Capítulo 25 | Passeio de Iate
Hadassa Luz
O sol já iluminava o quarto quando decidi tomar café ali mesmo. Eu estava evitando Noah. E não era por acaso. Era insuportável vê-lo e lembrar daquele beijo sem poder revivê-lo. Quando terminei, tomei um banho demorado, como se a água pudesse apagar as memórias que queimavam em minha pele. Vesti um vestido branco florido de alcinha, calcei rasteiras e prendi o cabelo em um rabo de cavalo. Nada elaborado, apenas o suficiente para não parecer tão abalada quanto estava. Peguei minha bolsa e meu iPad, respirando fundo antes de sair.
Ao caminhar até o elevador, meu corpo travou quando vi quem eu mais tentava evitar. Noah.
Casual e absurdamente bonito, ele vestia uma regata preta e bermuda de linho bege. O celular na mão, o olhar distraído, mas só até me notar. Foi rápido, o instante em que seus olhos deslizaram por mim como se decifrassem cada detalhe. Meu coração disparou, uma traição completa contra minha sanidade.
Me aproximei, o cheiro do perfume dele dominando o ar entre nós, denso e viciante. O elevador se abriu, mas nenhum de nós entrou.
Ele bloqueou o celular e o guardou no bolso, arqueando uma sobrancelha.
— Não vai entrar? — Sua voz continha aquela nota de desafio que sempre me fazia vacilar.
— Pode ir na frente — murmurei, desviando o olhar.
Ele sorriu de canto e passou a mão pelos cabelos, os músculos do braço flexionando com o movimento.
— Por quê? Se vamos descer juntos?
A pergunta era simples, mas seu tom dizia muito mais. Meu corpo aqueceu, e quando me dei conta, ele já tinha dado um passo à frente, diminuindo a distância entre nós.
— O elevador te traz... más lembranças? — Sua voz ficou mais baixa, provocativa.
Engoli em seco. Sua pergunta me pegou desprevenida, e eu senti calafrios em meu estômago, sentindo meu rosto queimar diante daquele sorriso que parecia ingênuo — mas era totalmente o contrário disso.
— Não! Q-quer dizer... — tropecei nas palavras, e Noah sorriu, como se tivesse acabado de confirmar o que já sabia. — Sim... é...
— Está insegura com a resposta, Cinderela?
O apelido fez meu estômago revirar.
— Não são más lembranças. — Respirei fundo, sustentando o olhar dele. — Mas são lembranças que eu preciso evitar.
Ele colocou as mãos nos bolsos da bermuda e se inclinou um pouco mais para mim, seu perfume preenchendo todos os espaços possíveis. “Perigo! Afaste-se imediatamente!”
Mas não me afastei.
— Evitar porque você quer... ou porque sabe que, se lembrar demais, não vai resistir?
Meu coração martelou contra minhas costelas. Eu podia me afastar. Era só dar um passo para trás. Mas não me movi.
— Está indo para algum lugar? — Ele mudou de assunto, sem pressa, mas sua presença continuava pressionando cada centímetro do meu autocontrole.
— Trabalhar. Vou procurar uma cafeteria para resolver algumas coisas.
Noah sorriu, e aquilo me deixou ainda mais alerta.
— Conheço um lugar perfeito pra isso. Tranquilo, bonito... Inspirador.
— E onde seria?
— Quer que eu te leve? Estou indo pra lá.
Eu deveria dizer não. Mas, de alguma forma, já sabia que iria.
— Tá bom. Podemos ir.
Ele apertou o botão do elevador, e entramos juntos.
O espaço parecia menor do que eu lembrava.
Aquele lugar...
Aquele beijo...
Aquele cheiro...
Noah estava ali, tão perto que meu corpo inteiro sentia sua presença, cada batida do meu coração se tornando um lembrete de tudo o que aconteceu. E do que eu queria que acontecesse de novo.
Quando o elevador se abriu, soltei o ar que nem percebi estar prendendo. Entramos na Lamborghini dele, e antes que eu pudesse recuperar o controle sobre meus pensamentos, Noah acelerou, levando-me direto para onde eu mais temia — e mais desejava — estar: perto demais dele.
