▓ CAPÍTULO NOVE ▓
Dois meses se passaram após a viagem ao sul. Desde então, mantenho um relacionamento com Otávio, mas apesar da insistência dele, não voltei a morar em sua casa. Entretanto, fui docemente coagida a aceitar um apartamento na cobertura de um prédio luxuoso de presente, onde ele vem dormir todas as noites quando não precisa viajar.
O imóvel é um exagero. Todas as ferragens de metal do apartamento estão em dourado. Nas janelas, os vidros são de bronze espelhado. O piso reflete tudo acima dele de tão brilhante. O teto é alto de tal maneira, que parece inalcançável, combinando com o preço da mobília que veio inclusa, pois são móveis exorbitantemente caros.
Cada elemento parece ter sido meticulosamente escolhido pelo decorador para compor um ambiente de luxo. As poltronas acompanham o mesmo conceito contemporâneo do sofá, veludo bege, pernas douradas e um estofado botonê. Claro que tudo de extremo conforto, mas não consigo deixar de pensar no quanto deve ter custado.
A mesa de jantar parece tirada de um palácio, cadeira estofadas com encosto também botonê, a base de vidro bronze espelhado e a estrutura em madeira maciça, seguindo uma variação de tons creme. É um belo móvel, mas também parece exageradamente caro. Os quadros de artistas famosos nas paredes e as cortinas de seda pura em tom de marfim são um esplendor à parte.
Confesso que sinto uma certa perturbação com tamanha ostentação.
A prioridade do senador agora é me aproximar da sua família. Na frente dele, as pessoas não se opõem a minha presença, já que todos dependem basicamente do seu dinheiro ou influência. Mas quando não está por perto, fica claro que não sou bem-vinda. Ainda tenho o carimbo de puta na minha testa e mesmo que estejam envolvidos em escândalos até o pescoço, se acham melhores do que eu. Não entendo pessoas assim.
A ideia do casamento é algo que estou conseguindo ganhar tempo com Otávio. A paixão que venho nutrindo por ele, não parece suficiente para me fazer cogitar formarmos uma família. Um dos fatores para ainda evitar algo oficial entre nós, é a bagagem de parentes pavorosos que ele tem. Qual é a graça de sacramentar uma relação com todos os convidados me olhando torto?
É início da tarde quando chego da câmara de vereadores de Belo Rio ao edifício onde estou morando, Solar Elegance. Minha cabeça está explodindo da exaustiva sessão plenária que acabei de enfrentar. As engrenagens do lugar só funcionam na base de segundas intenções e isso me tira do sério.
Como parlamentar, meu trabalho é focado nas mulheres. Acompanho de perto as ações da prefeitura, encaminhando sugestões de melhoria para os serviços prestados à população feminina. Infelizmente, minhas propostas estão engavetadas no plenário e constantemente ignoradas por outros vereadores. É visível que minhas pautas não agradam a eles.
Eu fico abismada como as coisas nesse país são travadas para melhorias que beneficiam o cidadão comum.
Saio do elevador, que me deixa dentro do meu apartamento. Tiro os sapatos pelo caminho, enquanto me arrasto até o meu imenso sofá. Caio sobre ele no instante em que Otávio surge no corredor vindo do quarto, me olhando com pena. Ele está sem camisa, usando apenas uma calça de algodão. Senta ao meu lado, pega meus pés e começa a massageá-los.
— Sabe que não precisa trabalhar — diz, me lembrando da sua preferência para que eu fique em casa sem fazer mais nada da vida.
— Não vai rolar, Otávio, esquece isso — peço.
— Vou desistir por hora, mas depois vou te lembrar que quero você disponível para mim o tempo todo — avisa subindo as mãos pelas minhas pernas.
— Dá uma folga, estou cansada — reclamo em tom de brincadeira, notando o que ele está querendo.
— Assim vou ter que te deixar em abstinência de novo — ameaça com um olhar maldoso.
— Como assim de novo? Quer dizer que aquela coisa de "só quando se apaixonar" foi plano maquiavélico? — questiono, falsamente aborrecida.
— Eu precisava de uma estratégia, já que as flores nem fizeram cócegas. Confesso que não foi nada fácil, porque tive medo do nosso tempo longe um do outro fazer exatamente o contrário. Você poderia perceber que estava exatamente onde queria. Mas não, te fiz enxergar o meu valor — explica com uma expressão convencida no rosto, enquanto semicerro os meus olhos.
