▓ CAPÍTULO VINTE E DOIS ▓
Arrasto a minha mala pelo saguão da pousada indo para o balcão da recepção. Ao solicitar uma acomodação, espero desolada o recepcionista registrar o meu check in. O lugar simples me atraiu com sua faixa anunciando uma diária razoável, incluindo café da manhã e ar condicionado. Sem dúvidas, nos hotéis luxuosos ao redor, uma acomodação custará um valor exorbitante. Não estou interessada em ostentar em uma estadia de apenas uma noite.
— A senhora ganhou uma massagem no nosso spa, que fica no último andar. Deseja agendar o seu horário agora? — informa o recepcionista com a voz anasalada.
Spa me lembra Íris, massagem me lembra Dom.
— Nem me lembre de spa e massagem, por favor — peço franzindo todo o meu rosto e o recepcionista me olha confuso. — Eu vou dispensar, mas obrigada — digo com uma expressão simpática, embora seja difícil sorrir no momento. Íris até já é uma história superada, só me falta apagar da memória tudo o que passei com Dom. Mesmo sendo lindos momentos, as lembranças estão corrompidas.
— Claro, sem problemas! — O rapaz bate em uma tecla do computador. — Também oferecemos uma imensa cartela para passeios com nossos parceiros. Pode conhecer diversas praias do litoral por buggy ou veículo quatro por quatro. A senhora já tem em mente se gostaria das rotas do lado sul ou norte da cidade? — A voz dele e o jeito pedante é algo que irrita, mas parece inconsciente.
— Não, meu anjo — recuso. Tento sorrir e acabo fazendo uma careta. — Moro aqui mesmo, só vou passar a noite — esclareço na esperança que se encerre as ofertas turísticas.
— Talvez esta seja a oportunidade perfeita para passear pela sua cidade, não acha? Os nossos preços são os melhores, e a infraestrutura que nossos parceiros oferecem é elogiada por todos os clientes — diz, numa fala visivelmente decorada. — Que tal um incrível passeio de lancha em volta da Ponta do Golfinho? Se não ver pelo menos um golfinho, não paga. — Fico estática olhando para o recepcionista, me perguntando de onde ele tirou esse passeio.
Ponta dos Golfinhos? Sério?
— Não? — pergunta. Diante do meu silêncio, bate na tecla do computador novamente. — E que tal um mergulho no encontro do rio com o mar na praia de Princesa de Aiocá, com profissionais? — sua pergunta me teletransporta para o passeio de moto que fiz com o dono do morro.
— Moço! — falo um pouco alto, impedindo que continuasse as ofertas que parecem ter sido feitas por Dom. — São mais de três horas da madrugada, eu só quero a chave.
— Entendo... — Ele faz cara de paisagem e bate nas teclas uma dezenas de vezes, aproximadamente. — Café da manhã no quarto?
— Sim, por favor.
Ele bate uma última vez e me entrega finalmente um cartão chave.
— Seja muito bem-vinda ao Sunset Orange in Blue! — diz, com um largo sorriso.
— Sério? — dessa vez não resisto em perguntar. Parece inacreditável.
— Oi? — pergunta confuso o recepcionista.
— O nome do hotel — balbucio, tentando ter certeza que não estou delirando.
— Ah! É porque o pôr do sol é laranja no nosso céu sempre azul. Particularmente, acho um nome enorme para uma pousada, mas é coisa da proprietária. Parece que dona Suzanna é um pouco... Como é o nome daquele negócio chinês? — Estala os dedos em minha direção, esperando que eu o complete.
— Feng shui — digo, pensando que não é possível ser a mesma Suzanna.
— Isso! — Ele bate as palmas no ar. — Só que o feng shui dela não é muito chinês não, é o que ela quer e pronto. — O rapaz sorri. — Aqui ainda é novo, dizem que o antigo proprietário devia uma grana para uma galera barra pesada. Dona Suzanna acabou comprando e está reformulando o conceito, por isso a frente não tem placa, só a faixa da nossa promoção.
— Legal. Boa noite — eu me limito a dizer antes de sair, atestando que com certeza é a mesma Suzanna.
— Boa noite.
Que coincidência bizarra. Eu quis evitar o apartamento por ter medo de alguém avisar a Otávio que eu estava de volta e, numa coincidência bizarra, venho parar justamente em uma pousada que a dona é a tal Aeromoça. Isso só pode ser brincadeira.
Que merda!
Eu vou na direção das escadas que indicam ser o caminho para os andares com os quartos. Poderia cancelar a hospedagem, mas, por ser apenas por uma noite, decido ficar, sem contar que não tenho a menor condição de passar por outro check in destes. Olho o cartão chave na minha mão, agradecendo pelo quarto ser no primeiro andar.
Prestes a subir no primeiro degrau, um funcionário surge ao meu lado usando a farda da pousada. Mostrando seus dentes extremamente brancos, me sorri. Sua pele é bem bronzeada acentuando o seu cabelo repleto de luzes loiras, que mescla com os fios castanhos. Em cada movimento que os seus músculos fazem, tenho medo de sua roupa rasgar, como acontece quando o Hulk está para se transformar de um homem comum para um enorme homem verde.
— Moça, pode deixar que ajudo com a mala, sou o carregador. Precisei sair um instante, mas voltei a tempo de te acompanhar — esclarece a sua ausência na recepção. Ele tem uma voz grave e aveludada igual a de um locutor de rádio, além de falar jogando charme.
— Fique à vontade, entrego a mala. Só de ter me chamado de moça, já é um bom começo, estou cansada das pessoas me chamando de senhora. Eu pareço tão velha assim? — pergunto, subindo os degraus.
