Capítulo Um
Os olhos dela já quase não viam nada, tantas as lágrimas em seu caminho. Chorava em silêncio até quase perder o fôlego. O travesseiro era até então, seu único amigo, somente e tão somente ele sabia tudo o que acontecia com ela. Ela não tinha coragem, se sentia uma covarde todos os dias de sua vida. Como falar? Para quem falar? O que falar? Todos dizem, "Fale! ", mas a realidade é que nem todos estão prontos para ouvir.
Sua vida ruiu entre seus dedos. Tudo o que havia planejado, tudo o que havia estudado, tudo o que havia sonhado ficara em um passado distante e sombrio. "Seja o protagonista de sua vida! ", ela havia lido em um livro de autoajuda, mas como? Será que havia uma fórmula mágica? Ela sentia-se presa em uma vida que não lhe pertencia. De alguma maneira era como se estivesse vivendo dentro do espetáculo de alguma outra pessoa, onde ela era apenas uma coadjuvante em uma parte do palco onde a luz sequer batia.
A luz, nem se lembrava mais a última vez que vira a luz do Sol com seu verdadeiro brilho. Os dias passaram a ter um tom acinzentado e mesmo com um calor típico de onde morava, as vezes um frio que vinha do interior tomava conta de seu ser. Vazio era a única coisa que sentia no momento. Não havia mais nada ali dentro dela. Não havia mais felicidade, emoção, excitação, e estranhamente, não havia tristeza, medo ou angústia. Agora havia apenas um grande nada. Um grande tanto faz.
Só acorde, levante-se, coloque um sorriso falso no rosto, faça o que tem que fazer, espere as horas passarem, volte ao seu quarto, deite em sua cama, às vezes, quando chegar no seu limite, chore, depois fique virando de um lado a outro em sua cama até altas horas, quando finalmente o cansaço vencer e você consiga por fim, dormir. Ao final disso, reinicie tudo novamente.
Seu maior fracasso pessoal vinha do fato de não ter conseguido nada. Isso a matava todos os dias de sua vida. Com sua idade passando, não havia construído nada. Nada era seu. Nada tinha seu nome, sua identidade. O medo, a solidão e o vazio a afastavam de conseguir. Nunca era boa. Nunca era suficiente. Em todos os segmentos de sua vida era assim. Seu diploma era apenas mais um papel em sua gaveta. Mas tanto fazia também, não era aquele curso que ela gostava. Ela amava criar. Sentava-se em seu quarto e passava horas escrevendo. Aquilo lhe dava uma satisfação inimaginável, apesar de nunca ter tido o mínimo de coragem de mostrar nada do que escreveu a ninguém, uma covarde como sempre. Sempre que ela estava lá, indo bem, aquele vazio tomava conta de si, então simplesmente parava, deixava para lá e bem... era isso. Quando o grande vazio tomava conta dela, nada a fazia ficar bem, tudo estava ruim, tudo estava errado. Simplesmente passava horas e horas encarando a tela de um celular onde via gente falsa fingindo ter a vida perfeita, mas de alguma forma, era aquela vida que ela queria ter mesmo sabendo que aquilo não existia.
Parecia que sempre que algo encaminhava para finalmente dar certo, algo de ruim acontecia no caminho. Não era possível, parecia que somente sua vida era aquela montanha russa, sendo que a maioria dos dias era no baixo que ela vivia e quando enfim de aproximava do topo, puft, outra queda brusca pela frente.
Viver uma pandemia foi com certeza a gota d'água, porque pelo menos antes ela podia ir para fora, ver algumas pessoas, caminhar um pouco, fazer uns cursos que ela nem gostava muito, porém que a fazia sair de casa para respirar. Agora ela se via trancada, tendo que fingir ainda mais que tudo estava ok com ela. "Encubra todos os seus sentimentos, finja que não os sente, para assim ninguém saber" era seu mantra diário para manter as mínimas aparências. Chorar era sozinha. No escuro. Sem ninguém para julgar ou fazer perguntas.
Ela queria falar, conversar, dizer a alguém o que acontecia em seu mais íntimo, poder liberar todos seus demônios, mas o julgamento era a parte que a mais lhe limitava. Ela tinha medo do que os outros iam pensar. Tinha vergonha de seus sentimentos e principalmente já sabendo que todos têm que lidar com seus próprios problemas, não queria jogar mais um no colo de ninguém.
No escuro, sem conseguir enxergar nada, com as lágrimas atrapalhando ainda mais sua visão, ela ligou o celular e resolveu que tinha que desabafar com alguém, queria dizer para alguém o que sentia, o que passava em sua cabeça, o que seu coração tanto doía. Mas quem? Quem poderia ouvi-la sem julgamentos? Quem poderia entender? Em quem ela confiaria todos os seus sentimentos mais íntimos? Ao desbloquear seu celular e abrir uma rede social, a primeira coisa que apareceu foi um trecho de uma entrevista que ela acabara de assistir na televisão, onde o entrevistado falava sobre seus problemas e pedia para as pessoas que estavam passando por isso, falassem também.
No momento em que ela havia visto aquela entrevista, que foi ao vivo na TV, já havia sentido um baque muito forte no coração e apenas segurou as lágrimas para que ninguém de sua família percebesse, sorte que estava em outro sofá. E aquele trecho, ali novamente, mexeu com seus sentimentos novamente. Exatamente. Se era para ela falar algo, que fosse com ele. Ele entendia. Ele sabia. Ele pediu para que ela falasse. Foi como se ele houvesse pedido direto a ela. Pelo menos foi isso que sentiu.
Ela abriu o campo de mensagens de sua página e encarou a barrinha piscando por um tempo, pedindo para que ela escrevesse. Sim, parecia loucura. Sim, ela sabia que ele nunca iria ler. Mas ali poderia juntas várias coisas a seu favor. Poderia colocar para fora seus sentimentos em forma de palavras, o que ajudava muito a acalmar. Ela sempre gostou de escrever sobre seus sentimentos e depois sumir com o papel para que ninguém mais lesse. Mas o papel, seu amigo que não julgava nem discordava, também era muito frio. Ele não acalentava, não respondia, não dava um abraço reconfortante. Ele era apenas isso, um papel à espera de alguma tinta sobre ele. Já ali ela poderia ao menos fingir que havia algum outro ser humano interessado em seus sentimentos, pelo menos podia fingir que ele estaria ali de alguma forma, entendendo e estendendo sua mão para ajudar. Seus vídeos já lhe fizeram companhia quando estava desesperadamente sozinha, então porque suas mensagens não poderiam servir de abrigo?
Ela inspirou, limpou um pouco seus olhos das suas insistentes lágrimas e ali, abriu seu coração, contando com palavras atropeladas, pois seus dedos não eram tão rápidos quanto seu cérebro, tudo o que conseguia se lembrar, tudo o que sentia, todas as mágoas, todas as dores, todos os sentimentos suprimidos, toda dor escondida.
...
A manhã seguinte chegou mais calma e mais tranquila, parecia que ela havia retirado de dentro de seu coração uma tonelada de sentimentos e agora conseguia até respirar melhor. Na noite passada, tudo estava confuso e enrolado, agora já conseguia ver um pouco de amarelo na luz do Sol. Não que isso fosse sua cura, mas ao menos isso fazia com que conseguisse levar um pequeno período sem se sentir tão mal consigo mesma. Estava valendo até levantar um pouquinho mais cedo e pegar um solzinho na varanda, que era até onde se podia ir por lei, devido a pandemia que se instalou mundialmente.
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