— Ou seja, um baita golpe baixo. — Apoio o meu queixo sobre os nós dos meus dedos.
— Eu diria um golpe de amor. — Aperta os meus pés com mais força.
— Não dá para confiar em você, suas artimanhas não são nada justas, senador.
— Sou um homem obstinado, Dalena Rosa. Se eu quero você, eu terei você e ponto. Sei me articular com paciência, tanto quanto sei ser mais ofensivo. De um jeito ou de outro, ficaremos juntos. — Ele dá um longo suspiro, e dou uma gargalhada, jogando a minha cabeça para trás. — Que foi?
— Eu não sou um dos seus projetos políticos ou uma negociação partidária.
— Os pilares de uma articulação são os mesmos, o que muda é o objetivo. E claro que te ter tão a vontade ao meu lado, é bem melhor do que das outras inúmeras formas. — Otávio sobe as mãos carinhosamente pelas minhas coxas, arrepiando a minha pele por onde passa.
— Sei... — Eu me limito a dizer
— Voltando ao nosso assunto inicial. Já que você está super cansada, que tal uma viagem ao exterior por uma semana? — propõe.
— Não vou sair por uma semana bem no meio do período de atividade na câmara, aquilo lá praticamente já não funciona — recuso imediatamente. — Ainda mais que estou cobrando exaustivamente o prefeito para o andamento da obra no morro. Preciso acompanhar as licitações de perto, inclusive, montei uma comissão.
— Isso faz eu me arrepender de ter feito um acordo com o prefeito para considerar a obra. Quando vai ter tempo para engravidar desse jeito? Meu eleitorado envelheceu, está de família formada, não tenho mais idade para me apresentar como um jovem promissor ou um revolucionário. Eu preciso de uma imagem que me passe estabilidade — resmunga, me deixando perplexa.
— Otávio! — exclamo aborrecida, puxando as minhas pernas do colo dele e me sento em seguida. — Não me pressione para ser seu acessório em um retrato de campanha. Não vou construir uma vida para servir de propaganda eleitoral. Isso é ridículo!
— A minha carreira política financiou toda a nossa vida, inclusive, foi através dela que teve condições de chegar a vereadora. Se a imagem que quer passar para o seu eleitorado não é uma prioridade na sua vida, provavelmente este será o seu último mandato — diz num tom professoral. — Eu abri essa porta para você, mas não pense que apenas mostrar serviço para o morro será capaz de te eleger. Caso não se case comigo, pode continuar sendo... — interrompe a fala ao ficar reticente —, sabe muito bem o quê.
— Ah, é... eu sei o que — digo de uma forma incriminatória.
— Enfim, as eleições estão um pouco longe para mim, mas um casamento e em seguida um filho, serão perfeitos para a campanha. Só não finja que também não precisa disso.
— Eu não preciso disso — afirmo categórica, contradizendo sua visão. — As coisas não vão funcionar assim para mim — rejeito a ideia.
— Você é linda, Dalena, mas a sua beleza não é capaz de fazer as pessoas esquecerem quem você é, do lugar que veio e muito menos que você se beneficia do dinheiro delas através de mim. Não seja hipócrita... De onde acha que saiu esse apartamento, o seu carro ou tudo o que eu te dei? — Meu olhar desvia do dele e sua voz martela na minha cabeça.
— Não sabia que me deu presentes para os tornar uma dívida.
— Ah, por favor... — Otávio faz pouco caso. — Eu posso ter qualquer mulher com a minha condição financeira, minha posição ou meu poder de sedução, como já te provei, e convenhamos que nem precisei me esforçar muito para isso. Só quero que lembre-se: Você foi a que escolhi para andar ao meu lado. Não teste a minha paciência. — O seu tom soa calmo, ainda assim me sinto pressionada por ele como nunca fui.
Minha testa franze, enquanto a minha expressão é de choque.
— Qual é o seu problema? — pergunto num tom de incredulidade.
