Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Capítulo 2 - "Aba, o quê?"

Alvorada de uma sexta-feira qualquer. O sol nem havia despertava direito, mas boa parte dos pescadores e navegantes, e os comerciantes que viviam da pesca no povoado de Rio Adentro já terminavam de trilhar a metade do caminho aberto no meio da floresta até a praia de Miri-Mirim, de onde suas canoas e embarcações já estavam prontas para mais um dia de trabalho. Minutos depois e através do mesmo caminho por onde todos percorriam, lá se ouviam os assobios que sempre antecediam o riso alegre e sossegado do jovenzinho franzino e simpático que lutava para vencer a teimosia dum velho jumentinho até o banho no igarapé[1] mais próximo. Senhoras e senhores, eis aí Pedro de Souza Antunes, o melhor filho que uma senhora como dona Rosaura poderia ter.

-Ô pobrezinho, só consegue avançar se for na base do chicote, né? Ah, mas se eu pudesse bem que te comprava daquele senhor e te deixava livre dessa vida de cargueiro! - Aos dezenove anos, não era de hoje que Pedro se encarregava de cuidar dos animais utilizados pelos viajantes para chegar à hospedaria de Rio Adentro. Desde então, cada dia se tornava uma pequena aventura como esta, ora torcendo para que burros, cavalos e bois não fossem maltratados com chicotadas, galopes acelerados e o peso de bagagens, ora convencendo o velho jumentinho a deixar a teimosia de lado e aceitar sua condução até o banho no igarapé. Usufruindo das águas, logo se pensava na próxima tarefa que deveria executar dali a pouco, no café da manhã a ser preparado pela mãe Rosaura e assim por diante.

Ou melhor dizendo, assim deveria ocorrer se de repente a natureza não deixasse de seguir o seu curso e o jovenzinho de Rio Adentro que ainda bebia do igarapé não fosse interrompido com o ressoar de um ruído forte, quase parecido com os acordes de uma orquestra. Daí por diante, forte e inesperada ventania o faria correr atrás de seu chapéu marrom e quase tropeçar em meio às águas até se deter e ficar de joelhos para recebê-lo das mãos de uma figura luminosa e serena que lhe sorria e começava a se materializar...

-Aproxima-te meu filho, aproxima-te sem medo... Só quero o teu bem! - Formosa e gentil, a adorável mocinha que aparentava ter de doze a treze anos trajava além das vestes luminosas e rosadas, um manto azul a combinar com o diadema em formato de estrela que brilhava por cima da testa e os cabelos esvoaçantes, sem contar o mover delicado de suas asas que se mostravam encharcadas, tanto do orvalho da manhã como dos carrapichos da mata. Como era linda!

-Pois... Pois não mocinha, de onde vens?

-Eu sou Estefânia, vossa fada-guardiã e madrinha desde sempre, desde que você era bem pequeno. Ah, me basta dizer isso e já me vem a saudade do tempo em que sua mãe te carregava e seu pai costumava se oferecer de vez em quando para ajudar os vizinhos no que fosse preciso e trabalhar de todo jeito para garantir teu sustento... E se é pra falar de jeito, você herdou o dele todinho!

-Meu pai... - Desde que se entendia por gente e com o passar do tempo, pai para a vida de Pedro se resumia não mais que a lembranças, evocadas pela mãe Rosaura de vez em quando e as ocasiões em que ia e voltava para a estradas de terra barrenta sem que ela percebesse para brincar enquanto criança ou se sentar na beira desta e permanecer em silêncio, olhando de um lado a outro como se estivesse a procurar alguma coisa ou esperando por alguém. Aliás, sabe-se lá qual era a fonte de esperança ou se era a mera teimosia de menino que o fazia insistir na brincadeira, mesmo sabendo do motivo pelo qual quem esperava ou procurava jamais iria retornar...

-Para cada coisa que seu pai desejava, me lembro que ele nunca deixava de fazer uma promessa. E muito menos de cumpri-la, por menor fosse. - Continuava Estefânia, se utilizando das mãos para materializar uma espécie de varinha mágica. - Ontem mesmo sua mãe te contava de quando ele fez a promessa de ingressar na Cavalaria Real de Angustura se você nascesse direitinho, como forma de agradecer e também ajudar sua família, não é?

