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▓ CAPÍTULO QUATORZE ▓




Tudo certo... só estamos na cama praticamente abraçados com Branca se espremendo em nossos pés. Como vim parar aqui, eu não sei, mas não vou criar um bicho de sete cabeças, pois dormimos completamente vestidos com uma leoa de estimação de guarda. O único mal intencionado aqui é o meu coração, que suspira como uma mocinha apaixonada.

Embora eu não tenha bebido ontem, a sensação que ficou nas minhas lembranças é de que eu estava fora da minha realidade. Para falar a verdade, talvez, se eu tivesse bebido, não estaria vestida agora e teria deixado a fã louca dentro de mim assumir o controle da situação.

Estou face a face com Dom, naquelas situações que ficamos imóveis para fazer o tempo durar um pouco mais. Minha mão descansa sobre o seu pescoço, e a dele em minha cintura. Por baixo dos meus dedos, sinto algumas das veias dele pulsarem. Confesso que tenho uma enorme vontade de explorar a sua pele, mas a minha coragem é insuficiente para o tocar como eu gostaria. Permaneço na minha calma fingida, vivendo uma das minhas fantasias.

Será que eu poderia acabar tudo com Otávio e me jogar nos braços de Dom? Eu mudaria toda a minha vida para investir de verdade na nossa história, sabendo que pode ser preso a qualquer momento, ou pior, morto a qualquer momento? Obviamente, o senador também me expõe a essas questões, o fato é que um político corrupto não corre o mesmo risco que um criminoso comum e também não tem o mesmo peso para no meu coração. Por instante, finjo que podemos ser um casal. Meu peito se aquece com a paixão que sinto por ele, enquanto o meu estômago se contorce de medo.

Dom dá sinais que está prestes a despertar. Rapidamente, fecho os meus olhos e recolho a minha mão, apertando-a contra o meu peito em punho fechado. Faço um esforço gigante para me manter séria, tentando controlar a imensa vontade que tenho de sorrir. Em vez disso, me concentro no seu cheiro que perfuma o travesseiro onde descanso minha cabeça.

Por um bom tempo, Dom não se move, tornando mais difícil a vontade de conter o sorriso. Então, começo a fingir que estou despertando antes que não consiga mais manter minha farsa. Estico o meu corpo, bocejando e abrindo os olhos devagar, disfarçando que já estava acordada. Quando finalmente termino a minha atuação, encontro-o de olhos fechados, fingindo que está dormindo.

Tento sair da cama antes que uma gargalhada exploda na minha garganta, mas não consigo escapar da mão de Dom. Ele aperta a minha cintura, enlaçando o seu braço envolta e me puxa para si, ainda com os seus olhos fechados, fazendo a risada presa em mim, fugir completamente.

— O que é isso? — pergunto entre risos, e Dom deve achar pouco prender somente a minha cintura, pois prende também as minhas pernas nas suas.

— Fica mais um pouco, ainda está cedo — pede com seu rosto agora bem mais próximo do meu, tão próximo que posso ver cada detalhe da textura da sua pele.

— Dom, eu não posso ficar assim desse jeito com você — apelo para a consciência dele, porque a minha está fora do ar.

— Finge que pode, esquece o resto por um instante — insiste, e meu corpo atende, contrastando com o meu olhar apreensivo. — Bom dia! — diz e deixa um beijo furtivo no canto da minha boca.

Fico muda, congelando qualquer resposta que meu corpo deseja dar, permanecendo imóvel feito uma pedra. Meus olhos dão piscadas involuntárias, enquanto engulo a minha saliva produzida pela expectativa de sentir seus lábios completamente nos meus. Qualquer pequeno movimento pode ser uma mera desculpa para acatar a imensa vontade de ser feliz em seus braços, e tenho certeza de que este é um caminho sem volta.

Os dedos de Dom pressionam mais a minha cintura, e minha pele queima como nunca antes. É intrigante como o maior órgão do corpo, que reveste toda estrutura humana, se acende completamente a um simples toque, envolvendo cada pedaço deste tecido orgânico em uma emoção sensorial intensa, vinda de um sentimento guardado desde a adolescência.

Branca dorme tranquila no frio congelante do ar condicionado, que somente ela e Dom aguentam, enquanto eu não me atrevo a sair debaixo do edredom. Ele não tira os olhos de mim, mantendo esse estado de contemplação que costuma ficar quando estamos juntos. Isso sempre me deixa em uma alegre aflição, saboreando a atmosfera de um doce sonho.

— Todo esse tempo sem poder ficar ao seu lado, me fez sentir como se esse dia nunca fosse chegar, mas ter você aqui me dá a impressão de que foi só um instante; o espaço de um respiro a outro... — Dom sussurra sobre o meu rosto como se os meus lábios fossem o meu ouvido. — Todas as vezes que fiquei triste pensando em você ou que tentei te esquecer, agora parece que nunca existiram. — Ele franze o cenho ao firmar os olhos nos meus, e eu consigo perceber o quanto estranha o que sente por mim.

Dom não afasta o seu rosto, provocando um incêndio sem proporções no meu estômago a cada segundo que fica tão próximo. Movendo a cabeça lentamente, ele cola os lábios nos meus sem pressioná-los, e ainda mais sutilmente, prova o meu sabor com o cuidado de quem se aproxima de um passarinho.

Na medida que me dá tão pouco, provoca o desejo que eu mantenho passivamente preso em uma camisa de força, tentando segurar toda a minha ânsia por consumir Dom. Saboreio a conta gotas o minucioso e mirrado beijo ardente, esperando vergonhosamente que não acabe nunca.

