Parte II
Senti meu corpo voltando à consciência devagar, ainda de olhos fechados, experimentei mover meus braços, levando minha mão até meu rosto.
Algumas imagens do que aconteceu antes que eu desmaiasse voltaram à minha mente. Não foi real, minha cabeça me pregou uma peça, apenas isso.
Eu prendi a respiração, abrindo os olhos devagar, em um primeiro momento, eu encarei o teto da igreja, sentindo a confusão tomar conta de mim.
A igreja parecia completamente renovada, a pintura estava intacta e a luz do sol atravessava os vitrais coloridos, iluminando o interior do templo. Eu estava deitada sobre um dos bancos de madeira lustrosa, eu me sentei, passando a mão ali, me lembrando que deveriam estar reduzidos a cinzas.
O que está acontecendo?
— Você está bem? — eu congelei ao ouvir uma voz doce.
Eu me virei devagar, me levantando em um pulo ao ver quem estava atrás de mim. Era a garota, a noiva que eu vi. Ela estava perfeitamente bem, sem nenhuma queimadura ou machucado, mas tenho certeza de que era ela.
— Você… eu vi você! — eu balbuciei me afastando.
— Bom, eu estava aqui quando você desmaiou, tinha acabado de entrar na igreja e você parecia se sentir mal — ela suspirou, tentando se aproximar.
Eu me afastei deliberadamente, com o coração acelerado. Isso é um pesadelo.
— Você… você estava queimada e…
— Está tudo bem? — uma voz masculina vinda de perto do altar fez com que eu desse um pulo, me virando assustada para ver o padre vindo em nossa direção — vejo que nossa jovem misteriosa despertou.
Eu alternei o olhar entre os dois, procurando uma forma de fugir dali o mais depressa possível.
— Ela parece um pouco desnorteada, Padre Andrews — a jovem franziu o cenho.
— Eu não estou desnorteada, eu te vi!
— A que você se refere, minha jovem? Nós te encontramos desacordada no chão do templo. Nos sentimos muito preocupados — o padre suspirou.
— Eu desmaiei porque ela apareceu e estava queimada, e…
— Senhorita, ouça o que está dizendo. A Senhorita Ardelean está perfeitamente bem — o padre apontou.
Ele tinha razão, eu sabia disso. Mas as imagens daquela aparição fez com que um calafrio percorresse mais uma vez meu corpo. Eu comecei a tremer descontroladamente, sem saber mais como agir naquela situação.
— Por Deus, é melhor você se sentar antes que desmaie novamente — a jovem veio em minha direção.
Acabei permitindo que ela me guiasse de volta ao banco enquanto o padre sumia outra vez nos fundos da igreja, me sentindo derrotada. O que está acontecendo aqui?
Pela primeira vez desde que despertei eu me permiti prestar atenção em tudo a minha volta, principalmente no vestido fechado, mais bufante do que eu estava acostumada e penteado estranho que ela usava. Onde eu estou?
— Então, conte-nos de onde você veio? — ela pediu.
— Como? — eu pisquei atordoada.
— Está claro que você não é da região — ela explicou se sentando ao meu lado antes de arregalar os olhos — perdoe-me, eu fui extremamente descortês. Meu nome é Genevieve Ardelean, eu sou a filha do prefeito.
Ela se levantou, me oferecendo uma leve reverência.
Eu estou alucinando!
— Eu sou Aisha Woodard. Onde eu estou? — eu fechei os olhos tentando normalizar a respiração.
— Você está em St Vlad, Srtª Woodard — ela sorriu — é um prazer conhecê-la. Eu vejo que você não pertence a esse lugar.
Eu pisquei atordoada olhando a diferença do modo que estávamos vestidas. Enquanto Genevieve estava completamente arrumada, como se estivesse pronta para um grande evento de época, eu usava calças jeans de cintura alta e uma regata de malha rosa claro. Seus longos fios loiros estavam presos em um coque e um grande chapéu enfeitava o topo de sua cabeça enquanto meu cabelo curto e encaracolado estava solto, assumindo seu volume natural.
— Não, eu…
Eu não soube o que dizer. Se o que eu estava pensando fosse real, como eu explicaria para aquela garota?
Alguns passos chamaram minha atenção, eu me virei, vendo o padre se aproximar com um cálice na mão.
— Aqui, beba um pouco de vinho, senhorita — ele instruiu colocando o cálice em minhas mãos.
— De onde você vem? — Genevieve continuou com aquele sorriso inocente estampado em seu rosto.
Eu observei o líquido escuro dentro do cálice, pensando se seria uma boa idéia provar aquilo.
— Eu sou da Califórnia — eu balbuciei.
— Beba, você se sentirá melhor, minha jovem — o padre insistiu.
Eu respirei fundo e tomei um gole, decidindo não fazer nenhuma desfeita naquele lugar, onde quer que eu estivesse. Ou melhor, quando.
Eu olhei em volta mais uma vez, antes de estender novamente o cálice para o padre que voltou para onde quer que ele estava, enquanto tentava me convencer de que aquilo era real.
— Califórnia? Eu ouvi falar muito de lá, parece ser um lugar fascinante. Mas fica tão distante — ela suspirou — você parece se sentir melhor.
— Sim, eu creio que estou melhor — eu respondi com uma meia voz.
Ela parecia esperar que eu continuasse com o assunto. Um sorriso educado estampava seu rosto, mas eu não conseguia considerá-lo natural, não quando a lembrança daquele mesmo sorriso em um rosto derretido ainda estava fresca em minha mente.
— Então, como você acabou aqui, Srtª Woodard? — ela insistiu.
— O pior é que eu não sei — eu olhei em volta confusa.
— Compreendo, geralmente é assim que ocorre — ela concordou chamando minha atenção.
— Desculpe?
— Você não é daqui — ela franziu o cenho antes de voltar a sorrir — vamos dar uma volta, por favor.
Eu me levantei ao vê-la se colocar em pé, desejando descobrir mais do que ela poderia saber acerca de minha chegada repentina àquele lugar. Ela me ofereceu seu braço e ainda um pouco hesitante, acabei o envolvendo com o meu, sentindo um calafrio percorrer meu corpo.
Se controle Aisha, ela não é aquela noiva cadavérica que você viu. Pelo menos não ainda.
— O que você quer dizer? Eu disse que sou da Califórnia — eu apontei
— Srtª Woodard, não é difícil adivinhar que você não pertence a esse lugar.
— Por favor, me chame de Aisha — eu pedi, me incomodando com aquela formalidade — você… sabe que não sou daqui?
Ela abriu as portas da igreja, me puxando para fora, expondo de vez aquele mundo novo para mim.
A rua principal devastada que eu percorrera antes, agora estava perfeitamente preservada.
Pessoas caminhavam de um lado para outro, presas em seus afazeres. As ruínas que antes tomavam conta daquele cenário, foram substituídas por prédios novos e cheios de vida. Eu me sentia tonta, mais do que transportada para uma época diferente, eu sentia como se tivesse ido parar em outro país. A arquitetura daquele lugar em nada se parecia com o estilo americano.
Era uma mistura de estilo medieval com o gótico que lembrava muito de vilarejos perdidos na Europa que eu tinha visto apenas em filmes. E agora eu estava ali.
Eu senti o olhar das pessoas se prenderem em mim assim que estávamos do lado de fora da igreja, era como se o tempo tivesse parado naquele momento.
— Srtª Ardelean, o que está acontecendo? — eu sussurrei um pouco amedrontada pela situação.
— Não se importe com eles, faz muito tempo desde que encontramos alguém como você — ela garantiu me guiando pela rua de maneira confiante — eu vou te apresentar tudo.
— Alguém como eu? — eu parei de caminhar.
— Alguém de outra época — ela explicou com naturalidade, me chocando ainda mais.
Genevieve continuava me conduzindo pela rua movimentada da cidade, eu não podia evitar de olhar em volta totalmente alarmada.
Eu devo estar sonhando. Por que eu tive aquela ideia de merda de explorar a cidade fantasma sozinha!? Vou ter sorte se não sair daqui em uma camisa de força!
— Algum problema? — ela perguntou.
— Eu acho que estou delirando — eu gemi, parando de caminhar junto ao edifício que eu tentei explorar mais cedo.
— Eu te asseguro que nós somos reais, Srtª Woodard — ela sorriu — O que você acha de caminhar comigo no bosque? Temos paisagens lindas lá.
Eu a encarei sem saber ao certo o que pensar sobre aquele convite, mas algo em meu interior gritava que era uma péssima ideia.
— Eu acho mais seguro ficarmos aqui — eu murmurei.
— Mais seguro? — ela franziu o cenho, parecendo confusa com minha resposta.
— Duas mulheres andando sozinhas no bosque? É como pedir para ser assassinada! — eu fiz uma careta.
— Srtª Woodard, nós não temos assassinos aqui! — ela exclamou horrorizada — Nossa comunidade respeita a vida acima de qualquer coisa.
E é uma pena que não pensem da mesma maneira sobre vocês. Eu pensei, me lembrando de seu terrível destino enquanto permitia que ela voltasse a me guiar.
— O que você falou antes… como é possível?
— Eu não sei ao certo, talvez seja por conta da magia que cerca o ar dessa cidade e…
— Magia? Então vocês realmente são bruxos? Mexem com magia? — eu pisquei atordoada.
Aquela pergunta fez com que a garota ao meu lado risse abertamente, me observando com indulgência logo depois.
— Aisha, não é possível mexer com magia. Ela é uma força selvagem, como a natureza. Nós apenas admitimos e respeitamos sua existência.
— E são considerados uma comunidade bruxa por isso — eu franzir o cenho enquanto pensava naquilo.
Como puderam queimá-los vivos apenas por terem um pensamento diferente?
— Nós temos nossas próprias crenças — Genevieve deu de ombros — Nós a trouxemos de nossa terra natal e mantemos nossas tradições vivas nesse lugar que se tornou nosso novo lar. Tivemos sorte de encontrar uma terra tão boa.
Aquela declaração acendeu a curiosidade em meu interior, por um momento eu me permiti esquecer tudo o que estava acontecendo de estranho e busquei o máximo de conhecimento que pudesse adquirir ali.
— De onde vocês vieram? Eu ouvi que foi do leste europeu, mas…
— Nós vivíamos na Romênia, na região da Transilvânia. é um lugar muito bonito, mas estava sendo assolado por um mal — ela suspirou — a anciã de nosso vilarejo teve um sonho sobre esse lugar e então todos decidiram se aproveitar da sorte.
Nós nos enveredamos por uma trilha entre as árvores que cercavam a cidade. Ao contrário do que eu havia visto antes, aquele lugar era lindo, limpo, florido e borboletas voavam por ali, dispersando de vez o medo que eu sentia antes. Mas algo em seu discurso chamou minha atenção.
— Você fala como se tivesse estado lá. Mas isso não faria sentido. Vocês devem estar aqui há muitos anos, afinal tudo parece ser tão antigo — eu comentei, pensando na grande igreja de pedra que provavelmente levou anos até ficar pronta, ignorei a ideia que surgiu em minha mente quando ela citou a Transilvânia. Aquilo já seria loucura demais — e você parece ser tão jovem.
Ela sorriu, me observando diretamente, fazendo uma onda de paz e confiança tomar conta de mim. Eu precisava saber mais, e quando ela não me contou mais nada, eu tive que questioná-la.
— Mas as pessoas da região não gostam de vocês.
— Ohh, nós não nos preocupamos com isso. Eles não se aproximam de nós — ela garantiu.
Mas eles vão se aproximar. Aquele pensamento me deixou triste. Eu deveria alertá-los sobre o que o futuro reservava para eles? Talvez pudesse evitar o que aconteceu. Talvez esse seja o motivo de ter vindo parar aqui para começo de conversa.
Mas eu não fui a única.
— Você disse que tiveram outros como eu. Vocês sabem o que vai acontecer? — eu decidi sondá-la.
— Por certo que não. Não haveria sentido algum em um conhecimento desse tipo. O nosso futuro é imutável, e apesar do que alguns pensam, não somos imortais — ela divagou enquanto observava as borboletas que nos rodeavam.
Algo em seu rosto, suas maneiras e sua voz me transportava para um estado de tranquilidade que beirava a uma espécie de torpor. A naturalidade com que ela tratava aquele assunto me fascinava e me deixava ansiosa por saber mais.
Andrey adoraria conhecer esse lugar.
Andrey…
— Eu preciso voltar! — Eu parei de caminhar, percebendo o quanto todos deveriam estar preocupados comigo. Eu já estava aqui há horas.
— Voltar?
— Para minha casa, para meu tempo. Eu vou me casar essa semana, eu não posso…
Eu senti minha garganta se fechar diante da ideia de que talvez não tivesse como voltar para casa.
— Srtª Woodard, se acalme, você parece prestes a desmaiar — ela exclamou.
— Eu estou presa aqui? — Eu questionei com o olhar marejado.
— Presa? Ohh não! Você poderá retornar — ela me garantiu para meu alívio.
— Ótimo, então...
— Mas apenas amanhã — ela explicou — você poderá voltar para a igreja no mesmo horário e então voltará para sua época, como todos os outros. A não ser…
— A não ser?
— Que você queira ficar. A Srtª Sinclair ficou conosco e nós adoramos a companhia dela — Genevieve me olhou com expectativa.
— O que? Não! Eu não posso!
— Você pode pensar. Hoje teremos um baile e você será minha convidada — ela garantiu.
Algo naquele convite não me pareceu certo, mas bastou olhar em sua direção para que eu sentisse aquela tranquilidade tomar conta do meu interior.
— Eu não vou mudar de ideia, eu vou me casar essa semana — eu relatei.
— Um casamento?! Isso é tão empolgante! — Genevieve bateu palmas animada — eu quero saber tudo.
— Eu posso…
Foi quando um vento gelado nos atingiu, fazendo um calafrio percorrer meu corpo e Genevieve arregalar os olhos.
— Oh não, vai cair uma tempestade! Precisamos nos abrigar!
— Tempestade? O dia está...
Eu interrompi minha fala ao erguer o olhar e ver o clima tenso e sombrio que pairou pela cidade. Não parecia uma tempestade, mas estava longe de ser o dia bonito de antes.
— Venha comigo, não é seguro ficar do lado de fora durante esses eventos — ela garantiu me arrastando por uma trilha secundária.
— Onde…
— Minha casa não está longe e ficaremos seguras lá — ela esclareceu.
Eu a acompanhei com dificuldade. Não conseguia compreender como ela se movia tão agilmente com aquela roupa. Genevieve apertou os passos quando fomos atingidas novamente por aquele vento, que dessa vez foi acompanhado por um odor leve e desagradável.
— Nós estamos perto — ela garantiu praticamente correndo.
Era como se uma grande sombra nos perseguisse, mas felizmente estávamos vencendo a corrida.
Sua casa surgiu em nosso campo de visão. Se tratava do casarão que eu vi apodrecido quando cheguei à cidade. Mas naquele momento, não pude deixar de admirar a bela construção.
Nós subimos os três degraus que nos levariam até a varanda da casa e a porta foi aberta imediatamente por uma jovem que, pelo uniforme, se tratava de uma das empregadas da casa.
— Entre, depressa — Genevieve pediu antes de se virar para a jovem — Feche a porta, Adelina. Depressa!
Eu não compreendia essa urgência, já estávamos abrigadas da tempestade!
— Genevieve, o que…
Um homem que aparentava ter cerca de quarenta anos, com os cabelos tão loiros quanto de minha mais nova amiga, interrompeu sua caminhada ao me ver ao lado da jovem.
— Genevieve, o que significa isso?
— Ohh tata¹, nós temos uma recém chegada. Essa é Aisha Woodard — Genevieve sorriu indo em direção ao homem e beijando sua mão.
Ele me avaliou, fazendo com que eu me sentisse mal diante de seu olhar. Mas aquela sensação logo se dissipou.
— É um prazer conhecê-la, Srtª Woodard. Eu sou George Ardelean, pai de Genevieve. Ficará conosco? — ele estreitou os olhos e por minha visão periférica eu pude ver a jovem empregada de antes fechando todas as cortinas do ambiente, que era amplamente iluminado por velas.
Tudo isso por uma tempestade?
— O prazer é todo meu, Sr Ardelean.
— Aisha será nossa hóspede hoje e amanhã voltará para casa, certo? — Genevieve sorriu para mim.
O homem me avaliou com um olhar desconfiado, antes de mudar para a própria filha, suspirando em seguida.
— Adelina te mostrará seu quarto e te conseguirá roupas mais… adequadas — o homem declarou, parecendo não aprovar totalmente a situação — você pode segui-la enquanto eu converso com minha filha.
Eu acenei afirmativamente com a cabeça, não sabendo ao certo o que dizer. A moça indicou que eu a seguisse. Caminhei em silêncio ao seu lado, subimos uma escada e seguimos por infindáveis corredores até chegar a uma porta.
— Aqui, Srtª Woodard. Você ficará confortável — ela abriu a porta, me apresentando um aposento grande e decorado no estilo Vitoriano — eu sou Adelina, pode me pedir qualquer coisa que precisar.
Eu entrei no quarto, encontrando tudo perfeitamente arrumado. Caminhei até uma das janelas que estavam cobertas por densas cortinas.
— Srtª Woodard, por favor, não é seguro — ela me impediu de chegar até a janela.
— Por que? É apenas uma tempestade.
— De forma alguma a senhorita deve abrir as cortinas. Coisas terríveis poderiam acontecer — ela insistiu.
Eu a encarei boquiaberta, me lembrando de minha conversa mais cedo com Genevieve e como ela praticamente admitiu que todos ali estão envolvidos com bruxaria. Talvez não seja uma tempestade normal. Melhor seguir as recomendações.
— Tudo bem — eu balbuciei.
— A senhorita deseja algo? A Srtª Genevieve certamente virá te ver em alguns minutos.
— Não. Eu posso esperar por ela — eu garanti.
¹ papai em Romeno.
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