-Que nem quando a gente amarra um monte de fitinha ao pé do São João do Carneirinho ou da Nossa Senhora do Carmo e no Cruzeiro de lá da capelinha... - Gesticulava Pedro como se estivesse a fazer vários nós invisíveis enquanto se referia aos demais habitantes de Rio Adentro - ... Aí depois da promessa que meu pai foi pescar e deu de cara com tempestade no meio da madrugada... Dele só restou a canoinha que até hoje a gente chama de "Murmura-Rio", sabe?

Feita de madeira, originalmente pintada de cores vibrantes, aparentemente "Murmura-Rio" não era mais do que uma velha e desbotada canoinha com os remos e as letras pintadas que ajudavam a compor a sua existência e o apelido que possuía. Mas a verdade era que em Rio Adentro não havia quem desconhecesse ou não pensasse duas vezes antes de contar a sua história. Murmura-Rio de história triste e inusitada tal e qual o apelido, reforçado mais ainda depois de retornar sozinha da mesma tempestade na qual o seu antigo dono, também conhecido como o pai de Pedro havia desaparecido, como se estivesse "murmurando" Uns a julgaram amaldiçoada e tentavam destruí-la, mas por incrível que pareça, era dona Rosaura quem a protegia. Daí por diante, quantas vezes ela mesma não levaria o filhinho para passear ou brincar no interior da canoinha amarrada na beira da praia enquanto se dedicava a tecer recordações...

-E bem sei que não posso te deixar sem compreender o que acontece por aqui e o motivo pelo qual me torno visível ao teu olhar. Pois saiba que é em nome da promessa.. - Prosseguia Estefânia ao tocar nos ombros e olhar diretamente nos olhos de Pedro. - Dessa mesma promessa que de hoje em diante me torno visível ao teu olhar, e me torno visível como vossa guia e guardiã através da jornada que você há de trilhar, dos caminhos da floresta à Cavalaria Real de Angustura, pois a magia da promessa continua viva no teu coração e vive de um jeito que já não vê a hora de ser cumprida por ti!

-Mas, como?! - Indagava o jovenzinho de Rio Adentro que se levantava de susto. - Mas, mas como... Como que vou cumprir se a promessa feita era de meu pai e não é minha?! E eu nunca pensei... Nunca pensei de poder sair daqui pra me tornar cavaleiro!

-Nunca pensou? Tens certeza? - E Estefânia conseguia deixar seu afilhado pensativo. Apesar do sossego da vida cotidiana e de tanto alimentar o desejo por uma vida diferente, até que Pedro seria capaz de desejar várias vidas de uma única vez e também trocar o sossego pela aventura de vez em quando, mas só de imaginar a possibilidade de que justamente os sonhos que sonhava e os desejos que desejava poderiam se realizar o assustava e de maneira a provocar-lhe uma sensação parecida com a que fora vivida através de um certo "bicho vermelho", a quem vira rodopiar no céu há muitos anos.

-Problema é que ainda não dá pra mim deixar minha mãe sozinha, e o que ganho por aqui não dá nem pra passar um dia fora de Rio Adentro, imagina um bocado de mês... - Respondia o jovenzinho de Rio Adentro. - ... Mas, se é de verdade que minha madrinha é fada, ela também sabe fazer mágica, não sabe? Pois então me faça uma, umazinha pra mostrar que essa história me vale a pena!

-E pensar que outro dia e justamente por você e Rosaura que me coloquei diante da promessa, tentei convencê-la a te esquecer e te deixar sossegar... Mas não se preocupe meu filho, não se preocupe pois como bem lhe disse e apesar de tudo, a magia da promessa já reina dentro de ti! E reina de um jeito que te ajuda não somente a decidir sobre a promessa, mas também em nome dela mesma e de tua própria existência, muito mais do que se pode imaginar!