Noah colocou os óculos escuros e continuou acelerando o carro, seus movimentos precisos e despreocupados como se não houvesse nada no mundo — abaixo de Deus — que pudesse tirá-lo do controle naquele momento. Os seguranças seguiram logo atrás enquanto ele dirigia pelas ruas de Balneário Camboriú.
Quando o carro parou, meu coração acelerou um pouco mais. As praias se estendiam à nossa frente, lindas e douradas sob o sol da manhã. Noah desceu primeiro, colocando um boné para se disfarçar. Ele contornou o carro e abriu a porta para mim, um gesto simples, mas que havia algo elétrico demais para ser ignorado.
O vento fresco bagunçou meus cabelos assim que pisei na calçada. O cheiro do mar se misturava ao perfume amadeirado de Noah, um aroma que, mesmo sem querer, eu já começava a associar a ele.
Caminhamos lado a lado pelo píer, o silêncio entre nós preenchido pelo som das ondas quebrando suavemente e pelo farfalhar das velas dos iates ancorados. Meu olhar parou em um deles — grande, sofisticado, imponente. O de Noah. Claro.
Ele tinha passado boa parte do caminho tentando me convencer a trabalhar ali. Segundo ele, seria um ambiente mais tranquilo, longe de distrações. Eu hesitei, mas a verdade era que algo em Noah sempre conseguia me dobrar. Talvez fosse aquela voz rouca e segura, ou o jeito descontraído que contrastava com o olhar intenso demais quando me fitava.
— Gostou da ideia? — Sua voz soou próxima ao meu ouvido, baixa, como um segredo.
Engoli em seco, sentindo a pele arrepiar.
— Não posso negar que é um lugar bonito — respondi, tentando soar indiferente.
O sorriso de canto que ele lançou em minha direção mostrava que ele sabia que minha resistência era só fachada.
Quando chegamos ao iate, Noah subiu primeiro, estendendo a mão para mim. Eu poderia tentar subir sozinha, mas correr o risco de cair na água na frente dele não era uma opção. Toquei seus dedos apenas por um segundo antes de puxar a mão de volta, como se aquilo fosse uma armadilha.
Mas Noah percebeu.
— Ainda fugindo de mim, Hadassa? — Sua voz continha um tom divertido, mas seus olhos diziam algo completamente diferente.
Desviei o olhar para o horizonte, fingindo não ouvir. Mas não havia escapatória.
Quando toquei sua mão novamente, desta vez ele não soltou. Seus dedos se fecharam em torno dos meus, e antes que eu pudesse reagir, ele me puxou suavemente para cima. O movimento foi calculado, exato, me fazendo parar perigosamente perto dele.
Tão perto que senti sua respiração roçar minha pele.
Meu coração falhou uma batida.
Olhei ao redor do iate, fingindo interesse nos detalhes da embarcação, tentando recuperar o ar que parecia ter sumido dos meus pulmões.
— Vem. — A voz dele era baixa, arrastada, e não me deu outra opção senão segui-lo para a parte da frente do iate.
O espaço era amplo, como uma espécie de terraço flutuante. Assentos acolchoados se espalhavam ali, convidativos e perfeitos para admirar o mar infinito.
Sentei-me, cruzando as pernas e respirando fundo. O sol aquecia minha pele, o cheiro salgado da brisa misturando-se ao perfume de Noah, criando uma combinação perfeita demais. Ele se acomodou ao meu lado, recostando-se com a naturalidade de quem pertencia àquele cenário.
— Prefere ficar aqui ou ir para uma cafeteria? — perguntou, sua pergunta acompanhada de um sorriso sutil. Ele tirou o boné, bagunçando os cabelos de propósito.
Suspirei, sem nem precisar pensar.
— Com certeza esse lugar.
Assim que respondi, senti seu olhar sobre mim, estudando cada reação minha.
— Por que sempre fica tensa perto de mim? Já consegue me ver como uma pessoa normal ou ainda sou um famoso de outro planeta pra você?
A pergunta me atingiu em cheio.
Forcei-me a encará-lo, mas a intensidade em seus olhos queimava mais do que o sol.
— Não estou tensa... Só estou... Apreciando o mar ao nosso redor — murmurei, tentando parecer casual.
Noah riu, aquele som rouco que me fazia sentir borboletas no estômago.
— Então é bom não ficar tensa mesmo, porque vamos passar o dia inteiro aqui. Só eu e você.
Minha respiração travou.
