Dois metros diante um e cinquenta e oito
De pé. Sem camisa, sem calçados. A pelagem azul cinzenta, a coluna com tênue inclinação a frente.
Um rosnado escapava baixo, constante. As presas proeminentes pingavam sangue.
Era noite na cidade de Semiramis.
A criatura com longos chifres piscou diante dele. Branca e tocada pelo luar. Boca abriu, fechou. Acima do solo negro e maculado aqui e ali por grama.
A cada dez pessoas com quem se envolvia, nove eram flácidos pedaços de carne. Humanos, elfos, anões, licantropos mestiços.
O estômago rugia por eles. Junto aos hormônios.
Aquilo, sob aquela ponte de madeira, era robusto. Com garras afiadas no lugar das unhas. Babando rubro. Pondo o ar a vociferar com sua aura. Placas de madeira tremiam acima. Areia e pedras recuavam a baixo.
Ele limpou o maxilar canino. Empapando de rubro a estrutura ao redor do nariz preto. Devagar, o bíceps rígido e tomado por veias.
Cauda em pé.
''Ele levantara''. A oni o acertou um tapa com a força que usara para arrancar um dente do Cerberus. Para manter um ciclope no chão. Para fragmentar a cabeça de um aventureiro da segunda maior classificação.
Gotas de excitação subiram e desceram pela região do estômago.
— Qual o seu nome? - perguntou mais alto que a ventania. Fria, balançando-lhe os cabelos negros e vestes roxas.
A gengiva do homem lobo subiu. Dentes colocados em vitrine.
Ela sorriu para a besta antes que notasse. ''Era assim, não era?''. Mil anos atrás, antes dos licantropos serem cachorros de estimação. De serem escravos e de serem contaminados com genes de outras raças.
Bestas velozes como poucos dos melhores das demais espécies. Sem medo. Olfato mais apurado que de vampiros. Reinavam onde estivessem.
''Poucos''. A matilha mais numerosa era acreditada ter cinquenta deles na época. As menores mal chegavam a dez. Suas sementes poucas vezes vingavam. ''Não por isso... quem sabe o que seria do continente hoje?''.
Um verdadeiro licantropo. Quão puro? O suficiente para ser a encarnação do auge da raça de acordo com o que lera. Do que vira ao olhar a face de Enzo.
A oni riu. Sorrindo largamente. Abriu os braços.
— É casado, senhor? - perguntou, lilás contra o negro das orbitas da besta.
A fera avançou.
— Oh, dançar primeiro? - comentou. Um passo para trás, garras de uma mão dele assobiaram a meio milímetro de sua face. Um filete de sangue surgiu no nariz. Ardeu. E a outra mão do licantropo desceu. Aberta, o peso de toneladas caindo em um borrão.
Esmagou o solo. Ruidoso, lançando pedras em centenas de direções. O olhar seguindo a figura alva se afastar. Manga do quimono lilás dela rasgada pelo relar do golpe.
A besta avançou. Lançando-se adiante com quatro patas. Saliva caindo. Branco sumido nas orbitas.
''Oh, que ótima expressão'' a oni.
A boca do homem lobo fechou-se ao lado da cabeça do demônio. Com um estralo alto, gotas de baba voando. Lentas.
Ela pisara para o lado. Movendo-se em círculo, forçando a mudança no centro de equilíbrio da besta. Criando um espaço ao fazê-lo mudar o ângulo do foco.
Um espaço cego. Onde algo que não o atingiria de frente noventa e nove de cem vezes alcançasse esse ''um'' no qual acerta.
́ ́ Porque ele é rápido''. Um golpe de raspão rompera a pele da oni. A pele que espadas e magias de indivíduos relativamente fortes não cortaram ao atingir em cheio.
O demônio baixou, o ruído do rio ofuscado as costas. Pés afundando em lama. Suor traçando caminho pelas bochechas e garganta. E garras do licantropo. A passar trovejante sobre cabeça, a seguir diante do tronco, então a piscares dos braços. Lançando arrepios gélidos do mindinho a ponta da nuca. Dando contornos vermelhos a pele da oni.
E boca lupina. Vindo e vindo. E mordendo, fechando-se com o som que poderia ser o próprio sino da morte. Menos que um dedo de arrancar-lhe carne, ossos, vida.
Já encontrara sujeitos e coisas que cortaram-na antes. Mas agora...
''Eu sinto medo? Não... frio preenchendo meus ossos? A sensação de urgência... sim, o sentimento da verdadeira necessidade de prestar atenção''.
De não poder, não ''não escolher'', tirar os olhos púrpuras do que está adiante.
Agarrou. O pulso envolto em pelos da besta. Apertou a musculatura rígida. Ele puxou, o agarro persistiu. O forçar contra forçar tomou o lugar da movimentação intensa. Carne do licantropo lentamente cedendo. Mão da oni queimando de tensão. Negro e lilás fitando um ao outro.
O barulho do rio arranjou espaço no ambiente. A ponte vazia dois passos a retaguarda. A calçada a direita da oni era feita de pedras. Um metro elevada em relação a onde pisavam, ocupada por três silhuetas. Do outro lado da correnteza um pescador mantinha o olhar onde atirara a isca.
— Você é entediante - a mulher com chifres marcados de rubro contou ao licantropo. Semblante gélido, tom austero. Peito subindo e descendo em uma respiração sonora. - Morder, arranhar... Vai levar muito para o sentar e fingir de morto? Ou irá finalmente começar a tentar me matar por um fim dessa pantomima?
Soltou o pulso dele. Silêncio. Relaxaram a postura.
Parados um de frente ao outro. Dois metros diante um e cinquenta e sete.
Um dos meninos na calçada gritou ''Ah, agora que tava ficando bom eles para''. ''Né? Mó paia isso'' outro. ''Falta de comprometimento, na minha época só cabava em caixão'' a mais velha.
O pescador ''Finalmente. Saporra tava assustando os pexe''. E atirou o anzol mais a esquerda.
O licantropo gargalhou. Um misto estrondoso de uivo e riso.
— Qual o seu nome? - ele perguntou de cima. Peito largo e definido. Percorrido por uma longa cicatriz.
— Nenhum em particular... - a oni respondeu de baixo. Em um quimono roxo e retalhado, com manchas rubras na pele.- Minha mãe não se deu o trabalho.
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