Capítulo Quatro
Abro meus olhos com um pouco de dificuldade. Eu sentia algo estranho abaixo de meu corpo, como se eu estivesse sobre algo duro, porém um pouco mole, que se levantava e descia. Essa coisa fazia um barulho estranho, era quente, muito quente. Eu não queria sair daquele aconchego perfeito, porém algo me dizia que eu não estava onde deveria estar.
Me levanto um pouco e fito o meu olhar do que estava abaixo de mim, abrindo a minha boca em um perfeito O e sentindo minhas bochechas ficarem completamente vermelhas. Saio de cima de Chace rapidamente. Como que eu havia dormido em cima dele? Se minha mãe tivesse visto isso exigiria casamento e ninguém faria questão de retrucar.
Me levanto com um pouco de dificuldade, quase batendo a minha cabeça no topo da mini caverna. Meu tornozelo doía muito mais que na noite anterior, me perguntava se aquilo curaria rápido... Bem, provavelmente demoraria dias para sarar, levando em conta que hoje estava doendo muito mais... Pelo menos eu conseguia mover todos meus músculos e não tinha mais dor de cabeça.
Ando para fora do local, o sol parecia recém ter nascido, os pássaros cantavam alto, era possível ver eles em cima das árvores, mas também, era possível ver muito mais que os pássaros. Sorrio ao ver um esquilo em cima de um galho.
Ouço Chace se levantando e me viro em sua direção, sentindo uma dor terrível em meu tornozelo, o que esconde meu rosto que queria voltar a ficar corado.
--Ei, já acordou?
Eu queria saber como ele conseguia soar tão natural. Eu havia acabado de acordar em cima dele... Aquilo não deveria ser motivo para ele agir tão normalmente.
--Sim, por quê?
--Sei lá, você estava dormindo de forma tão pesada...
Coro nos pés até a cabeça, porém aquilo passa no momento que eu vejo suas olheiras. Chace estava com muitas olheiras.
--Espera, você dormiu?
Vejo o seu olhar vacilar e se dirigir aos seus pés, onde se encontravam os sapatos antes perfeitos, mas que agora estavam sujos.
--Bem, eu não poderia dormir, alguém tinha que ficar acordado. A floresta é cheia de mistérios, algo poderia ter pegado um de nós...
Eu agora me sentia extremamente culpada. Como pude dormir com Chace acordado?
--Chace, por que você ao menos não me disse?
O garoto solta um risinho baixo.
--Eu conheço você, sei exatamente que você não permitiria e ainda ficaria acordada comigo.
Reviro os olhos, ele ao menos me conhecia bem.
Ando meio bamba para mais perto de seu corpo, sentindo minhas bochechas corarem ao me lembrar das circunstâncias que eu havia acordado.
--Por que eu estava dormindo em cima de você?
Vejo o rosto do mesmo adquirir um tom incrivelmente rosado e o mesmo olhar para os lados, como se procurasse uma saída, porém a floresta não oferecia tal coisa.
Um suspiro mudo sai de seus lábios, seu rosto ainda corado enquanto ele tentava focar em meus olhos.
--Você estava muito perto da entrada da caverna e como ela é muito pequena.--Ele aponta para a caverna inteira, que era muito mais que pequena--Eu tive que puxar você mais para dentro, e eu estava ocupando quase todo o espaço, daí coloquei você em cima de mim, assim você não ficou muito para fora e nós não sentimos muito frio quando o fogo apagou. Bem, eu deveria ter pensando que você não gostaria disso, afinal, foi boboca na minha parte ter feito algo tão íntimo sem você aceitar.
Eu e Chace havíamos crescido com aquele pensamento que qualquer toque íntimo, desde mãos dadas até beijos, era passagem para um casamento, então eu não culpava Chace por ter ficado tão desesperado ao explicar, porque se alguém tivesse visto, era óbvio que teríamos que casar.
--Calma, eu entendo que você só queria me proteger e esquentar. Eu sei que você não pensou em qualquer outra coisa. E mais, não tem ninguém aqui para fazer cerimônia de casamento.
A última parte era para ser uma piada, porém Chace não parecia com vontade de rir.
--Okay.--Chace diz, como se tornasse o assunto encerrado.-- Então, eu sei que seu tornozelo está pior que ontem, mas se a gente pudesse procurar a saída e quem sabe uma comida, seria bom.