O indicador de Dom afasta uma mecha do meu cabelo que se coloca entre nossas bocas, depois vagueia pelo meu rosto buscando apaziguar uma possível rejeição. Ao mesmo tempo, ele volta a roubar alguns pequenos beijos, me rendendo com os seus truques amistosos, parecendo querer adestrar um animal que já é treinado. Ele nem imagina que não precisa me conquistar.

— Eu juro que estou me controlando — lamenta como quem justifica o seu crime, e lhe dou um sorriso sério.

— Isso não foi um beijo de criança — avalio num tom ameno, apesar de ser uma advertência, sentindo uma fogueira me queimar por dentro.

— Posso te dar um agora.

Sua mão segura firme em meu pescoço quando cola os lábios nos meus inesperadamente, pressionando com a força que até agora ignorou por completo. Vendo que não reajo, me solta tão abruptamente quanto agarrou, interrompendo o início de um ato que parecia irrefreável.

— Olha... eu preciso ir, Dom. — Respiro fundo e desvio o olhar do dele, para evitar que eu me perca novamente em seus encantos.

— Tiquinho está te esperando para o café da manhã — lembra-me, apontando com a cabeça em direção à cozinha onde o aroma de café fresco vinha pairando no ar.

— Ele vai me desculpar. — Eu me sento na cama com um sobressalto despertando Branca, e olho ao redor, como se procurasse algo que me desse forças para ir embora. Depois de uma pausa, volto a me dirigir a Dom. — Eu não posso ficar aqui, nem voltar outras vezes. Por favor, diga a Tiquinho que sinto muito.

Dom se levanta e estende a mão para me ajudar a levantar. Com um sorriso gentil, ele se aproxima e me envolve em um abraço reconfortante, transmitindo a sensação de que tudo estava bem.

— Calma, não precisa correr, eu vou te deixar lá no seu carro. — É tão gostoso ouvir a voz dele assim que acorda e sentir o seu peito quente em meu rosto.

— Não, eu chamo um motorista pelo aplicativo. — Eu me solto dos seus braços.

— Dalena... — Dom respira fundo ao colocar as mãos na cintura. — Desculpa se ficou aborrecida com o beijo, mas não é como se eu tivesse arrancado um pedaço. Juro que tomei todo o cuidado para isso não acontecer. — Faz um mea culpa deslavado e lanço para ele um olhar interrogador, que o deixa na defensiva. — Ele nem vai saber — justifica num sussurro ao se aproximar novamente e colocar uma mecha do meu cabelo desgrenhado atrás da orelha.

— Eu não vou viver uma vida dupla, Dom, não tenho cabeça para isso. Também preciso pensar em mim no momento, e você não ajuda — reclamo passando as mãos pelos meus cabelos, para arrumá-los um pouco.

— E como eu ajudo? — pergunta, enquanto me sento na cama para calçar as botas.

— Sumindo de novo — afirmo, evitando olhar em seus olhos.

Dom coça a cabeça e me olha inclinando o rosto para o lado.

— O que esse cara te prometeu? Porque é óbvio que não tem amor por ele. Ainda é a história do centro? — Lembro que não contei sobre Otávio ter agilizado tudo, faltou um espaço para tocar no assunto entre tantos outros e agora também não é um bom momento. Ele não faz a menor questão desse projeto, assim como, claramente, não me trouxe aqui para dizer que está tudo bem eu colocar o estado nos seus domínios.

— Temos algo construído, . São muitos anos juntos — disfarço com a pior mentira que poderia contar. Foi uma tentativa desesperada de cortar essa fantasia de uma vez.

Dom parece se magoar com o que ouve e me sinto péssima, eu fui uma idiota mesmo. Levanto da cama, pego a minha jaqueta e a bolsa que deixei sobre o aparador.

— Vamos — chama de um jeito seco ao passar por mim endurecido.

— Está chateado... — avalio, sabendo que o que falei a pouco não será esquecido tão facilmente.

— Não tem importância — diz com extrema rispidez abrindo a porta do seu quarto.

— Ótimo — rebato irritada, sabendo que é melhor assim. Saio com uma imensa vontade de chorar se acumulando no meu peito, mas não demonstro, porque nisso eu tenho experiência para disfarçar bem. — Não precisa me levar até a porta, eu sei o caminho — digo indo embora em seguida. Dom me ignora, pois me segue até a porta da sua casa.

Pego o meu celular na bolsa e abro o aplicativo para solicitar um carro, porém sou interrompida antes de concluir a solicitação, Dom tira o aparelho dos meus dedos para me impedir. Aperto a jaqueta que eu seguro entre os meus braços, tentando me manter firme.

— Eu te levo. — Sua voz sai como se estivesse sendo estrangulada pelo peso do que falei, mas deixando claro que não era uma opção eu recusar mais.

Ele devolve o celular, e acabo muda diante da sua expressão dolorosa. Entramos no seu carro, deixando em poucos minutos o condomínio de luxo para trás. Uma experiência doce, que termina com um sabor amargo, perturbando a minha mente por ser somente uma lembrança de agora em diante , como foi um dia, e nada mais.

Durante o trajeto, evito olhar para Dom, já ele não parece tão inflexível quanto eu gostaria, mesmo que seja notável o seu desgosto. Depois de entrar na Ponta dos Golfinhos, encosta ao lado do meu carro e nos comunicamos sem palavras, com olhares fugazes e apreensivos. Suspiro pesadamente, não sei o que fazer nessa situação.

— Só me dá um tempo, bom? — Eu falo finalmente. — Prometo ligar quando meus pensamentos estiverem menos bagunçados. A chamada perdida no aparelho é sua?

— É.

— Eu vou indo então — aviso sem ter vontade de ir embora com um clima tão pesado entre nós.

