− Primeiro deixa eu te explicar porque o nome de sua ilha é Saci – Iaci bebeu um pouco da água de coco e continuou – É tudo muito simples, mas quero que preste bastante atenção para que eu não precise repetir, já que tempo é o que a gente está precisando. Bem, há muitos anos, os sacis decidiram esconder-se das pessoas normais. Foi então que decidiram criar Isla, mas, para terem um contato maior com o seu mundo, fizemos de Saci nossa segunda habitação. Infelizmente a natureza humana não permite algumas diferenças... Mas confesso que seu povo é bem tolerante, ainda assim houveram muitas divergências no começo.

"Então eles decidiram inventar a lenda do saci. Quando um saci de verdade fosse visto na sua forma natural, o que devemos fazer é apenas nos transformar naquilo que você disse mais cedo, e não causaríamos grandes problemas se saíssemos logo do local. No máximo, a pessoa pode até achar que teve alguma alucinação ou estava cansado demais e viu o que não existia de verdade. Como deve saber, essa lenda do saci foi interpretada pelas pessoas, de duas maneiras diferentes. A primeira de que o saci é um menino que gosta de travessuras, a outra que é um menino muito... ham... como posso dizer?... ruim".

"Pois bem, as duas são verdadeiras até uma certa parte da nossa história. Acontece que, outrora, muitos de nós foram vistos fazendo algumas travessuras ou... matando alguém, – essas últimas palavras, Iaci teve dificuldade de falar e com a voz embargada continuou – mas agora os que matam, recebem outra denominação, contudo continuamos com a fama de assassinos."

− O que? Vocês matam? – interrompeu Abigail. Ela conheceu essas duas lendas, mas nunca ouviu falar que um saci tinha matado alguém. Além do mais, uma história de criança não iria falar de algum personagem assassino. Ela então parou para pensar, se esses seres fossem como os humanos, significa que nem todos eram iguais.

− Sabe Abigail... um saci nada mais é do que um ser humano dotado de poderes especiais. Assim como humanos normais, também não existem apenas sacis bons. Em uma determinada época passou a existir uma ruptura entre os sacis. Surgiu então duas facções dentro do nosso sistema. Essa segunda facção se separou de nós e se autodenominaram curupiras. Porém todos, independentes de em quais grupos estejam, quer manter a lenda do saci viva. Não é interessante para os dois lados serem descobertos por pessoas livres e conscientes. E bem, a razão pela qual sua ilha se chama Saci, é que em um não muito belo dia, – e deu uma risada irônica e melancólica – estávamos guerreando. Os sacis contra os curupiras no meio da ilha, quando vimos que estávamos sendo assistidos, meu grupo se transformou em meninos como diz a lenda e saíram em forma de um redemoinho.

"Mas os outros, se transformaram em meninos morenos com os pés virados para trás, e gritaram para todos dizendo que eram os Curupiras, "a raça superior". Foi a partir daí que surgiu também a lenda deles e é claro que eles fazem tudo o que ela diz, mas não só isso, eles também fazem coisas muito piores. Como torturar e matar alguns que se adentram demais na floresta. Os habitantes deram a justificativa de que os curupiras gostam do meio ambiente e tentam protegê-lo. Quando saímos da vista dos habitantes de Saci, os curupiras nos disseram que eram muito superiores e não poderiam ser chamados de saci por mais ninguém".

− Mas por que os curupiras matam? – indagou horrorizada.

− Matam por diversão e porque acham que tem direitos sobre a vida de qualquer ser vivo. Acham que os humanos são seres sujos e inferiores. Tentam recrutar o máximo de combatentes que podem e quando descobrem que alguém fora de nossa "comunidade" tem poderes, tentam levá-los para seu lado, mas quando esses se recusam, eles matam. E você, Abigail, mais cedo ou mais tarde vai ser descoberta. Resta saber que lado vai querer ficar.

− Eu? Mas não fiz nada... não pertenço a esse mundo maluco de vocês! Por que eu precisaria escolher algum lado?

− Não fez nada ainda e pode terminar não fazendo se essa for sua escolha – interrompeu Iaci – O que você tem que entender, é que a Cuca, a líder de todos eles, está desesperada pelo poder e ao mesmo tempo paranóica, pois até hoje ninguém conseguiu ser tão poderosa quanto ela. Por isso mesmo, a cada dia fica mais cruel, com medo de que possa surgir alguém que possa se igualar a ela e esse esteja no lado oposto. Para isso ela vai matar ou tornar seu aliado qualquer um que tenha algum poder e pior ainda se apresentar um grande potencial. E suspeito que seu potencial não vá passar despercebido.

− Não estou entendendo. Quem é a Cuca?

− A sim – Iaci encheu o copo de água de coco novamente e continuou – Existe a lenda da Cuca também, mas ela não expressa nem um terço do que realmente é capaz de fazer e ela não tem a forma de jacaré. Não sei de onde tiraram isso – resmungou consigo mesma – Isso seria insultar os coitados que nada têm a ver.

− Que forma tem então?

− De uma mulher, lógico! Ela é a líder dos curupiras – explicou ­– Eu não menti, realmente somos todos humanos, o fato de existirem esses nomes como curupiras, sacis e pessoas normais são apenas nomes que usamos para identificar os grupos. Embora os curupiras tenham uma outra opinião.

− Ah! Então a Cuca pode ser você? – comentou em tom de brincadeira, não estava levando muito a sério. Aquilo tudo parecia uma piada de mau gosto.

− É claro que não! Nem a Cuca e nem os curupiras podem entrar em Isla! Eu? Francamente! Sou a rainha dos sacis!

− Nossa! Essa é uma grande revelação! Mas então por que desde quando chegamos, ninguém a reverenciou? – perguntou descrente. Se realmente aquela mulher fosse uma rainha, porque cargas d'água iria atrás de uma menina sem importância de uma vila?

− Não temos esse tipo de costume aqui. Como também, caso haja um mau governante, o povo daqui tem direito de tirá-lo do poder e nomear um novo. O rei ou rainha não é nada mais que um representante do seu povo, para os sacis. Não é o povo que me serve, mas sim o contrário. Cada um aqui têm seus empregos e este é o meu − Iaci tomou um gole do refresco e continuou − Abigail, escute: se você vier aqui de novo, não poderá voltar para casa por algum tempo, talvez até meses ou anos, entende isso?

− Não – disse surpresa – Por quê?

− Se vier de novo, estará aprendendo como ser um saci junto com outros de sua idade, se, claro, você tiver poder suficiente para isso. O que claro, tenho certeza que possui. Não estava só me divertindo com você ontem, eu estava te avaliando. Gosto muito de visitar sua vila e em uma dessas visitas, eu reparei em você.

− As pessoas não nascem sacis ou curupiras?

🐇 E aí,  meu povo e minha "pova"? 😅
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