Capítulo Dezessete
O sol estava quase se pondo, minha respiração acelerava enquanto observava ele desaparecer atrás das montanhas distantes. Naquela posição que eu me encontrava, deitada sobre a grama seca, era fácil de vê-lo... Um pôr do sol belíssimo, porém ao mesmo tempo triste, fazendo a contagem do tempo que eu ainda tinha viva... Viva naquele chão terrível.
Eu queria muito saber se Chace estava bem, se me procurava junto às Coisas... Eu queria que não, queria que ele estivesse na Vila, sem se preocupar comigo, seguro com todas as pessoas acolhedoras; mas tinha algo no fundo de minha mente que não acreditava que ele ficaria seguro naquele lugar, afinal, ele nunca passaria de uma experiência, a Morte era muito mais misericordiosa.
Aí no chão, sem futuro, apenas uma garota morta.
Bufo, não estava com vontade de conversar com a Floresta. Ainda me sentia bastante confusa com tudo que ela havia me dito... Era demais para o meu cérebro processar em tão pouco tempo.
--Me deixe sozinha enquanto aguardo a minha morte, seria gentil da sua parte...--Digo de forma seca e derrotada, não recebendo resposta alguma, o que me faz suspirar de uma forma exausta.
De fato, a morte seria melhor do que voltar para a Vila, o lugar aonde nós nunca poderíamos sair... Era maldade Chace não ficar sabendo disso, era maldade saber que Chace nunca conseguiria sair da Vila, era maldade deixá-lo sozinho, mas eu não conseguia imaginá-lo morto, eu não era capaz de algo tão cruel... Então ele estava muito melhor vivo...
Me pergunta se as pessoas que muitas vezes apareciam na Vila vinham mesmo querendo ter um começo novo depois da vida terrível na cidade, ou se era apenas algo colocado em suas mentes pela Floresta, fazendo-os acreditar que queriam um começo novo naquele lugar terrível.
Bufo, as estrelas apareciam rápido demais. Por que não podiam demorar mais um pouco? Eu não estava pronta para ser devorada por Lobisomens... Pelo menos eu não conseguia ver a lua... Mas será que isso poderia ser considerado algo bom?
Eu nunca havia visto um dos Lobisomens fora do período de Lua Cheia, me perguntava aonde eles viviam, se escondidos como as Coisas, ou na própria Vila... Imaginar eles vivendo na Vila me deixava assustada, mas era algo extremamente provável, já que fora do período de Lua Cheia eles eram como humanos normais... Eu poderia até já ter cruzado com algum sem nem ter notado.
No meu leito de morte, quem sabe soasse idiota eu querer ver a minha família por uma última vez, querer que Rosa sorrisse para mim com aquele dente faltando, querer que mamãe me enchesse com seus planos para o meu futuro, que quem sabe dariam certo se a Floresta não desejasse que eu fosse devorada por Lobisomens... Eu queria saber se papai havia ganhado o prêmio de melhor colhedor, ou se ele havia desistido por eu não estar lá... Eu não poderia vê-los antes de morrer, eu morreria e não saberia se a minha família chorava antes de dormir por sentirem a minha falta.
Eu achava boboca a minha vontade de escutar uma última vez alguma história de senhor Franklin. Mesmo que esse não fosse alguém da família, eu sentia que eu precisava escutá-lo uma última vez... Eu sentia que eu precisava da sua voz para conseguir ir em paz.
Tudo escuro... A contagem regressiva começara...
Está escutando esse som?
--Qual? Os dos grilos ou da contagem antes de eu ser devorada?
Escuto o seu riso de vilã cruel soar por toda a floresta, um típico som de um vilão que se tornou o que é por motivos que eu não tinha como julgar.
É impressionante a forma que você desistiu tão fácil.
Reviro meus olhos. Por acaso ela havia me dado o benefício da escolha? Se eu havia mesmo desistido, havia feito isso porque não havia forma de derrotar algo tão grande quanto a mãe natureza... Eu estava aí para salvar Chace e as Coisas... E eu morreria como uma heroína, não havia dúvida.
--Que seja, chame os Lobisomens, seja misericordiosa e acabe com a minha ansiedade.
Eu não estava agindo de uma forma correta, falava com ela de uma forma debochada e idiota. Eu sabia que agindo assim a minha morte seria pior, mas era complicado quando se tinha a Dona Morte fazendo a contagem regressiva de uma forma lenta e cruel ao seu lado.
Você sabe que falando assim comigo, só está piorando as coisas para o seu lado, não sabe?
Sinto o chão queimar embaixo de mim, fazendo eu trincar os dentes, contendo um grito preso em minha garganta. Aquilo doía, aquilo doía demais.
Sinto o meu vestido queimando, as minhas pernas pareciam estarem sendo cozidas, aquilo era terrível, eu precisava gritar.
--AAAAAAAAAAAAAA!!!--Grito pela dor, sentindo de repente o chão gelar aos poucos, fazendo eu olhar confusa para o céu estrelado... A lua de alguma maneira estava em cima de mim... A Floresta realmente mexia com essas coisas.
Ótimo, chamou a atenção dos Lobisomens, menos trabalho para mim!
Bufo, era óbvio que ela tinha um plano ao fazer com que eu queimasse daquela maneira. Estranhamente, eu não sentia mais as queimaduras, era como se eu nem tivesse as sofrido.
--Por que eu não sinto as queimaduras? --Pergunto com a minha testa franzida, esperando uma resposta pela parte dela, essa que se cala por um longo tempo.
Bufo, pelo visto ela não estava com vontade de me responder... Bem, parecia que ela nunca tinha muita vontade de me responder.
AUUUUUUUUU!
Meu corpo treme por inteiro, meus pensamentos voltados para a morte dolorosa que me levaria ao além em questão de minutos, talvez segundos... Eu não era capaz de ter certeza estando em no momento decisivo.
Ela deveria estar observando o meu estado lamentável... O brinquedo dela incapaz de fazer qualquer coisa, deitada em um tapete de grama seca, aguardando que criaturas sanguinárias chegassem para levá-la.
Eu não sabia se agradecia por não saber de onde o uivo havia vindo, ou se não agradecia pelo medo do susto que eu levaria ao vê-lo pular em cima da minha carne suculenta... Eu só sabia que meus olhos estavam transbordando, os soluços sendo contidos enquanto era incapaz de ver algo em minha frente... A lua estava estranha, parecia transmitida pela água... Era um pouco, lágrimas eram substâncias líquidas, não eram?
Eu não podia confiar nem na minha inteligência, o que reforçava o fato de ser impossível sair da Vila, tanto por causa da Floresta, que brincava com a gente como em um show de marionetes, quanto pelo fato de a educação da vila poder ser falsa... Mentiras metidas em nossos cérebros, criadas pela mãe natureza, claro.
Aquilo tudo soava tão irônico, tão assustador, que eu queria fechar a minha mente até a minha morte, mas parecia tão difícil, tão difícil de eu conseguir fechá-la.
Eu me lembrava de momentos, de diferentes momentos da minha infância, desde os piores, até aqueles que eu guardava com carinho enquanto aguardava o meu momento final.
Me lembrava de como os professores ficavam embaraçados quando eu dava a aula ao invés deles. Era tão divertido ir lá na frente e saber o conteúdo, mesmo que pudesse ser falso, como eu imaginava ser agora.
Me lembrava das farpas trocadas com Chace, de como era amargo quando passávamos dias sem nos falar por culpa da mágoa.. Como havia demorado tanto tempo para notar que tudo que eu sinto por ele era puro amor? Eu havia sido tão idiota por só ter aceitado isso a pouco, que até aceitaria me casar cedo com ele e engravidar. Portanto que isso significasse que teria Chace para sempre ao meu lado.
Me lembrava do dia que a minha irmã nasceu. Eu estava tão assustada com a ideia de ter uma irmãzinha e ser deixada de lado, que corri para a escola quando minha mãe entrou em trabalho de parto, me sentando no degrau em frente à porta de entrada, abraçada em meus joelhos enquanto chorava de maneira exagerada. Me lembro que Chace me encontrou, eu não sabia o que ele estava fazendo na escola justamente em uma tarde de verão, quando poderia estar correndo pela Vila. Mas eu me senti melhor ao ver que ele estava aí, mesmo que na época eu não entendesse nada. Ele me ajudou, me convenceu que não era tão ruim, que ter um irmão ou irmã poderia ser magnífico... Bem, acabou não sendo, Rosa só me causava dor de cabeça.
Eu sentiria falta de todos e tudo na Vila. Mas será que eu iria mesmo para algum lugar? Será que eu me lembraria das pessoas que eu já convivi? Era tão estranho, soava tão perfeitamente estranho.
AAAAAAAAAUUUUUUUU!!!
Aquilo havia soado quase que ao meu lado... Não... Aquilo havia soado ao meu lado!
Suspiro, fechando meus olhos molhados, meu coração acelerado enquanto aguardava o bote.
Era adeus Chace. Era adeus mamãe. Era adeus papai. Era adeus Rosa. Era adeus Franklin's... Era adeus à Vila dos Perdidos... Adeus à vida.
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