— Eu queria que esses benditos anos tivessem sido meus. — Dom fala, me lançando um olhar machucado. — E ver que talvez eu não tenha mais do que tivemos nas últimas horas... — Ele fecha os seus olhos por um instante e se cala. — Não importa... só acho que não deveria estar com ele.

"É, eu sei, Dom" ecoa nos meus pensamentos.

Gostaria de poder desmentir o absurdo que falei. Queria poder dizer que concordava com tudo, até mesmo com o que não foi dito. Mas, no momento, minhas necessidades são maiores que o amor e qualquer outra coisa. Agora eu consigo enxergar.

O Sol paira no céu azul, deixando o mar brilhante na superfície das suas águas profundas. O som das ondas fazem um chiado seguido de um baque quando quebram nas pedras. É um dia perfeito para se deitar na praia por um bom tempo e deixar a pele dourar.

— A gente se fala — me despeço e saio do carro. Simplesmente não podia continuar ali, eu não tenho nada para oferecer a Dom.

— Dalena! — Ouço a voz de Dom antes de bater à porta do carro. — Você sabe que o centro não vai apagar os seus traumas, não é? Algo me diz que no fundo é isso que está buscando: uma cura.

— É, eu sei que não vai apagar, mas pode ser a saída de quem está vivendo algo parecido com o que vivi. Teria sido bom eu não precisar de Otávio ou me esconder em um banheiro e terminar matando alguém. Você mesmo disse, Dom... é sobre oferecer opções antes de tudo. — Ele assente, e eu me retiro.

A Range Rover se afasta quando abro a porta do meu carro. Por um instante, sinto como se o ar a minha volta comprimisse todo o meu ser, me deixando sufocada. Apoio o meu braço no teto do veículo e estico a gola da minha camiseta para conseguir respirar. A grande verdade é que estou em agonia por me sentir voltando para a minha vida com Otávio.

— Moça. — Um homem chama atrás de mim, me fazendo dar um pulo. Eu me assustei com sua chegada repentina e me viro com a mão sobre o peito.

— Nossa, que susto me deu — digo para o homem, tentando controlar a respiração acelerada, ao reconhecer que ele é vigia dos carros na rua.

— A senhora me desculpe pelo susto — diz tirando o boné e coçando a cabeça branca com poucos cabelos. — É que eu vim lhe falar que lembrado que esteve aqui a poucos dias.

— Sim. Estive.

— Então... — O homem parece apreensivo. — Talvez seja importante saber e talvez não seja, porque eu não sei qual é a sua situação ou se corre perigo... A senhora quem vai dizer se tem importância.

— Tem toda a minha atenção.

— É que, naquele dia, um carro preto com os vidros escuros chegou antes da senhora aparecer e só saiu depois que foi embora — conta um pouco assombrado.

— O senhor acha que tinha alguém me seguindo? — Estranho a sua suspeita.

— Foi o que pareceu — fala encabulado o homem.

— Mas se chegou antes de mim, não devia ter me seguido? Talvez só estivesse dando um tempo aqui — analiso, buscando entender.

— Ou era alguém que sabia do seu encontro com o Thundercat e veio lhe pastorar — ponderou.

Só Íris sabia e não acredito que ela tenha interesse em me vigiar.

— Espera. Você conhece ele? — pergunto me referindo a Dom, apontando com a cabeça para o final da rua por onde ele acabou de sumir.

Pra gente que somos pobre, os reis do crime são muitas vezes mais conhecidos que um artista qualquer — diz com um ar reflexivo.

— Ele vem sempre aqui encontrar alguém? — Deixei a curiosidade falar mais alto.

Aqui na rua vi não senhora. Só vejo ele de longe na água, dentro do barco dele, ali no reduto dos golfinhos — conta, satisfeito.

— Hum... — vocalizo, pensativa.

— Ouvi dizer que os negócios dele com namoro... — O homem coça o pescoço, parecendo achar que falou demais ao perceber que tem toda a minha atenção.

— Pode falar, eu não sou nada dele e não vou te colocar em problemas. — Tento passar confiança ao ver que está hesitante.

— Mas é que a senhora beijou ele naquele dia que eu vi. — Ele sorri desconfiado, cobrindo a boca para esconder os dentes ou a falta deles, seus olhos brilhando com uma mistura de curiosidade e malícia enquanto observava minha reação.

— É uma coisa nossa, mas não temos nada não. — Tento tirar dele a impressão de que estamos juntos para o incentivar a falar.

A rua está silenciosa, o mar atrás de mim, se estende como se fosse infinito, trazendo fortes ventos litorâneos. Observo o homem à minha frente, tentando avaliar sua reação à minha resposta. Ele parece um pouco confuso, mas aceita minha explicação e volta a se mostrar mais aberto.

— Se a senhora garante. — Faz um dar de ombros. — Eu sei de tudo desses morros, das comunidades... esse pessoal do tráfico onde vai deixa serviço porco, acha que são os donos do mundo. Thundercat, não... ele é macio que nem um gato mesmo, só dá uma unhada certeira. O homem sabe calcular as coisas, por isso o Caldeira botou ele numa posição de poder quando o negócio arrochou com a polícia, e tenho certeza que o besta só morreu, porque não soube ouvir os conselhos dele — conta com um certo orgulho de conhecer a história.

— Mas e os outros negócios? — pergunto interessada no que começou a dizer e não concluiu.

— A senhora quer saber das mulher dele, não é? — Ele me olha desconfiado, sorrindo com os poucos dentes que tem na boca. — Pelo que sei não falta mulher para esse homem, também sei que o bicho não enjeita, só nunca soube de compromisso sério — revela, novamente levantando o boné e coçando a cabeça. — Ah! Tem a tal da Aeromoça que vende a droga dos bacanas aqui da área. Chamam ela assim, porque só trabalha para rico e é toda organizada como essas mulher que trabalha em avião. Ela tentou amarrar o homem de todo jeito, diz o povo que até feitiço fez... só que não deu certo, o corpo dele é fechado.