— De forma alguma — responde, me acompanhando. — Aparenta ser bem jovem, além de ser muito bonita. Linda, para ser mais exato. — Sorrio com a sua lábia sedutora.
Chegamos ao primeiro andar em silêncio.
— Pretende fazer a massagem amanhã? — pergunta quando entramos no corredor.
— Não — respondo, estranhando a sua pergunta.
— Olha, eu que serei o seu massagista e garanto que vou caprichar se mudar de ideia. Às vezes tiro a folga do carregador de malas à noite, porque me ajuda a fazer um extra — conta com certa satisfação, e dou um sorriso em resposta ao chegar na porta do quarto. — Então... gostaria de repensar?
— Na verdade não — respondo, deixando ele bem decepcionado.
— Por que não? É de graça. Tenho certeza que vai gostar, e você está parecendo bem tensa — diz com simpatia e charme.
— Vai ficar para outra oportunidade — dispenso com educação.
— Não faz isso comigo, moça, estamos na baixa temporada e ganho por comissão. Me dá uma força, por favor. Se quiser, você só entra lá e a gente conversa um pouco, ou posso fazer uma massagem espetacular — insiste com uma cara de menor abandonado.
— Está bem — concordo sem jeito ao pensar um pouco. Fiquei comovida com ele.
— Para que horas faço o agendamento?
— Dez e meia. Depois da massagem irei embora.
— Farei seu agendamento. Muito obrigada. — Junta as mãos fazendo uma reverência rápida ao dobrar o corpo, mas não vai embora, fica me olhando. Abro a carteira e lhe entrego vinte reais, ele faz outra reverência. — Muito obrigada — agradece outra vez, depois, sai satisfeito em direção às escadas.
O cheiro agradável de limpeza é comemorado por meu olfato quando entro no quarto. Ouço o barulho das ondas quebrando na praia, e uma brisa fria que vem do mar arrepia a minha pele. Caminho direto para a varanda, onde vasculho a rua com os meus olhos.
Alguns bares ainda estão funcionando. Entre eles, o que tem uma placa luminosa da Heineken parece o mais agitado. De onde estou não dá para ver o nome do lugar, mas dá para ouvir como as pessoas estão rindo lá dentro, o tilintar de talheres na louça e vozes em coro acompanhando o cantor na música Toda Forma de Amor do Lulu Santos.
Na calçada tem movimento de algumas pessoas passeando pela orla, conversando ou namorando. Quando o vento frio começa a me incomodar, volto para dentro do quarto. Fecho as portas corrediças e deito na cama, estou abatida tanto quanto indisposta, envolvida numa cápsula invisível de desengano
Sobre a cama, com as mãos repousando em minha barriga enquanto choro, eu me sinto no meu próprio enterro. Rodeada por um simples armário embutido, uma televisão comum e um frigobar antigo, que parecem velar o meu corpo. Provavelmente o frigobar é o único que lamenta a minha situação, com seu zunido ininterrupto. Usando os dedos dos pés empurro os tênis pelos calcanhares, assim que os dois caem no chão, fico de bruços, interrompendo a cena mórbida.
Saí da casa de Dom sem acreditar no que aconteceu, notando que a minha vida dá voltas em torno das mesmas questões. Fico me perguntando se só existem homens desse tipo no mundo. É como se eu tivesse duas versões de um mesmo problema. Começo a chorar novamente, desejando que as coisas fossem diferentes para mim.
Passo a noite em claro sem tocar na mala ou sair da cama. O barulho das ondas, durante o fim da madrugada, me convida a todo instante para um mergulho. Em meio ao silêncio do quarto, o som do mar abraça a fragilidade que escondo do mundo, como se fosse capaz de se conectar a minha alma.
Pela manhã, levanto para olhar o mar azul através da vidraça. O dia está lindo e convidativo. Embora a minha única vontade seja de me afogar nas minhas lágrimas, tenho total consciência de que se não reagir para superar isso, serei capaz de cortar os meus pulsos. Assim, decido dar uma volta na praia depois do café.
Escovo os dentes e tomo um banho, precisava da água caindo em minha cabeça para tentar desanuviar a mente. O banheiro é pequeno com espaços bem planejados. Ao sair da ducha, confiro no espelho que tenho um inchaço envolta dos meus olhos. Enquanto visto um short jeans, ouço batidas na porta, coloco uma regata amarela e vou atender.
— Bom dia. Seu café da manhã, senhora — avisa a moça quando abro a porta.
— Bom dia. Pode entrar — autorizo e libero espaço para ela passar. Depois de deixar uma bandeja coberta com um cloche de inox sobre a mesa para dois na varanda, volta, parando em minha frente. Entendo que se trata da gorjeta, pego quarenta reais na carteira e a entrego.
— Obrigada, senhora — agradece e sai pelo corredor empurrando um carrinho repleto de bandejas.
Na varanda, tomo o suco olhando o mar, imaginando quantos casais não viveram lindos momentos nesse quarto e se foram felizes no amor da mesma forma que vemos nos filmes de romance. Meus olhos pairam sobre o cloche de inox, ele me lembra do jantar no farol. Começo a chorar novamente, mas dessa vez é de puro ódio e dor. Como Dom foi capaz de me manipular da mesma forma suja que Otávio?
Decidida a não me entregar mais a tristeza, pego a minha carteira e saio do quarto para comprar um biquíni no comércio da área. Andando na rua, me distraio olhando as lojas de artesanatos, são tantas bugigangas que seria preciso uma semana para olhar tudo meticulosamente.
Entro em uma das lojas que vende moda praia, procurando entre as opções um biquíni que me agrade. Escolho um modelo básico na cor verde esmeralda. A atendente pega o meu tamanho no estoque e me entrega depois do pagamento. Volto mais calma para a pousada e, assim que me troco, desço para a praia.
