A Vizinhança
Mudei-me para uma pequena cidade no sul do país há algumas semanas. Confesso que, de primeira, a arquitetura e o ritmo ameno impuseram forte influência sobre a minha adaptação e conforto, deixando-me com a sensação agradável de alívio e conformidade em relação à minha nova vida.
Abriram-se as portas de oportunidades e logo me vi trabalhando em um novo emprego, cercado por coisas novas e interessantes que captaram minha atenção e mantiveram a escama da ignorância sobre os meus olhos. Entre elas, sobretudo, os habitantes.
Posso afirmar que nunca estive tão feliz e livre. Durante poucos dias, aquela cidade se tornou o meu paraíso. Infelizmente, há cerca de quatro dias, o cenário mudou. E de quem mais seria a culpa se não de nossa espécie miserável?
Para meu espanto, chegaram à casa ao lado dois novos vizinhos, um casal de bisbilhoteiros que torrava a minha paciência ao ponto de carbonizá-la.
Logo entendi as suas rotinas e me propus a evitá-los, fechando a minha janela quando abriam as portas e marchavam para fora com o lixo; cortando caminho quando os via atravessar a rua às seis, na volta da academia. Mesmo quando passeavam com o cachorro, um vira-lata de pelagem marrom chamado Feijão, pareciam dispostos a tirar-me do sério.
Então hoje, enquanto um dilúvio cercava o bairro onde morávamos, decidi agir.
Sentei-me na varanda, ouvindo o gotejar irritante constante, e esperei.
Esperei até que o carro de lataria vermelha cruzasse a esquina, exatamente na hora que calculei, e a moça o dirigisse até a garagem. Esperei que as luzes fossem acesas e que saísse para fora, confusa, então acenei.
Concentrei-me no gotejar, na chuva forte e em seu guarda-chuva vermelho quando se aproximou, o rosto franzido em preocupação. Ouvi suas reclamações e balancei a cabeça, então indiquei a entrada.
Deixei que apoiasse o objeto sobre o batente da porta e batesse os pés no tapete para enxugar a água dos sapatos, então fechei e estreitei os olhos quando inclinou levemente a cabeça, também ciente do gotejar irritante.
Divertido mesmo, afirmo, foi quando notou a sua origem, o líquido pegajoso ainda morno que escorria pelo chão de minha cozinha. Seus olhos tornaram-se tão absurdamente grandes quando os arregalou que poderiam substituir dois dos planetas do nosso sistema solar. Emitiu um grito tão cortante quanto garrafas de vidro sendo estilhaçadas, então correu até o marido pendurado sobre o balcão. Sem mais nem menos tempo, tratei de que iria ao seu encontro, compartilhando daquele gotejar escarlate insuportável.
Minhas malas já estavam prontas quando saí, ciente de que precisaria mudar-me para outro estado novamente. Espero que ao menos não compartilhe de mais uma vizinhança irritante.
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