Num instante, Pedro enxugava os olhos e se via novamente sozinho nas margens do igarapé. Aos olhos do jovenzinho de Rio Adentro e ao som da teimosia do velho jumentinho, as coisas pareciam estar em seu devido lugar e de maneira que ele mesmo imaginava estar sonhando como costumava admitir que sonhava acordado de vez em quando. Mas a magia da promessa inacabada, somada ao convite para a vivência da jornada ainda o incendiava e de maneira que não o deixava sossegar, nem mesmo enquanto regressava à hospedaria de Rio Adentro e revelava sobre o ocorrido para dona Rosaura... De fato, esta era uma situação inusitada, até mesmo para quem sabia como ouvir e compreender certas coisas sem recriminar!

-Há quanto tempo que não se falava... Que não se falava e nem se vivia em nome dessa promessa... Justo agora ela me ressuscita?

-Dona Rosaura? Desculpa incomodar dona Rosaura, é que estou à caminho de visitar os meus enfermos, mas é que desde cedo alguma coisa me dizia que eu deveria lhe procurar!

-Ah frei Salvador, sabe da promessa que meu marido me fez antes de partir? - E dona Rosaura se dispunha a contar mais detalhes da antiga promessa e as dificuldades de Pedro para decidir acerca de sua existência. À mesa farta do café da manhã, com os aromas e sabores daqueles tempos, quantas vezes não se recordava de ter se conformado com uma série de ausências e despedidas, a começar com a de seu finado esposo e do primeiro filhinho... E mesmo que não fosse definitiva, suportaria também a ausência de Pedro?

-Dona Rosaura, se lembra ainda de quando seu filho era desse tamanhinho e ficava por aqui aprendendo a ler e escrever? - Indagava frei Salvador. - Quando não soletrava uma de minhas orações, eu deixava uma folha de papel com uma historinha pela metade e ele continuava escrevendo nela até o fim!

-E o povo daqui vivia dizendo que ler e escrever não servia de muita coisa, mas de tanto a gente insistir ele aprendeu direitinho!

-Pois bem. Por tudo o que vejo por aqui e se não for engano do meu coração, agora é Pedro que tem em mãos a história que o pai dele não pôde terminar... Quem sabe se não é através dela mesma que ele também não está destinado a escrever a história dele mesmo?

Ao som de uma resposta como esta, mesmo diante da situação e da maneira como qualquer tipo de problema ou solução poderia se apresentar e por razões que somente esta senhora-mãe de Rio Adentro poderia conhecer a partir naquele instante, alguma coisa começava a lhe dizer que seu coração não poderia deixar de se iluminar. E de tanta luz, Rosaura pouco a pouco pressentia que a situação de Pedro em relação à promessa inacabada não poderia soar tão absurda como aparentava ser mesmo de longe. Mas, se perguntar não ofendia...

-Se Deus permite... Se Deus permite que essa promessa de Manoel se transforme na promessa de meu filho também... Quem sabe se disso tudo não lhe surge uma benção?

-Além D'Ele, quem sabe? É minha santinha, quando o extraordinário sente que a gente precisa, ele se manifesta no ordinário da nossa vida... - Ao som dos sinos da capela onde morava, frei Salvador se despedia de dona Rosaura e se retirava. Era a tarde de folga na hospedaria e a mãe estava livre para acompanhar e interromper a solidão do filho Pedro que até então permanecia em silêncio e com o olhar fixo no rosto do sr. Manoel Antunes; homem corpulento de barba e cabelos castanho-avermelhados cuja pintura desbotada na parede, sabe-se lá por qual motivo buscava transparecer mais silêncio e seriedade do que ele mesmo tivera em vida...

"E se é pra falar de jeito, você herdou o dele todinho!'

-Te juro meu filho, te juro que teu irmãozinho se tivesse vivo bem seria o retrato de teu pai... Mais vivo que esse aí da parede...

