Capítulo 13 - Dos filhos, o mais sortudo
Retirando a peruca de algodão que lhe fazia espirrar e lavando o rosto, Pedro conseguia restaurar a antiga aparência com a qual havia se despedido de dona Rosaura e se divertia com a adorável fileira dos soldadinhos, ou melhor dizendo, dos cavaleirinhos de chumbo que cercavam a miniatura de uma torre, de onde a "Rapunzel de porcelana" jogava os cabelos longos e trançados de uma janela enquanto o príncipe chegava, montado num cavalinho de madeira e acompanhado com os aromas de bolinhos amanteigados com chá de canela trazidos das mãos de Maria Berenice ao jovenzinho de Rio Adentro.
-São os primeiros bolinhos que fiz por conta própria, espero que você goste... E não deixe de colocar mais açúcar no chá senão fica bem amargo! - Respondia Maria Berenice. E pensar que Pedro havia estranhado o gosto do chá e se esforçado para continuar bebendo e sem nenhuma careta que pudesse magoar a princesinha...
- Ah princesinha, mas você me trata tão bem que se não tomo cuidado, até me esqueço de fugir... Agora não sei como é que eu vou conseguir me inscrever e ingressar como aspirante da Cavalaria Real de Angustura por causa dessa história toda da prisão. E se nninguém me credita se eu disser que foi você quem me tirou de lá, aí é que me perco de vez!
-Se ninguém acredita... Por D. Carlos Maria, e se ninguém acredita?! - E a princesinha se afligia novamente, pois de tanto desejar e atuar em favor do resgate de seu prisioneiro, ela se esquecera de planejar o que deveria fazer em seguida!
Com os recibos e documentos, e o coração em suas mãos, D. Alexandre respirava fundo e cavalgava, atravessando os portões do palácio e se recuperando da discussão anterior, cumprimentando os empregados que passavam por ali enquanto se ocupavam com os preparativos para o aniversário da princesa Maria Berenice. Embora fosse bom estrategista, ele mesmo se surpreendia por saber como disfarçar a tensão que carregava consigo e também por continuar atuando de maneira gentil e atenciosa até mesmo com o professor Odivelas que o recepcionava com a alegria espalhafatosa de sempre.
-Seja bem-vindo, meu jovem! Que te traz aqui tão cedo?
-Pois não, é que eu decidi aproveitar para visitar a família real e tratar de alguns assuntos em nome de meu pai. - Respondia D. Alexandre com naturalidade. - Estão todos bem?
-Justamente, nós estamos numa emergência e a sua presença é mais do que essencial... A propósito, o que são esses papéis?
-Ah, estes são... que estou escrevendo para dar de presente à Maria Berenice por ocasião de seu aniversário, e não, não pretendo me prolongar muito no assunto para o senhor não perder tempo e...
-Meu jovem, acredite se quiser, mas estou longe de considerar qualquer tipo de arte como perda de tempo, e quando se tratam de sonetos ou de poesias, não se preocupe que eu sou todo ouvidos! - E se Odivelas se animava com a oportunidade de ouvir o tal soneto pela primeira vez, D. Alexandre se dedicava a improvisar alguns versinhos e a lançar algumas indiretas, mas o entusiasmo do professor era tão grande que ele nem se importava. E assim, os dois continuavam a conversar e caminhar até se encontrarem com os reis Hildegardo Camilo e Verônica nas escadarias do Salão Principal.
-Alexandre, graças a Deus que você chegou! - Exclamava a rainha com ares de preocupação. - É nossa filha que ainda não saiu do quarto e a gente não sabe se ela está precisando de alguma coisa...
-E se alguém resolveu invadir, invadir o quarto de nossa filha por aquela janela e decidiu mantê-la como refém?! - Sugeria o rei Hildegardo Camilo. - Ainda por cima perdi a cópia da chave desse mesmo quarto, aquela que ficava por baixo do tapete...
-Ao senhor meu rei e a senhora minha rainha lhes peço toda a calma, quem sabe se não é nada do que estão pensando? Com a segurança do palácio seria impossível que alguma coisa diferente pudesse acontecer, mas que qualquer forma vamos averiguar...