— Essa Aeromoça é do morro, o senhor sabe quem é?

— Sei quem é demais. O pai dela é um cantor, Baltazar Paixão. Curti demais os bregas dele. "Ao passar e te ver com aquele cara, meu coração quase que para, ainda sofro por vocêêê..." — cantarola balançando o indicador. — A senhora conhece?

— Sim, ele é famoso. — Ergo as minhas sobrancelhas e dou um sorriso. Esse cantor era campeão nas caixas de som do bar de Lourdes e por todo lugar do morro. Ele é bem requisitado para shows.

— O homem canta demais. — Balanço a cabeça em afirmativa, concordando. Não é o meu preferido, mas é um bom cantor.

— Pois é, o Baltazar Paixão teve um caso com uma dona casada e a Aeromoça é filha dessa mulher com ele. Na época foi um escândalo essa história, o marido dela trabalhava embarcado num navio pesqueiro no mei do mundo, quando veio saber da história, disse que perdoava, mas não queria a menina. Aí, quem criou em berço de ouro foi o pai, só que do jeito dele e na vida louca que tem. Suzanna o nome dela. Suzanna Paixão. Mulher bonita, viu.

— Hm — vocalizo, lembrando de Suzanna. — Agora preciso ir. Agradeço ao senhor por me avisar o que viu. Não acredito que seja nada, mesmo assim foi bom saber. Tome um dinheirinho aqui para ajudar com as suas coisas. — Entrego os duzentos reais que tem na minha carteira e ele recebe satisfeito.

— A senhora é a vereadora que fazendo o prefeito construir o centro, não é? — Confirmo com um sorriso desgostoso. — A minha filha votou na senhora e só fala disso dentro de casa, não sossegou enquanto não arrumou um mundaréu de voto pra lhe elege. Na eleição só falava que a gente tinha que escolher os candidatos direito, como uma pessoa que olhasse os pobres; uma mulher do morro que não ia dar as costas pra gente. Se você visse, chega dava abuso essa ladainha todo dia.

— Como ela se chama? — pergunto com simpatia.

— Ranyelle.

— Diga à Ranyelle que agradeço muito o apoio, e que quando precisar, ela me procure na câmara, sempre escuto as queixas da população.

— Ah... ela vai ficar muito satisfeita de saber. E a senhora não se preocupe que ninguém vai ficar sabendo pela minha boca do seu encontro com Thundercat, mas se me permite um conselho, ele não é homem para a senhora — alerta, me deixando sem graça.

— Tá certo, senhor?... — O induzo a dizer o nome.

— Só Chico mesmo.

— Então, senhor Chico, desejo um bom trabalho e agradeço por ter se preocupado. — Estendo a minha mão.

— Não carece de pegar na minha mão não, todo sujo. — Ele se afasta.

— Deixe de besteira, aperte a minha mão — peço me divertindo. Chico me atende envergonhado, e trocamos um aperto de mão, fazendo-me sentir seu toque aspero da palma calejada.

— Até mais. — Eu me despeço ao entrar no carro.

— Até.

Saio de lá, imaginando que Chico deve ter se impressionado à toa. Se alguém tivesse me seguido não restaria dúvida que era coisa de Otávio, mas o carro já estar lá, não indica absolutamente nada. Certamente alguém se aproveitou do pouco movimento da rua para se esconder ou algo do tipo.

O tráfego nas avenidas flui tranquilamente por ainda ser bem cedo. A cidade parece mais calma, sem o frenesi habitual do trânsito congestionado. O percurso até o Solar Elegance é rápido e sem incidentes. Chegando no apartamento, fico lembrando do beijo de Dom, mas sou rapidamente interrompida por uma mensagem de Otávio no meu celular.

Otávio: Como está se sentindo hoje?

Eu: Melhor, vou até me arrumar para ir trabalhar.

Otávio: Descanse mais alguns dias, você trabalha demais.

Eu: Pelo contrário, além de não ser certo receber para ficar à toa em casa.

Otávio: Mas não se canse, quero você disposta

e com saudades quando eu voltar

Olho a mensagem de Otávio e simplesmente não sei o que responder, senti até ânsia só de imaginá-lo em cima de mim. Quando ele me tratava como uma garota de programa, vivíamos uma realidade mais honesta. Agora, só estamos nos afogando em mentiras.

Eu: Não se preocupe, estou bem.

Depois conversamos, preciso ir.

Otávio: Okay.

Amo você.

Ignoro o senador, não posso dizer o mesmo e tampouco é o meu real sentimento. Aproveito que estou com o aplicativo de mensagens aberto e aviso a Íris que esteja em duas horas na câmara, é tempo suficiente para que chegue lá, já que estou informando tão em cima da hora.

Tomo um bom banho e visto um terninho branco para exercer a minha função. A conversa com Chicão sobre o centro, me mostrou que não posso adiar a conversa com Dom, tenho que chegar a um acordo com ele sobre o terreno. Sei que o momento não é propício para um diálogo de negócios entre nós, no entanto preciso tentar, não é certo que seja pego de surpresa com a prefeitura por lá.

Entre as minhas roupas encontro o aparelho que me deu, procuro as chamadas perdidas e retorno a ligação com minhas mãos geladas. Dom não atende e fico suspeitando que tenha sido totalmente intencional. Coloco o aparelho na bolsa junto ao meu, em seguida vou para o meu expediente.