Piso na areia, sentindo os meus pés afundarem nos grãos. Ando até a água e paro somente quando o nível chega em minha cintura. Observo as espumas à minha volta, permitindo que o sal cicatrize as minhas feridas a cada onda que vem. Nado de um lado para o outro sem pressa. Mergulho e depois boio sendo levada para qualquer direção que a correnteza queira. Fico horas no mar sentindo o sol queimar a minha pele, enquanto o vento ameniza o calor.
Ao sair, não me sinto tão indiferente quanto eu gostaria com relação a minha coleção de decepções, mas o banho me fez bem. Com uma toalha enrolada em minha cintura, atravesso a rua voltando para a pousada logo à frente. Tiro a areia da praia no chuveiro. Na hora de me vestir, escolho uma calça cigarrete, uma camisa branca, que acabo dando um nó na cintura e calço o mesmo tênis branco que estou usando nos últimos dias. Pronta, deixo o quarto, chegando ao terraço depois de subir três lances de escada. Em alguns passos, encontro o spa com a porta aberta.
— Olá! Estou muito feliz que tenha vindo — diz o massagista com o habitual sorriso galante esticado em seus lábios ao me ver na entrada — Pode tirar as roupas atrás do biombo. — Aponta a divisória de madeira no fundo da sala. — Lá tem toalhas.
Numa breve olhada, ainda da porta, vejo velas aromáticas espalhadas pela sala extremamente branca. Uma música oriental reverbera pelo ambiente e a maca de massagem ocupa o centro do espaço.
— Ah, eu não vou fazer a massagem — digo ao entrar na sala, me encaminhando para a janela no fundo, com uma vista panorâmica para o mar —, só vim mesmo para te ajudar, como me pediu.
— Mas já que está aqui, não custa nada receber uma boa massagem — argumenta de um jeito faceiro.
— Não vou ficar nua, coberta somente por um pano e com um homem me apalpando. Nada contra você, pois imagino que seja um profissional, é uma coisa minha — esclareço.
— Pode usar suas roupas íntimas, não irá atrapalhar a massagem. Se o seu desconforto for ficar nua — insiste com certo charme.
— Não, obrigado. Vou passar um tempinho aqui e depois fazer o check out — aviso conferindo o meu celular.
— Tudo bem, então — aceita, finalmente, mas logo mostra que não ficará em silêncio como eu gostaria. — Ontem não me apresentei direito, até peço desculpas por isso. Eu me chamo Caleb e a senhora... quer dizer, você, já sei que se chama Dalena Rosa, a vereadora.
— Isso mesmo — confirmo, passando a olhar com atenção para o rapaz.
— Não acompanho política, mas, uma das funcionárias te reconheceu dos noticiários. O projeto de um centro de acolhimento para a mulher é seu, não é?
— Sim — respondo e volto a olhar a vista da janela em que estou escorada, desinteressada em conversar sobre o centro.
Minhas sobrancelhas se franzem quando vejo, estacionar do outro lado da rua, um carro parecido com o de Dom.
— O centro está sendo bem comentado no meu bairro...
O homem continua falando, mesmo sendo completamente ignorado. Não é por falta de educação, mas por minha atenção estar voltada para quem vai descer do carro. Antes mesmo de conseguir uma confirmação de ser Dom, já estou em pânico. Um encontro com ele agora, pode me desmoronar de vez.
A porta do carro se abre.
Merda...
Dom desce em câmera lenta da Range Rover.
Minha respiração para.
Suzanna com certeza avisou que estou aqui. Ai, que vontade de esganar alguém.
Não sou rápida o suficiente ao tentar me esconder, pois quando ele olha para cima, me vê na janela por trás de um dos seus óculos da marca Tom Ford. Tenho certeza que é um dos que vi quando bisbilhotei o seu closet. Vou apressada até a porta sob o olhar de Caleb me acompanhando com curiosidade e tranco a fechadura ao girar a chave.
— Algum problema? — pergunta o massagista ainda com uma expressão confusa. Tiro a chave e guardo no meu bolso, para garantir que ele não abra quando Dom chegar. — Moça... — chama, sendo ignorado.
Ando de um lado para o outro, tentando não roer as minhas unhas. Caleb começa a ficar nervoso com o meu comportamento, eu não tenho cabeça para explicar nada, só penso no que posso fazer para me livrar de Dom enquanto me questiono o que ele quer comigo.
Será que quer conversar ou me matar?
Não... acho que me matar não.
Respiro fundo tentando manter a calma.
Vou dizer que não quero conversar, Dom precisa respeitar.
Firmo os meus braços ao lado do meu corpo com as palmas esticadas, respiro fundo mais algumas vezes para normalizar o meu coração que se agita totalmente descontrolado. Em questão de poucos minutos, alguém bate na porta. Caleb me olha assustado, seus olhos estão praticamente saindo da órbita, talvez, inspirado pelos meus.
A maçaneta do tipo alavanca se movimenta para baixo e para cima, provocando um barulho no trinco da fechadura entrando e saindo rapidamente. Um sinal de que quem tenta abrir, está tão nervoso quanto eu. Se for Dom, não me surpreende, já que ele deu um murro na parede na noite anterior.
— Dalena, abra a porta — manda a voz do dono do morro do outro lado.
Ansiosa, um tremor em minha garganta me leva a pressioná-la. Vou até a porta e me encosto nela. Um silêncio apreensivo cresce entre nós três. Meus olhos estão vidrados, enquanto tomo coragem para reagir de alguma forma.
— Não — digo com firmeza.
— Moça... — chama o massagista com a sua voz grossa completamente afinada. — Moça...