Até aquele instante, Pedro continuava preocupado consigo mesmo e ansioso para escapar do que viesse a aprisioná-lo novamente, mas ele também sentia que não poderia julgar a princesinha que de tanto chorar nos capítulos anteriores já não possuía lágrimas suficientes para este décimo-terceiro. E de conversa em conversa os dois buscavam resolver a questão do "pós-resgate" quando de repente, eles se surpreenderam com os gritos do monarca atrás da porta.
-Pela trigésima vez minha filha, abra esta porta! - Exclamava o monarca. - Ou então me diga se tem alguém aí com você!
-Ah, mas é claro que tem gente por aqui e gente bem honesta, viu? - E mesmo que Pedro estivesse murmurando, logo era contido e afastado da porta por Maria Berenice, que lhe tampava a boca de maneira impulsiva e o orientava a permanecer em silêncio.
-Maria, Maria! Maria Berenice!
-É Alexandre! - Sussurrava Maria Berenice. - Por D. Carlos Maria, só me falta me trazer a Cavalaria inteira!
-Se não pode responder, pelo menos dê sinal! - Ordenava D. Alexandre atrás da porta. - Dê sinal de que pode nos ouvir!
-Égua, se essa gente me prende de novo, eu juro que...
-Espere Pedro, deixe-me pensar... - Sussurava novamente a princesinha. - As tranças, as tranças de Rapunzel... A bonequinha da torre nos representa a historia de Rapunzel, que jogava as tranças do cabelo para ajudar o príncipe a subir e descer pela janela... Não temos cabelos enormes, mas as cortinas podem servir... E com estas não podemos tecer até as tranças de Rapunzel?
Imediatamente, Pedro compreendia o que Maria Berenice queria dizer e saia correndo para arrancar as cortinas da janela e se apressava para entrelaçá-las com o máximo de lençóis e roupas de cama que ela retirava do guarda-roupa enquanto se segurava para não se manifestar ou fazer algum barulho, sem se importar com os gritos do rei Hildegardo Camilo ou as batidas de D. Alexandre que ressoavam por trás da porta. Por sorte, ambos conseguiam preparar a corda entrelaçada e a jogavam pela janela sem que ninguém estivesse observando, mas logo percebiam que já não havia tempo a perder!
-Se nem aos meus gritos me responde... - Abaixava a voz o monarca. - Amarrada, deve estar numa cadeira, amarrada e sem saber, sem saber como se defender ou se livrar do sequestrador!
-Camilo! Odivelas, veja se consegues afastar meu marido de alguns livros da biblioteca por um tempo, sim? - Respondia a rainha Verônica - E você Alexandre, já decidiu o que fazer?
-Sim senhora, e desde eu peço perdão pelo prejuízo...
No instante em que Maria Berenice jogava a trança improvisada pela janela, a porta do quarto veio abaixo e D. Alexandre avançava em cima de Pedro enquanto os reis Hildegardo Camilo e Verônica saíam correndo para se reencontrar com a princesinha e reconhecê-la sã e salva. Tamanha era a vontade do jovem cavaleiro para deter o tal "sequestrador" que mal sobrava tempo para conseguir parar e reconhecer o amigo que já estava se agarrando à bendita corda e se apressando para descer pela janela, sem se importar com as ameaças que recebia ou com os metros que faltavam para alcançar o solo.
-Volte já aqui! Volte aqui que ainda não terminei com você!
-Ah é? Então desce aqui e vem terminaaaar!
Como Pedro fora capaz de sobreviver a tamanha queda, somente os poderes de Estefânia poderiam explicar... Metido nos arbustos, ainda com as folhas e gravetos engatados na cabeça e no tecido da fantasia, logo era resgatado e socorrido pelos jardineiros do palácio, mas se recusava retornar à enfermaria e se levantava para procurar o chapéu emplumado que possuia enquanto a princesa Maria Berenice se dava conta de ter esquecido de esquecer de amarrar a metade da corda que segurava aos pés de sua penteadeira e corria para socorrer "seu protegido", o professor Odivelas e o rei Hildegardo Camilo corriam para conter a princesinha e convocar os guardas que viam pela frente e a rainha Verônica se abaixava e percebia que D. Alexandre se inclinava junto à penteadeira e se preparava para atuar novamente...