Eu estava pronta para enfrentar a minha vida novamente, ainda que não pare de pensar no motivo de Dom não ter atendido a minha ligação. Acabei fazendo mil teorias se formarem na minha cabeça, como se ele já não ocupasse os meus pensamentos o suficiente.

Estaciono o carro no terreno anexo à câmara, que fica em uma das esquinas do bairro mais antigo de Belo Rio. O prédio possui dois andares e uma arquitetura antiga por fora. Por dentro sua estrutura é mesclada com alguns espaços mais modernos. Na frente, o vento balança as bandeiras do país, do estado e do município.

Ao entrar, cumprimento algumas pessoas enquanto atravesso a entrada e sigo para o meu gabinete. O espaço cedido a mim é bem funcional, embora seja pequeno. Os móveis são tristes e tacanhos, as paredes brancas concedem um bom isolamento de uma sala para outra. Apesar de oferecer o básico com um ar de formalidade, nada aqui justifica as quantias exorbitantes para manter o lugar.

Começo a adiantar algumas tarefas enquanto Íris não chega. Passadas algumas horas, ela está oficialmente atrasada. A música "sozinho'' de Caetano Veloso reverbera pelo gabinete com o som vindo de dentro da minha bolsa, ao ver que é o celular de Dom, acabo soltando um risinho involuntário. Não dá para acreditar que ele colocou uma música romântica como toque do telefone que me deu.

Antes de atender a ligação, tento voltar a mim para agir de uma maneira mais neutra. Não posso me deixar levar pelo inusitado romantismo de Dom, pois a conversa que teremos exige total imparcialidade.

— Espero que tenha gostado da música — fala assim que atendo.

— Foi surpreendente, isso eu posso dizer. — Controlo à vontade de rir novamente.

— Não que eu esteja achando ruim, mas não esperava me ligar tão rápido. Já arrumou os seus pensamentos? — indaga com um tom calmo, me levando a pensar que não atendeu porque estava ocupado e não para me evitar.

— O motivo da ligação não é sobre nós e, na verdade, não sabia que estava receptivo no momento, você me pareceu um pouco chateado quando nos despedimos — confesso minhas preocupações.

— Como disse, já passei muito tempo longe de você — ele fala isso tão lindamente, que meu corpo amolece e preciso me repreender mentalmente para focar no assunto. — Quando voltei para casa, foi difícil sair da cama, porque você deixou o seu cheiro nela. Não imagina o quanto é duro te ver indo embora sem uma esperança de que volte.

Após as palavras de Dom, há um silêncio tenso na linha. Eu respiro fundo, tentando controlar minhas emoções e focar no objetivo da ligação. Estou lidando com algo importante para a população e meus conflitos pessoais já ultrapassaram e muito o limite da impessoalidade da minha função pública.

— Dom é sobre o centro — digo de uma vez só, atropelando os seus sentimentos e os meus.

— Vai aceitar a minha oferta? — Sua voz soa branda.

— Na verdade, a Prefeitura vai acelerar o processo. — Pigarreio, desconcertada.

— Sei — diz apático.

— Não teria uma forma de ficar tudo bem com você sobre a questão da localização? — eu me arrisco a perguntar.

— Por que acha que eles vão acelerar o processo? — Todo o sentimento que Dom usava a pouco ao falar, some. Ele conversa com certa neutralidade, talvez seja mais profissional do que eu.

— Otávio negociou com o prefeito.

— Ele te disse isso ou o prefeito?

— Ele disse e a minha secretária também. Por quê? — Ouço um longo suspiro seu na linha.

— É que esse terreno agora é do Tiquinho — explica com sua voz tomada por cautela. — A área era de um particular e não da prefeitura, mas o erro foi corrigido no cartório e o verdadeiro dono vendeu para ele. Já está tudo resolvido, talvez esqueceram de te atualizar sobre alguma coisa. O que estou sabendo é o que te falei, vão desviar a verba que você enviou e postergar a obra infinitamente.

— Eles devem ter outro terreno e como passei alguns dias afastada, não estou sabendo.— Coloco a mão na cintura e ando pelo gabinete, encarando o meu scarpin com textura de cobra contrastando com o carpete bege.

— Entendo — diz Dom com certo distanciamento.

— Quem te falou isso deve estar enganado — cogito a possibilidade, voltando a sentar na minha cadeira por trás da escrivaninha.

— Não tem como — afirma categórico —, ninguém mentiria sobre algo assim justamente para mim. Minha fonte não seria tão burra, ele sabe das consequências.

A ideia de que Otávio me enganou para que eu aceitasse o noivado é algo tão escroto, que me recuso a aceitar tão facilmente. Dom deve estar errado ou sendo passado para trás, mas alguém teria coragem para tanto? O tráfico cobra todas as suas dívidas, independentemente do atual dono do morro preferir uma certa civilidade.

— Dalena? Alô?

— Ah... Oi?

— Tá tudo bem?

— Claro...

— Tenho a impressão que não está.

— Eu preciso desligar agora, Dom. Depois a gente se fala.

— Dalen...

Encerro a chamada.

Íris abre a porta do gabinete, parecendo atordoada, tanto que nem pediu licença, interrompendo o meu raciocínio sobre Dom e Otávio. Eu me perguntava qual dos dois estaria me enganando ou até mesmo sendo enganado pelo prefeito. A jovem passa um instante tentando trancar a fechadura, que teima em não obedecê-la, enquanto afasta os seus cabelos loiros do rosto de um jeito nervoso.

O perfume da minha assessora toma conta da sala com sua chegada, e imediatamente reconheço ser o mesmo que senti impregnado nas roupas do senador. Nem tenho dúvidas de que eu já conhecia a fragrância doce com uma mistura de flores, pois já senti antes em Íris e por isso achei familiar. Embora não me recorde do nome, sei que é um perfume caro.