— Shhhh... — Faço para ele com o meu indicador em riste sobre minha boca, pois estou quebrando a minha cabeça ao tentar encontrar um modo de escapar de Dom.
Fujo pela janela?
Me escondo atrás do Biombo?
— O que tá acontecendo? — Caleb move a boca num tom inaudível e faço uma leitura labial para o compreender. Mostro a minha palma para ele, pedindo que espere.
— Dalena, é melhor você abrir — a voz de Dom soa autoritária. Endureço o meu pescoço e não cedo. — Dalena... — chama mais uma vez. — Eu vou arrombar a porta — diz sacolejando a maçaneta, e sei que não está brincando.
Para evitar um escândalo com o meu nome envolvido com o de um traficante, tiro a chave do bolso e destranco a fechadura. Depois, fico ao lado de Caleb no fundo da sala, assistindo Dom entrar. Devagar, o trinco desliza para baixo e a porta se abre. O dono do morro surge na entrada do spa, fazendo a tensão aumentar. Seus olhos fulminam o massagista, que estremece ao meu lado.
— Saia — manda Dom com a voz dura e pesada, mesmo parecendo que seus lábios quase não se mexeram para falar. O massagista prontamente se move para atender, mas é impedido por mim quando me coloco em sua frente.
— Eu vou fazer uma massagem, você está me interrompendo. Com licença, por favor. — Uso todo o cinismo que aprendi com Otávio.
— A merda que vai. — Dom olha para Caleb novamente, o rapaz ensaia sair, porém, o impeço trancando sua passagem.
Pego as mãos de Caleb e coloco em meu pescoço.
— Pode começar, não tem problema ele assistir. Eu ganhei e quero a minha massagem. — Os dedos de Caleb afundam um pouco na minha pele, provavelmente tentando se agarrar a algo mais pelo medo, do que propriamente me massageando, mesmo assim, solto um pequeno gemido.
Dom se contorce, um rosnado escapa da sua garganta. Ele entra na sala.
— Eu mandei sair. — Toca na arma por cima da roupa, fazendo Caleb soltar imediatamente os meus ombros para ir embora.
— Se você sair, ele vai atirar nas suas costas — digo apressada. O massagista trava atrás de mim imediatamente. — É isso que ele faz, te deixa pensar que pode confiar, mas é só teatro por puro sadismo. Não confia nele. — O rapaz segura os meus braços e aperta com medo. — Ai... que pegada, Caleb. — Dou um sorriso provocador para Dom.
Eu quero puni-lo, quero mostrar que não tem domínio sobre mim, que não vai chegar do nada e me dobrar só porque sabe mandar. Dom apoia uma das pernas na maca de massagem, enquanto me avalia. Ele parece passar a entender que não pode medir forças comigo, ou terá que sair totalmente do controle.
— Caleb, venha! — Suzanna aparece na porta. — Está tudo bem, pode vir, ele não vai fazer nada.
O massagista sai de trás de mim, passa assustado por Dom, pisando em ovos e some no corredor.
— Vou fechar a porta para vocês conversarem melhor — avisa Suzanna, e reviro os meus olhos.
Ela tranca a porta, sumindo por trás dela. Além da raiva que estou por ter avisado a Dom sobre a minha hospedagem na pousada, fico mais aborrecida por ter se intrometido na minha cena. Sem contar na forma que esfrega na minha cara a sua presença exuberante e a intimidade que tem com ele.
Os dois estavam juntos nessa.
Meu rosto arde de ódio.
— Sinto muito que esteja tão cega de raiva, que não consegue enxergar a verdade. Pode pensar que isso te dará força, mas é só uma armadilha para nos afastar um do outro sem razão alguma... — fala num tom ameno.
— Bem filosófico, parabéns — ironizo. Dom solta um longo suspiro.
— Vamos conversar, Dalena — pede.
— Nossa, você chegou criando o ambiente perfeito para uma conversa — desdenho, lembrando dele ter mostrado a arma para Caleb. Amarro os braços sobre o peito.
— Sabe o que aquele cara ia te oferecer durante a massagem que você estava querendo muito fazer? — Faço um dar de ombros. — Drogas e um programa.
— Acho que tenho boca para dizer se aceito ou não.
Dom se afasta da mesa. Vai até a parede, onde encosta o corpo. Deixa o olhar distante de mim.
— Tudo bem, você está certa. Eu não agi muito bem agora, mas não esperava te encontrar tão à vontade com outro homem — lastima com o olhar triste, e bufo um sorriso.
— É só uma massagem, pelo amor de Deus. — Reviro os olhos, me arrependendo de ter dado a mínima satisfação que seja.
— Isso quer dizer que não estava rolando nada? — pergunta ao me fitar.
— Quer dizer que sou adulta e faço o que quiser da minha vida.
— Não achei que o seu amor fosse acabar tão fácil, se é que ele existiu. — Engole em seco ao me encarar.
— Você é muito sentimental para um traficante, ou é só o seu jeito de tentar brincar com os meus sentimentos? — Dom baixou o rosto. — Sabe, no amor, alguém sempre paga pra ver, porque o coração é muito idiota para sentir quando não é real. Então, não é que a raiva constrói armadilhas, ela só é a consequência da realidade no fim de tudo.
Dom me encara, mas evito os seus olhos. Viro o rosto para a janela, perdendo a minha vista no horizonte. Prefiro ver a cor azul do céu criado pela luz refratada do sol, do que o sentimento fingido com que as suas íris azuis me encantam. A presença dele balança todas as minhas certezas, mas a minha cabeça precisa arrancar a língua do meu estupido coração, que não para de falar no quanto o ama.
— Estou indo embora, acho que o show acabou — anuncio com frieza.
Me afasto da janela. Passo por Dom me segurando firme para não fraquejar, para não ceder ao peso do meu amor. Meus olhos embaçam com as lágrimas salgadas que se formam neles, me pergunto se o mar é o choro da terra e se é por isso que me sinto tão bem em suas águas, por ser a tristeza o que temos em comum.
— Vamos conversar. — Dom segura o meu braço parado atrás de mim, ele não imagina o quanto o seu toque ainda é venerado pela minha pele, não sabe que é o meu ponto fraco, porque consigo me manter rígida. Somente a minha cabeça se move, negando o seu convite.
Sinto o seu corpo colar em minhas costas, causando um delicioso arrepio na minha espinha. Permaneço irredutível, não quero me entregar às suas mentiras. Sua mão afasta o meu cabelo, seu rosto se aproxima do meu, sua boca se prepara para me contar um segredo.
— "Tua chegada foi como um sonho. Tua estadia foi intensa. Me doei e amei. (...) Sem saber, caminhei para a tua partida. Acreditei na tua morada. Ingenuamente." — recita um trecho de Estações & Metamorfoses da escritora Waleska de Oliveira, o livro que me deu e guardou todos esses anos. — Achei que fôssemos Você e eu. Todos esses anos, eu tinha certeza que a nossa conexão não era tão frágil. Agora, vejo que é muito mais que o meu ponto fraco, é o meu ponto cego. — Minha firmeza se esvai. Dom parte o meu coração uma segunda vez por tratar o meu amor como uma mentira, mentira da qual eu fiz ele acreditar.
Sem fazer qualquer súplica ou tentar me convencer que estou errada, muito menos questionar minha sanidade; ele simplesmente enterra nossa história em suas palavras. Seu corpo se afasta do meu, seus dedos se desprendem da minha pele, sua presença se desvia da minha e me deixa sem olhar para trás.
Minha estrutura se desmonta lentamente. Minha alma se encolhe dentro do vazio que fica no meu ser. Minhas lágrimas não escorrem no meu rosto, elas se amontoam dentro de mim, como se eu não merecesse me aliviar da dor que sinto. Toco o meu braço onde os seus dedos estavam, tentando segurar algo que já foi embora.
Cadê a raiva que me acompanhava a pouco? Ela era tão acolhedora.
— Você já se deu conta do quanto é idiota? — Suzanna surge na minha frente.
— Quando eu pedir a sua opinião, você me fala — retruco e saio dali.
Faço o check out na pousada. Ao sair, encontro Antônio Carlos do outro lado da rua. Arrasto a mala pelo asfalto até a janela do carro dele, onde paro e aperto a sua mão num sacolejo triste e lento. Ele me dá um sorriso simpático, retribuo com um sorriso menos festivo, meu humor está fúnebre.
— Que tal me acompanhar até o cinema? — convido. — Não precisa me seguir como se fôssemos dois estranhos.
— Eu vou adorar, mas sabe que tem outra pessoa que amaria o convite, não é? — Ouço a sua pergunta e prefiro não responder, duvido que Dom amaria lembrar da minha existência no momento.
— Quer ver o filme ou não? O sol está me dissolvendo, literalmente. — Enxugo o suor da testa com a palma da mão.
— No meu carro ou no seu? — pergunta.
— No meu, não quero ter que voltar aqui, essa pousada é muito estranha. — Antônio Carlos sorri e desce do seu carro.
Guardo a minha bagagem dentro do porta-malas, em seguida saímos em direção ao shopping. Em poucos instantes no trânsito, noto que Antônio Carlos parece bem nervoso com a forma que eu estou guiando o carro. Apesar de dirigir razoavelmente em um dia comum, reconheço que no momento o meu desempenho como motorista está comprometido.
— Dalena, se eu soubesse que você dirigia assim, teríamos ido no meu.
— Relaxa, marinheiro. Está tudo sob controle.
— Eu não diria que não dar sinal com o pisca-alerta, andar colado nos carros ou frear bruscamente seja ter tudo sob controle.
— Está bem, vamos ouvir uma música para descontrair. — Ligo o som e a voz de Caetano Veloso ocupa os fones da caixa de som. — Não essa — digo apressada, trocando a playlist de músicas. Dessa vez, as vozes de Bruno e Marrone chegam prontas para embalar o meu coração ferido.
Começo a cantar acompanhando a letra da música, passando a acelerar mais pela vazia avenida, que devido ao feriado prolongado estava com um tráfego bem tranquilo. Minha voz aumenta no pré refrão, Antônio Carlos me olha assustado do banco do passageiro, se segurando ao cinto.
"Não sei
Será que eu me enganei o tempo todo com o seu olhar?
Apesar de tudo que vivi, eu me deixei levar
Que ilusão foi te amar."
Minha voz berra, enquanto meus olhos se fecham e acabo cantando sozinha quando o volume do som é zerado bruscamente. Em silêncio, encaro o meu carona sem entender, ele coça a sobrancelha com o polegar, parecendo um pouco desconcertado com o meu comportamento.
— Olha, Dalena, meus tímpanos até que são bem resistentes, mas vida eu só tenho uma. Fechar os olhos enquanto dirige é um pouco demais, não?
— Está bem, desculpa. Nada de música. Vou me concentrar no trânsito como uma boa motorista.
— O SAMU agradece — ironiza. — Não é muito fácil fazer um socorro bem aqui nesse cruzamento do Super Atacado, iria travar tudo.
— É que eu tô tão... — Solto a direção, e sacudo as mãos em frente ao rosto. Antônio Carlos pega o volante com rapidez, me olhando assustado. — Sabe?
— Segura, o volante, pelo amor de Deus — implora.
— Desculpa. Desculpa. — Retomo o volante, passando a dirigir com cautela. Ele fica aliviado. — Por que ainda está me seguindo? — pergunto um tempo depois.
O marinheiro apoia o cotovelo na porta do carro, mantendo os olhos fixos na rua, fazendo o máximo para não me dar abertura sobre esse assunto. Paro no sinal vermelho e pecebo que me olha de relance, bem discretamente, constatando que continuo esperando a sua resposta.
— Se a minha vida corre perigo ou sei lá o que, não acha que eu mereço saber? — Antônio Carlos pigarreia, depois alisa os nós dos dedos com o polegar, me avaliando.
— Olha. A. Rua. — Ele aponta para o pára-brisas. — Eu sei que a avenida Brisa do Mar é uma reta, mas você tem que manter o carro aprumado, não é?
— Okay, okay... — Deixo o carro reto na avenida. — Então, eu já entendi que você é uma rocha e tals e deve ter feito um treinamento de interrogatório com o FBI, mas isso não é justo. Também, depois do encontro que acabamos de ter, pensei que seu amigo nem queria mais saber de mim. E aí, veja só, ele te manda me seguir.
— Ele já te disse o motivo, Dalena. Eu não preciso repetir.
— Tem certeza que não é medo que eu continue atrapalhando a vida dele com o centro? Se for, diz para aquele ruivo destruidor de corações, que pode ficar tranquilo, eu vou dar um tempo dessa história. — Antônio Carlos sorri do meu comentário. — Que foi? — Minha voz afina. — Acha que é brincadeira?
— Você é bem doidinha, não é? — pergunta se ajeitando no banco e virando o corpo para mim.
— Ah, sei lá! Deve ser porque minha família é desestruturada e essas coisas que os psicólogos falam. Quem sabe, talvez seja por eu ter passado tanto tempo dizendo "sim", que não quero mais usar essa palavra. São muitas possibilidades. Enfim, é sério quando digo que vou repensar tudo sobre o centro.
— Que Dom não me ouça ou não fique chateado se me ouvir, mas eu acho que uma hora ou outra você vai conseguir esse centro.
— Não precisa ficar com medo dele. Eu sei bem que se não houvesse a possibilidade desse centro ser construído, tanto ele quanto Otávio, não se dariam ao trabalho de tentar me impedir. Mas por que acha isso, marinheiro?
— Você é persistente e sabe usar as situações ao seu favor.
— Olha, para quem me conhece tão pouco, você tem um pensamento bem formado sobre mim. Infelizmente, preciso te atualizar, porque eu me sinto em um beco sem saída e com vontade de sumir no mundo. — Paro no sinal e descanso a minha cabeça no vidro da janela do carro. — Mas diz aí... O que está rolando que eu ainda não sei?
— Achei que fosse me pagar um milkshake antes de me encostar na parede — brinca.
— Perguntas erradas?
— Perguntas arriscadas.
— Dom não precisava me deixar fora de tudo e me enganar, sei muito bem que ele chefia todo o tráfico.
— Só não sabe que ele representa uma estrutura criminosa que bate de frente com os seus interesses? — faz uma pergunta retórica, com um certo deboche. — Dom tem muito medo de te perder, por isso prefere te deixar no escuro. O problema é que você enxerga isso como uma traição, talvez por não estar acostumada a ter alguém que se importa de verdade — avalia, olhando a rua pensativo.
— Essa doeu.
— Você não precisa ficar na defensiva o tempo todo e pular para o ataque como se fosse a sua única chance de escapar com vida — pontua, parecendo bem desconfortável comigo.
— Por que o "tempo todo"? Está me analisando com base nos meus problemas com seu amigo como se me conhecesse a vida toda.
— Sei lá, é que em muitos momentos podemos achar que é tudo ou nada, quando só precisamos ser mais sutis e pacientes. Se tem alguém com inteligência para isso é você — tenta desconversar.
— Continuo no escuro, mas valeu, acho. — Paro em uma faixa de pedestres e fico encarando o amigo de Dom, tentando decifrar o que está me escondendo.
— Olha, eu sei sobre Pampa e Coalhada. — Dessa vez, eu que apoio o cotovelo na porta. Meu olhar está atento ao trânsito, embora meus pensamentos vaguem. — Tudo bem que as circunstâncias ali foram à flor-da-pele. Você era jovem e sua ideia funcionou bem, só que não sabe a que custo. — Sinto que chegamos a um ponto que o incomoda, porque ele fica extremamente sério.
— Realmente, vejo que eu não sei — reconheço diante do olhar machucado de Antônio Carlos. — Mas estamos aqui. Poderia dizer?
Fico até com medo de ouvir o que ele tem para contar, porque o amigo de Dom parece estar entalado com questões que não me dei conta.
— Dom lutou sozinho para bancar o seu plano — a voz dele sai pesada. — Ele só tinha quatorze anos e também era uma criança, também estava solto no mundo tentando escapar de uma vida traumática. Para você era o abuso do seu padrasto. Para ele: fome, miséria, necessidade. Duas realidades difíceis de lidar para os dois.
Começo a entender exatamente o que Antônio Carlos quer dizer, e não é só desconfortável ouvir o que ele fala, é doloroso imaginar Dom tendo que assumir tudo sozinho.
— Mas ainda tem uma outra camada que você não sabe, e se eu não contar, nunca vai saber. — O marinheiro dá um suspiro pesado, mostrando que vai me contar algo a contragosto do amigo. — Dom entrou no tráfico para algo temporário, ele queria levantar um dinheiro para tirar Tiquinho da prisão. Quando estivesse tudo resolvido, nós íamos para a marinha juntos.
— Nossa... não foi o que ele me disse — falo ao lembrar das nossas conversas.