-Os dois que vivem junto de Deus e eu com a minha mãe aqui na Terra... Será que a família do rei é unida assim que nem a gente? - E a mãe se enternecia ao perceber que de fato, e se era para falar de jeito como Estefânia bem dizia as margens do igarapé, o filho que lhe sorria e segurava em suas mãos o tempo todo havia herdado não apenas o jeito de Manoel Antunes como também a promessa. Promessa feita e inacabada que se personificada fosse, talvez pudesse perguntar:

"Se das mãos e da memória de teu pai me fiz de herança...me das mãos e da memória de teu pai me fiz de herança, a canoa que murmura, como murmurava outro dia na tempestade também te pertence?"

Quanto a mim, pressinto que os ventos me sopram e desejam me conduzir até o que se passa no seio da família real serruyana de Angustura. Ah, se eu pudesse ficar mais um pouquinho e continuar apreciando aos corações de mãe e filho que do abraço ao instante de silêncio continuavam tão unidos se fossem um só...

...Um só!

-E você ainda insiste nessa promessa?!

-Mas, e se não for cumprida, o que vai ser de nós? - Indagava Sua Majestade, o rei Hildegardo Camilo de Serruya à sua esposa e rainha Verônica durante mais uma discussão naquela semana.

-Alexandre e nossa filha já estão crescidos o suficiente para decidir sobre a própria vida, certamente vão nos dizer o quanto essa ideia é maluca! - Afirmava a rainha. - Ideia essa que por sinal nós conseguimos abolir há mais de quatro gerações!

-E depois de todos esses anos e de tudo o que vivemos, justo agora eles iriam mudar de ideia? Veja bem minha querida, a espada de D. Domingos, a rosa vermelha que você trazia no cabelo enquanto dançavas no baile de aniversário da Cavalaria Real de Angustura, a filha que tivemos... De tantas coincidências, quem sabe se tudo isso também não nos leva a retomar com nossas tradições?

-Assim como as mangas bufantes, as ombreiras douradas e as dragonas de cinco quilos de seus trajes reais?

-Bem... Talvez algumas de nossas tradições! - Respondia o monarca cuja coceira no nariz e a dor nos ombros ressurgiam só de recordar o peso das ombreiras e dragonas e a qualidade dos tecidos com os quais eram confeccionadas as referidas tradições. - Por D. Carlos Maria, e pensar que ainda nem tive tempo de consultar o professor Odivelas acerca desses e de outros assuntos e...

-E mais uma vez, o meu marido vai dar ouvidos às "odivelices" do bendito professor ao invés de sua esposa, mãe de vossa filha!

-Mamãe, papai... Discutindo por minha causa outra vez?

Detrás de uma coluna no corredor, lá estava a princesa Maria Berenice de Serruya aos seus dezesseis anos. Vestida de azul com bordadinhos brancos e o rostinho adornado com feições delicadas a transparecer uma certa melancolia, sem contar os cabelos cacheados e castanho-claros com duas fitas azuis e uma florzinha branca de vitória-régia[2] a lhe servir de enfeite. Não fossem os olhos como também a postura, poucos acreditariam em sua existência como herdeira de Verônica, uma das mais belas e carismáticas rainhas da história de Angustura, mas nada que viesse a impedir os súditos de se afeiçoarem por ela; tratada e bem-querida com delicados mimos, bem aparentava ser o retrato de quem deveria possuir a felicidade em mãos...

-Filhinha! - Exclamava a rainha Verônica. - Ô filhinha, a gente bem sabe o quanto você se entristece quando nos vê em discussões e divergências, mas não se preocupe que nós estamos bem!

-Além disso, de vez em quando é comum a gente exagerar mais um pouquinho e perder a cabeça pelo bem de quem se ama de verdade, não é mesmo? - Assim dizia e esperava o rei Hildegardo Camilo ajudar, mesmo sem saber se de fato o seu modo de dizer poderia estar ajudando ou prejudicando a filha de alguma forma.

-Mas o senhor e a mamãe não precisam exagerar e nem perder a cabeça por minha causa... Por causa de alguém que nunca vai poder sorrir. Nasci desse jeito e assim vou ficar...

-Filha, se você quiser podemos caminhar pelos jardins e depois tomar sorvete ao pôr do sol... - Sugeria docemente a rainha Verônica, ainda a confortar a princesinha. - Camilo, onde você vai?

-Podem ir à meninas! - Respondia o monarca. - Podem ir que justo agora me chegou o professor!