Isso é muito coincidência para ser ignorado.

Meu pescoço tenciona subitamente e passa a formigar, parecendo que um sinal de alerta é ativado em mim com força total. Pego um papel sobre a escrivaninha para disfarçar, enquanto estudo Íris minuciosamente como se o próprio Sherlock Holmes tivesse me possuído.

Noto sua pele corada de quem levou bastante sol. Quando ela caminha até minha escrivaninha, percebo o andar de quem passou horas em cima de um cavalo, bicicleta ou teve uma noite intensa de sexo. Minha experiência com Otávio descarta completamente a bicicleta.

Ainda segurando o papel, levanto da cadeira diante da escrivaninha repleta de projetos de lei que ando trabalhando e vejo em seus sapatos resquícios de terra e grama, coisas que ela não encontra no trajeto de sua casa até aqui. Mas, o pior de tudo é o ar de culpa em seus gestos constrangidos, que a denunciam diante do meu olhar frio.

— Bom dia, vereadora! — Íris me cumprimenta sem se aproximar, mas finjo não notá-la, enquanto olho o papel em minha mão. Ela olha para os lados alisando a própria roupa, enquanto segue visivelmente atrapalhada para a cadeira mais afastada de mim na sala. De onde está, espera o início da nossa reunião sobre a minha agenda.

— Bom dia, Íris... — respondo após um tempo com um sorriso falso, lembrando que não é de hoje que ela vem se comportando assim, mas ainda não tinha ligado os pontos. O cheiro do perfume doce que ainda circula no gabinete foi o estalo. — Por que está tão longe, parece que está com medo de mim? — brinco, forçando simpatia, enquanto volto para a minha cadeira.

— Medo da senhora? — disfarça. — Que é isso... — diz, sem sair do lugar.

— Tenho que pedir para que venha sentar aqui, está muito distante. Nem estamos mais em uma pandemia — ironizo, tentando manter sob controle os sentimentos que afloram dentro de mim por essa suposta traição de Otávio.

Íris hesita em atender a minha ordem. Ela entrelaça os dedos ao juntar as palmas sobre as pernas, como se buscasse uma desculpa para manter a distância ou fizesse uma oração, apelando para forças superiores lhe darem suporte. Usando o momento, apoio os cotovelos na mesa e junto as minhas mãos fechadas em punho em frente a minha boca, pensando friamente na situação como um todo para não sair prejudicada.

Diante de conflitos assim, nunca me senti preparada para romper completamente a ligação, como foi com minha mãe e como obviamente acontecerá com Otávio. Nessas ocasiões, o tempo parece acelerar, sem dar chances para agir com cautela ou esgotar as possibilidades de consertar o problema e no fim, tudo acabar bem. O tempo parece dar apenas o suficiente para que o amor, carinho e afeto sejam engolidos, deixando pouco espaço para salvar a si mesmo.

Otávio...

Minha mãe...

Ela, um lugar onde fiz planos de fincar minhas raízes, e ele, onde esperava ser sempre solo fértil para mim. Não sou capaz de entender os sentimentos que provoco em ambos, mas sou capaz de sentir a imensa dor que é fazer parte de mentiras, rejeição e, principalmente, a traição.

— A senhora está chateada com o meu atraso? — Íris me tira dos meus pensamentos, e a encaro com extrema frieza sentada do outro lado da escrivaninha. — Juro que tentei chegar na hora, mas o se... que dizer, a minha mãe atrasou, é..., com... — A garota parece ter travado diante de mim, somente as suas mão se moviam sobre o colo, uma apertando a outra, alternadamente.

— Perfume novo? — Vou ao que interessa com um sorriso amigável, apoiando o meu rosto na mão esquerda.

— Na verdade não. Acho até que já vim trabalhar usando ele. Mas como é caro, eu só uso mais em ocasiões especiais. Ganhei de presente — responde, parecendo aliviada por eu ter mudado o assunto.

— Que bom que acha especial vir trabalhar aqui. — Cruzo os meus braços sobre o peito e a encaro com uma alegria dissimulada. Assisto-a nervosa, cravando as unhas no próprio braço ao perceber que a ocasião especial da qual se referia era os encontros furtivos com Otávio. Agora não podia corrigir a sua falha. Provavelmente, torcia para que eu não associasse os pontos.

— Então, pois é, né?! — Ela se retraiu, encolhendo os ombros, depois puxou a barra da saia que está usando para baixo.

— Descansou por esses dias?

— Sim... — responde, desconfortável.

— Foi passear? — pergunto casualmente.

— Passei uns dias na casa da minha família no interior.

— Como é lá?

— Grande, muito grande. Eles são ricos.

— Então ficou na vida boa? — brinco.

— Não muito. Não dá para ficar parada por lá — comenta um pouco maliciosa.

— Não me diz que te arrumaram serviço? — provoco de um jeito maldoso e ela cai feito uma patinha.

— Ah, não. Lá tem muitos empregados para isso. É que eles são cheios de energia — conta com satisfação, sendo maliciosa novamente.

— Jura? — Finjo não ter entendido e ela me sorri. — Fiquei curiosa sobre sua viagem, parece ter sido bem divertida. Conta mais...

— Ahhh, você sabe, né... — desconversa.

— Só sei se você contar, Íris — digo empolgada. — Tem namorado na história?

— Erhhh... — Solta um grunhido

— Hmmm. Tá na cara que tem e parece ser coisa proibida. É um priminho bonitinho do interior?

— Nossa, não, meus primos são uma derrota. Todos feinhos, coitados e nenhum tem onde cair morto — diz mais à vontade.