Ele se levantou sem pressa, como se tivesse acabado de falar algo completamente trivial, e seguiu para a parte interna do iate.
Me deixando ali, aturdida. E completamente vulnerável.
Peguei meu celular e comecei a tirar fotos do lugar, registrando a vista deslumbrante e, claro, algumas minhas. Atualizei as redes, mas minha atenção estava inquieta. Algo em estar ali, sozinha com Noah, me deixava absurdamente ansiosa.
Não demorou muito e ele voltou, trazendo dois copos nas mãos — sucos frescos com gelo.
— Obrigada — falei, enquanto ele se sentava ao meu lado, relaxado, como se tudo estivesse sob seu controle.
Ele me observou por um instante, os olhos percorrendo meu rosto antes de desviar para o mar.
— Já mergulhou? — perguntou, de repente.
A pergunta me pegou desprevenida.
— Já fiz uns mergulhos antes — respondi, encarando a imensidão azul à nossa frente.
— Interessante — ele murmurou, sem tirar os olhos de mim. — Sabe, Hadassa… — Ele fez uma pausa, e só pela maneira como me olhava, eu já sabia que viria algo. — Você deveria se soltar mais.
Minhas sobrancelhas se arquearam.
— Como assim, Noah?
— Você fica muito presa quando está perto de mim. Não se diverte muito. Sem falar que tem medo do nosso contrato, e acaba se limitando demais — disse ele, sua voz baixa e suave.
Fiz uma expressão confusa, tentando entender para onde ele queria chegar.
— Do que está falando? Só estou sendo profissional, e o contrato é importante. Eu não posso simplesmente ignorar — rebati.
Ele meneou a cabeça devagar, o canto da boca curvando-se em um sorriso.
— Você não é do tipo que se diverte, não é?
Senti um calor subir pelo meu rosto.
— Eu me divirto sim, Noah, muito — retruquei, cruzando os braços.
— Então por que não larga esse tablet e vai se divertir um pouco? Eu te dou folga hoje — disse ele, os olhos brilhando. Fiquei tentando lhe decifrar.
O jeito como ele me olhava fazia minha pele formigar.
— Certo… e como fica o fato de eu estar gerenciando junto com a sua equipe todo o caos do anúncio do seu afastamento? — Cruzei os braços novamente, tentando parecer indiferente.
Mas ele apenas deu de ombros, como se nada disso importasse.
— Dane-se tudo isso, Cinderela.
Antes que eu pudesse protestar, ele se levantou e me puxou junto, seu toque quente e firme queimando contra minha pele. Meus olhos se arregalaram.
Ele estava, definitivamente, ignorando o contrato.
IGNORANDO A CLÁUSULA 2.
Noah... Sempre quebrando regras.
Seus olhos claros seguraram os meus, uma intensidade crua queimando ali.
— Eu sei que a sereia sabe nadar, mas será que é corajosa o suficiente para mergulhar nesse mar comigo?
Engoli em seco, meus olhos deslizando involuntariamente para a água cristalina que se estendia à nossa frente. A brisa quente bagunçava meus cabelos, mas o verdadeiro furacão estava ao meu lado, me olhando daquele jeito.
— Ah… não dá. Eu não trouxe roupa de banho — murmurei, como se isso fosse um argumento válido.
Noah soltou um riso lento e travesso. Meu estômago revirou.
— Eu providencio, princesa.
A forma como ele disse aquilo fez algo dentro de mim desmoronar.
Meu coração disparou. Minhas mãos ficaram frias.
Antes que eu pudesse encontrar uma resposta coerente, ele se virou e entrou na parte interna do iate. Fiquei ali, paralisada, piscando algumas vezes, tentando entender o que acabara de acontecer.
Ele me chamou de princesa.
PRINCESA.
Noah voltou pouco tempo depois, encostando-se à porta com um meio sorriso e fazendo um gesto para que eu entrasse. Admirada, dei um passo hesitante, passando pelo limiar.
Noah me conduziu até o quarto.
O ambiente era sofisticado, com um toque masculino que parecia ecoar a própria essência de Noah. As paredes revestidas de madeira escura contrastavam com os lençóis impecáveis e claros que cobriam a cama grande no centro do quarto. A janela panorâmica revelava o mar infinito, e a luz do sol invadia o espaço. O aroma amadeirado do ambiente se misturava ao cheiro dele, algo que já me era familiar e, ao mesmo tempo, envolvente.
Noah abriu um compartimento discreto e retirou uma sacola, estendendo-a para mim com um sorriso tranquilo, quase despretensioso.
— Pode ficar à vontade para se trocar. Eu te espero lá fora.
Ele já estava quase saindo quando eu o chamei, minha voz um pouco mais suave do que eu gostaria. Ele se virou, e aquele olhar profundo, mais profundo que o oceano que nos cercava, encontrou o meu.
— Como você sabia que eu iria precisar disso? — perguntei, balançando levemente a sacola.
Ele sorriu, desviando o olhar por um instante, como se estivesse pensando em algo para responder:
— Quando pensei em te trazer aqui, já havia pedido para Lisa providenciar algo para você — ele respondeu, com uma piscadela que fez meu estômago embrulhar. E então saiu, deixando-me ali, com a sacola nas mãos e um turbilhão de pensamentos na cabeça.
Respirei fundo, tentando me acalmar, mas era impossível ignorar o fato de que ele havia pensado em mim, em cada detalhe. Entrei no banheiro e me troquei, vestindo o maiô preto que ele havia providenciado. Olhei-me no espelho por um momento, tentando me convencer de que estava tudo bem. Mas quando saí, meu coração já batia acelerado, e nada poderia ter me preparado para o que vi.
Noah estava encostado no parapeito de vidro da varanda do iate, de costas para mim, observando o mar. O sol da manhã iluminava sua pele dourada, destacando cada músculo bem definido de suas costas e ombros largos. Ele vestia apenas uma bermuda de banho escura, e os cabelos estavam levemente bagunçados pela brisa que vinha do mar. Quando me ouviu, virou-se devagar, e o impacto foi instantâneo.
Seus olhos deslizaram por mim, demorando-se mais do que deveriam, como se estivesse me analisando com uma mistura de surpresa e algo mais intenso. Então, aquele meio sorriso apareceu no canto dos lábios, e eu senti um frio na espinha.
— Pronta? — A voz dele saiu grave e rouca.
Engoli em seco, tentando manter a compostura, fingindo que não tinha reparado no modo como ele me olhava. Cruzei os braços e ergui o queixo, tentando parecer mais confiante do que me sentia.
— Você quem está demorando.
Noah riu, balançando a cabeça como se fosse um desafio que ele estava disposto a aceitar.
— Então vamos ver se você é corajosa mesmo, Cinderela.
Sem aviso, ele segurou minha mão e me puxou para o convés. O calor do toque dele contra minha pele percorreu cada centímetro do meu corpo como uma corrente elétrica, e naquele instante eu já sabia: manter a distância dele naquele iate seria uma batalha perdida.
Noah me guiou até a borda do iate, onde o mar parecia ainda mais azul, quase cristalino. O sol brilhava sobre a superfície da água, criando reflexos dourados que dançavam com o movimento das ondas, mas minha atenção estava toda nele.
— Vai pular sozinha ou precisa de incentivo? — A voz dele tinha um tom brincalhão, mas o brilho nos olhos deixava claro que ele adoraria me empurrar se eu hesitasse.
Cruzei os braços, lançando-lhe um olhar desafiador.
— Eu pulo. Não sou medrosa como você pensa.
Noah sorriu, cruzando os braços também, como se quisesse me testar. Respirei fundo e me preparei, mas antes que eu pudesse dar o salto, senti um toque firme em minha cintura — aquele toque me fez estremecer.
— Melhor juntos. — E, sem aviso, ele me puxou.
Um grito escapou dos meus lábios antes de a água fria nos envolver. O impacto foi forte, mas logo me acostumei com a temperatura. Subi à superfície, afastando os cabelos molhados do rosto e pronta para lançar um olhar mortal para Noah.
Ele emergiu ao meu lado, passando a mão pelos cabelos molhados e rindo.
— Viu? Não foi tão ruim, Cinderela.
— Você me puxou! — Protestei, mas um sorriso travesso já se formava nos meus lábios, impossível de conter.
— Você ia demorar muito pensando se realmente teria coragem de pular — ele deu de ombros, nadando de costas com uma facilidade irritante.
Revirei os olhos e comecei a nadar para longe dele, deixando as ondas me carregarem um pouco. O mar estava calmo, e o sol refletia em cada gota d'água que deslizava por minha pele, mas minha mente estava longe dali. Estava nele.
