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▓ CAPÍTULO TRINTA E DOIS ▓




O carro encosta na porta de casa, o motorista tenta me consolar uma última vez dizendo que ficaria tudo bem, que toda tristeza é passageira, mesmo sem saber do que se trata. Balanço a cabeça positivamente e saio, chorando ainda mais alto, conforme eu me aproximava da porta. Entro em casa descontrolada, afundando no sofá assim que bato a minha perna nele.

Encarando o teto de madeira da casa, continuo chorando em desespero total, até que vejo uma sombra na janela da sala, o que me faz parar um pouco. Fico com medo de ter sido seguida e não ter percebido, apesar de ter tomado precauções, além de ter me certificado durante o trajeto, e ter feito o motorista ir por ruas desertas para ficar melhor de notar algo estranho.

— Moça! — Uma voz jovem acompanha três batidas na janela.

— Oi? — pergunto, conseguindo me controlar melhor.

— Eu sou a sua vizinha — avisa, e abro a janela.

A garota de olhos castanhos curiosos, fita o meu rosto, avaliando curiosa a minha situação. Seu cabelo crespo vai até a altura da orelha, com os fios loiros caindo nas laterais do rosto. O pequeno nariz é salpicado de sardas por cima da pele branca e uma boca miúda.

— Você é a pessoa mais barulhenta que já vi na minha vida — diz, e imediatamente lembro da carta. — É, fui eu que colocou a mensagem embaixo da porta — admite, displicente, adivinhando os meus pensamentos. — Posso entrar?

Antes que eu responda, ela entra pela janela em três movimentos. Eu simplesmente me afasto, pensando o que ainda me falta acontecer por aquele dia e dou um riso incrédulo antes de esfregar as duas mãos na testa algumas vezes, enquanto a garota vai até o sofá cheia de intimidade com a casa.

— Posso te oferecer alguma coisa? Está com fome? — pergunto, sem saber ao certo o que fazer.

— Estou — responde no mesmo instante em que ouço uma mensagem de Dom chegar no celular. Ele avisa que irá trazer a janta, e peço para aumentar a quantidade, porque temos visita.

— Espera um pouco que a comida está chegando — digo, desligando o celular. Ela encosta as costas no sofá, se mostrando disposta a esperar. — Qual é a sua casa? — pergunto, olhando pela janela.

— A segunda do começo da rua.

Olho a residência de muro azul, e vejo tudo apagado.

— Seus pais já foram dormir? — pergunto conferindo a hora, e vendo que é tarde da noite.

— Ou... eles se mataram. Eu não saberia dizer. — Faz um dar de ombros.

— Brigam muito?

— Não como você e o seu namorado. Os meus pais tentam se matar, basicamente — diz com naturalidade, o que me deixa de testa franzida.

— Como ouve tudo o que acontece aqui, se estamos a uma rua inteira de distância, praticamente?

— Eu nunca estou em casa, fico na casinha do playground da pracinha aqui do lado. Também gosto de andar na sua calçada, para checar se os meus pais saíram e aqui é o melhor lugar para isso. Então, acabo...

— Entendi — interrompo. — Eles não se preocupam com você por aí, essa hora?

— Tenho praticamente dezesseis anos. — revira os olhos.

— O seu pai agride a sua mãe? — Ela bufa um riso.

— Ela que agride a casa. Não temos uma porta sequer funcionando, minha mãe quebra tudo... Ele só senta no sofá e aperta a cabeça, esperando o surto de ciúme dela passar. Quase não temos copos em casa, acredita? — Acho o comentário estranho da garota, mesmo assim, sorrio. — Eles passaram uma semana separados esse mês, mas voltaram. Tivemos uma semana de paz e agora, já voltaram ao normal — conta com naturalidade. — É, eles são bizarros — confirma ao parecer ler os meus pensamentos. — Sempre que vão transar, meu pai me manda comprar pão na padaria mais distante. Quando eu volto, estão feito dois idiotas.

— Sério? — pergunto, abismada. Ela confirma e dá uma boa olhada em volta da casa.

— Seu namorado é o homem mais lindo que já vi na minha vida — fala absolutamente do nada, e ensaio um sorriso, mas, na verdade, minha expressão é de choque com a velocidade dessa garota. — Estava chorando desesperadamente porque brigaram? — Coço o nariz com a boca entreaberta, sem reação e nego.

— Não. Por quê?

— Seria compreensível, mesmo que você seja muito bonita também. Seus olhos são cinzas, eu nunca vi algo assim pessoalmente — comenta como se não tivesse dito nada demais. — Você não tem família, amigos? Só ele vem te ver.

— Gosto de ficar sozinha.

— É, faz bastante isso... — Ela me olha de um jeito estranho. — Quer conversar sobre o motivo que te fez chorar?

— Na verdade, não. — Cruzo os braços sem jeito.

— Tudo bem não querer, ainda não somos amigas — diz para me tranquilizar, embora eu fique confusa com a expectativa dela de se tornar minha confidente. — Mas, por acaso seria muito cedo para perguntar algumas coisas pessoais?

— Tipo?

— Eu queria muito saber o que ele fez que te deixou tão... Você sabe. — Fico imediatamente vermelha. — Olha, tem um garoto que...

— Espera! — peço um pouco atordoada, juntando as mãos em oração em frente ao rosto. — Eu não sei se a sua mãe gostaria que tivesse essa conversa comigo.

— Ah, não! Ainda não rolou nada. — Ela sacode a cabeça e meus olhos se arregalam. — Mas com certeza vai. Estou ensinando ele a beijar, só preciso que aprenda a fazer o que o seu namorado faz e será perfeito. A primeira vez de uma garota deve ser inesquecível — idealiza, animada.

— Como é que você se chama mesmo?

— Alessia — pronuncia de um jeito doce. — Por favor, não confunda com Alexia, eu não aguento mais essa piada.

— Pode deixar. — Sorrio. — Eu me chamo Dalena.