Lorde baixinho de pele rosada e óculos redondos, Odivelas Fayoum era conhecido por ter vivido tranquilamente no exterior até o dia em que o estouro de uma revolução o fizera abandonar até os bens que possuía para escapar à bordo do primeiro navio que havia encontrado pela frente e sem imaginar que em pouco tempo chegaria sozinho até o reino de Angustura. Com a história inusitada e a sabedoria que possuia, Odivelas bem soube como conquistar a estima de muita gente no palácio (Com exceção da rainha Verônica) e a amizade do rei Hildegardo Camilo por quem foi nomeado conselheiro real e professor particular de Maria Berenice, além de especialista no restauro e preservação de arquivos das bibliotecas do palácio.

-Quais são as novas, meu caro Odivelas?

-Novas são as chances de nossa princesinha alcançar a felicidade que tanto deseja e também sorrir pela primeira vez! Passei por uma longa temporada na biblioteca, vasculhei todos os livros e documentos até me deparar com este manuscrito... Reconhece a letra?

-... Redigido e assinado por... D. Carlos Maria de Serruya!

-Justamente! E este é seu antigo diário de caça, com todos os pássaros que ele costumava criar seu antigo viveiro... E é logo no início, logo no início da página vinte e oito que ele nos descreve a existência "d'O miraculoso e raríssimo pássaro Abaruna, nativo de nossa região". Aos olhos de D. Carlos Maria, um pássaro cujas cores se alternam entre o vermelho, o amarelo e o laranja, leve e gracioso como a garça, porém grande o suficiente para ser montado por uma criança!

-O tanto que meu pai Santiago exigia para que minha caligrafia fosse tão bonita quanto a de D. Carlos Maria ou pelo menos igual... Só não consigo entender ainda o que esse tal de Aba... Aba o quê?

-Abaruna Majestade, Abaruna!

-Exatamente, o que este pássaro Abaruna e os escritos de D. Carlos Maria possuem de relação com a doença de minha filha?

-Seu místico e já comprovado poder de cura. Aqui, ele nos descreve o dia em que sua esposa, a rainha Laura dos Anjos havia amanhecido com dores intensas que pareciam antecipar o nascimento do primeiro filho enquanto ele retornava de uma longa expedição, trazendo consigo o pássaro Abaruna em mãos e sem saber o que estava acontecendo... Bastou a presença e o bater de suas asas, das mãos de D. Carlos Maria às de Laura dos Anjos para cessar todas as dores e fazer com que semanas depois, o futuro príncipe João Miguel de Serruya pudesse nascer feliz e sem complicações!

-Interessante, muito interessante! - Suspirava o monarca. -Ah, se pelo menos eu tivesse idade ainda ou se houvesse outro guarda ou cavaleiro de alma corajosa o suficiente para se arriscar e depois trazer este pássaro Abaruna até as mãos de minha menina!

-Como não imaginar? No coração da floresta, um cavaleiro se arriscando atrás de um pássaro a quem deve trazer à sua amada... Nem o melhor dos escritores se arriscaria escrever algo assim!

-Dote... Cavaleiro... Princesa?! É isso! Meu caro Odivelas, me ajude com o cerimonial da Cavalaria Real de Angustura que mais tarde vou preparar a espada de prata, a mesma espada que D. Domingos me entregou há muitos anos para devolver nas mãos de seu filho Alexandre... Este é o plano perfeito para que tudo ocorra como deve ser e deve ser! - Respondia o rei Hildegardo Camilo que de tanta empolgação se emocionava e por pouco não derrubava o pequenino Odivelas com um fortíssimo tapa nos ombros, com todos os "íssimos"!

E nos arredores do Palácio Real, mais exatamente entre o quartel da Cavalaria Real de Angustura e o palacete que pertenciam à família Fuas Nolasco, lá estava o iluminado e animadíssimo salão de festas aonde o jovem D. Alexandre Fuas Nolasco se juntava aos seus amigos para festejar o êxito de mais uma expedição. Pobre de frei Salvador! Quem sabe se a cada vez que se encontrava com o afilhado ele não caía de susto ao reconhecê-lo naquele rapaz robusto de barba e cabelos castanho-avermelhados que sempre estava à frente das festas, jogos e expedições entre os aspirantes e os veteranos mais jovens da Cavalaria... Todos o admiravam e queriam ser como ele!

-Ah, Alexandre! Se lembra de quando nós enfrentamos e vencemos os nossos inimigos de lá da Campina do Vento Norte?

-Saímos vitoriosos porque contamos com a sua presença, a sua presença vigorosa e atuante na linha de frente!

-Como não lembrar? - Respondia D. Alexandre alegremente entre e outro gole de vinho. - E quando nós livramos aquelas mocinhas de caírem nas mãos dos arruaceiros da Estrada Velha? Em troca, até ganhei de presente, um dos lencinhos de uma admiradora...

-Olha, eu só espero que sua noiva não saiba disso!

-E que noiva hein? - Respondia outro cavaleiro em tom de brincadeira. E quando a princesa Maria Berenice virava assunto...

-Não consigo entender, não consigo entender até hoje como nossos reis Hildegardo Camilo e Verônica puderam se contentar com uma filha daquelas, dizem que ela é tão chorona e defeituosa além de...

-Ela não é defeituosa! - Exclamava o jovem cavaleiro de Angustura ao bater com o punho por cima da mesa. - Em nome do rei Hildegardo Camilo de Serruya eu exijo não somente o respeito como também a delicadeza quando se trata de Maria Berenice!

-Ah Alexandre, você não era o menino que outro dia questionava esse bendito acordo de casamento e queria fazer o que fosse possível para conseguir revogar?! Que grande justiceiro!

Em meio às provocações, defender Maria Berenice de toda e qualquer ofensa serviria para D. Alexandre não somente como uma espécie de reparação pelos tempos de infância, mas também para reforçar as novas impressões adquiridas sobre ela desde o último verão. Bem lembrava de si mesmo enquanto caminhava, trazendo consigo o espelhinho dourado de frei Salvador Infante e repetindo constantemente o juramento de entregá-lo juntamente com a gentileza a qual se comprometia até se deparar com a princesinha recolhida e silenciosa enquanto se dedicava a enxugar algumas lágrimas.

-Maria... Maria Berenice? Maria Berenice, o que você tem?

-Ainda... Ainda por aqui?

-Ah sim, é que eu já estava de saída quando me lembrei de perguntar... De perguntar sobre o tratamento. Está dando certo?

-Na verdade tive que interromper, as pílulas chegavam a me deixar indisposta e com dor de cabeça... Talvez o meu antigo médico tenha toda a razão, talvez eu seja mesmo um... Um caso perdido... - E se a princesinha buscava se conter para não despertar novas lágrimas, a tão falada e ensinada gentileza que D. Alexandre carregava consigo já se prontificava para ser apresentada e oferecida, sem depender de promessas ou de espelhinhos dourados para começar a existir.

-Maria Berenice, queria te dizer que certo dia... Mais ou menos num certo dia de muitos anos atrás, o meu padrinho Salvador Infante me indicou uma receita. Uma receita na qual eu deveria lhe oferecer este espelhinho como sinal de minha gentileza. De gentileza que se doa de minhas mãos e acompanhada pela garantia de poder te ajudar sempre no que for preciso. Posso até me repreender quando estiver contigo e de repente me recordar de qualquer coisa que me faça rir!

-Oh não, eu não desejo que anule a si mesmo, nem deixe de sorrir por minha causa... A tua gentileza é o bastante para mim!

-E digo mais, se um dia me anunciarem que sua cura está escondida em algum lugar e mesmo se estiver... Mesmo se estiver longe daqui, te prometo o que for possível para buscar e conseguir trazê-la em nome do teu sorriso. Até lá, infeliz de quem te provocar!

-Sendo assim, eu também te dou a confiança... Quer dizer, a minha confiança em nome da gentileza que se entrega para mim e a certeza de que logo, logo, você há de conseguir o que tanto desejo...

"Infeliz, infeliz de quem te provocar... E pensar que outro dia eu me tornava o primeiro de todos eles!"