— Ele só contava a todo mundo que aquela era a vida que queria, porque não existe a possibilidade de entrar para algo temporário no tráfico. Se você falar isso, os caras vão te marcar lá dentro.
— Eu já estou vendo tudo. — Os meus olhos ficam marejados.
— Exatamente. Depois de você, ele precisou ficar e não conseguiu mais sair.
— Meu Deus!!
— Enquanto conseguiu se manter na escola, Dom estava com uma arma na mão. Não é medindo quem é mais sofrido ou diminuindo o que passou, trago esses fatos para que enxergue o que está por trás. — Engulo em seco ao descobrir. — Se você duvida dele e precisa de provas... essa é a prova.
— Por que ele não me contou?
— Não era como se Dom já não estivesse lá sabendo que algo pudesse acontecer para o forçar a ficar. Ele só achou que foi por uma boa causa, pelo menos, e que não precisava te colocar nessa também. — A expressão de Antônio Carlos é de resignação, do tipo de quando a gente tem que aceitar algo irreparável.
Um silêncio triste ecoa pelo carro.
— Eu sei que ele não estava lá por mim, mas ficou por mim e não está certo. Eu não sou responsabilidade de Dom, nunca quis ser.
— Olha, Dalena, isso é algo que já foi, não tem mais o que fazer. Os verdadeiros culpados não são vocês dois, sabe? Então, não encana com isso, não cobre Dom por ter escolhido o que ele nem tinha opção depois do que aconteceu.
— Eu teria dado um jeito.
— Dê um jeito agora, porque o passado não volta. A paz que Dom conseguiu hoje como dono do morro, foi em cima de muita violência, mas você está colocando em risco. — Antônio Carlos dá um suspiro triste.
— A minha intenção nunca foi afetar o tráfico e muito menos o Dom.
— Claro que não, mas a facção não quer saber, não dá para pedir licença para essa gente e você sabe disso. — Ele franze sua testa.
— Sim, eu sei. — Aperto o volante nas minhas mãos. — Eu andei passando por muita coisa e acabei deixando a necessidade de sobreviver ser a minha única prioridade — lamento profundamente não ter estado perto dele esses anos.
— Dalena, o destino quis manter Dom lá e ele não se queixa por isso, mas sobrevive a isso, se mantendo o mesmo. Eu até desconfio que seja por você, só sei que gosto de ainda ver o meu amigo de infância quando olho nos seus olhos.
Antônio Carlos toma um tempo para refletir sobre suas palavras, eu faço o mesmo com o olhar distante. Deixei tantos anos se passarem sem ir até Dom e o abraçar como merece, sem levar um sorriso, sem dizer o quanto é amado no meu coração. Só me afastei, enquanto ele trilhava a vida sozinho por um rastro de sangue.
Agora entendo que suas mensagens uma vez por ano na revista, era um chamado, um pedido para que eu corresse de volta para os seus braços. Como eu fui burra, achei que fosse apenas uma forma de manter no presente o nosso elo, talvez também fosse, mas não era somente isso.
— O tráfico e a corrupção existem, você queira ou não. — Antônio Carlos quebra o nosso silêncio. — Dom não estava te traindo, estava te protegendo e, ao mesmo tempo, cuidando para manter a facção longe dessa história. Não dá para bater de frente com o sistema só com boa vontade, os caras vão te matar e ele vai cair. "A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar", já ouviu esse ensinamento? — Balanço a cabeça negativamente. — A arte da guerra de Sun Tzu. Leia, você vai gostar.
Novamente, o silêncio se espalha pelo carro, como se carregasse o peso do meu crime. A justiça não me alcançou, mas a vida se encarregou de me punir. Enquanto a avenida se desenrola à nossa frente, minha mente vagueia pelas possibilidades. O que poderia ter sido diferente? É difícil não sentir um aperto no peito, sabendo que por mais que eu queira encontrar uma maneira de mudar o curso do passado, como disse o marinheiro, a realidade é uma só: o que já passou é irreversível, não há conserto.
— Obrigada por conversar comigo — agradeço um pouco emocionada ainda pelo baque do que descobri.
— Não queria te deixar tão mal...
— Eu precisava saber disso, e agora eu posso ver o lado dele.
— É uma pena ter precisado chegar a esse ponto, ele sempre evitou ter o peso do passado em cima de vocês dois ou já teria te dito. Então, espero que esqueça o que te contei — pede, preocupado com o que essa história pode desencadear.
— Eu não sei se consigo — admito, com meu olhar tomado por lágrimas.
— Consigo imaginar o quanto está te afligindo, mas agora tudo é passado. Ele fez as escolhas dele e você as suas, só segue em frente, Dalena. Gasta sua energia com o futuro, pensa no tempo que resta da vida para serem feliz. — Seu rosto reflete uma mistura de dor e esperança.
— Talvez eu não saiba como ser feliz,marinheiro — reconheço, enxugando o rosto com o punho.
— Que isso, felicidade é se permitir — diz, apertando meu ombro. — Cinco minutos de Adão Negro e você estará com um sorriso de orelha a orelha — brinca com bom-humor.
— Acho que esse filme ainda nem está em cartaz — comento, um pouco mais calma.
— Não diz que está me levando para ver filme de romance, da última vez que assisti um, passei vergonha no cinema. Um marmanjo como eu chorando igual a um bebe com saudades da mãe, foi traumático para mim.
— Qual foi o filme que assistiu?
— P.S. Eu te amo.
— Esse filme faz até o diabo chorar, não se sinta mal por isso. — Rimos do meu comentário. — Agora me fala, o quanto você está envolvido com a facção?
— Eu sou um conselheiro das sombras. Aprendi muitas táticas de guerra na marinha e acabo trocando muitas ideias com Dom, ajudando a analisar as situações — conta, arqueando uma sobrancelha de um jeito sério.