— Nossa, que nome diferente.

— É... — coço a cabeça.

— Não vai sentar? — pergunta, com estranheza. Respiro fundo e me sento ao seu lado. — Então... será que podia conversar com o seu namorado para conversar com o carinha que estou ficando, porque os meus dezesseis anos estão chegando e... — Toca novamente no assunto.

— Não — interrompo, com um sorriso.

O barulho do carro de Dom encostando na frente da casa chama a nossa atenção. Alessia dá um risinho satisfeito e acho graça, enquanto vou abrir a porta para Dom entrar. Ao fazer isso, me deparo com ele trazendo comida para praticamente um batalhão.

— Essa é a nossa vizinha, Alessia — anuncio quando Dom entra e vê a garota sentada no sofá.

— O meu namorado se chama Dominic — digo a garota, que está com os olhos brilhando.

— Achei que fosse, "Dooooom" — diz o nome dele gemendo, e arregalo os meus olhos, enquanto ele se vira surpreso para a visita, depois de deixar a comida sobre o balcão.

— Ela que deixou o bilhete? — Ele me pergunta, e assinto, antes de me aproximar da bancada.

Ficamos olhando a garota sentada no sofá, com uma visível pergunta entre nós: "O que passa na cabeça dela?" Alessia cruza os braços e sorri de um jeito levado, talvez tenha se dado conta do quanto nos deixou confusos, o que não parece ser um incômodo para ela, e sim, algo divertido.

Jantamos com a nossa visita. Ela não tocou mais no assunto sobre a nossa vida sexual, nos contando somente algumas histórias constrangedoras de seus pais, isso parece explicar o motivo da garota ser um pouco fora da curva. Depois que Dom chegou, a vizinha se dedicou a ser menos precoce, e no fim, a sua presença foi bem divertida.

— Amei essas costelas! Não esquece de me convidar sempre que comprar — Alessia recomenda, com a sua voz se distanciando, enquanto Dom fecha a porta e me olha sorridente com o cenho franzido.

— Que maluquinha... — conclui, girando a chave na porta.

— E olha que você não sabe da missa, o terço — brinco, esperando Dom chegar até mim.

— Como você está? — pergunta, ajeitando os meus cabelos.

— Eu não saberia descrever em uma palavra, mas posso dizer que o meu peito não parou de doer desde que encontrei a minha mãe. — Ele expele o ar, angustiado.

— Tudo o que eu queria era te arrancar dali... — Dom me aperta em seus braços, e deito a minha cabeça em seu ombro. Ouvir a respiração dele me conforta.

Depois de uma noite infernal, consigo me sentir segura e amada. Sou grata por tê-lo aqui comigo neste momento tão devastador, da mesma forma que tive a felicidade de ter sua presença quando fugi de casa. Meu coração se acalma à medida que me permito receber seu apoio.

︻╦╤─


A semana se passa com Lourdes e Potira me atualizando sobre as constantes exigências de Otávio em falar comigo, até que ele simplesmente desistiu. O conflito entre as facções também foi encerrado, devido as interferências do governo do estado. Dom saiu no saldo positivo, já que conseguiu inibir todos os ataques sem inflamar o conflito, o que manteve o comando da polícia satisfeito.

O dia chegou, e o momento não poderia ser mais oportuno para me encontrar uma última vez com o senador. Eu não dei todos os detalhes a Dom por ter certeza que não se aguentaria e iria interferir no meu plano para executar Otávio. Ele também não sabe que o dia é hoje. Agora entendo a necessidade que tem de me proteger, porque estou fazendo o mesmo.

Confesso que com o passar dos últimos eventos e o distanciamento do impacto da primeira vez que ouvi de Torres o que o senador fazia para conquistar aliados, não me senti mais tão segura de que estou fazendo o certo. Embora a determinação de seguir à risca o que Caveirinha traçou, esteja ativo no meu cérebro, tenho a sensação de que não vou escapar.

— Estarei de volta na hora do almoço — avisa, pronto para sair, enquanto eu me espreguiço.

— Certo. Fica bem — digo, e nos beijamos.

Em alguns minutos, a porta da sala é trancada. Logo em seguida, ouço o carro de Dom se distanciar de casa e começo a colocar em prática o plano. Antes de sair, para não ser rastreada, deixo o meu telefone em casa, mas levo um aparelho novo que somente eu sei sobre ele.

Subo em um ônibus e, disfarçadamente, coloco uma peruca corte chanel, com fios acaju. Também tiro o longo vestido preto que estou usando, revelando uma calça jeans e camiseta. Sentada nas últimas cadeiras, escondida atrás dos bancos altos, sem ninguém por perto, faço tudo rapidamente, para ter tempo de descer na segunda parada.

Já fora do ônibus, vejo o transporte se afastar enquanto entro na universidade. Com uma certa distância, Antônio Carlos segue o veículo público sem se dar conta que não estou nele. Queria entender como ele tem tanto tempo livre. Respiro fundo ao ter conseguido cumprir a primeira etapa e sigo para o banheiro feminino que fica no setor de aquicultura. O curso foi transferido de lugar, porque o local passa por uma reforma, mas a obra está parada e nunca tem alguém por perto.

A universidade é um enorme complexo de prédios em meio a jardins, árvores e mato, muito mato. O lugar soma história de todos os tipos no mundo do crime: violência sexual, assalto, venda de drogas, atentado violento ao pudor, entre tantos outros. Por ser um local extremamente extenso, os espaços com praticamente zero movimento de pessoas, parecem um convite para quem está mal-intencionado como eu.

No banheiro, encontro a roupa de gari onde pedi para Caveirinha esconder entre a metralha. Com o traje na mão, continuo me perguntando se ele não vai me trair. Escolho confiar no seu medo de morrer, porque Dom me disse que mandou um recado para o laranja de Otávio na prisão, dizendo que irá matá-lo se algo me acontecer. Essa nem é uma promessa, é uma certeza.

Caveirinha nunca me contou nas nossas conversas sobre a tal ameaça de morte. Desconfio que seja para não demonstrar medo ou coisa do tipo, mas sei que ele recebeu o recado porque anda me chamando de "A dama dos morros". Se diz isso, é porque sabe que Dom e eu estamos juntos novamente, ou não arriscaria dizer que tenho alguma influência sobre Tia Ondina.

Vestida de gari, protegendo o meu rosto com um boné, caminho entre os fundos dos prédios da universidade evitando ser vista, até sair em outra avenida. Na parada vazia, pego outro ônibus e, pouco tempo depois, desço em uma rua residencial próxima ao Morro Grande.

Sigo para as dunas no final da rua, escondendo o meu rosto com a ajuda das abas laterais do boné, garantindo que nenhuma câmera das residências consiga me identificar. Quando me certifico que não sou vista por ninguém, passo entre a cerca de arame farpado, invadindo a reserva ambiental do Parque do Tatu. Seguindo as coordenadas de Caveirinha, encontro a mochila com a pistola PT 92,9mm. Ao checá-la, verifico que está como deveria, funcionando e com munição.

Em minha cabeça, um misto de pensamentos fazem o meu coração bater incerto. Desço a duna por entre a mata, protegendo o rosto de ser arranhado pelos braços cobertos com o fardamento de gari. Chego a um muro pintado com o mascote do time do AK 47 da mesma forma que me foi instruído.

Descalça para não marcar a parede e deixar indícios do calçado de gari ou dos meus, que vim usando por dentro da enorme bota de borracha, pulo o muro e encontro aberta a janela que Caveirinha mencionou em nossa conversa. Uso ela como porta de entrada para o Clube de Torcedores do AK 47 e encontro o local completamente vazio. Por todos os lugares, desenhos com a camisa nas cores preto e marrom do time decoram o que antes deveria ter sido uma casa.

No cômodo da entrada, não tem ninguém além de cadeiras de espera, inspeciono os outros para me certificar de que estou sozinha. Encontro um arquivo com as fichas dos membros associados ao clube e alguns poucos móveis. O lugar é iluminado somente pela luz do sol que atravessa as frestas das janelas venezianas.

Ouço o som do carro de Otávio encostar na frente do clube. Eu posiciono a pistola na minha mão e me escondo na copa, por trás de uma geladeira antiga. Meu coração palpita na minha garganta, fecho os olhos um instante e tento me controlar, concentrando o pensamento em Luzia, assim como nas garotas que não conheço e que são vítimas dele.

Esse monstro vai pagar.

A porta é aberta, em seguida se fecha num baque oco com o click do trinco. Os passos vindo de um sapato social, ecoam pelo lugar. Tenho absoluta certeza que é o senador. Sem denunciar a minha presença, aguardo ele vir até o fundo, o que não demora a acontecer, vejo-o passar por mim sem notar a minha presença.

— Otávio... — chamo com a arma em punho, pois quero que saiba o motivo pelo qual irá morrer e quem irá matá-lo. Quero dizer na sua cara que ele é um verme repulsivo.

— Aí está você — diz, e franzo o cenho ao assistir ele se virar. — Precisei ver pra crer. Quando Caveirinha me contou, eu só não esganei aquele imbecil com as minhas mãos, porque conversamos por telefone. — Sorri cinicamente, enquanto concluo que fui traída pelo meu comparsa, mas não me deixo abater, eu sabia que era uma possibilidade. Talvez esteja confiando que o senador irá protegê-lo de Dom. — Olha, você não está bem mesmo. A sua sorte... — Balança o dedo em riste na minha direção. — A sua sorte é que ainda vou colher os frutos do nosso amor, digamos assim, ou eu te mataria. — O sorriso que Otávio ostenta no começo da frase, some na última palavra.

— Eu que vou te matar, Otávio, mas antes, quero que saiba o motivo. — Cético, ele cruza os braços. — Eu descobri tudo e já cuidei de Josy. Agora, vou cuidar de você. — O senador sorri se divertindo de forma doentia.

— Foi você que plantou a droga para aquela coitada? Que amiga, heim?! — Bate palmas no ar. — Parabéns! Se eu desconfiasse das suas habilidades para o mundo do crime, teria usado durante o tempo que ficamos juntos, mas te achava um anjo. — Coloca as mãos nos bolsos e me olha com o rosto inclinado para o lado.

— Você pegou órfãs para servirem de escravas sexuais aos seus aliados? — pergunto tomada por nojo. — Melhor dizendo, por seus comparsas.

— Estão todas ilesas, iguais a você, ou eu não te dei casa e comida? — Minha cabeça pende um pouco para trás ao tentar tomar um pouco de ar. Minhas mãos estão trêmulas.

Monstro!

— Como você é nojento, Otávio — digo enojada.

— Agora eu sou nojento? — Sorri me atravessando com o seu olhar.

Minhas memórias ficam bagunçadas. Sandoval, Coalhada, a voz de Nina, Luzia, Otávio, tudo se mistura como se estivessem se unindo para me devorar. A voz da minha mãe ressoa no meu ouvido em súplica, enquanto tento me manter firme diante do senador.

Ele é um homem de bem!

Ele é um homem de bem!

Ele é um homem de bem!

— Como alguém preocupado com você, preciso te alertar: cresce, Dalena. Eu sei que a falta de um pai e uma mãe não te deixaram virar adulta. Você parece aquela criança de quando nos conhecemos, engolindo o choro para se fingir de forte. Agora, não tem graça, sabe? Mas antes, era um encanto te ver toda durinha, engrossando a voz para disfarçar que no fundo, era uma moleca sem ninguém. — Otávio ostenta um olhar nocivo.

— Eu só queria escapar de gente como você. — Enxugo a lágrima que escorre no meu rosto.

Eu preciso atirar, estou perdendo o foco.

— O que achou que você encontraria em uma casa de prostituição? — Ele se diverte.

— Homens que quisessem me pagar. Eu não sou burra.

— Ah, não... não é burra, é completamente ingênua, e achei que seria divertido ter uma garotinha assim à disposição. Eu queria experimentar algo novo. Admito que você foi superando as minhas expectativas. Enquanto morava em um cabaré, aprendia tudo o que deveria fazer para me agradar. Era satisfatório ver o seu esforço para manter o pão de cada dia. — Ouço tudo de uma forma tão ofensiva que as lágrimas começam a rolar pelo meu rosto.

Eu me sinto tonta, estou perdendo o foco.

— Você deveria receber o mesmo que Sandoval. É uma pena que será tão rápido — lamento, enquanto mantenho a pistola firme na direção do peito de Otávio. Ele ignora estar na mira de uma arma com total arrogância. Nem por um momento vejo o senador acreditar que irei matá-lo.

— É mesmo uma pena que cresceu revoltadinha comigo. Eu te dei tudo. É claro que você é a minha puta, só que podia ter fingido que não, eu merecia esse agrado. Se não fosse a minha bondade, no lugar da neta da vizinha, teria sido você. Imagina a experiência degradante ter aquele homem fedendo a peixe te possuindo, quando teve a mim...

— Você é um monstro, Otávio Primmaz. Um monstro...

— Não para você, pode querer me pintar de monstro o quanto quiser, mas não pode me acusar disso, pois nunca foi minha vítima. — Ele respira fundo. — Eu te tornei vereadora desta cidade e você cresceu os olhos, pensou que não precisava mais de mim — seu tom se eleva consideravelmente. — Te dei tudo e recebi um par de chifres acompanhado de um chute na bunda — diz num tom de indignação. — Te dei meu coração e recebo uma arma apontada para a minha cabeça! — berra.

— Você que cresceu os olhos quando me tornei vereadora! É cego pelo poder e é sim um monstro asqueroso! — grito de volta. — Eu tenho nojo de você!

— E você é uma vadia! — grita em alto e bom som. — Você é uma puta mesmo, sempre foi — Ele ri balançando o dedo em riste novamente.

— É, Otávio..., você só me teve, porque pagou — digo entre lágrimas.

— Não, Dalena..., não. Eu vou te comer até o dia que eu quiser, até restar só os seus ossos. Você é a porra da minha vadia. — Otávio se mostra um verdadeiro lunático. — Acabou a palhaçada, estou sem saco para mais um de seus joguinhos infantis.

— Tão infantil que você caiu feito um patinho na minha conversa fiada de terapia.

— Eu não caí, eu só deixei você jogar ao meu favor, porque a sua licença médica caiu como uma luva. Era só uma questão de te encontrar, agora vou te deixar em um lugar onde só terá contato comigo. A partir de hoje, vai fazer tudo o que eu quiser, vai aprender a ser obediente. — Ele estala os dedos e surge um garoto apontando a arma para a minha cabeça.

Ele usa uma bermuda e uma camiseta regata. Tão jovem, empunhando uma arma como se já estivesse no crime desde que nasceu. O cabelo escuro raspado tem um talho que se alinha a uma falha proposital na sobrancelha. O corpo é magro, a pele bronzeada e o olhar raivoso sintoniza com a boca franzida.

— Meu negócio não é com você garoto, meu negócio é com ele. — O rapaz mantém a mesma postura. — Eu posso até morrer aqui, Otávio, não tem nenhum problema, mas eu vou te levar junto — aviso.

Os olhos de Luzia invadem os meus pensamentos com uma força sobrenatural, todo o meu corpo para de tremer, meus sentimentos se esvaem. Fico tão fria e dura quanto um iceberg. Esse será o fim de Otávio, não importa se o garoto irá me matar, o senador não vai sair vivo daqui.

A hora chegou.

— Sabe o que é bom nisso tudo? Além de ter certeza que jamais atiraria em mim, é muito divertido lembrar que a ideia de fazer aliados com essas garotas veio de você. Qualquer um que tivesse a experiência de ter uma jovenzinha sob o seu poder, faria tudo o que eu quisesse, como um dia fui capaz de fazer tudo o que você quis — admite satisfeito.

— Tia! — O garoto me chama. — Caveirinha mandou dizer que está com a senhora.

Em um átomo de segundo, o meu dedo puxa o gatilho e acerta Otávio por duas vezes antes que possa escapar. Ele cai. Em passos rápidos vou ao seu encontro e aponto a arma no meio do seu peito, controlando a minha ira para não disparar mais vezes e descaracterizar uma execução.

— Agora me dê a arma e a roupa de gari, rápido. — o garoto pede, e saio de uma espécie de transe. Trêmula, atendo o seu pedido, enquanto ele continua a falar. — Caveirinha mandou dizer que primeiro, finja que tentou estancar o sangue e por último, ligue para uma ambulância. Faça isso rápido e diga à polícia que vocês vieram para uma reunião com o líder da comunidade para estudar a ideia de colocar um centro de acolhimento aqui. Ele vai confirmar tudo. — Um homem de meia idade, baixinho e corpulento, entra pela porta dos fundos seguindo para a entrada sem me olhar. — A senhora foi a única que viu o homem que efetuou os disparos, O amigo aí só chegou agora quando ouviu os tiros. Diga que o atirador foi um cara forte, usando boné.

Depois de tirar tudo, atenta a cada palavra num misto de adrenalina, tensão e medo, limpo as minhas digitais da arma, enquanto Otávio está estirado no chão. Entrego a pistola enrolada na farda de gari, com o meu corpo em uma espécie de convulsão, pois se debate internamente. Eu me sinto bem diferente de como me senti com Coalhada, não sei se dessa vez restará alguma força em mim para seguir. O garoto coloca tudo em uma mochila, tira os tênis para também não marcar a parede com seus sapatos, pula a janela e o muro, sumindo completamente das nossas vistas, como se nunca estivesse tido ali.

Ouço os passos do homem indo calmamente para a calçada, acredito que para dar satisfação aos curiosos que vão surgir. Eu caio sobre o corpo de Otávio para fazer exatamente o que o garoto falou, me sujando no sangue do senador e ligando para uma ambulância. Ao desligar a chamada, ele tosse, abre seus olhos devagar e me lança um sorriso suave.

— Eu vou estar pra sempre ligado a você, Dalena Rosa. Vou sobreviver dentro de você. — Otávio balbucia com dificuldade ao segurar a minha barriga, e agora fico gelada de outra forma. Não tem como isso que estou imaginando ter acontecido. — Sempre vai me dar o que eu quero de um jeito ou de outro. — Ele tenta gargalhar, mas não consegue.

— O que você fez, Otávio? — Sussurro com a voz falhando entre lágrimas, ouvindo um burburinho na frente da casa.

— Eu sempre... estou um passo à sua frente. Meu advogado vai te procurar... — A voz de Otávio é cada vez mais fraca e cansada. Tosse um pouco e continua: — Nada disso importa... você é minha... — diz em suas últimas palavras, enquanto seus olhos descansam e o sorriso em seus lábios se desmancham.

Ele só quis mexer com minha cabeça, não tem como eu estar grávida.

Permaneço prostrada ao lado de Otávio. Ouço pessoas se acumulando na entrada do clube, alguns entram e exclamam coisas óbvias, como "É mesmo o senador!", "Ele está morto!", "A ambulância não leva quando tá morto", "Aí, é com o Instituto Técnico Legal. Eles demoram quando morre um aqui, mas sendo um senador, vão chegar ligeiro."

Ele só quis mexer com minha cabeça, não tem como eu estar grávida.

Algumas mãos pressionam os meus ombros, enquanto eu choro atordoada segurando a mão de Otávio em minha barriga. Os sentimentos mais conflituosos passam pelo meu peito, raiva, nojo, dúvida, tudo coexiste dentro de mim de forma brutal. Parece que nunca vou me livrar do sangue que carrego em minhas mãos — Coalhada, Pampa, Sandoval, Otávio — ou dos traumas em que estou aprisionada.

Ele só quis mexer com minha cabeça, não tem como eu estar grávida.

Em desespero, encaro o cadáver do homem que foi uma presença emblemática na minha vida. Cheguei tão perto de acreditar em suas mentiras e na ilusão que ele criou de si mesmo, com tudo o que representava. Jaz sob minhas mãos o político farsante, que se dizia merecedor do meu amor, quando no fundo, era um criminoso sem escrúpulos e manipulador.

Ele só quis mexer com minha cabeça, não tem como eu estar grávida.

Quando ninguém está assistindo, cuspo na cara de Otávio e me levanto ainda trêmula, limpando o meu DNA, para que o legista não questione a minha saliva misturada ao seu sangue. Talvez eu esteja extremamente paranóica, mas prefiro não arriscar. Conforme a polícia me aborda e as pessoas se acumulam à minha volta, além do corpo do senador atrás de mim, eu passo a sufocar de tal maneira que entro em choque.

A minha mente e o meu corpo parecem estar em um abalo sísmico.

Ele só quis mexer com minha cabeça, não tem como eu estar grávida.

A ambulância que seria para socorrer Otávio, serve somente para me amparar. Alguém da equipe médica me leva para o fundo da unidade móvel do SAMU. Enquanto a assassina recebe os cuidados, o Instituto Médico Legal sai do clube levando o corpo dentro de uma caixa de metal, enferrujada em alguns cantos. O senador é carregado como um saco de carne podre.

Ele só quis mexer com minha cabeça, não tem como eu estar grávida.

Sou deitada na maca dentro da ambulância, alguém pergunta o meu convênio médico, não consigo responder, a minha boca está travada, minhas mãos estão travadas, meu corpo sacoleja. O rapaz afaga o meu cabelo, aperta o meu braço com sua mão enluvada no latex e sinto a picada da agulha. Encaro o rosto bondoso com o olhar de pânico.

Ele só quis mexer com minha cabeça, não tem como eu estar grávida.

— O remédio faz efeito rápido, a senhora vai adormecer, mas não fica preocupada, vamos dar um jeito — diz para me tranquilizar. — Tá vendo só, Robério, se nem um senador os caras tem medo de matar, imagina um de nós — o enfermeiro comenta com o motorista. — Não sei como não mataram ela também, como queima de arquivo. — Ouço a voz ficando distante, até que apago completamente

︻╦╤─


Abro os olhos com dificuldades me sentindo letárgica. A claridade excessiva acima do meu rosto incomoda os meus olhos. Custo a identificar onde estou. O quarto do hospital está repleto de flores, mas não vejo ninguém ao meu lado. As lembranças do que aconteceu, surgem tímidas, como um pesadelo distante, um momento fora da realidade.

Será que aconteceu?

A voz na televisão chama a minha atenção ao mencionar o nome de Otávio, tento me concentrar no que é dito, forçando a minha audição a despertar.

O senador Otávio Primmaz, foi morto no dia de ontem dentro do clube de torcedores do time do AK 47. O tráfico do Morro Grande assumiu a autoria. Investigações estão sendo feitas para descobrir qual era a ligação do representante de Belo Rio no senado com a organização criminosa.

Na ocasião, o senador estava acompanhado da ex-companheira e também vereadora, Dalena Rosa de Oliveira. A parlamentar não sofreu ferimentos, mas encontra-se internada no Hospital Vida & Saúde, devido ao choque com a morte do ex-companheiro.

Semana passada, fizemos uma entrevista com o parlamentar assassinado com dois tiros no peito, um sinal claro de execução. Transmitiremos agora as imagens inéditas, acompanhe.

A âncora do jornal BR segunda edição some e Otávio surge no vídeo ao lado de uma repórter na sala de sua casa. Ele parece tão vivo, ao mesmo tempo que parece tão morto. Está usando uma roupa mais despojada, mas sem nunca abandonar o seu jeito comunicativo.

— Estamos aqui com o senador Otávio Primmaz para conversar um pouco sobre quem é o homem por trás do político. — A jornalista anuncia, e ele sorri. — Senador, o senhor começou na carreira política como um jovem estudante que alcançou o cargo de vereador. Hoje, é um parlamentar federal. Com certeza, podemos dizer que no trabalho já conquistou o sucesso. Mas na vida pessoal, o que ainda te falta?

— Um filho — responde assertivo, abrindo um sorriso que, provavelmente, é o mais verdadeiro que vi em seu rosto.

Então está em busca de um amor para formar uma família, já que está solteiro nesse momento?

Solteiro não por opção, o meu coração há muitos anos foi ocupado pela mulher da minha vida. Ela foi e sempre será a única que amo.

O senhor está falando da vereadora Dalena Rosa? — Ele faz cara de homem apaixonado, e o meu estômago se revira. — Acha que ela será capaz de perdoar uma traição?

Tudo foi um grande mal-entendido que estamos resolvendo. É normal um casal brigar. Os nossos planos são casamento e um filho, quando isso acontecer, poderei dizer que estou realizado na minha vida pessoal.

O que na vereadora te conquistou?

Muitas coisas... De cara, a beleza dela, mas principalmente por ter se empenhado tanto em me conquistar no início de um jeito inocente. Agora, se tornou uma mulher desafiante. Eu gosto de acompanhar essa evolução. Acredito que a convivência com um político despertou isso nela e se tornou inevitável não se inspirar na minha luta por um país mais justo.

Desligo a televisão ao pegar o controle ao lado da cama com a respiração ofegante.

Ele só quis mexer com minha cabeça, não tem como eu estar grávida.

A porta é aberta, por trás dela, duas pessoas conversam moderando o tom para não falarem alto. Antônio Carlos e Henriqueta entram no quarto com sorrisos abobalhados, cada um segurando um copo de café, imagino que não seria o tipo de cena que Potira gostaria de assistir. Quando me veem acordada, se apressam em vir para o meu lado. Respiro fundo para não me mostrar abalada, mas confesso que ver os dois me ajuda a ficar mais calma de certa forma.

— Você não imagina como estou aliviada por estar bem. — Ansiosa, Henriqueta larga o copo de café na mão de Antônio Carlos. — O que aconteceu, o que estava fazendo com Otávio? — pergunta aflita.

— Ele queria levar a ideia do centro para o Morro Grande e eu não pude deixar de ir. Sabe como o projeto é importante para mim — justifico, seguindo as orientações de Caveirinha, enquanto Antônio Carlos me assiste em silêncio. Henriqueta não tem a menor ideia do meu plano e não conseguirá suspeitar do real motivo de eu estar andando ao lado de Otávio.

— Acha que ele realmente tinha essa intenção? — ela duvida do senador.

— Não chegamos a entrar em detalhes. A maior parte do tempo, no caminho para o clube, Otávio só conversou sobre nós dois. Depois que chegamos, foi tudo muito rápido — conto mais uma mentira, fazendo o possível para soar convincente. — Já sabem quem foi? — pergunto, realmente preocupada.

— O tal Caveirinha, que comanda o tráfico de lá. Ele assumiu a autoria — Henriqueta se encarrega de responder. O marinheiro deixa por minha conta manter a conversa e continua calado.

— Sério? — pergunto sem precisar fingir surpresa, porque de fato estou por ele ter cumprido a sua parte, mesmo depois de ter alertado Otávio. Não consigo entender o motivo das alterações que fez no nosso plano ou como conseguiu se livrar do segurança Marlon.

— Sério. As especulações sobre as ligações entre os dois estão bombando. Várias matérias foram propostas para virar capa do Diário, só que o tempo todo estão sendo barradas por influência dos manda-chuvas. Tem muita gente com medo dessa história — comenta, arqueando uma sobrancelha.

— Mas e o líder da comunidade? Ele entrou no clube depois de ouvir os tiros.

— O homem não abre o bico por nada nesse mundo para falar o que viu. Deve estar com medo de uma represália. Não colaborou de forma alguma com a polícia — informa sobre a situação da investigação

— Ele mora no morro e sabe onde o sapato aperta — avalio.

— Verdade. Você chegou a ver o cara que atirou?

— Como disse, foi tudo muito rápido — respondo. — Também não vou conseguir ajudar muito a investigação.

— A polícia agora vai ficar em cima do rastro do atirador, já que Caveirinha está preso e não podem fazer muita coisa — ela pondera.

— Dalena... — Antônio Carlos se aproxima cortando a conversa. Nem tenho dúvidas que está aqui a mando de Dom. — Lourdes passou a noite ao seu lado e com muita insistência minha, aceitou ir descansar. Eu fiquei como seu acompanhante — avisa.

— Obrigada, marinheiro. Você é um bom amigo — agradeço

— Sabe que não precisa agradecer — diz, gentil. — Fico feliz em ajudar nessas horas. Você passou por um baita susto, não deve estar sendo fácil viver isso. O senador foi seu companheiro por um bom tempo — observa. Imagino que para me dar uma folga do papo com a jornalista.

— Ainda não consigo acreditar — digo, sabendo que não é mentira. — Uma hora estávamos conversando e na outra...

— Mas tenho certeza que para ter sido morto pelo tráfico, bom sujeito não era. Vai ver, foi até justiça divina — Henriqueta diz, e sinto que está pensando no tráfico de menores. Ela parece bem satisfeita com o fim de Otávio. — Eu preciso ir, já que o horário de visita se encerrou — anuncia, olhando o celular. — Para mim, o que importa é não ter ocorrido um dano lateral com você. Se precisar de qualquer coisa, é só falar, viu? Fica bem... — deseja de uma forma afetuosa. Agradeço, segurando firme em sua mão, e ela vai embora, trocando olhares prolongados com Antônio Carlos, o que me deixa confusa.

— O que foi isso, marinheiro? — pergunto quanto a porta do quarto se fecha e ele me responde com um sorriso largo. Espero que Potira não se machuque.

Logo, ele se aproxima da cama e me olha com um certo brilho em suas íris castanhas. Não imagino o que esteja pensando, embora pareça satisfeito, eu só não saberia dizer se é comigo ou com algo que ficou no ar entre ele e Henriqueta. Evito perguntar, porque nenhuma das opções me parecem algo que eu queira debater no momento. Parecendo notar minha indisposição, o marinheiro vai no ponto que me interessa:

— Dom está muito preocupado, te mandou essas flores para que soubesse o quanto gostaria de estar aqui. — Olho os buquês espalhados pelo quarto notando pela primeira vez que estão ali. Se ele soubesse do devaneio de Otávio com flores, é provável que teria escolhido outra forma de demonstrar o seu carinho. — Foi bem difícil convencer ele a se manter afastado — conta. Sorrio afetuosamente e aperto a sua mão. — Quer falar com ele agora, posso ligar?

— Não, agora não... — Infelizmente, por mais que eu queira, falar com Dom por telefone não parece uma boa ideia. Espero que o susto que tomou seja o suficiente para ele não me matar por ter escondido parte do plano. Estamos em um momento de contar tudo um para o outro e o deixei de fora do principal. Torço para que engula melhor que eu a desculpa de que foi para o proteger. — Sabe se fizeram exames de sangue em mim?

— Não, só administraram o soro e o calmante que te deram na ambulância. Por que, precisa de um?

— Eu não preciso, só queria saber. Pode chamar o médico e pedir a minha liberação? Eu me sinto bem, também não quero deixar seu amigo preocupado me esperando.

— Claro. Antes, preciso dizer que limpei suas mãos com álcool. Se a polícia fizer um exame de pólvora, não será mais detectado. Dom mandou roupas limpas e já lavou as outras, Lourdes te trocou com a ajuda da enfermeira. Caso seja questionada sobre as peças, é só dizer que ninguém imaginou que seria prova ou coisa do tipo. Mas, de qualquer forma, não impede a detecção de sangue no tecido e essas coisas. Foi mais para dificultar — Antônio Carlos informa.

— Eu te conheço tão pouco e já te devo tanto. Dom te nomeou o meu anjo da guarda. Ele não poderia ter escolhido melhor. Obrigada, acho que agora você pode seguir a sua vida sem precisar correr atrás de mim pela cidade. — Sorrimos um pouco.

— Não me deve nada. Dom é meu irmão, então posso dizer que somos família. E sabe como é: família é pra isso mesmo. — Sorri mais uma vez. — Eu só quero dizer que a alegria dos dois, é minha também. Eu torci muito para que tudo se resolvesse. Acho que esse momento chegou.

— Acho que sim — concordo.

— Vou chamar o médico agora — segura a minha mão com carinho, deixa um beijo e sai.

Sozinha novamente no quarto, encaro a minha barriga avaliando a possibilidade. Otávio sempre me mandou a um ginecologista amigo seu. Desde que começamos a ter relações sexuais, ele optou pelo anticoncepcional injetável. O próprio senador aplicava as doses e fazia isso para garantir que eu não engravidasse propositalmente. Será que adulterou a medicação?

O médico entra poucos instantes depois.

— Está se sentindo melhor, doutora Dalena?

— Sim, respondo.

— Certo. Vou deixar a prescrição de um calmante com o seu acompanhante. Se houver necessidade, já terá a receita em mãos. — Assinto. — A senhorita Nina irá remover rapidinho o acesso na sua veia e você pode ir para casa. — O nome da enfermeira imediatamente me fez lembrar da garota no banheiro.

A jovem mulher se aproxima com um sorriso cordial, trazendo uma bandeja, que ao colocar ao meu lado, tenho a minha atenção atraída pela tatuagem de uma fênix em seu pulso. Fico ansiosa para descobrir se essa Nina é a mesma de anos atrás, eu sempre quis saber como ela estava.

— A sua tatuagem é muito bonita. Tem algum significado? — eu me arrisco em perguntar.

— Ah! É que eu vejo a vida como ciclos. Alguns nos levam a virar cinzas, mas temos o incrível poder de nos regenerar e renascer como uma fênix, principalmente nós mulheres. É ou não é? — Ela me olha com gentileza.

— É — concordo sorrindo, ela retribui.

— Essa tatuagem é para me lembrar disso. Eu acredito que o mal que vivemos, uma hora vira pó. Depois, podemos renascer, reluzir em chamas outra vez e deixar a poeira para o vento levar — reflete, avaliando o restinho do soro que desce para a minha veia. — O coração é um santuário divino e nele só devemos guardar os presentes de Deus. Não acha? — pergunta, risonha.

— Acho — respondo sorrindo novamente. — Apesar que quando viramos cinza, é difícil imaginar um novo começo. — Ela me olha atentamente, como se enxergasse todos os lugares da minha alma.

— Sabe, há uns anos um homem me violentou. — O meu coração dá um pulo dentro do peito. — Eu precisei encarar tantas consequências, que parecia que o crime tinha sido cometido por mim. Uma das consequências foi uma gravidez.

— Você engravidou dele... — sussurro as palavras, e ela me olha compassiva.

— Sim, e isso me trouxe muitas questões: abortar ou não abortar? Dar para a adoção ou não? Enquanto tudo martelava na minha cabeça, eu tive depressão, estresse pós-traumático e mais uma relação de problemas que se te contar, você não recebe a sua alta. — brinca com um sabor amargo. O meu rosto passa a arder, tanto quanto os meus olhos. É ela, a garota do banheiro, a Nina. — Acabei indo morar com a minha avó, ela lutou ao meu lado a cada minuto para eu me reerguer, porque a minha mãe também ficou com depressão e o meu pai, não sabia o que fazer. O tempo passou, fiz um tratamento psicológico, consegui estudar, trabalhar, voltei para a capital e o meu filho é o grande amor da minha vida — conta, parecendo alguém leve. — Um dos presentes que recebi de Deus e guardo no meu coração. Ele ocupou todo o espaço da dor que me matava. Dá para acreditar? — pergunta, e dou um sorriso emocionado.

— Ele sabe do pai? — pergunto com a voz falhando.

— Nunca — diz assertiva sem titubear.

— O que você diz?

— Eu digo a ele que sou os dois, porque tenho um super poder. Pai, só o do céu — Ela sorri. — Quando for um pouco maior, eu conto que foi um caso de uma noite e que não sei quem é o genitor dele. Jamais vou revelar que nasceu de um estupro. Para o bem ou para o mal o infeliz morreu. Só em saber que eu ando por aí e não corro o risco de o encontrar ou dele vir atrás do meu filho, é uma benção. Graças a Deus que achou o caminho do cemitério, porque, talvez, eu nem estivesse viva para contar a história. — Respira fundo e se concentra em remover o acesso.

— Fico feliz que esteja bem depois de tudo. — Coloco a minha mão em cima da sua.

— Desculpa dizer essas coisas. Eu falo porque tem pessoas que passam por algo assim e tem medo de falar, tem vergonha... Às vezes nem se enxerga como vítima, enquanto carrega sozinha o trauma pelo resto da vida envenenando o coração. Eu sou a prova viva de que uma hora, a vida melhora de novo, de que é possível superar. Terapia e fé me curaram. É como um testemunho, sabe? — Nina me sorri carinhosa. — Você é a vereadora de Tia Ondina, não é?

— Sou sim — respondo satisfeita.

— A minha família morou lá. Conheço um pouco sobre você, depois que se candidatou, ficou famosa. — Sorri, simpática. — Se brincar, já até nos esbarramos nas ruas do morro.

— Seu rosto não me é estranho — falo, sorridente.

— Da minha turma, você não era — diz, assertiva. — Eu fui muito amiga da Paty, conhece?

— Só de vista.

— Ih, menina, então éramos da mesma escola. — Nina bate a palma da mão no quadril enquanto pressiona o algodão no lugar em que estava o acesso do soro.

— Na escola, a gente acaba tão focado num mesmo grupo que, às vezes, deixa de conhecer outras pessoas.

— Verdade — concorda, arrumando tudo em sua bandeja. — Está oficialmente liberada! — avisa empolgada e me ajuda a levantar da cama.

— Nina.

— Oi?

— Posso te dar um abraço?

— Claro...

— Você me deu uma lição que jamais irei esquecer. Obrigada — digo segurando as suas mãos e a abraço. Quando nos afastamos, ficamos emocionadas. Ela conhece as minhas cicatrizes e eu as dela. — É... eu vou deixar essas flores aqui. Leva umas para a sua avó e para você. O que sobrar, divide com as suas colegas aqui do hospital. Quero pegar apenas os cartões — aviso, recolhendo dos buquês os pequenos envelopes.

— Nossa, obrigada, a minha avoozinha vai amar — agradece, olhando as flores.

— Como ela se chama?

— Dulce.

— Com esse coração, só podia ter um nome doce. Dê um abraço em sua avó por mim.

— Dou sim, pode deixar — fala, emocionada. Ela parece sentir que estamos conectadas, mesmo sem saber que eu senti a sua dor e, hoje, me liberto dela ao ver que renasceu, que é alguém feliz.

— E, ó... — falo, chamando a sua atenção quando já está indo embora. — Foi um prazer imenso te conhecer — digo depois que se vira.

— Digo o mesmo, doutora.

Antônio Carlos entra no quarto, enquanto Nina sai sorridente.

— Já podemos ir?

— Sim — respondo, ainda emocionada.

Assim que saio do hospital acompanhada por Antônio Carlos, pensando em Nina, e acima de tudo, feliz ao ver que ela está bem, que conseguiu superar toda a tragédia que passou, ele para o seu carro duas ruas depois. Olho curiosa para o marinheiro, que se limita a me apontar para a frente. Dom desce da sua Range Rover parecendo desesperado.

— Ele não conseguiu esperar você em casa — comenta.

Abro a porta e vou ao encontro do dono do meu coração. Sou acolhida em seu braços, Dom me aperta tanto quanto pode, ficando até difícil de respirar. Quando lembro que posso estar grávida de Otávio, não seguro as lágrimas, ele também está emocionado. Ao juntar tudo o que tem me acontecido, fica difícil enxergar que sou capaz de renascer, como Nina disse a pouco.

— Por que foi sem me dizer nada, Dalena? Por que faz essas coisas comigo? — pergunta, aflito.

— Agora, já aconteceu, Dom... vamos deixar isso para trás, por favor — peço. Ele me olha por um instante, parecendo entender que não precisamos mais nos desgastar com nada do que passou. Finalmente, talvez possamos ser felizes, como Antônio Carlos falou.

— Está bem, vamos para casa — concorda e saímos dali.

O meu futuro ainda se mostra incerto. Eu cheguei a pensar que a minha vida terminaria com Otávio, mas ganhei um novo dia e a prova de que existe espaço para viver coisas melhores, apesar de todo o mal. Tenho a sensação de que as sombras continuam dançando ao meu redor, além de ficar atormentada com a incerteza que o senador me deixou. Há mais de 24 horas que ele não está respirando e mesmo assim, não morreu.


|NOTA DA AUTORA|


Uow!! Dalena foi até as últimas com Otávio mesmo!! E sei que tem leitor que desconfiava se ela realmente conseguiria por toda a história que viveram. Alguém mais duvidava e se surpreendeu?

Apesar de ainda não ser o capítulo final, foi um momento decisivo. O que acharam?

Ah, Dalena está mesmo grávida de Otávio, ele sairá triunfante?  Como Dom irá reagir se essa gravidez se confirmar?

E o reencontro com Nina? 

Domingo temos o penúltimo capítulo. Fiquem atentos, ainda tem muita surpresa nessa história!!  ✿◕‿◕✿


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