-Alexandre? Alexandre, meu filho, o que pretende fazer?
-A senhora minha rainha que me perdoe, mas preciso terminar o que comecei com chave de ouro!
E quando as coisas pareciam se acalmar aos olhos de Pedro, erguendo a cabeça logo via D. Alexandre a saltar depois de descer pela corda improvisada e a correr novamente em sua direção. No meio da correria, ambos caíam no chão e começavam a brigar enquanto o chapéu emplumado se perdia sabe-se lá Deus aonde, os reis Hildegardo Camilo e Verônica, o professor Odivelas e os guardas se esbarravam com os jardineiros que pediam socorro e se mobilizavam para interromper o corre-corre s perceber que Maria Berenice havia "desaparecido", mas a essa altura, D. Alexandre já levava a melhor sobre o jovenzinho de Rio Adentro e o agarrava pela gola da fantasia, prestes a presenteá-lo com um murro no queixo; prestes a presenteá-lo se não fosse interrompido e paralisado ao som da única voz que poderia apaziguar seu coração e devolvê-lo a realidade...
-Não machuque, não machuque ele por favor! Já não basta ele passar por tanta coisa e ainda ter sido preso por algo que não fez? Não machuque Alexandre, não machuque a Pedro!
-Maria, Maria Berenice?... Pedro?! - E D. Alexandre o reconhecia. Um pouco abatido e meio sujo, sem contar o quanto fora amassada a fantasia de marquês que ele utilizava, mas ainda era o mesmo Pedro que havia conhecido na floresta, que desejava se tornar cavaleiro e falava tão bem de sua mãe que também lhe despertava a vontade de conhecê-la...
-Mas espere, como você conseguiu chegar aqui neste palácio e depois foi parar no quarto de Maria Berenice?
-É uma longa história... - E mesmo que D. Alexandre estivesse ajudando-o a se levantar e Maria Berenice estivesse admirada com o inusitado reencontro, Pedro ainda precisava lidar com às câimbras sentidas nos joelhos e os gritos do monarca furioso que se aproximava.
-Guardas, prendam esse rapaz! Ele é quem estava maltratando a minha filha e a mantendo de refém o tempo todo, prendam ele!
-Papai! - Adiantava-se Maria Berenice para defender a Pedro. - Papai, eu sei que estás com os nervos lá em cima, mas ontem mesmo o senhor pedia para Cassiano e os guardas não se precipitarem antes de julgar... E o senhor mesmo não pode se contradizer!
-E confesso Majestade, confesso que também não esperava uma aventura como esta, mas precisamos considerar que ela é do tipo que merece sua devida atenção... E se Maria Berenice se oferece para confirmar a inocência de Pedro, eu aproveito para mostrar o que está por trás de um mal-entendido que se arrastando até os dias de hoje...
Das mãos de D. Alexandre, o rei Hildegardo Camilo se deparava com os materiais que recebia e dispensava os demais por acreditar que se tratava de um assunto familiar. Depois de tantas aventuras e sobressaltos, nada mais que a necessidade de se recompor e do amparo do professor Odivelas, da princesa Maria Berenice e da rainha Verônica que permaneciam junto do monarca que continuava a conferir e analisar o que possuía em suas mãos.
-Majestade... Majestade, o senhor não está gostando do soneto de D. Alexandre? Para quem está começando agora posso dizer que...
-E por acaso existe poesia na criação de esquema como este?! Um esquema de compra e venda debaixo de meu nariz?! - Em questão de segundos, o monarca surpreendia ao agarrar o Odivelas, que até então custava a compreender o que acontecia e gaguejava.
-Ma-Ma, Majestade... Majestade, eu posso explicar!
-A autorização que você recebeu de minhas mãos lhe servia para cuidar e administrar o viveiro de D. Carlos Maria de acordo com a sua sabedoria, mas não ao ponto de se aproveitar para criar um esquema como este... Um esquema tão obscuro à ponto de motivar os seus amigos a capturarem e prenderem um inocente!