— Não estou te pedindo para fazer algo abominável. Você só vai colocar um anel no dedo e gerar uma criança. Parece até que não terá um mundo de empregados a sua disposição para te ajudar no que quiser. Todo esse tempo eu te vi como alguém prática, esperta, determinada... Agora, nem lembra mais aquela garota que conheci. Acho que a boa vida te deixou mimada. — As palavras só fluíram da sua boca e atingiram a boca do meu estômago como um soco.
— Sério? — pergunto abismada, sem conseguir elaborar mais nada.
— Pense bem, Dalena Rosa. Você pode ser a mulher guerreira que saiu do morro e venceu na vida, casada com um senador. Minha imagem pode fortalecer a sua, assim como a sua poderá beneficiar a minha. Ou pode escolher seguir o seu caminho, embora eu desconfie que não chegará a lugar algum. — O rosto dele não esboça nenhuma reação, nem sequer hesita pelo que está me dizendo.
— Não seja tão idiota. — Solto as palavras, sem conseguir classificar como estou me sentindo, de tão chocada.
— Não seja tão burra. Idiota, parece que estou sendo desde que resolvi cuidar de você.
Ignorando a epifania que me provocou, ele levanta do sofá e some no corredor. Digerindo as suas palavras, vejo que o Otávio tem me dado uma posição que não é real. Não estamos juntos de igual para igual como um casal, eu continuo tendo que atender as exigências dele, que agora vão além de servir o meu corpo.
O senador quer que eu represente um papel em sua vida política, independentemente dos meus sentimentos e planos. Está claro que a minha vontade é completamente nula. Ele tem poder para me dobrar, enquanto eu dependo da sua posição para concretizar meus projetos para o morro. Otávio sabe muito bem que agora, com o centro de acolhimento parecendo possível, não vou dar tchau para isso tão fácil.
Com esses fatos jogados na minha cara, consigo enxergar que sou apenas uma peça de estimação em seu tabuleiro. Que grande idiota eu sou!
Andamos pelo apartamento nos evitando até a hora do jantar. Sentamos juntos à mesa para comer a sopa de legumes feita pela cozinheira, que sempre prepara as nossas refeições. Em silêncio absoluto vou engolindo pouco a pouco o caldo, olhando ao redor, tentando me habituar com o ambiente luxuoso que Otávio e eu compartilhamos.
Os armários foram feitos com o melhor material disponível. As bancadas são de mármore branco, o que as torna ainda mais deslumbrantes. Isso me faz questionar se é realmente necessário gastar tanto dinheiro em uma cozinha. Há opções que seguem o mesmo luxo sem ter um valor absurdo.
Não posso negar que a qualidade dos eletrodomésticos é excepcional. Além disso, a iluminação é perfeita para cozinhar. Admito que mesmo não sendo uma grande cozinheira, tentei aprender a preparar alguns pratos neste espaço requintado e a sensação foi a mesma de estar cozinhando em um shopping.
— A sopa está boa. — Meus pensamentos são interrompidos por Otávio.
— Vou avisar a Liane que você aprovou — digo de um jeito distante.
— É tão ruim assim a ideia de casar comigo? Já estamos juntos há quanto tempo? Cinco anos? Fora os quatro anos a mais que nos conhecemos, nove anos no total. Formalizar a nossa relação vai mudar em que para você? — pergunta com uma simpatia cínica.
— Fará diferença se eu disser as minhas vontades, ou você simplesmente vai jogar de novo na minha cara que me sustenta e que não tenho opção? — respondo com outra pergunta num tom de ironia.
— Dalena... — fala em alerta e sorri ao final.
— O que foi, estou testando a sua paciência? — repouso a colher no prato e cruzo os dedos abaixo do queixo. — Vai ficar regulando as minhas palavras porque estou te confrontando? Não estava acostumado a eu te dizer não e agora descobriu que no meu vocabulário essa palavra existe? — provoco. Sinceramente, estou irritada o suficiente para não medir o que digo ou moderar o meu tom, apesar do centro para a mulher ficar piscando na minha mente.
— Está levando isso longe demais — avisa com um olhar tranquilo e um sorriso no canto dos lábios.
— E o que vai acontecer quando eu me distanciar completamente do que você está esperando? — confronto Otávio e ela afaga a própria barba sem se abalar.
— Não tem como conversar com você assim — conclui voltando a tomar a sopa e empurro o meu prato.
— Então, como é que eu tenho que ficar para poder conversar com Vossa Excelência? — insisto em um tom irritado, saindo da minha razão.
— Quando deixar de fazer indagações mirabolantes e decidir conversar sem provocações — responde com certo ar de menosprezo.
— Indagações mirabolantes? — repito com a voz faltando.
— Pensa melhor sobre tudo, Dalena. Eu não preciso repetir constatações desagradáveis, mas você não precisa inventar uma conspiração — pontua como se eu estivesse falando verdadeiros absurdos. — Você anda muito na defensiva desde que te pedi em casamento. Talvez a responsabilidade de ser a minha esposa mexeu com a sua cabeça e acabe precisando de um psiquiatra ou coisa do tipo — supõe, fazendo o meu queixo cair.
— Está sugerindo o quê? — Minha voz sai estrangulada da garganta.
— Nada demais. Agora, se não está bem, espero que tenha a capacidade de procurar ajuda sem que eu precise me envolver nisso. Sei muito bem que posso acabar sendo acusado de qualquer coisa que queira. Algumas mulheres costumam fazer drama quando os parceiros enxergam que é caso de internação.
— Otávio! — exclamo em meia voz sem acreditar no que ouço.
— Você anda falando coisas completamente sem sentido — diz como se eu estivesse tirando ideias absurdas da cabeça. — Parece que está fora de controle — finaliza, me deixando perplexa.
— Eu? Agora, não querer um filho e um casamento é sinal de loucura?
— Como eu disse, pode ser só burrice, mas quando vem acompanhado com tanto histerismo, é caso de internação.
— Histerismo? Tem noção do quão imunda essa palavra é? — Ele não me responde, apenas me olha imutável.
O jantar fica intragável, mas Otávio não se abala por nada. Ele termina a sopa e sai para o quarto. Sinto meu corpo tenso e minhas mãos frias. A palavra "histerismo" ressoa na minha mente como se fosse uma caverna com eco. Como alguém que diz amar pode agir de forma tão cruel?
Permaneço na cozinha e começo a repassar minhas convicções na minha cabeça. Eu não soube lidar com a situação e fico me perguntando se ele está certo, se eu realmente estava ficando louca, até mesmo se estou sendo injusta com ele. Viver em um relacionamento é muito mais complexo do que imaginei.
Sempre ouvi coisas sobre como um casal deve ceder, entender ou conversar. Mas sempre que digo não a Otávio, é como se o céu desabasse sobre nossas cabeças. Parece que preciso deixar a minha vida em suas mãos para ele tomar todas as decisões e eu me contentar em estar ao seu lado em uma vida de luxo.
Penso tantas coisas sobre nós dois ou como está sendo essa dinâmica de casal, mas só acabo duvidando da minha razão. Eu poderia ceder um pouco mais, afinal, não dou nada a Otávio, enquanto tudo o que tenho vem de suas mãos. A verdade é que estou completamente confusa em relação a nós dois. Não me sinto justa comigo se realizar suas vontades, muito menos com ele ao negar seus pedidos.
— Vou sair. — Otávio avisa ao voltar na cozinha após um tempo.
— Sair? — Estranho o seu aviso.
— Não faça drama, volto logo. Preciso resolver umas questões que estão pendentes no gabinete, coisa chata — justifica sem me passar a menor confiança no que diz.
Passei tempo o suficiente com Otávio para saber exatamente o que aquilo significava. Sair depois do jantar era o comportamento padrão que ele adotava quando ia encontrar com outras mulheres, antes de nós nos envolvermos em uma relação. Quando se trata de questões do gabinete, tudo é tratado por ligações, mensagens ou viagens ao congresso. As reuniões políticas costumam acontecer durante as refeições, em encontros bem elaborados. Nenhuma dessas situações costuma surgir repentinamente, a não ser em caso de algum escândalo ou imprevisto, o que eu saberia se estivesse acontecendo, já que ele fica possuído.
Pela primeira vez, depois de todos esses anos, me dói ver Otávio sair para encontrar outras mulheres. O pior de tudo é a postura dele, como se não estivesse acontecendo nada demais. Eu sinceramente não sei o que fazer ou o que pensar, me sinto cada vez mais perdida nessa relação, até tenho saudades de antes.