Ao término da noitada, um pouco mais cedo do que de costume, D. Alexandre continuava a refletir não somente sobre as recordações e as promessas daquele dia como também os estranhos sentimentos que lhe rondavam de vez em quando. De fato, ele também era do tipo que aparentava ter a felicidade em mãos, mas de vez em quando essa mesma felicidade parecia evaporar de maneira tão rápida a ponto de deixá-lo insatisfeito e inquieto por algumas horas. De volta para casa, somente uma espada debaixo do travesseiro poderia distraí-lo de tamanha inquietude... Uma espada debaixo do travesseiro?!

-Gostou da surpresa? - Indagava D. Domingos que se divertia ao abrir a porta do quarto. - Pois saiba que foi Sua Majestade, o rei Hildegardo Camilo de Serruya em pessoa que fez questão de me passar por aqui e me devolver esta valiosa espada de prata, a mesma espada cravejada de diamantes que entreguei a ele há muitos anos depois do baile de aniversário da nossa Cavalaria em vista de sua nova missão!

-Meu pai, do senhor e da Cavalaria Real eu só espero que não me venha nenhuma brincadeira ou armadilha!

-Ah, mas quando se trata de nosso querido rei e de Maria Berenice não existem brincadeiras, muito menos armadilhas... - E D. Domingos se dedicava a contar não somente sobre a existência do pássaro Abaruna como também acerca dos planos de HHildegardo Camilo de Serruya aos olhos arregalados de seu herdeiro. Venhamos e convenhamos, talvez se D. Alexandre viesse a saber de tudo isso um dia antes ou depois, certamente viria reclamar de tudo ou permanecer em silêncio antes de se cobrir novamente entre os lençóis da cama e adormecer de uma vez enquanto metade desta historia viria a se perder antes mesmo de começar... Mas felizmente, aquele era o dia!

-Meu pai, quando o senhor tiver tempo, escolha quatro dos melhores integrantes da Cavalaria Real de Angustura e busque ajudá-los no que for preciso no preparo de minha comitiva... Se é assim que o rei deseja e também Maria Berenice, eu vou partir depois de amanhã!

-Eu sei, meu filho, eu sei que quando se trata de Maria Berenice... Alexandre?! Alexandre, meu filho que você disse?!

-Disse que se é assim que o rei Hildegardo Camilo deseja e se é em nome de Maria Berenice, eu vou partir depois de amanhã! - E D. Alexandre se divertia enquanto D. Domingos lhe encostava a mão direita na testa e verificava se por acaso não estava com febre.

-Esta é a primeira vez que não me contesta... Ótimo sinal! Assim queres, assim farei e tudo sairá como esperado!

-Por D. Carlos Maria... Por D. Carlos Maria, o que há de errado comigo? - Murmurava D. Alexandre enquanto esperava o pai se retirar para se distrair com a espada prateada que agora possuía. Boa de se manejar, riquíssima nos mínimos detalhes e tão distinta que se apertasse bem, seria capaz de ver o quanto os diamantes coloridos que se encontravam cravejados no cabo de metal conseguiam brilhar com tanta ou até mais intensidade em comparação à lâmina; mas nada que pudesse admirá-lo tanto quanto a própria decisão...

De volta à hospedaria de Rio Adentro, Pedro se aproveitava da folga noturna de sexta para se recordar de cada detalhe da experiência vivida de manhã e também continuar a refletir sobre a jornada que viria pela frente. Os empregados e vizinhos com quem mantinha laços de amizade estranhavam por ele preferir a solidão naquela noite ao invés de se divertir e jogar conversa fora como sempre fazia, mas ele prometia não demorar e da varanda, logo se sentava na escadinha que dava para a entrada da hospedaria sob o olhar silencioso e constante de dona Rosaura que de longe o observava, sempre atenta para que ninguém viesse a incomodar. Era o momento dele!

-Pro fulano se tornar cavaleiro mais rápido ele tem que se mostrar, mostrar que é capaz de fazer coisa grande e se arriscar, daí se Estefânia deixar eu posso dar meu jeito e tentar... Mas tentar o quê?

E suas ideias pipocavam. Criar uma armadilha resistente para domar as onças? Se apresentar diante do chefe da Cavalaria Real de Angustura para mostrar o resultado de uma boa pescaria? Ou trazer da floresta uma
criatura até então desconhecida? E pensar que certas ideias conflitavam com o carinho que sentia pelos animais... Um bocejo por aqui, uma coçada na cabeça por ali e Pedro se reencontrava com as memórias de infância, exatamente no dia em que estivera montado no burrinho de frei Salvador Infante que no decorrer da viagem buscava distraí-lo com histórias e cantigas, e respostas para qualquer pergunta que ele mesmo enquanto menininho poderia perguntar...

-Tio, posso ter bicho que nem Abaruna também?

-Bem, se você souber como criar ele direitinho e sua mãe não desmaiar quando se encontrá-lo pela primeira vez, quem sabe?

-E voar que nem ele?

-Bem, se esse teu desejo também consegue se juntar aos outros que você deseja e o amontoado de sonhos que cabem ou que ainda vão caber na sua cabecinha, vê se você cuida bem de todos eles, viu? E cuida de um jeito que eles consigam não somente se proteger como também se afastar dos que não lhe dão a devida importância. Inclusive dos que deveriam, mas que preferem se divertir tentando te convencer de que não vale a pena sonhar...

-Abaruna... A-B-A-R-U-N-A!

Daquele dia em diante e por muitos anos, Pedro continuou a se divertir tentando soletrar e preservar a recordação daquele nome e também seu significado em forma de segredo, precioso como um pequenino tesouro, ainda que os missionários jesuítas que haviam chegado a visitar o povoado de Rio Adentro no mesmo período o tivessem tentado convencer de que o nome "Abaruna" se referia à batina preta que eles usavam. De volta ao presente, ele continuava a se divertir com suas recordações e estava prestes a cochilar quando de repente, um milagre estava à caminho de despertá-lo na varanda... Era como se de repente, a lembrança da experiência vivida na infância estivesse ganhando vida própria e se projetando para a realidade!

-Valha-me Nossa Senhora... O bicho... O bicho vermelho!

De início, Pedro não sabia se deveria se levantar e correr para chamar a mãe Rosaura para também apreciar ou se continuava por ali mesmo, sozinho e admirado com o que parecia se materializar na forma de um pássaro... Ou da criatura mais bonita e desejável que se poderia imaginar e desejar, com o brilho de suas asas luminosas e incandescentes como as chamas de uma fogueira junina. Aliás, uma criatura que não se contentava em ser somente admirada, mas que se agitava ansiosa para se aproximar e receber os afagos de Pedro como se ela mesma também o desejasse! E justamente quando ele estava para estender-lhe a mão direita e chegar mais perto...

-Meu filho! Que tá fazendo aí no meio do nada?!

-Mãe?! - Quando deu por si, Pedro estava zonzo e sozinho, molhado de suor e distante da varanda, com as mãos estendidas para frente enquanto dona Rosaura o socorria, estendendo-lhe um pedaço do próprio avental para enxugar-lhe a testa.

-É que a gente tem serviço até de manhãzinha, mas depois você descansa e termina de se arrumar direitinho... Está tudo bem?

-Estou sim. Estou... Ô mãezinha, é que a senhora me acordou, mas foi de um sonho tão bonito!

[1] Ir-r'-até = "Caminho d'água" ou "Caminho de Canoa". Pequeno riacho de pouca profundidade que se origina do meio de florestas da Amazônia para desaguar por entre os rios, tornando-se um caminho estreito e navegável para pequenas embarcações.

[2] Nativa da Amazônia e uma das maiores plantas subaquáticas do planeta, a vitória-régia é caracterizada por suas folhas esverdeadas, flutuantes e redondas, que podem chegar até 2,5 de diâmetro e suportar o peso de 50 kg. Suas flores sobrevivem por 48 horas, desabrochando com a cor esbranquiçada durante a noite, e depois se transformando em rosácea ou violeta, ao amanhecer do dia seguinte.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro