Parte Final
Mais tarde, Genevieve me visitou com algumas opções de vestidos. Eu me sentia relutante em experimentá-los, mas não seria adequado continuar andando por aí com minhas roupas.
— Esse anel é muito bonito — ela comentou, atraindo minha atenção para meu anel de noivado.
— Obrigada, eu não o tiro nunca — eu sorri em resposta, sentando ao seu lado na grande cama.
Tudo bem, Aisha. Você precisa escolher um vestido. Acabei optando por um amarelo claro, ele não parecia tão quente quanto a opção em azul marinho.
— Será esse então? Adelina te ajudará a se vestir — ela sorriu e a jovem empregada que aguardava minha decisão em silêncio, veio em minha direção.
Genevieve colocou o vestido sobre mim, sorrindo ao ver o contraste do tecido em minha pele.
— Você é tão bonita. É diferente de tudo o que já vi — ela declarou correndo seu dedo pela pele negra do meu antebraço, tornando ainda mais visível o contraste entre seu tom de pele pálido e o meu.
— Obrigada — eu declarei incerta.
— Eu conheci alguns negros antes, mas nenhum deles eram como você — ela continuou — você é tão bem cuidada e tem a pele tão bonita e brilhosa.
Eu pisquei atordoada com aquela declaração, sem saber como reagir. Ela acabou de me falar que pretos não são bem cuidados? Por um segundo, eu pensei em responder aquele suposto elogio, mas então, eu me dei conta de onde eu estava.
Pela forma como ela estava vestida, eu havia voltado mais de cem anos no passado, e não era uma época boa para pessoas pretas nos Estados Unidos.
— Obrigada — eu balbuciei.
— Eu vou deixar Adelina te vestir — ela garantiu se levantando — eu volto em alguns minutos.
Ótimo, terei alguém me vestindo. Você fez isso dezenas de vezes durante as provas do vestido de noiva, Aisha. Não é nada demais.
Eu me livrei de minhas roupas sob o olhar calmo de Adelina, que se adiantou em me ajudar com todas aquelas peças. Eu tinha sorte de tê-la ali, ou não saberia sequer por onde começar.
Ouvi o som de um piano soando ao longe, a melodia era agradável e a pessoa sabia o que estava fazendo, mas algo naquele som me deprimiu.
— O que é isso?
— É a Srtª Sinclair, o quarto dela é no fim do corredor, ela gosta muito de tocar — a empregada explicou
— Srtª Sinclair, Genevieve já me falou sobre ela — eu comentei.
— Ahh sim, ela é como a senhorita. Uma garota extraordinária, nós nunca conhecemos alguém como ela. Eu particularmente já viajei para o oeste e não sabia que uma pele vermelha pudesse ser tão civilizada e gentil — Adelina declarou com naturalidade, fazendo meu estômago revirar com aquela frase.
Ela realmente se refere a uma hóspede de sua casa como uma “pele vermelha civilizada”? Qual é o problema dessa gente?
Tudo bem, Aisha. Você não está mais no seu mundo, e aqui, isso é algo natural. Amanhã você estará de volta a tudo o que você conhece.
Não consigo entender como essa Srtª Sinclair escolheu ficar!
— Qual é a história dela? — eu decidi descobrir um pouco mais, tentando agir de maneira natural enquanto a jovem me ajudava com o vestido.
— Ohh, ela chegou aqui há cerca de três anos. Veio exatamente como você, pela igreja. No começo, estava aflita para voltar, mas a cada dia que passava em nossa companhia, foi se tornando impossível para ela nos abandonar — Ela sorriu com satisfação — Quando ela finalmente tomou sua decisão, a Genevieve preparou tudo para que ela se instalasse. Lhe comprou o melhor piano que conseguiu e lhe deu um bom quarto.
— Genevieve parece ser muito generosa — eu franzi o cenho, pensando o que levaria uma pessoa a fazer isso por alguém que mal conhecia.
— A Srtª Genevieve é gentil, generosa e obstinada. Ela sempre consegue o que quer e cuida muito bem do que conseguiu — o tom de sua voz fez meu sangue gelar antes de voltar a sorrir, terminando de ajustar o vestido em meu corpo — olhe só, você ficou muito bonita.
— Obrigada.
Eu me olhei em um grande espelho, apreciando meu reflexo ali. Aquele vestido parecia ter sido feito exclusivamente para mim, e era muito bonito.
— A senhorita deve retirar esses brincos — Adeline avisou — Não estão combinando! Eu guardo para a senhorita. E a corrente também.
Eu levei a ponta de meus dedos até a fina corrente de ouro com um crucifixo que eu levava em volta do pescoço.
— Eu nunca a retiro, foi presente da minha avó — eu suspirei, mas ela tinha razão, os brincos de argola e aquela corrente não estavam combinando nem um pouco com o vestido.
— Não se preocupe, eu os deixarei em segurança — Ela garantiu.
Eu hesitei por um segundo antes de levar minha mão até a tarracha dos brincos. Aquilo não faria mal algum, eu poderia entrar no personagem por uma noite.
— Eu vou conseguir algo para você usar no lugar — ela garantiu quando eu entreguei as peças em sua mão — Amanhã eu te devolvo, se você não mudar de ideia sobre partir.
— Eu não vou mudar de ideia, meu noivo me espera no altar no domingo e eu não pretendo abandoná-lo — Eu zombei, erguendo minha mão esquerda a fim de exibir meu anel.
— Ohh, você vai se casar — ela exclamou extasiada — Vamos, deixe-me guardar esse anel para você.
— Ahh não, eu não o retiro. Jamais. — eu avisei recolhendo minha mão — O anel ficará exatamente onde está.
— Mas…
— Eu posso conhecer a Srtª Sinclair? — Decidi mudar de assunto ao ouvir outra melodia se iniciar.
Aquela pergunta parece ter pego a jovem empregada desprevenida, ela me encarou com uma expressão confusa antes de desviar o olhar.
— Impossível, a Srtª Sinclair não recebe visitas — ela balbuciou sem me encarar.
O que está acontecendo aqui? Ela diz que a garota escolheu ficar, mas não pode receber visitas? Isso não está certo!
— Isso não faz sentido, por que ela não pode receber visitas?
— Não, é que…
— vocês a mantém presa aqui? — eu balbuciei, temendo por meu destino.
— Presa? Claro que não — a voz de Genevieve veio da porta — Dakota é tímida, então, sempre que há alguém novo, eu cuido de apresentar a ela.
Eu alternei o olhar entre Adelina e Genevieve, buscando sinal de que alguma coisa estava errada. Eles estavam todos ali, mas eu não conseguia identificar o problema.
— Então, eu posso vê-la? — questionei incerta.
— Claro que sim, vamos, eu vou lhe apresentar a ela — Genevieve me ofereceu um doce sorriso.
Algo em meu interior gritava que eu deveria sair dali, aquilo não era nem de longe algo natural e eu precisava me preservar. Mas o que poderia fazer? Ainda faltava muito tempo para que eu pudesse voltar para casa.
Eu não tinha escolha.
Caminhei ao lado de minha anfitriã pelo corredor da casa, ouvindo a melodia aumentar significativamente a cada passo. Aquela garota sabia tocar.
Genevieve não se importou em bater na porta antes de entrar, apenas a abriu, surpreendendo a garota, que se virou em nossa direção em um rompante, interrompendo a melodia.
Sua beleza me atingiu de imediato. Ela usava um bufante vestido vermelho que destacava sua pele bronzeada, seus cabelos lisos, compridos e negros estavam soltos, seus olhos negros se focaram em mim imediatamente, tomados pela surpresa.
— Srtª Ardelean, eu estou incomodando?
— Dakota, já lhe pedi para me chamar de Genevieve — ela sorriu, mas algo em sua expressão não parecia tão doce e bondosa quanto eu estava acostumada — e você sabe que não nos incomoda, nós gostamos muito de ouvi-la praticar.
Ela acenou minimamente com a cabeça, antes de voltar sua atenção para mim.
— Eu quero apresentar-lhe Aisha Woodard, ela é como você — ela sorriu.
— É um prazer conhecê-la. Genevieve me falou muito sobre você — eu sorri tentando ganhar sua simpatia.
— Espero que não se importe, eu emprestei um de seus vestidos a ela. Sabe que seria inadequado que ela fosse ao baile hoje vestida daquela maneira.
Eu senti o olhar ansioso da jovem percorrer todo o meu corpo antes de se focar no anel em meu dedo.
— É um belo anel — ela apontou.
— É meu anel de noivado, eu vou me casar no domingo — eu sorri antes de perceber que Genevieve encarava minha mão com uma expressão confusa — Genevieve contou que você escolheu ficar.
— Bem, depois de alguns dias com eles, foi impossível para mim deixá-los — ela alternou o olhar entre nós duas antes de se virar novamente para o piano.
— É melhor deixarmos Dakota praticar agora, Aisha — Genevieve declarou antes de ir em direção à porta.
— Você toca muito bem, mas as melodias parecem tão tristes — eu mordi o lábio inferior, aproveitando nosso curto momento de privacidade.
— Elas refletem minha alma, Aisha. É melhor você ir — ela suspirou me dando um último olhar.
Eu saí do quarto dela imediatamente, encontrando Genevieve me esperando no corredor, ela logo enlaçou seu braço ao meu e me guiou através da casa.
— Eu pensei que Adelina havia guardado suas jóias — ela comentou despreocupada.
— Ela guardou os brincos e a corrente, mas eu nunca tiro o anel.
— Posso vê-lo?
— Claro — eu estendi a mão para ela, parando de caminhar quando estávamos prestes a descer as escadas.
A garota segurou a minha mão delicadamente, observando a joia em meu dedo anelar.
— É muito bonito, se você quiser, eu mando polir. Você o terá como novo em seu casamento.
— Não é necessário — eu me apressei em dizer, retirando minha mão da dela.
Algo estava errado, eu podia sentir no ar daquela casa. Era como se uma nuvem densa e escura tivesse tomado conta do ambiente. Uma nuvem que predizia o caos.
— Talvez seja melhor eu voltar para o quarto.
— Não seja tola, você pode andar livremente pela casa, a considere sua enquanto estiver aqui — ela garantiu descendo as escadas — Venha, vou lhe mostrar onde acontecerá o baile.
Eu a segui, tentando me livrar daquele pressentimento. Eu apenas precisava aguentar aquela noite e logo estaria em casa.
Era questão de tempo.
Meu pensamento se fixou em Andrey enquanto caminhávamos por um enorme salão de baile que estava sendo decorado com flores. Ele deve estar morto de preocupação. Eu já devia estar de volta ao hotel há horas, logo o sol se põe e eu estou presa aqui sem a menor possibilidade de enviar alguma notícia a ele e dizer que estou bem.
— O que você acha, você gostou ?
— É muito bonito — eu garanti.
— Ficará ainda melhor quando tudo estiver pronto e…
— Srtª Ardelean, seu pai está requisitado sua presença — uma jovem empregada se aproximou, apontando para o outro lado do cômodo onde o homem estava antes.
Genevieve se desculpou comigo antes de correr para atender o pai, me deixando ali, temporariamente desacompanhada. Eu observei uma grande janela aberta, o sol brilhava com força do lado de fora, me confundindo um pouco. Não parecia ter caído um temporal há pouco tempo.
Eu caminhei até lá, observando o chão seco do lado de fora. O dia estava tão bonito como quando cheguei e ao longe era possível avistar o vilarejo. Tudo parecia normal, nenhum sinal de tempestade e aquilo não fazia sentido.
— Aisha ?
Eu olhei para o lado e avistei Dakota parada a alguns metros, me observando com um olhar ansioso. Eu me aproximei dela com o cenho franzido.
— Algum problema, Dakota?
— Não comigo, mas você…
— O que tem eu? — questionei alarmada, atraindo atenção de algumas empregadas que estavam por perto.
— Quieta, apenas me ouça! — ela sussurrou — Não vá nesse baile de hoje, apenas fique no quarto e.. Vá embora de manhã, bem cedo!
— Mas…
— Dakota, não esperava você aqui! Algum problema? — Genevieve se aproximou.
— Não, nenhum. Eu apenas desci até a biblioteca para conseguir uma partitura nova, vi Aisha parada aqui e… — Ela explicou.
— Espero que você pratique bastante, quero que toque na festa — ela avisou com aquele sorriso fácil estampado no rosto.
— É claro, eu vou voltar para o quarto. Se divirtam no baile — ela sorriu e partiu após me lançar um último olhar.
Nós observamos a garota se afastar. Em meu interior, uma urgência crescia a cada segundo. Eu não me sentia mais segura ali. Na verdade, a única pessoa que eu me sentia segura naquele lugar, aparentemente não podia falar livremente comigo.
— Você está me ouvindo? — ela chamou minha atenção.
— Desculpe, o que dizia?
— Eu estava te perguntando sobre seu noivo — ela me olhou desconfiada.
— Ah sim, meu noivo. Ele é perfeito — eu sorri.
— Você está bem?
— Na verdade, eu estou com uma forte dor de cabeça — decidi seguir o conselho de Dakota — acho melhor ficar no quarto.
— Ohhh, eu posso chamar uma enfermeira…
— Não é necessário, eu tenho essas dores com frequência. Apenas preciso descansar — eu garanti.
— Talvez um pouco de ar puro… — ela se interrompeu quando os sinos da igreja soaram me causando um calafrio ao ouvir aquele som.
Por um momento eu me vi novamente naquela cidade em ruínas, deserta e com a fuligem caindo do céu.
— Vamos, você se sentirá melhor depois de descansar — Genevieve mudou de ideia, me acompanhando até o quarto.
Nós caminhamos em silêncio lado a lado, até chegar ao nosso destino.
— Eu volto na hora do baile, quem sabe…
— Oh, não se preocupe. Eu provavelmente dormirei até amanhã. Espero que se divirta — eu forcei um sorriso.
A jovem parecia contrariada, mas aceitou minha decisão sem questionar, saindo do quarto após uma breve reverência. Assim que me vi sozinha, me lancei na cama pensando em meus próximos passos. O som do piano de Dakota soava ao fundo, me lembrando de suas palavras.
O que aconteceu com essa garota? Se eu ao menos conseguisse um tempo a sós com ela.
Eu passei algum tempo ali, processando tudo o que havia acontecido. Até que meu olhar se focou nas cortinas ainda fechadas do quarto. Eu segui até elas, as abrindo de uma vez. Aquilo era ridículo, não teve tempestade alguma e mesmo se tivesse acontecido um vendaval, cortinas não me protegeriam de nada.
Eu esperava ter uma bela vista da cidade e do dia claro que estava do lado de fora, da mesma forma que tive quando olhei pela janela do salão no andar de baixo. Mas muito pelo contrário, o dia estava nublado e uma névoa intensa cercava a casa, a única visão que eu conseguia da cidade, era o vislumbre da torre da igreja de vez em quando.
— Isso não faz o menor sentido — eu balbuciei.
Tudo bem, o sol estava para se pôr e o dia estava chegando ao fim, mas aquilo?
Eu fechei as cortinas depressa e me afastei da janela com o coração apertado. Eu precisava voltar para casa. Eu nunca devia ter vindo a essa cidade!
As horas se passaram devagar, eu já estava prestes a enlouquecer naquele quarto. Eu comecei a ouvir uma grande movimentação no andar de baixo, certamente os convidados do baile chegaram. Uma música mais alegre que as que Dakota costumava tocar começou a soar em algum lugar, aumentando minha curiosidade e fazendo com que me arrependesse da decisão de permanecer no quarto. Eu poderia dar uma espiada, certo?
— Que droga, Aisha. Foi essa curiosidade que te colocou nessa situação — eu murmurei para mim mesma, me deitando na cama.
Eu poderia pelo menos ter pedido algo para comer.
Eu me encolhi sobre os lençóis macios, imaginando como eu explicaria tudo o que aconteceu para todos amanhã. Eu terei sorte se não acabar em uma camisa de força!
Em algum momento, acabei adormecendo.
A porta foi aberta subitamente, me despertando assustada. Genevieve entrou no quarto animada, se sentando na cama enquanto eu tentava me situar.
— Aisha, você não pode adivinhar o que aconteceu. Ivan me pediu em casamento! Eu tentei me situar, ainda um pouco atordoada, ouvindo a música soar do lado de fora do quarto.
— O baile já acabou?
— Não, não encerrará tão cedo, ainda é uma hora da manhã. Mas olhe, eu precisava te mostrar o meu anel — ela estendeu a mão, onde um anel de diamantes enfeitava seu dedo.
Eu pisquei atordoada, ainda processando o que estava acontecendo.
— É muito bonito.
— Eu sabia que você entenderia — ela sorriu — Eu vi como você ama o seu anel e agora eu compreendo!
— Como foi o pedido? — eu questionei, sorrindo ao me lembrar a euforia que senti quando Andrey pediu minha mão.
— Estávamos dançando e de repente todos pararam e ele se ajoelhou — ela suspirou — Eu não posso esperar para me casar.
Eu senti um calafrio percorrer meu corpo só de lembrar do que acontecerá em seu casamento. Aquilo era tão injusto, ela era ótima e estava tão animada.
— Como foi o seu pedido? — ela perguntou.
— Foi perfeito. Nós viajamos para o Hawaii para comemorar meu aniversário. Ele me levou em um ótimo restaurante e após a sobremesa, começou a tocar One and Only e ele se ajoelhou e tinha esse anel perfeito — eu suspirei ao me lembrar.
— Eu nunca estive no Hawaii — ela comentou.
— É muito bonito — eu garanti — ele mandou gravar "One and only" no interior do anel.
Aquilo chamou a atenção da garota, seu olhar se focou imediatamente em minha mão.
— Ele mandou gravar? Eu posso ver? — Ela pediu sem desviar o olhar do meu anel.
Eu não pensei muito antes de retirá-lo do dedo, estendendo a ela. Uma sensação estranha percorreu meu corpo quando ela o pegou de minha mão. Era como se algo tivesse sido arrancado de mim, e eu tive que me controlar para não tirar o anel de sua mão imediatamente.
Ela o girou entre seus dedos com cuidado, lendo o que estava escrito dentro.
— É muito bonito — ela garantiu.
Eu forcei um sorriso, estendendo a mão para pegá-lo, ela não hesitou em me devolver, mas o anel mal roçou em meus dedos quando um movimento desajeitado — não sei dizer se dela ou meu — o derrubou no chão.
Nós ficamos sem reação ao vê-lo rolar para debaixo de uma pesada cômoda de madeira maciça.
— Meu anel! — eu me levantei em um pulo.
— Ele caiu ali embaixo, você consegue alcançá-lo? — ela perguntou.
Eu me abaixei, tentando em vão encontrá-lo.
— Não consigo — eu gemi frustrada.
Eu me levantei, e tentei empurrar a cômoda, mas aquele móvel parecia pregado no chão. Não se moveu um milímetro sequer.
— É muito pesado, eu vou chamar um criado para resolver isso — ela avisou com um sorriso satisfeito no rosto — Não saia daqui.
E ela saiu, me deixando ali. Uma angústia se apoderou de meu interior. Eu queria meu anel, eu sabia que precisava dele. E aquele sorriso dela. Por algum motivo aquele sorriso se impregnou em minha mente e não me deixava. Na verdade apenas aumentava minha angústia.
As lágrimas corriam livremente por meu rosto conforme eu continuava tentando empurrar a cômoda, eu precisava encontrá-lo.
Após alguns minutos sem que Genevieve retornasse, eu decidi tentar encontrá-la. Saí do quarto, caminhando devagar e tentando limpar as lágrimas que ainda corriam pel meu rosto.
Eu estava prestes a seguir para o andar térreo quando uma porta semiaberta no meio do caminho chamou minha atenção. O cômodo estava iluminado e eu pude ouvir sussurros vindos de lá.
— Eu pensei que ela voltaria para casa amanhã — o Sr Ardelean rosnou.
— Eu decidi ficar com ela — Genevieve declarou com alegria, fazendo meu sangue gelar.
Eles estão falando de mim!
— Primeiro uma pele vermelha, agora uma negra! O que você pretende? Transformar isso aqui em um zoológico? Já não basta o nosso tormento eterno! — seu tom era irritado, mas parecia não afetar a jovem que o encarava com desdém.
— Eu cuido da Dakota e vou cuidar dela também. Não se preocupe!
Cuidar? O que ela pensa que somos? Uma espécie de animal de estimação?
— Por que? Você deixou os outros irem, por que ela?
— Ela não terá o que eu não tive — a expressão de Genevieve se endureceu — Eles me mataram, me queimaram viva no meu casamento! Não existe nenhuma maneira dela conseguir algo que eu não tive!
Eu dei um passo para longe da porta, cobrindo a boca com a mão para conter um soluço enquanto as lágrimas voltavam a correr pelo meu rosto. Ela sabe! Mais do que isso, ela fala sobre o ataque no passado, como se já tivesse acontecido!
Eu preciso sair daqui!
Andrey terá de me perdoar pelo anel, mas não posso ficar mais um segundo sequer aqui!
Eu corri pelo corredor, em direção às escadas que me levariam ao térreo. Eu precisava sair!!! Olhei por sobre o ombro, tendo impressão de estar sendo seguida e perdi momentaneamente o fôlego ao encontrar um corredor escuro e decrépito.
— Ah meu Deus — eu choraminguei, voltando a correr antes de esbarrar com alguém.
— Aisha!
Dakota se surpreendeu ao ver meu rosto coberto de lágrimas, eu olhei em volta assustada, mas tudo havia voltado ao normal.
— Eu preciso sair daqui — eu me desvencilhei dela.
— Oh meu Deus, onde está seu anel? — seu olhar se focou em minha mão.
— Genevieve o perdeu e…
— Eu sinto muito, eu te falei. Você não podia tirá-lo. Nunca! Ele era a única coisa que te ancorada em seu mundo — ela declarou com pesar.
Suas palavras fizeram efeito em minha mente e eu senti mais lágrimas chegarem aos meus olhos conforme o desespero tomava conta de mim. Eu não respondi, me limitei a dar as costas e voltar a correr. Não podia ser verdade. Eu tinha que voltar para o Andrey.
Desci as escadas apressada, me movendo com o máximo de destreza que aquele vestido idiota permitia. Eu apenas notei o hall de entrada repleto de convidados quando uma voz chamou minha atenção.
— Aisha, você decidiu se juntar a nós — Genevieve sorria abertamente enquanto me observava.
— Você… Como? Eu acabei de te…
Ela não está viva! Não adianta procurar uma explicação para o que está acontecendo!
— Venha, vamos beber um pouco de vinho. Eu vou te apresentar a todos — ela continuou com aquele sorriso assustador no rosto.
— Fique bem longe de mim, sua aberração psicótica — eu me afastei dela, tentando seguir em direção a porta.
E então, naquele momento, foi como se um mar de sangue caísse sobre todos os convidados, que continuavam me encarando e sorrindo como se nada estivesse acontecendo.
Exatamente como naquele pesadelo que tive.
Eu dei as costas, correndo em direção a porta, lançando um último olhar para aquela reunião sinistra, e como antes, com o corredor, tudo havia voltado ao normal. E ninguém tentou me impedir.
Eu saí da casa, e para minha surpresa, quando olhei em volta, aquele lugar não passava de ruínas. A noite estava clara e quente. Eu corri pelo bosque, usando a torre da igreja como guia. Eu precisava voltar, não podia estar presa ali. Não, meu casamento é em alguns dias.
Eu preciso voltar!
Foi quando os sinos começaram a soar novamente, e não demorou muito para que aqueles pontos de fuligem voltassem a dançar no ar em volta de mim.
Isso é bom, estou voltando!
E então veio aquele barulho alto e agudo e as luzes que fizeram meu coração bater mais forte.
Eu acelerei meus passos, vendo as luzes vermelhas piscando entre as árvores e assim que consegui chegar à cidade, confirmei minhas suspeitas.
Era a polícia, eu estava salva!
Eu pude contar quatro viaturas, uma ambulância e… O carro de Andrey.
— Hey, me ajudem! — eu corri em direção a um dos policiais que não tinha uma expressão muito boa.
Eu franzi o cenho quando ele me deu as costas e se afastou. Eu me dirigi a uma mulher que estava perto dele.
— Por favor, me levem até o Andrey, eu preciso…
E novamente ela se afastou, me fazendo gritar de frustração. Eles estavam me vendo, não era possível que não me vissem!
E então eu vi algumas pessoas, vestidas com roupas de baile, rindo, caminhando juntas pelas ruas, e logo surgiram outras, até que a cidade ganhasse vida aos poucos. Eu me sentia como em um filme defeituoso, ao mesmo tempo que via pessoas normais, encontrava cadáveres caminhando entre eles, carbonizados, feridos e gargalhando.
Eu desisti de tentar chamar a atenção de qualquer um, me limitei a caminhar pela rua principal, indo em direção à igreja onde o verdadeiro movimento estava concentrado.
Os primeiros raios de sol nos iluminaram quando a porta da igreja foi escancarada e Andrey saiu. Ele mal podia respirar, parecia prestes a desmaiar e recusou ajuda de qualquer um que oferecesse. Ele se sentou no chão, próximo a onde eu estava.
Eu me aproximei dele, ainda incrédula. Não pode ter acabado assim, certo? Se eu esperar até o horário certo, eu voltarei.
Sim, eu preciso esperar.
E então um soluço saiu de seus lábios. Antes que ele enterrasse o rosto nos braços que estavam apoiados nos joelhos.
— Drey… não chore, hey. — eu me ajoelhei ao seu lado, na tentativa de consolá-lo — em algumas horas vocês vão me encontrar e…
— Abram as portas da ambulância — uma voz fez com que eu desviasse minha atenção de meu noivo.
Meu pai saiu da igreja, amparando minha mãe, que chorava copiosamente e logo em seguida meu olhar se prendeu em uma maca sendo guiada por dois paramédicos.
Meu coração começou a doer ao acompanhar aquela maca, onde um lençol cobria uma forma humana. E quando passou por nós, um braço sem vida pendeu na lateral da maca. Aquela mão tinha unhas bem feitas, pintadas de cor clara e um belo anel de noivado que eu conhecia bem estava em um dos dedos.
Não !
— Vamos Aisha, está na hora de ir para casa — uma voz soou atrás de mim.
Eu me levantei e me virei devagar, eu não sentia mais meu coração bater, apenas aquela dor lacerante que havia tomado conta de meu peito.
Genevieve estava parada diante de mim, sua visão era aterrorizante, às vezes parecia aquela garota doce que conheci no começo do dia, e em um piscar de olhos, se transformava na imagem daquela noiva cadavérica que me assustou naquela igreja. E aquele sorriso nunca deixava seu rosto, de uma forma ou de outra.
Foi quando compreendi a situação de Dakota, ela não tinha mais a opção de voltar e eu também não teria.
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