— Achei que seus tios eram ricos — Um silêncio constrangedor toma conta da assessora. Ela não vai me contar mais do que já disse e eu não posso agir de uma forma mais drástica sem uma confirmação real, mas com certeza, vou mover as peças do jogo de Otávio. — Vamos deixar as novidades para depois, Íris. Agora só preciso saber quem te falou que o centro seria agilizado? — pergunto, escondendo as minhas segundas intenções.

— A própria chefe do gabinete do prefeito. — Pigarreia.

— Como ela te notificou? Foi por e-mail?

— Não, não. Ela ligou pessoalmente para fazer a comunicação — responde de forma visivelmente ensaiada. — Como a senhora não estava, recebi a informação somente para te atualizar.

— Poxa, não existe nenhum ofício? — pergunto queixosa.

— Não, foi uma comunicação direta mesmo, provavelmente ninguém achou necessário, já que é algo acompanhado de perto pelo seu gabinete — comenta, tentando disfarçar algo.

— Entendo... mas é interessante documentar junto com a pasta do centro, e a sua tarefa agora será conseguir isso para ontem. Vou tomar um café e quando voltar espero ter um ofício com esse compromisso na minha mesa — digo sem deixar transparecer o real motivo do meu pedido.

— Sim, senhora.

Vou até a cafeteria ao lado da câmara, peço um descafeinado e passo a tentar ligar todos os pontos. É óbvio que Íris está tendo um caso com o senador, minha assessora sem dúvidas passou esses dias na fazenda com o meu apaixonado noivo. Isso me leva a entender o porquê Chicão achou que tinha alguém na Ponta do Golfinho me vigiando antes mesmo que eu chegasse, somente ela sabia do encontro com Dom.

Merda! Merda! Merda!

Dom sabia... É claro que sabia. Por isso marcou o nosso encontro diretamente com Íris. Ele também sabia que eu seria seguida, mesmo assim me beijou olhando para os lados. O que ele queria com isso? Porque iria querer provocar o senador me beijando? Imediatamente pego o telefone que me deu e ligo para ele. O dono do morro vai confirmar as minhas desconfianças e me dar explicações.

— Vai me deixar mal acostumado desse jeito — diz ao atender no primeiro toque.

— Por que foi marcar a nossa reunião exatamente com Íris, Dom? — Ele faz um longo momento de silêncio. — Não mente.

— Pelo jeito você já sabe, não é?

— Não, Dom. Você não marcou com Íris só para que eu descobrisse o caso de Otávio. Você só me beijou porque sabia que ele estava me seguindo?

— Ele não estava te seguindo hoje de manhã — desconversa.

— Só fala — peço irritada.

— Ele precisava saber que estou por perto, Dalena.

— Por quê?

— Eu tenho um pressentimento ruim sobre o seu noivo. Quer dizer, ele ainda é o seu noivo? — Quer saber, mas eu não respondo. Dom precisa ser mais claro comigo.

— Um pressentimento? — pergunto num tom desdenhoso. Isso é muito mais que um pressentimento.

— É — ele se limita a falar.

— Não vai mais dizer nada? — insisto.

— Não acho seguro.

— Ótimo! — desligo, sabendo que ele realmente não vai falar.

Porra, Dom!

Não vou pensar nele agora, o senador tem toda minha atenção.

Não desconfiei do interrogatório de Otávio quando cheguei em casa no dia do encontro com Dom porque ele já ficou um tempo assim, mas parou quando aceitei uma relação. Só que agora tudo se encaixa. Ele realmente está dormindo com a minha secretária. A sonsa ainda me ofereceu apoio e fez discurso de agradecimento na maior cara de pau.

Não posso permitir minhas emoções tomarem as rédeas da situação, O tempo é insuficiente para processar. Não quero admitir, mas Dom está certo, eles não construirão o centro. Otávio está usando o meu sonho para me manipular. Eu não vou passar por essa calada, ele vai se arrepender de ter tentado me enganar e tenho a melhor ideia que eu poderia ter para fazer o senador entender que não vai brincar comigo tão fácil.

Espero que o que estou prestes a fazer seja o que falta para Otávio não querer mais olhar na minha cara e me esquecer de vez. Eu também espero que o dono do morro não me mate por ignorar o seu alerta e levar para frente a obra no território do tráfico, pois se for preciso irei contestar essa escritura. Com certeza esse documento não é legal.

Ligo para a administração do condomínio e proíbo a entrada do senador no apartamento que me deu. Ele conseguiu me deixar puta o suficiente para me fazer tomar atitudes sem o menor peso na consciência. Pelo contrário, eu vou saborear cada minuto.

Após quarenta minutos estou de volta no gabinete. Encontro Íris ainda na minha sala, fingindo estar ocupada com alguns papéis, mas visivelmente aprontando alguma coisa. Eu só saio dessa câmara hoje com o ofício na mão, garantindo o que Otávio me prometeu.

— Ainda por aqui, nem foi para a sua sala? Voltou cheia de gás — digo, disfarçando o meu cinismo.

— O ar da minha sala está quebrado — justifica.

Vou até a minha mesa e encontro o ofício da prefeitura dirigido a mim, formalizando a agilização da construção do centro. Coloco o documento em uma pasta e guardo na minha valise da Louis Vuitton. Eu ganhei a bolsa do senador quando fui eleita vereadora.

— Não vai arquivar o ofício? — Íris salta da cadeira em que está ao me ver ir em direção a porta levando o documento.

— Ah, não. Vou mostrar em plenário para ficar registrado publicamente. A única coisa que vou arquivar, é o meu envolvimento com Otávio — informo com serenidade.