-Mas majestade, eu juro por vossa família que os guardas se atreveram a capturar e prender esse... Esse tal de Pedro por conta própria, eu jamais ordenaria que lhe fizessem mal algum!
-Nunca mais! Nunca mais se atreva a utilizar o nome de minha família para jurar qualquer coisa perto de mim! - Bradava o monarca enquanto se aproximava de Pedro, que observava tudo de longe. - E se você é o mesmo Pedro que meu guarda Cassiano me disse, o mesmo que esteve na prisão, com certeza deve ter propriedade suficiente para contar sobre o que se passava longe do viveiro de D. Carlos Maria!
-O senhor... O senhor meu rei que me perdoe, mas além de meu Abaruna, era tanto do passarinho que ficava preso e agoniado num lugar desses que nem dava pra contar... - Por pouco, Pedro não conseguia se levantar e resistir às cãibras nos joelhos, mas em pouco tempo ele soube se defender e falar das condições de Abaruna e dos pássaros no viveiro clandestino. Enquanto isso, lá estava Odivelas, pé ante pé devagarinho com a esperança de passar despercebido, mas logo era reconhecido e perseguido pelos guardas do rei Hildegardo Camilo que continuava perplexo e amparado pela rainha Verônica, que bem tinha razão sobre o que pensava à respeito de Odivelas em certas ocasiões, mas que guardava para si o desejo de celebrar o seu pequenino triunfo para consolar o querido esposo.
-Ah Majestade... - Murmurava D. Alexandre. - Nem parei para pensar que o senhor poderia reagir desse jeito, eu poderia ter atuado de outra forma e ajudado a desmascarar Odivelas em outra ocasião!
-Nem se fosse derrotado pelo rei da Campina do Vento Norte me sentiria estou me sentindo agora, mas como bem dizia minha mãe Oriana, não há verdade que esteja oculta ou desaparecida que não venha a se revelar... - Murmurava D. Alexandre. - Quanto à você meu jovem Pedro, pergunte-me o que eu, Hildegardo Camilo de Serruya poderia fazer em reparação por teu sofrimento?
-Se bem que ainda me existe uma dúvida... - Respondia a rainha Veronica. - Como que este menino que veio de longe conseguiu escapar da prisão depois reaparecer no quarto de nossa filha?
-E pelo o que vejo por aqui, D. Alexandre já te conhece de longa data, não? - Atestava o rei Hildegardo Camilo enquanto o jovem cavaleiro se limitava a sorrir e concordar com a cabeça.
-Pois justamente, eu não poderia pedir nada ao senhor meu rei, e muito menos à senhora minha rainha sem lhes dar a chance de entender como que eu vim parar por aqui... - E Pedro continuaria a se explicar não fosse interrompido com um leve gesto de Maria Berenice que se levantava, retirando a capa cor de sonho de seus ombros e entregando-a nas mãos da rainha Verônica.
-Na verdade mamãe, tudo começou quando eu estava a alimentar um desejo. Um desejo tão absurdo aos olhos de meu pai que ele mesmo me dizia que não poderia conceder... Mas digamos que esta minha capa cor de sonho me deu uma ajudinha! - E depois de tantas desventuras e emoções num único dia, finalmente, o rei desmaiava...
Cansado de tanto correr e gritar ao redor do palácio, Odivelas finalmente era capturado e conduzido pelos guardas até se encontrar diante da cela onde Pedro fora resgatado. Por sorte, ele ainda carregava consigo o seu lápis de estimação e o bloquinho de anotações com os quais ele se dedicaria a escrever o seu "livro de memórias", não somente para publicar, mas também para servir como uma espécie de "mea culpa[1]", sempre recolhido e distante dos demais prisioneiros que de início se admiravam com sua presença, mas que logo o transformavam em seu mais novo motivo de piadas.
"E pensar que um dia, cheguei a ser conhecido e louvado em minha terra natal como um exímio caçador ou colecionador de pássaros, o que seja... Somente neste reino de Angustura e em memória de D. Carlos Maria de Serruya eu conheci esse ideal de buscar a preservação e a liberdade dos pássaros e de não os capturar sem necessidade, sem contar a tradição da família real de cuidar dos que são encontrados ou feridos depois de uma caçada ou libertá-los em seguida.
E quando o rei Hildegardo Camilo em pessoa me concedeu a autorização para cuidar do viveiro de D. Carlos Maria até cheguei a me emocionar, deixando-me levar por tanta coisa e por aqueles que me cercavam... O que um mar de ilusões não realizam na cabeça de um único homem, não é mesmo?
Mas espere, não pode ser que eu ainda esteja me atrevendo a me justificar e querer me defender como se eu fosse tão inocente quanto o marquês, o menino que se chama Pedro?!Ah, como pude cair na ilusão de que jamais seria descoberto, esquecido e trancafiado por aqui, destituído de tudo e com essa goteira que goteja em minha cabeça, desejando manchar as minhas anotações sem a minha permissão...
-Ei caravela, já tá sabendo o preço da estadia?!
-Odivelas Fayoum, seu insolente! - Retrucava o baixinho sem perder a compostura. Trinta linhas e uma goteira depois, Odivelas até fingia não suspirar com a saudade da antiga vida que levava no palácio e da confiança perdida do rei Hildegardo Camilo, mas logo se rendia e continuava a resmungar por esta e outras razões que lhe retornavam a imaginação. - E ainda por cima, vou perder o aniversário de Maria Berenice e o seu primeiro sorriso... Por D. Carlos Maria, estou perdido!
-Ora vá dormir segura vela!
Uma semana depois, chegava o dia de Pedro se apresentar como aspirante no quartel da Cavalaria Real de Angustura. Em poucos minutos, ele já se vestia com a calça e a blusa branca de manga longa com corte plano e detalhes vermelhos na base do punho, colete branco com botões e detalhes pretos, chapéu preto com penas vermelhas e distintivo com fios vermelhos, cinto preto e as botas devidamente engraxadas. Mas de repente, uma olhada em suas antigas roupas, que descansavam num cabide do guarda-roupa, e a segunda no reflexo que encontrava no espelho o estremeciam e chegavam a provocar-lhe uma sensação esquisita, daquelas que ele nem sabia dar o nome...
-Meu filho, só espero que você me perdoe por essa coisa de minha de aparecer e sumir, aparecer e sumir de repente... - Pedia a fada Estefânia ao ressurgir alegremente para abraçar a Pedro e entregar-lhe a caixinha vermelha com detalhes dourados onde se guardavam as luvas brancas que também ajudavam a compor o seu uniforme. - É o costume dos encantados da floresta!
-Ah, mas quando se trata de você eu tenho mais pra agradecer do que reclamar... - Respondia Pedro ao retirar as luvas da caixinha e em seguida colocá-las em mãos. - Como que vou reclamar da menina que se fez madrinha minha e da promessa de meu pai?
-Pois eu prometo, prometo que te dou um doce se me disser o motivo de continuar tão pensativo diante do espelho... Da floresta até aqui, é como se ainda estivesse te faltando alguma coisa, não?
-Égua, nem sei... - Reconhecia o jovenzinho de Rio Adentro num misto de ternura e melancolia. - Quando não é saudade da floresta, é da menininha do calcanhar que vivia com medo de mim, do dia em que conheci Alexandre e da noite em que a princesinha veio me tirar da prisão... Até vontade de viver o que vivi de novo eu tenho!
-Talvez a tua jornada tenha sido tão boa que a saudade sentida por ela esteja se dividindo em partes... Umas duas ou três, como se fosse um quebra-cabeça. E se é assim que a tua jornada deseja, e se você deseja também, eu tenho notícias para cada uma!
-Bem, se a minha madrinha tem noticia pra cada uma e se ela quiser, ela pode começar pela melhor... Ou a pior se tiver!
-Então vamos lá. Sobre a menina que você ajudou a socorrer na floresta, tudo o que posso te dizer é que se chama Dinahi e que veio de muito longe, mesmo pequenina, para também cumprir com sua promessa... - Respondia Estefânia, utilizando-se de sua varinha para materializar o doce que havia prometido nas mãos de Pedro. - E quanto a princesa Maria Berenice, só a existência de Abaruna já me diz que a felicidade esperada por ela está prestes a se realizar!
-A terceira notícia deve ser a melhor de todas... E teu sorriso quer me dizer que você só vai poder me contar depois, não é? - E no melhor da conversa, lá estava D. Alexandre a pedir licença antes de abrir a porta com a calça branca de barra marrom-escura com a camisa de mangas bufantes e listradas com as cores vermelha e branca, colete vermelho, cinto e chapéu marrom com penas brancas, conforme se vestiam os veteranos da Cavalaria Real de Angustura.
-Pedro, já estamos em cima da hora, você não vem?
-Opa, peraí que já tô indo! - E Pedro não poderia se despedir de Estefânia antes buscar e retirar de seu antigo chapéu um papelzinho que se encontrava num pequenino envelope e depois o entregar em suas mãos, com toda a certeza de que o recado contido nele haveria de chegar ao seu destino o quanto antes.
Ainda que o assunto recorrente fosse a inesperada prisão de Odivelas e a expulsão dos demais envolvidos com o esquema de contrabando no viveiro de D. Carlos Maria de Serruya, haja fôlego e cordialidade para se conter a ansiedade de tanta gente no quartel da Cavalaria Real de Angustura! Com a ausência de D. Domingos que não chegaria a tempo de uma expedição em Rio Adentro, D. Alexandre se tornava responsável por assumir suas funções e de modo especial pela condução da cerimônia de admissão dos novos aspirantes à cavalaria com a execução do hino de Angustura, o mesmo que de início, alguns sabiam cantar de cor e salteado enquanto outros se limitavam a mexer os lábios e murmurar as estrofes que conseguiam decorar até o refrão já conhecido que deveria anteceder o discurso de boas-vindas.
-Caríssimos amigos, veteranos e aspirantes... Em nome de meu pai, eu, Alexandre Fuas Nolasco, lhes digo o quanto me surpreende e me alegra a oportunidade de lhes dar as boas-vindas neste dia. Um dia especial e importante não somente para cada um de vocês, jovens aspirantes à Cavalaria Real de Angustura como também aos veteranos que vão se encarregar de instruir e de acompanhar a cada um de vocês até a formatura. Infelizmente, não podemos negar o que aconteceu há poucos dias, mas espero que isto nos sirva de lição para ninguém desanimar e muito menos abrir mão dos princípios de honestidade, bravura, humildade e lealdade, por conta de nossos erros ou das atitudes distorcidas da parte de alguns.... E agora, que se deem os três vivas à Cavalaria Real de Angustura!
-Três vivas, três vivas, três vivas à Cavalaria!
-Três vivas à D. Carlos Maria!
-Viva, viva, viva!!! - Depois dos três vivas, cada aspirante deveria aguardar a chamada em ordem alfabética para receber além dos cumprimentos de D. Alexandre, a espada prateada que deveriam utilizar durante o treinamento. E em meio a duas ou três lágrimas que teimavam em descer dos olhos de Pedro que se sentia menino, mas tão menino por dentro, timidamente ele se limitava a sorrir e imaginar o que a mãe Rosaura não lhe diria se pudesse vê-lo daquela maneira; imagine mais tarde, quando viesse a se reencontrar com ele em Rio Adentro e em meio aos detalhes que viria a saber sobre a jornada e também da cerimônia, ouvir de seu querido e pequeno filho o que ele também sentia sobre a impressão de ter enxergado uma figura ruiva, corpulenta e distante a caminhar entre os veteranos...
-E o senhor meu pai, o senhor... O senhor não deixa de dar uma ida lá na mãe também...
[1] Do Latim, "minha culpa". Expressão popularizada através do chamado Confiteor, oração penitencial utilizada em missas do Rito Tridentino, celebradas em latim. Também pode servir como uma maneira de pedir perdão ou de confessar a si ou aos outros a sua falta, o seu erro.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro