Capítulo Cinco
Ela mal podia acreditar no que estava acontecendo. Já deviam ser mais de quatro da manhã e não conseguia parar de pensar em como aquele dia tinha sido incrível. Deitada naquela cama que parecia um pedacinho do céu de tão confortável, relembrava o dia que tinha tido. Depois que ficou decidido que ela ia ficar, eles foram até o estúdio que ele tinha em casa e ela assistiu enquanto ele gravava algumas coisas. Ela achou muito estranho, porque quando assistia os vídeos em casa parecia que era ele falando direto com alguém, como uma conversa cara a cara entre amigos, mas ali, parecia só um maluco falando coisas para uma câmera.
Depois de ele terminar de gravar e fazer mais algumas coisas, logo voltou novamente sua atenção a sua convidada.
-Com fome?
-Talvez.
-Como assim talvez? Ou tem fome ou não tem, não tem como ter meio termo.
-Tô tentando ser educada.
-Não precisa fazer doce comigo, eu por exemplo, estou morrendo de fome.
A casa estava em um silêncio quase mortal. Ambos eram os únicos na casa, pois sua mãe estava fora do país e seu irmão não morava com ele fazia um tempo. Fora que os empregados já haviam terminado seus turnos.
-Está com fome de que? – perguntou ele.
-Domingão à noite, fome de besteira né?
-Falou minha língua. A gente pode pedir alguma coisa, fala o que você quer e a gente pede.
Ela olhou para fora, a chuva era insistente.
-Eles já fazem entregas em Jet Ski?
Ele olhou para ela, levantando alto uma sobrancelha. Típico dele.
-Olha a chuva, coitado do entregador. A gente se vira.
-Eu só sei fazer gelo.
Ela riu.
-Pode deixar, eu não sou nenhum mestre cuca, mas alguma coisa eu consigo fazer, nem que seja pipoca com refrigerante. Onde fica a cozinha?
Ele a levou até a cozinha e depois até a despensa. O mercadinho da esquina da casa de Janaina deveria ter esse tamanho. Ela passou rapidamente os olhos pelo local e logo teve a ideia do que fazer.
-Que tal uma pizza? Tem queijo na geladeira?
-Sempre tem queijo na geladeira! E você sabe fazer pizza?
-Não só sei, como aprendi a fazer com a melhor fazedora de pizza do mundo: minha mãe! Você vai ver, vai ser a melhor pizza que já comeu.
E de fato, por mais que fosse apenas uma simples pizza de muçarela, ele ficou encantado com aquela massa perfeita e leve. Janaina não queria se gabar, mas sabia que todo mundo, sem exceção, que comia a pizza de sua mãe simplesmente amava. Já até haviam falado para ela abrir sua própria pizzaria. Sonhos para quem sabe um dia.
-Você não tem medo? – Janaina puxou uma muçarela que se esticou num fio sem fim, cansada de brigar, partiu com a mão e pôs de volta sobre seu pedaço no prato.
-Tenho medo de muitas coisas, mas do que especificamente estamos falando?
-De ficar sozinho nessa casa enorme.
-Não é sempre assim não, hoje é uma exceção, tem dias que isso aqui fica uma loucura sem fim. É gravação pra lá, gente passando pra cá e falando alto, mil celulares tocando ao mesmo tempo. Faz muito tempo que não fico nesse silêncio total.
-Às vezes é bom ficar sozinho. O problema é quando você acostuma – ela falou em desabafo, olhou para baixo e depois voltou-se ao olhar atento de Felipe. Não querendo continuar nesse assunto, ela desconversou. – Planos para mais tarde ou já tem que dormir?
-Dormir? Ainda são onze e quarenta, o auge do meu dia.
Depois da pizza e da louça devidamente lavada, pois ela se recusava a deixar para a empregada no dia seguinte alegando que sua mão não iria cair se fizesse, eles foram até a sala de cinema e eles juntos assistiram a um filme, tendo uma conversa longa varando noite adentro. E agora ela estava ali, deitada no escuro, pensando em como seu dia foi louco e no quanto amou isso.
Sabe aquela sensação de não conseguir dormir direito na casa de alguém, porque seu psicológico está totalmente ligado a sua cama e seu travesseiro? Ela não teve essa sensação, muito pelo contrário, estava tão feliz e com as energias tão recarregadas que quando acordou já parecia outra pessoa. Mas havia aquele segundo momento que quando você acorda na casa de alguém, segundo a regra de senso comum inventada pelas vozes das cabeças das pessoas, você só levanta depois que seu anfitrião levantar, mas como ambos estavam em quartos separados, ela teria que sair para descobrir. Depois de tomar um banho, pois queria usar aquele chuveiro maravilhoso de novo pela última vez, escovou os dentes e saiu do quarto fechando a porta detrás de si. "É, o sonho acabou! ", pensou ela. Temendo se perder sem um mapa ou uma bússola, conseguiu chegar até a sala de estar, encontrando Juliana pelo caminho.
-Bom dia, quer dizer, boa tarde Janaina – Juliana era uma mulher de sorriso fácil e receptivo.
-Boa tard... Nossa já é tarde. Boa tarde Juliana. O Felipe já acordou?
-Já sim e boa tarde a todos! – Sua voz ecoou por detrás de Janaina.
Ela virou-se e ambos deram um tímido sorriso um para o outro.
-Como minha convidada dormiu hoje?
-Foi como se eu tivesse dormido em uma nuvem agarrada a um panda bem fofinho. Foi o melhor sono da minha vida.
-Que bom, que bom! Tem muita pressa de voltar pra casa hoje? Queria que você conhecesse meu trabalho.
-Ah, nossa, eu ia adorar. Vamos sim.
Depois do almoço ambos já estavam no famigerado local de trabalho do Felipe. Se a casa dele era enorme, seu local de trabalho era absurdo. Ela nunca havia visto um lugar tão limpo e reluzente mesmo com tanta gente transitando junta. Se ela pudesse dar um letreiro para aquele lugar, com certeza seria "Uma Fábrica de Sonhos". Porque era exatamente essa impressão que ela tinha, que todos os sonhos que ali entravam se tornavam realidade.
Quando eles entraram, vários rostos curiosos olhavam Janaina, cumprimentando-os.
-Fala aí Felipe, olha só... Opa, quem é essa? – Bruno vinha esbaforido com uns papeis em uma mão e uma caneta em outra, apontando algo no papel. – Prazer, Bruno.
Bruno com certeza era uma versão humana de um labrador. Tinha uma aura muito amigável, um sorriso convidativo, exalava humor. Exatamente do jeito que ela via ele nos vídeos.
-É, eu sei – disse ela tímida, retribuindo o aperto de mão.
-É claro que ela sabe né Bruno, tua cara tá estampada aí pra todo mundo ver. Essa é a Janaina, uma amiga.
Ela sentiu que Felipe não compartilhara com ninguém quem ela era e como eles se conhecerem e ficou satisfeita com isso.
-Amiga? Que amiga é essa que eu não conheço?
-Minha vida não se resume a isso aqui não Bruno, eu tenho vida particular também.
-Tá pegando? – ele disse baixinho, piscando o olho em tom zombeteiro.
Janaina ruborizou na hora, desviando o olhar.
-Bruno, respeita a garota – ele se dirigiu a ela. – Liga não tá? Ele é assim mesmo.
-Liga não colega, adoro perturbar o Felipe, mas bom... isso você também já sabe.
-Bruno, arruma alguém pra mostrar as dependências para ela e depois traz ela pro meu escritório. Vou começar a resolver umas coisas lá.
-Pode deixar, eu tenho um tempinho na minha agenda.
-Quando não tem né Bruno? Sei nem como chegou antes de mim hoje. Daqui a pouco a gente se vê – Felipe pousou uma mão no ombro de Janaina. – Ele não vai morder, é treinado.
Saindo de cena então, Janaina e Bruno ficaram sozinhos.
-Então Jana, vamos lá? Tem muita coisa pra você ver aqui. – Bruno era uma simpatia inexplicável, não havia condições de alguém não gostar dele. Era muito amigável.
-Isso não era importante? – Ela apontou os papéis em sua mão.
-Ah, depois eu falo com ele, o mundo não vai acabar por causa disso.
-Tudo bem então.
Ele passou rapidamente em sua mesa, colocando os papéis sobre ela.
-E aí, você e o Felipe se conhecem há quanto tempo? – Era óbvio que ele queria saber quem era ela e porque estava com o Felipe.
-Ah, há algum tempo.
-Jura? E se conheceram aonde?
-Ah... na vida.
Ele obviamente percebeu que ela não queria dizer quem era ela e o porquê estava ali. Ele não queria ser indelicado, mas estava muito curioso a saber a respeito dela.
-E por que ele te trouxe?
-Acho que ele achou que seria legal eu conhecer as dependências.
-Você é candidata a alguma vaga?
-Não. Só estou aqui a passeio mesmo.
"A passeio? ", pensou ele, "Isso aqui é trabalho, o Felipe nunca trouxe ninguém aqui 'a passeio'".
-Hum... legal.
Ele continuou a tour pelo lugar e a mostrou cada cantinho do lugar e que lugar. Com certeza que o sonho de qualquer pessoa seria ter um ambiente de trabalho daqueles. Claro que era trabalho, mas dava para ver que era um ambiente tranquilo, equilibrado, limpo, em que todos estavam felizes. Ao final do tour, Bruno a levou até Felipe novamente.
-Então, minha convidada gostou do ambiente?
-Claro, isso aqui é um sonho! Acho que eu preciso ir ao banheiro.
-Claro, vai lá. Sabe o caminho?
Ela fez que sim com a cabeça e saiu. Bruno foi até a porta certificando que ela não estava mais próxima e a encostou.
-Então, quem é ela?
-Uma amiga.
-Mas que amiga Felipe?
-Uma amiga Bruno!
-Onde você conheceu ela? Há quanto tempo conhece ela?
-Ela não disse? – Sua atenção estava voltada ao computador.
-Não, só respostas vagas.
-É minha amiga Bruno, minha amiga. Agora deixa eu me concentrar aqui por favor.
Bruno saiu da sala, encontrando Janaina de volta e ambos trocaram um sorriso ao passarem. Ele olhou para trás e a viu entrando na sala de Felipe, fechando a porta. A curiosidade estava lhe roendo, mas ele não podia simplesmente parar atrás da porta e ouvir, até porque no computador de Felipe havia a imagem de todas as câmeras do recinto. Ele teve que se conformar que por hora a curiosidade teria que esperar e foi rumo ao seu trabalho.
Algumas horas se passaram e Felipe tentava equilibrar sua atenção entre a moça e suas obrigações. Ele a deixou sentar ao seu lado para ver o que fazia. Naquele momento não teria nada de comprometedor ou confidencial que prejudicasse o andamento da empresa. Finalmente ela percebeu que estava mais atrapalhando do que ajudando e decidiu que era hora de partir.
-Então Felipe, eu acho que já está na hora de eu ir. Você tem muita coisa para fazer aqui. Eu agradeço muito sua hospitalidade, sua generosidade, sua empatia comigo. Foi maravilhoso poder passar esse dia com você.
-Não tenho nem como disfarçar que eu não tô cheio de trabalho. Foi ótimo ter você aqui. Vou chamar um carro pra te deixar em casa.
-Não precisa, eu posso pegar meus ônibus.
-De modo algum. Aqueles livros que te dei são muito pesados. Deixa eu te pagar um carro, por favor.
-Tá bom, o carro eu aceito então.
Em questão de menos de meia hora o carro havia chegado, ele recebeu a mensagem do motorista em seu celular.
-Seu carro chegou.
Ela levantou-se, seguido dele e deu um sorriso.
-Mais uma vez obrigada por tudo, foi demais. – Ela o abraçou.
-Também achei, eu adorei te conhecer. Espero que a gente possa conversar mais vezes.
-Eu ia adorar.
Ela sabia que isso não ia acontecer. Ele sabia que isso não ia acontecer, se ela passasse daquela porta, dificilmente se veriam novamente.
-Então tchau. Dá um abraço no Bruno por mim.
-Tchau Jana. Se cuida.
Ela virou-se rumo a porta, parando abruptamente com a mão na maçaneta, quando Felipe a chamou.
-Janaina, espera.
-Só não posso esperar muito pra não fazer o moço do carro perder tempo.
-Não seja por isso. – Ele mandou uma rápida mensagem ao motorista, pedindo que aguardasse um pouco. Como eles eram amigos, não teria problema.
Ele pousou o celular sobre a mesa, apoiando-se na mesa com uma mão e passando a outra na nuca.
-Eu gostei muito de você, vi potencial em você, eu queria saber se você gostaria de um emprego.
Naquele momento algo mágico aconteceu e ele pode presenciar com seus próprios olhos. Se ele não tivesse visto, jamais acreditaria se alguém contasse. Ele viu os olhos de Janaina ganharem um brilho, um brilho deslumbrante que fez seu rosto inteiro se acender.
-Você tá falando sério?
-Claro, por que não?
-O Bruno me disse que não havia vaga em aberto.
-E o Bruno sabe alguma coisa do Rh? – Ele tentou sair pela tangente.
-Mas que tipo de emprego você está me oferecendo?
Essa pergunta o pegou, porque nem ele mesmo sabia a qual vaga eles estavam se tratando, até porque não havia vaga disponível. O pessoal da contabilidade e do Rh iam esfolar ele vivo, mas ele queria. Ele queria desesperadamente que ela ficasse ali sob seus olhos cuidadosos.
-Assistente. Minha assistente pessoal. – Foi a primeira coisa que ele conseguiu pensar e ele esperava não se arrepender disso.
-Eu... não sei nem o que dizer.
-Você quer pensar sobre isso?
-Pensar? Claro que eu não quero pensar, é obvio que eu aceito.
Ambos ficaram se encarando mutuamente.
-Então? – disse ela finalmente.
-Amanhã você traz seus documentos, a gente faz todos os trâmites necessários e você entra na nossa família.
-Tá bom então, até amanhã!
Ela segurou a maçaneta, mas voltou para dar outro abraço nele, um abraço tão apertado, tão verdadeiro, tão agradecido que sem dizer uma palavra, ela conseguiu dizer tudo. Sem mais palavras ela apenas foi embora.
Atrás da porta, ainda segurando a maçaneta, ela percebeu estar sozinha e deu uns pequenos pulinhos de felicidade. Felipe viu pela câmera que estava em frente à sua porta. Sentando-se em sua cadeira ele esboçou um sorriso frente aquele momento tão íntimo e tão genuíno e acompanhou sua figura até sumir na portaria. Ele não sabia exatamente o porquê daquilo tudo, mas sentia quase que como um dever cuidar dela. Tentando afastar isso da cabeça, mas com certa dificuldade, porque ele não conseguia parar de pensar em tudo que aconteceu nas últimas horas, voltou ao trabalho.
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