pés.
— Se te interessou tanto, aproxime-se, jovem! — Ao ouvir sua voz aveludada, Mira olhou em volta achando que não era com ela. — É você mesmo, senhorita Mira.
A vampira se surpreendeu quando a mística falou seu nome. No entanto, não deveria ficar, afinal, ela já havia sido avisada que naquela festa havia místicos fazendo adivinhações.
— Perdão por ficar olhando... — Mira se sentiu tímida, como se aquela mulher pudesse descobrir todos os seus segredos.
— Pode me chamar de Íris. No que posso te ajudar hoje? — perguntou ela, sorrindo com simpatia e indicando a entrada da barraca.
— Ah! Eu só estava olhando mesmo! Mas já que perguntou, realmente preciso conversar sobre algo... — Mira olhou para trás para checar os companheiros. Eles estavam distraídos, então Mira se aproximou esperando que não se perdessem.
Ela entrou na barraca pouco iluminada. Dava para ver os diversos artefatos, desde caldeirões até uma bola transparente, parecendo ser feita de vidro, apoiada em um suporte.
— Talvez as cartas nos digam algo. — Íris começou a procurar algo em uma bolsa. Assim que achou, voltou a olhar para Mira. — Sente-se — Íris indicou uma cadeira e começou a embaralhar suas cartas. — Devo dizer que seus olhos se parecem com duas luas brilhantes. Imagino que são raros.
— Sim, na minha família não tem ninguém assim. É algum tipo de variação. — Mira já estava acostumada com pessoas questionando a origem dos seus olhos. Já perguntaram até se ela era adotada.
— Diga-me o que você procura saber.
— Para começar, eu gostaria de entender os pesadelos que estou tendo e também se meu projeto para me proteger vai dar certo.
Íris assentiu com os olhos fechados e falou algumas coisas que Mira não entendeu bem, pois ela sussurrava. Mira chegou a ouvir o nome das Deusas, mas não distinguiu o resto da fala. Íris espalhou as cartas na mesa e, quando abriu os olhos novamente, pediu para a jovem escolher três cartas.
Mira sentia-se ansiosa e olhava para as cartas com medo do que o destino revelaria. Ela respirou fundo e pegou três cartas, virando cada uma à sua frente.
— O eclipse, o fogo e os gêmeos. — Íris franziu a testa; na visão dela, as cartas enviavam mensagens subliminares que outros seres sem o dom não percebiam. — Isso não parece agradável.
Os músculos de Mira tencionaram ao ver a expressão séria da feiticeira.
— Como assim? O que tudo isso significa?
— Uma ameaça está por vir, e você precisará encontrar a pessoa cuja alma está ligada à sua para enfrentá-la! — disse a feiticeira, séria.
— Alma? Mas vampiros não têm alma. — Mira hesitou, lembrando que vampiros são imortais e, portanto, desprovidos de alma.
— Mira! As cartas não mentem. Não sei quem ou por que, mas você deve se preparar. Com sua alma gêmea, você poderá salvar o nosso mundo.
— Íris, eu preciso de mais informação. Isso está muito confuso. Como voltar para casa com mais dúvidas do que respostas?
Íris compadeceu da confusão da vampira e pegou sua bola de cristal. Ela parecia concentrada enquanto passava a mão sobre o objeto e recitava uma oração às Deusas. De repente, ela recuou como se tivesse levado um choque e se levantou da cadeira procurando algo. — Você tem que achar o colar da lua.
— Como assim? — Mira se sentia frustrada com as incógnitas da feiticeira até que ela voltou com um papel e lápis em mãos e começou a desenhar.
— Se você não o tem, alguém da sua família talvez tenha. Ache-o e use. — Terminando o desenho, Íris o entregou a Mira. O colar era delicado e o pingente literalmente tinha a forma da lua minguante. A vampira teve uma sensação de déjà vu ao olhá-lo.
Mira voltou a olhar para Íris e a feiticeira também a observava. Ao contrário dos momentos anteriores, naquele momento, a vampira podia sentir as emoções da feiticeira e não detectou maldade. Talvez ela estivesse sendo sincera, pensou. Toda aquela conversa deixou Mira incerta. Aquela mulher que a ameaçava em seu sonho era real? Era ela a ameaça que teria que lutar contra? Mira sentiu medo. Era muito jovem para a responsabilidade de salvar o mundo.
Sentindo toda a pressão prestes a explodir dentro dela, ela se lembrou de onde tinha visto aquele objeto desenhado na folha.
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