Noah se aproximou lentamente, nadando ao meu redor como se estivesse me estudando.
— Sabe, achei que você fosse fugir de novo.
— Eu não fujo de nada — retruquei, sem encará-lo, embora soubesse que ele estava certo.
Ele sorriu de canto, aquele sorriso que sempre me deixava sem chão.
— Então por que sempre parece que está lutando contra alguma coisa quando está perto de mim?
Engoli em seco. O problema era que ele estava certo de novo. Mas, antes que eu pudesse responder, Noah mergulhou de repente e, em questão de segundos, senti suas mãos tocarem minha perna de leve debaixo d’água.
— Noah! — Dei um pulo, tentando me afastar.
Ele emergiu rindo.
— Relaxa, só estava testando seus reflexos.
— Você é impossível.
— E você, previsível — provocou, nadando para mais perto, até que eu pudesse sentir o calor do seu corpo mesmo na água fria.
O silêncio caiu entre nós, apenas o som das ondas quebrando ao nosso redor. O olhar dele estava fixo no meu, intenso demais, como se pudesse ver além das minhas palavras, além das minhas defesas.
— Vamos ver quem consegue ficar mais tempo debaixo d'água? — sugeriu, eu o encarei com desafio.
— Você perderia fácil, fácil — falei, ele ergueu as sobrancelhas e sorriu, mordendo os lábios.
Maldito gesto que prendeu minha atenção!
— Hadassa... Você já fica sem ar quando está perto de mim, imagine debaixo d'água ao meu lado — disse naturalmente. Eu abri a boca, perplexa com a ousadia dele, e ele riu, mas não tirava os olhos de mim.
— Só por isso eu te desafio — falei, ele assentiu, ainda rindo.
— Beleza. No três, ok? — disse. Assenti.
Noah contou e mergulhamos.
A água era silenciosa e envolvente, e logo senti Noah nadando ao meu lado. Por um instante, apenas aproveitamos o momento, deslizando pela imensidão azul. Mas, claro, Noah não conseguia simplesmente ficar quieto.
De repente, senti um toque leve na minha cintura. Meu coração disparou, e quando olhei, ele estava bem ali, perto demais, os cabelos se movendo com a água, os olhos me analisando com uma intensidade que me deixou sem ar. Ele apontou para cima, indicando que estava na hora de voltar à superfície.
Quando emergimos, respirei fundo e olhei para ele. Noah. Gotas de água escorrendo pelo seu maxilar. Os olhos mais claros com o brilho do sol. Cada detalhe do seu rosto, seus ombros... Ele então sorriu, e eu voltei à realidade.
— Você trapaceou! — exclamei, tentando disfarçar o quanto aquilo tudo me afetava.
— Como? Você perdeu.
— Não, foi você que apontou para cima sinalizando que era para emergir. Se não aguentava mais, era só emergir sozinho — falei, prendendo a risada.
— Você sabe que já fui campeão de mergulho em uma competição que participei, certo? E sabe que surf sempre foi meu esporte, não sabe? — indagou, eu prendi os lábios, frustrada.
— Sei... Por um segundo, esqueci — bufei, ele riu e se aproximou mais um pouco, até que eu pudesse sentir o calor do seu corpo novamente, e meu coração disparou mais uma vez.
Seu olhar ficou mais intenso, profundo, e eu senti vontade de fugir daquele momento, de mergulhar e desaparecer na imensidão do mar para escapar daquela conexão que parecia nos puxar cada vez mais para perto um do outro. Mas algo nele me prendeu, como se suas palavras e seu olhar fossem um ímã que eu não conseguia resistir.
— Hadassa... — ele disse meu nome com aquela intensidade que fazia meu coração disparar. Por um instante, pensei que ele iria me beijar, com a proximidade que ele provocava entre nós. E, por um instante... Achei que deixaria.
Delicadamente, Noah passou os dedos em minha bochecha e tirou uma mecha do meu cabelo — que já estava solto, colocando-a atrás da minha orelha. Desceu os dedos, acariciando meu rosto, e pousou em minha nuca. Eu fechei os olhos, esperando por reviver aquele momento no elevador, mas precisei falar, mesmo que cada palavra fosse um esforço:
— Combinamos de nos afastar, Noah — forcei a mim mesma a dizer, hesitante, como se minha voz não quisesse cooperar. Ele respeitou e afastou as mãos, mas o olhar dele ainda estava fixo em mim.
O clima ficou tenso, então voltamos para o iate. Coloquei um short jeans que também estava dentro da sacola e fui até uma mesa no lado externo, onde Noah me aguardava sentado, já com uma regata preta. A mesa estava farta com o almoço, frutos do mar e acompanhamentos que combinavam perfeitamente com aquele passeio.
Depois do almoço e da sobremesa, precisei pegar meu tablet para verificar algo que Estela havia me enviado. Eram várias mensagens de fãs em desespero pelo afastamento de Noah por tempo indeterminado. Frases como “Não sei como vou sobreviver sem seus shows, Noah Tremblay!”, “Eu tô sofrendo com essa notícia”, “Não acredito que a cura dos meus problemas vai se afastar”, e muitos emojis de choro e milhares de comentários e mensagens em todas as redes.
Então, eu percebi: a idolatria acontece até no mundo gospel.
Balancei a cabeça e olhei para Noah, que estava concentrado no celular. Minha mãe sempre me alertou que não havia problema em admirar o Noah, o problema seria transformar aquela admiração em idolatria. E todas as vezes que pensava demais nele, eu pedia a Deus para mudar o meu foco, porque o primeiro lugar em meu coração sempre seria de Cristo. Hoje, convivo com Noah e vejo sua fragilidade humana. Durante esse tempo com ele, percebi que as pessoas se perdem ao colocar uma pessoa no centro de tudo em suas vidas e se tornam idólatras.
Noah levantou a cabeça e me flagrou lhe encarando enquanto eu pensava.
— Tá tudo bem aí? — indagou, eu assenti, despertando-me dos devaneios.
— Você já percebeu como as pessoas te adoram? — indaguei, ele bloqueou o celular e focou em mim, os olhos se estreitando levemente, como se estivesse tentando entender para onde eu queria chegar.
— Como assim, Luz?
— Muitas pessoas te idolatram, e eu sei que você não tem culpa disso, mas eu parei para analisar como, muitas vezes, colocamos um ser humano acima de Deus em nossas vidas, e cometemos o pecado da idolatria — falei, ele ponderou, os dedos tamborilando levemente na mesa. — Sempre fui sua fã, mas você nunca foi meu ídolo. Mas muitas pessoas te enxergam como um ídolo, nunca pensou nisso?
Ele soltou um suspiro, como se aquela fosse uma questão que já o atormentava há tempos.
— É algo inevitável, mas que detesto. Já falei em alguns shows que não estou aqui para ser adorado, sou apenas um ser humano falho, cheio de pecados, de um passado que não me deixa dormir, tentando levar o Evangelho através das minhas canções, das minhas ministrações. Eu jamais deveria ser o centro de alguém, porque a glória é totalmente de Cristo e para Cristo — ele disse, e eu sorri, encantada por suas palavras, pela humildade que ele demonstrava mesmo diante de tanto sucesso.
— Você também reparou que ainda estão falando da gente nas redes sociais? — perguntei, mudando de assunto, mas ainda com aquela inquietação pairando sobre mim.
— Está disparado, só se vê isso nas redes — ele disse com uma tranquilidade que nem eu conseguia ter.
— Será que isso não vai parar?
— Não sei por que ainda se incomoda com isso, Cinderela — disse, eu arqueei a sobrancelha, surpresa com a leveza com que ele tratava o assunto.
— Você não se importa? — retruquei, ele sorriu.
— Deveria me importar? — rebateu, eu engoli em seco, sem respostas.
O que você está fazendo comigo, Noah?
Suspirei fundo, tentando decifrar o tipo de homem que estava em minha frente. Ele deu de ombros e se levantou, indo para o interior do iate, deixando-me ali, com meus pensamentos e aquela confusão que só ele era capaz de causar.
Respirei fundo e subi até o deck do iate, buscando um pouco de paz. O sol dourado da tarde aquecia minha pele, e a brisa do mar trazia um frescor relaxante. Peguei um livro que estava na minha bolsa e me acomodei em um dos sofás macios, determinada a me perder na história e, principalmente, esquecer da presença de Noah por algumas horas.
Mas é claro que ele não permitiria isso.
— Não acredito — a voz grave soou perto, junto do som dos pés descalços contra o piso de madeira. — Você veio para um iate e decidiu ler um livro?
Fechei os olhos por um segundo, já sabendo que minha tranquilidade estava com os minutos contados.
— Sim, Noah — respondi, sem desviar os olhos da página. — Algumas pessoas apreciam momentos de silêncio e leitura.
Ele riu, sentando-se ao meu lado. Perto demais. Sua proximidade era como um ímã, puxando minha atenção para ele, mesmo quando eu tentava resistir.
— O que está lendo? — indagou, mas não ousei olhar para ele.
— Não é do seu interesse — respondi, focada no livro. Ou apenas fingindo.
Era impossível focar em alguma coisa quando Noah estava perto demais.
— Ah, sim, é do meu interesse quando é você que está lendo — respondeu, e eu prendi um sorriso, tentando ainda não olhar para ele.
Mas não adiantou. Em um movimento rápido, Noah puxou o livro da minha mão e se afastou para a ponta do sofá. Lhe lancei um olhar fulminante, mas ele ignorou.
— Noah! — exclamei, fingindo indignação.
— Está lendo romance, Cinderela? — perguntou, eu bufei.
— Qual o problema de ler romances? — respondi, ele balançou a cabeça.
— “Um dia, precisei fugir” — começou, lendo o livro em voz alta, claramente para me irritar, mas eu queria mais rir do que ficar com raiva dele. — “Precisei negar os meus sentimentos, fugir dos olhos intensos dele...” — ele fez uma interpretação dramática, e eu caí na risada. — “Mas ele sempre me encontrava. Onde estava o amor, lá ele também estava”.
— Ah, Noah, vai ler o livro inteiro? — zombei, mas ele fez sinal de pare e folheou outra página.
— “Doce girassol, não quero que fuja do nosso amor, nem dos planos que Deus tem para nós” — ele fechou o livro. — Um romance cristão... — analisou a capa, e eu não contive a risada. — Por que ela queria fugir?
— Porque, por mais que Deus desse sinais de que eles pertencem um ao outro, ele sempre a deixava confusa — respondi, ele me analisou e ergueu as sobrancelhas.
— Talvez ela mesma se colocasse nessa confusão — disse, eu franzi o cenho.
— Como assim?
— Mulheres têm mania de complicar o que é simples. Homens, por outro lado, basta a mulher querer que ele já está fazendo de tudo por ela — disse, eu ergui as sobrancelhas, perplexa.
— Continue... — mostrei interesse. Ele relaxou no sofá.
— Por exemplo, Deus já mostrou que eles pertencem um ao outro, certo? Mas quem quis fugir, ele ou ela? Eu não conheço o livro, mas acredito que ela é mais difícil que ele — disse, e eu me neguei a responder, porque Noah estava certo.
A personagem vivia fugindo enquanto o personagem fazia o impossível para estar com ela, por isso o nome do livro: “A fuga do propósito do amor”.
— Por exemplo, você — disse na lata, eu olhei para ele, nossos olhares se encontrando. — Perguntei a você se, depois do que aconteceu, ainda queria se afastar, e você disse que sim. Quem fugiu, como sempre? Você, Cinderela — afirmou, um nó se formando em meu estômago.
— M-mas foi você quem criou o contrato! E eu, como sua assistente, preciso segui-lo para não me prejudicar no trabalho — rebati, mas ele não se deu por vencido.
— O contrato serviria para você ou para qualquer outra assistente. Ele foi redigido antes de você entrar na minha vida — disse ele. Meu foco permaneceu nele.
— Então me diz, por que criou um contrato tão claro quanto esse? — questionei. Seu olhar se tornou distante.
— Tem muita coisa no meu passado que ainda me persegue, e uma delas é que já quebraram minha confiança da pior maneira — confessou. Ergui as sobrancelhas, curiosa.
— Quer falar sobre isso? — perguntei. Seu olhar encontrou o meu, mas logo ele desviou.
Se Noah evitava me encarar, havia algo mais por trás daquilo.
— Janta comigo esta noite, aqui no iate, e eu posso falar mais sobre isso. O que acha?
Meu estômago se encheu de borboletas. Engoli em seco, presa sob aquele olhar claro que me desmoronava.
— Aceito.
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