Eu concordo com a cabeça, ainda estranhando a forma que Chace falava. Aquilo não era de hoje.
--Okay.--Ele abaixa a cabeça e arrasta as folhas com o pé direito.--Eu escutei barulho de água ontem, pode ser o riacho. Todos costumam dizer que é preciso seguir o riacho para achar a Vila, como um tipo de piada, então se nós conseguíssemos achar ele, nós estaríamos a salvos, e também, o riacho tem peixes.
Sinto a minha barriga roncar, eu nem havia notado que estava com fome, mas pelo visto estava com muita. Eu não comia desde o Café da Manhã do dia anterior... Nós não comíamos desde o Café da Manhã do dia anterior.
--É, a minha barriga está roncando.
Vejo ele andar em minha direção. De perto as suas olheiras estavam muito piores.
--Precisa de ajuda para andar?
Concordo sem pensar muito, me arrependendo ao sentir o seu braço ao redor da minha cintura, fazendo com que eu sentisse ondas de choque naquela região.
--Então vamos, quanto mais cedo acharmos o riacho, mais cedo a nossa fome acaba e nós chegamos à Vila.
--Concordo com a cabeça, porém olho estranho para ele ao notar uma coisa. Como iríamos pegar os peixes?
--Espera, Chace, como vamos pegar os peixes? Não tem nada para se pegar.
--Eu fabrico algo quando chegarmos lá.
Ouço uma de nossas barrigas roncando, porém não tinha certeza se era minha ou de Chace, nós parecíamos famintos na mesma intensidade.
A floresta parecia tão linda de manhã. Os pássaros de diferentes cores voavam felizes no céu. Alguns pousavam em árvores e cantavam, essas árvores que eram gigantes, algumas menores. Era possível ouvir vários animais diferentes, sons, alguns fáceis e outros difíceis de identificar, alguns assustadores e outros, bem, outros nem tão assustadores.
Quase salto ao ver uma lebre correndo pela floresta, estranhamente, parecia a mesma que passara na frente da carroça, porém digo para mim mesma que não era.
--Estou ouvindo água.--Chace diz.
Era verdade, eu conseguia ouvir a água correndo, porém não dava para saber de onde vinha aquele som. Eram muitos para conseguirmos nos concentrar em apenas um.
O som desaparece depois de um tempo.
--Consegue saber de qual direção?--Pergunto.
Chace suspira e olha para o lado esquerdo antes de virar sua atenção para o direito. Estava tão confuso quanto eu.
--Não sei, mas na Vila não costumavam dizer em qual direção ficava o riacho?
--Não, afinal, sempre falaram que todos que entravam na floresta nunca mais voltavam, então não tem como eles saberem em qual direção fica o riacho, tem?
Vejo Chace juntar as sobrancelhas, o mesmo olhar que sempre usava para pensar, esse que sempre insistia em me fazer ficar atenta em seu rosto pensativo, tal que chegava a até ficar bonito, porém eu me forçava a não pensar assim.
--Mas como eles sabem que tem um riacho aqui?
--Porque ele cruza o final da Vila. De lá que conseguimos nossa água, por isso não podemos ir até ele, eu por exemplo, já cheguei perto, mas fui forçada a ficar longe. O problema é que ninguém sabe por onde ele passa na floresta, pode fazer inúmeras curvas, afinal, a floresta sempre pareceu enorme.
Vejo Chace concordar com a cabeça antes de voltar a olhar para os dois lados, atento. Parecia estar forçando sua audição para achar a direção correta do riacho, esse que parecia tão pequeno, mas que abastecia a Vila inteira.
Ele não parecia estar escutando nada, eu muito menos.
Como que o som havia desaparecido?
Acontece que a Vila era pequena, não precisava de tanta água, então um riacho sempre esteve de bom tamanho para deixar todos satisfeitos. O problema era que nas secas, sua água acabava, o que significava que todos ficavam desesperados por água. E, às vezes, só às vezes, acontecia brigas sérias pela mesma.
--Eu acho que estou ouvindo um som de água vindo da direita, deveríamos tentar por lá.
Concordo com a cabeça, mesmo sentindo que estávamos errados.
Ele me puxa para a direita, me levando entre as árvores, que agora eram altas e cheias de galhos pontudos. Havia arbustos, inúmeros arbustos que insistiam em raspar em minhas pernas e rasgar meu vestido, que já se encontrava todo sujo e rasgado no dia anterior.
O caminho estava longo, o som do riacho desaparecia e aparecia. Parecia que nunca o encontraríamos, levando o fato que estavam extremamente cansados, machucados e assustados, já que haviam escutado barulho de animais rastejando e o som de uma cobra, além de inúmeros outros sons assustadores.
Chace parecia não conseguir mais aguentar o meu peso, o sol estava queimando, nossos olhos estavam ardendo, além de nossos sapatos estarem rasgando, deixando o caminho cada vez mais complicado para passarmos entre as árvores, espinhos, galhos secos, arbustos, formigas, entre várias outras coisas.
Sinto Chace parar, se escorando em uma árvore, acabando por tirar o seu braço de cima de meus ombros, deixando com que eu me escorra-se na outra árvore, essa um pouco mais afastada, acabando por me fazer quase levar um tombo no chão.
--Desculpa, Meredith, é que eu estou cansado e não sei a direção certa que a gente tem que tomar, esse riacho parece que está brincando com a gente, o seu som uma hora fica mais alto e na outra mais baixo, além de desaparecer algumas vezes, é muito estranho!
Sim, eu estava vendo Chace Franklin totalmente vulnerável em minha frente.
--Calma, Chace, nós vamos conseguir, quem sabe apenas pegamos a direção errado, poderia ter sido o lado esquerdo, mas acabamos indo para o direito.
--Então como parece que o som do riacho diminui, aumenta e desaparece a cada minuto, sendo que estamos indo para a mesma direção?
Eu não tinha a resposta para aquela pergunta, também tinha total certeza que ninguém, que estivesse no meu lugar, teria. A floresta era estranha, nem eu e nem Chace conhecíamos a mesma. Ela deveria ser cheia de truques para quem entrasse em seus domínios, e Chace e eu havíamos entrado sem sermos convidados.
Respiro fundo, vendo que Chace me fitava em busca de ajuda, porém naquele exato momento, eu me sentia uma perfeita inútil.
--Não sei como nos ajudar, Chace, eu não sei aonde fica o riacho, não faço ideia...
Aquele silêncio que se seguiu teria sido horrível se algo não tivesse caído com um baque em minha cabeça, atraindo a minha atenção para os galhos das árvores, esses que estavam estranhamente quietos.
Me abaixo para procurar o que havia caído em minha cabeça, tomando cuidado para não machucar mais do que já estava meu tornozelo. Acho uma nós, porém aquela árvore não era de nozes.
--Ai!
Chace se abaixa, pegando também uma nós em sua mão direita.
--Como que nozes estão caindo em nossas cabeças? Essas árvores nem são de nozes!
Faço que eu não sabia, voltando a olhar para os galhos das árvores, tentando achar a coisa que estava jogando nozes em nossas cabeças, mas somente ganho uma nós no meio da testa e me curvo pela dor do impacto, vendo Chace fazer o mesmo após receber uma nós no mesmo lugar.
--Fala sério! O que está fazendo isso?!
Olho para cima novamente, dessa vez pegando o que estava fazendo isso. Era um esquilo e parecia o mesmo que eu havia visto ao acordar.
--Ei!--Grito, somente para levar mais uma nós na testa.--Para de fazer isso!--Falo abaixada, somente para machucar meu tornozelo.
Vejo Chace também se abaixar, fugindo ao pouco de uma nós que voava em sua direção.
Saiam da minha casa!
Arregalo os olhos, franzindo a testa.
Espera, aquela voz não era minha e nem de Chace.
Levanto rapidamente e olho para a árvore, vendo que o esquilo não estava mais lá.
--É impressão minha ou eu ouvir ele falando?
Olho para Chace, achando a sua pergunta uma loucura, mesmo sabendo que nenhum de nós que havia dito aquilo.
--Não sei, acho que a fome, o calor, a sede... Tudo está ferrando com nossa sanidade.
Vejo Chace concordar com a cabeça, esse que anda até mim e coloca o seu braço em meus ombros.
--Okay, temos que continuar...
--Sim, temos que continuar.
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