— Ou seja, você é um bom amigo, marinheiro. — Dou um soquinho no braço dele. — Obrigada por não deixar ele sozinho esses anos.
— Dom é um monstro, Dalena. A força dele é sobrenatural, é provável que ele tenha me dado mais apoio, do que o contrário — admite, afetuosamente. — Estou percebendo que está mais animada — observa, enquanto mordisco o meu lábio inferior.
— Bom, felicidade é se permitir. — Sorrimos um para o outro. — Na verdade, estou feliz por não ter sido enganada por ele. Durante todos esses anos, Dom permaneceu no meu coração e, quando nos reencontramos, é como se nunca tivéssemos estado separados. Sinto um amor muito profundo por ele, e sinceramente não quero barreiras à nossa volta, sabe?
— Então faz isso.
— Acha que ele me perdoa? — pergunto com um olhar de esperança, apesar de me sentir apreensiva. Antônio Carlos me olha de um jeito travesso e me mostra a tela do seu celular em uma chamada de vídeo para Dom.
Ele estava ouvindo tudo!
— Por que não pergunta a ele? — Vejo Dom sério na tela e a sua imagem me suga para outra dimensão.
Orange in Blue.
Laranja no azul.
Meu rosto arde.
Meus olhos ficam úmidos.
Paro o carro no sinal vermelho.
Encaro a tela do celular.
— Eu te amo... desde sempre... Juro que não ia fazer massagem. Você tem razão, a raiva cega. — Ele finalmente sorri. — Me perdoa, Dom, eu acabei de me dar conta do quanto sou idiota. — A chamada é encerrada bruscamente.
Jogo a cabeça para trás e começo a chorar. Ele me odeia, é isso.
O sinal abre, um carro atrás de mim buzina para eu destravar o trânsito. Piso o pé no acelerador sentindo um calafrio de tristeza. Observo a avenida à minha frente com o olhar desfocado, temporariamente fora de mim, digerindo a ideia de Dom não querer mais nada comigo.
Nem sei mais o que vou fazer nesse shopping, claramente, o meu programa com Henriqueta e Potira, azedou.
— Ele não me perdoou, Antônio Carlos, meu coração está doendo tanto que parece que vou morrer — digo entre lágrimas, e ele comprime a boca, como se segurasse um sorriso.
Devo ser tão patética, que virei uma piada.
— Só tome cuidado com o trânsito, pensa nisso depois, tá bem? — assinto, vendo o quanto está preocupado.
Alivio o meu pé no acelerador, reduzindo o velocimetro para a metade para o deixar mais tranquilo. Um carro preto me ultrapassa a toda velocidade e me tranca cantando os pneus, parando um pouco à minha frente. Freio sem querer acreditar que é o carro de Dom, encaro Antônio Carlos em busca de uma confirmação, ele finalmente solta o sorriso que prendia à pouco.
— Ah, seu marinheiro safado, você estava avisando o nosso trajeto o tempo todo. — Ele me sorri incontrolavelmente. Dou um soquinho em seu braço.
Dom sai da Range Rover.
— Vai lá, vai. Eu cuido do seu carro.
— Obrigada! — Dou mais um soquinho em seu braço.
Ao descer do carro, meu coração dispara em antecipação. E então, ali está ele, com um sorriso largo que ilumina seu rosto. Eu me lanço em sua direção, deixando que o amor que sinto me conduza e, como antigamente, pulo em seus braços. Sou envolvida por Dom com firmeza e minhas pernas se prendem em sua cintura.
Naquele momento, o tempo parece parar ao nosso redor. Os olhares curiosos dos que passam por nós capturam a magia da cena, enquanto a sinfonia das buzinas dos carros andando na avenida se mistura ao bater acelerado do meu coração. Somos o centro de um universo particular, onde a intensidade do nosso sentimento nos rege.
Beijo Dom em cada pedaço do seu rosto com minhas mãos espalmadas sobre suas orelhas. Ele prende o meu olhar no seu e solta o meu corpo para que eu volte ao chão. Agarrando o meu pescoço, lança sua boca na minha, saboreando os meus lábios com uma ternura profunda, me fazendo sentir o sabor do amor.
— Dom, você ficou no tráfico por... — Ele segura a minha boca, me impedindo de continuar a falar.
— Finja que nunca ouviu o que Antônio Carlos te contou — pede de um jeito sério. — Só nós três sabemos disso, Tiquinho nem sonha que entrei no tráfico para tirar ele da prisão e que aconteceu o que aconteceu. Não quero que se sinta culpado, nem você.
— É que... — Dom me dá um beijo, interrompendo a minha fala. — Poxa, Dom... — Ele me dá mais um beijo, enquanto Antônio Carlos passa por nós e buzina.
— Já esqueceu tudo? Porque eu posso passar o dia te beijando.
— Esqueci — respondo, emburrada.
— E esse cinema, ainda está de pé? — confirmo sacudindo a minha cabeça repetidas vezes. — Ótimo! Mas admito que será difícil para o filme competir com o seu decote pela minha atenção. — Meus se arregalam com sua confissão ousada. Dom não diz mais nada, apenas me puxa em direção ao carro.
Enquanto o motor da Range Rover ronrona e nos afastamos, eu me sinto feliz por estarmos juntos novamente.
|NOTA DA AUTORA|
Alguém imaginou que Dom ficou no tráfico por Dalena?
É... isso foi uma prova e tanto de amor.
Me conta o que acharam deste capítulo. Será mesmo que Dalena vai deixar de lado o centro ou vai encontrar uma forma de conciliar as coisas?
Até o próximo capítulo!!
Xero!! ✿◕‿◕✿
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