Saio do gabinete concentrada no som dos meus saltos batendo contra o chão de cerâmica, enquanto Íris balbucia atrás de mim algo sobre eu não poder fazer isso. Em questão de minutos, chego bem a tempo de assumir a minha vez no púlpito da câmara. Antes de iniciar minha fala, vejo a minha assistente gesticular nervosa do corredor entre as cadeiras para que a acompanhe, ficando completamente desesperada quando identifica o ofício em minhas mãos.

Bom dia aos presentes...

Como sempre, quando começo a falar vejo muitos no plenário levantarem para ir embora — digo no microfone à minha frente ao ver o movimento de alguns políticos para sair —, porque as pautas do morro, do pobre, da mulher e dos vulneráveis de modo geral, não interessam.

Aqui, para ser ouvido, é preciso colocar o dedo em riste e acusar o coleguinha do partido rival para manter a platéia entretida, dando boas risadas ou empolgada com a troca de farpas. Então, quero pedir a essas pessoas, admiradoras desse tipo de entretenimento, que fiquem mais um pouco. Hoje eu terei uma boa história para contar, uma fofoca para ser mais clara.

Não é segredo para ninguém o meu envolvimento com o senador Otávio Primmaz. — Imediatamente, eu desperto o interesse de todos. Alguns, inclusive, preparam a câmera do celular para filmar. — Durante muitos anos dividimos a cama, mas nossa história chegou ao fim.

O senador e eu possuímos interesses pessoais que seguem linhas completamente opostas. Apesar disso, no serviço público, estamos envolvidos em algo de extrema importância para mim. Isso até me manteve acreditando por um certo tempo que juntos poderíamos fazer dar certo, porque buscamos alcançar coisas maiores do que nós dois.

Infelizmente, hoje descobri que ele estava dormindo com a minha secretária. — Um burburinho tomou conta do plenário. — Esse fato deplorável colocou uma pedra em cima do futuro que planejamos como casal. Ocorre que, como falei, existem coisas entre nós que são maiores do que nossos planos amorosos, e estou aqui para dizer que nada disso será prejudicado com esse rompimento.

Hoje, eu conversava com um simpático senhor que me falava da sua filha Rayanne. Ouvir sobre como essa garota criou esperanças em me ver aqui representando as pautas dos mais vulneráveis que há pouco falei, reforçou dentro de mim qual é o meu dever como vereadora eleita de Belo Rio. Estou aqui para garantir à Rayanne e a todos que confiaram em mim, que como a mulher mais votada desta cidade, eu deixarei um legado.

Portanto, apesar do senador Otávio Primmaz não ser mais o meu companheiro de vida, garanto que ele permanece unindo as suas forças comigo na busca por um poder público que cuida do cidadão. Lutamos juntos para que pessoas como Rayanne continuem acreditando que a política pode sim ser para os vulneráveis e investir no bem-estar social.

Nós dois, o senador Otávio Primmaz e eu, estamos unidos também com o prefeito de Belo Rio, Valdir Mar, para garantir que a verba destinada na Lei Orçamentária para a criação do Centro Social de Acolhimento à mulher no morro de Tia Ondina seja completamente usada somente na construção e no prazo máximo de um ano. Aqui em minhas mãos está o ofício que garante isso. — Mostro o papel para as câmeras.

Em até cinco dias, a planilha contendo todas as informações da movimentação do montante de um milhão e duzentos mil reais estará disponível na plataforma de transparência da Câmara Municipal de Belo Rio. Parte dessa verba veio do Governo Federal para investimentos na saúde pública, enquanto a outra parte veio do gabinete do senador Otávio Primmaz.

Como a mulher mais votada de Belo Rio, sinto muito orgulho de contribuir para a implementação deste projeto que já existe em diversos lugares. É gratificante poder entregar um espaço que ofereça atendimento imediato com psicólogos, assistentes sociais, médicos, autoridades policiais e tudo mais que for necessário para garantir suporte às mulheres que necessitam em um momento de iminente risco de vida, integridade física ou psicológica. Este centro será um verdadeiro monumento de respeito e acolhimento para as mulheres de Tia Ondina.

Para finalizar, quero dizer que sou um ser humano cheio de falhas como qualquer um. Trilhei a minha vida por caminhos tortos, pois foram os únicos que encontrei. Apesar de tomar decisões que não gostaria de ter tomado, fui parte de algo que não tive o direito de escolha, mas me submeti pelas circunstâncias...

Há muito tempo estou longe dos dias difíceis que passei, mas eu não vou me esquecer da garota de treze anos que um dia eu fui. Não vou esquecer da garota que tinha sonhos que ficaram para trás... Em nome dela, eu mudei o meu jeito de enxergar o mundo, percebendo que outras garotas também têm sonhos limados. Vou trabalhar constantemente para moldar uma sociedade que dê espaço a esses sonhos. Essa é a minha meta como cidadã.

Fiquei emocionada ao ver as poucas mulheres e alguns homens presentes levantarem para me aplaudir, aos poucos, todos fizeram o mesmo. Desci do púlpito e saí cumprimentando os que vieram falar comigo. Íris, que me assistia nervosa de longe, saiu do plenário quando eu expus seu envolvimento com Otávio. Agora, é aguardar o senador e o prefeito brigarem para saber qual dos dois irá me matar primeiro.


|NOTA DA AUTORA|

Genteeee, Dalena chutou o balde total!! Quem aí ficou passado? 

Valeu ou ela fez melhor? Quem tá com Dalena nessa?

Otávio surpreendendo um total de zero pessoas kkkkkkkk

E Dom eu vou deixar por conta de vocês kkkkk

Poucos pedidos para mais de um capítulo por semana. Eu entendo que eles são bem grandes e imagino que está seja a causa. Então, vou manter a permanência de um por vez, por enquanto.

Xeroooooo!!!

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