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Capítulo 36 - Máscara de Pele morta

"Na vila, deve-se respeitar todas as regras descritas no livro da vila".

Regra 09 – Livro da Vila

***

Dentro da casa tudo parecia muito humilde, a pobreza de toda a vila era nítida naquele lugar, as madeiras quando não haviam buracos de cupins, possuíam rachaduras enormes que davam a sensação que toda a estrutura iria desabar. Os cômodos eram padrões também, um quarto/sala, um banheiro e uma cozinha, poucos móveis completavam o lugar.

Mas de tudo isso, o que mais me preocupava era o rosto assustado da senhora Elsie e de sua filha Ashley, por que eu estava ali? Acho que essa também era a pergunta delas, por mais prática que eu tivesse com meu problema de perda de memória, havia aprendido a conviver com ele. A técnica de contar e numerar para memorizar as cenas que acontecem a todo momento me ajudava, porém, quando uma situação muito intensa acontecia, era difícil manter a mente gravando tudo.

O médico da vila me disse uma vez, que uma pessoa com minha condição, deve rezar muito e pedir a Deus que não esqueça dele, pois ele é a única chance que tenho de ser normal um dia. Mas com o tempo eu fui me adaptando a situação, consegui perceber que posso memorizar de duas até sete ações por momento, desde este dia, tenho treinado para não esquecer quem sou e o que devo fazer diariamente.

— Então "Presente", vai me dizer o que faz aqui a essa hora da noite? — Vociferou a senhora Elsie, ameaçando me golpear com um pedaço de madeira grande como um bastão.

— Não chame ele assim Mãe! O nome dele é Henry, não entende o problema dele? Anda, abaixa isso agora! — Disse Ashley tomando o objeto da mão da mãe.

Um: Estou na casa de Elsie e Ashley.

Dois: É tarde da noite pelo que Elsie disse.

Três: Essa madeira, se golpeada com a força de um ser humano adulto, pode me fazer desmaiar.

Quatro: Não gosto que me chamem de "presente"! Eu tenho um passado e posso pensar no futuro também.

Cinco: Estou aqui por um motivo... que não consigo me lembrar.

— Espera... Claro! Quase me esqueci disso... Vocês têm que vir comigo até um lugar! — Disse virando e girando a maçaneta da porta.

— Você ficou louco? Não lembra o que está lá fora? Quer matar a todos nós aqui? — Elsie puxou com força meu ombro para que virasse para ela e a encarasse nos olhos.

— Fique aqui Henry, descanse um pouco e vamos te lembrar dos perigos da escuridão... — A voz de Ashley era calma, mesmo tendo um tremor nas palavras.

— Vocês não estão me entendendo, eu descobri tudo! A vila, as máscaras, a escuridão... — Sabia que elas não acreditariam em mim, mesmo assim eu tinha que tentar antes que minha mente apagasse os fatos.

— Não permitirei que você cause algum mal a minha filha! Ninguém abrirá esta porta antes do amanhecer! — Elsie continuava irritada.

— Elsie? Ashley? Eu descobri... permita que eu mostre meu rosto para vocês tirando essa máscara, e entenderão. — Eu estava com as mãos erguidas na altura do rosto, palma das mãos amostra como um ladrão pego em flagrante.

— Perdeu o Juízo Jovem? Não viu o que aconteceu com o último que fez isso? Escuta, se não quer viver, pelo menos não queira levar Ashley junto com você.

Eu não tinha muitas opções, não poderia deixar aquele momento passar, o que me restava era arriscar tudo e acreditar pela primeira vez na minha memória, tenho certeza do que vi e mais ainda de como será a vida depois disto.

Num movimento brusco, me virei em direção a porta de madeira batida e chutei com toda minha força, fazendo-a se espatifar em dezenas de fragmentos, tirei a máscara que me sufocou por tantos anos e a joguei no chão.

Sem olhar para trás, ouvindo de forma abafada e distante o grito das duas mulheres, adentrei a escuridão mais linda e profunda que já havia visto, pude escutar trombetas de anjos entonando um soneto à lua e as estrelas.

A vila das máscaras não seria a mesma depois daquilo. 

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