Otávio volta quando eu ainda tentava dormir, mas deixo ele acreditar que estou em sono profundo. Tenho um nó na garganta e pressinto que, se discutirmos agora, acabarei chorando. Não quero isso. Com meu olhos fechados, percebo ele largar a roupa pelo chão do quarto, depois deita ao meu lado usando somente uma cueca.
Antes, Otávio não me devia satisfação, nem me cabia regular a sua vida. Acontece que nossa situação mudou: eu investi meus sentimentos nele e aceitei uma relação. Seu comportamento me afeta diretamente, principalmente depois do que ouvi de sua boca hoje, embora tenha minimizado a situação, me fazendo pensar que estou exagerando.
Diante de toda a confusão que está na minha cabeça depois da nossa discussão, a única coisa clara nesse momento é que Otávio saiu com uma mulher.
Otávio encosta o corpo perto de mim e imediatamente eu identifico um aroma de sabonete vindo dele. Ele saiu usando o seu perfume, mas não tomou banho quando chegou, algo que sempre faz ao voltar de uma reunião com lideranças ou coisas do tipo. Decido levantar da cama para cheirar as suas roupas. Ao encostar o meu nariz no tecido da sua camisa, noto o seu perfume misturado a uma fragrância doce que me é familiar.
Saio do quarto querendo respirar um pouco. Vou até a varanda e me enfio num imenso puff preto. Enquanto penso na vida, encaro ao meu lado um jarro com uma grande touceira de begônias, planta que minha falecida avó costumava ter no quintal para ornamentar. Como considero o imóvel a minha casa, quis algo que lembrasse as minhas origens, já que me faltam retratos e outras lembranças.
Apenas a luz amarela que vem da rua ilumina a ampla varanda com vista para o centro de Belo Rio. O ambiente tem vários espaços convidativos para um descanso, como um sofisticado par de sofá, uma mesa para quatro pessoas e um elegante divã. Começo a chorar pensando no quanto fui tola e me precipitei. Eu estava praticamente livre e retrocedi completamente. Depois de tantos anos com as palavras de Lourdes firmes na minha mente, coloquei tudo a perder.
"Não baixe a guarda nem por um minuto, um homem feito ele é mais traiçoeiro do que uma cobra", relembro as palavras da minha mentora com um peso no coração.
Encaro as estrelas brilhando no meio do céu infinito, enquanto me questiono de toda a minha vida e se os meus esforços foram em vão. Me sinto tão pequena, quanto insignificante diante da imensidão do universo, como se todos os meus problemas fossem minúsculos grãos de areia. Adormeço um tempo depois de tão cansada que fico dos meus pensamentos.
Com o sol atravessando a vidraça, acordo com uma chamada de Íris no smartphone. Otávio segue o som do celular tocando e acaba me encontrando. Quando está prestes a falar, estendo a minha mão, pedindo que aguarde e aceito a ligação da minha assistente.
— Doutora Dalena, me desculpe por ligar nesse horário, mas é algo de caráter urgente. Ontem saí com uns amigos e quando cheguei em casa hoje pela manhã, fui abordada por um sujeito do tráfico de Tia Ondina com um recado para a senhora — despeja as palavras com a voz nervosa.
Um choque toma conta de todo o meu corpo. Em questão de segundos, esqueço e lembro que Otávio está ao meu lado acompanhando tudo. O que eu menos quero é que ele descubra a minha conexão com Dom. Então, controlo a minha reação, como uma bomba prestes a explodir, mas que é desarmada a tempo.
— Sério? — pergunto, sentindo o meu olhar ainda duro do susto.
— Eu juro! Nossa, pensei que eu fosse morrer quando o homem surgiu do nada na hora que eu estava abrindo o meu portão. A rua estava um deserto, era tarde da noite — conta com a voz abalada.
— E o que aconteceu? — Minha vontade é de fazer perguntas mais específicas, mas diante do olhar de Otávio, acabo evitando para ele não ficar a par do assunto.
— O cara foi muito educado. Acontece que ele estava armado, deu pra ver por baixo da roupa. Eu quase morri, te juro!! — explica apavorada. Eu sei bem o que é isso, já passei por algo semelhante antes de conhecer Dom melhor.
— Poxa, Íris, que chato não é — disfarço a minha preocupação diante de Otávio, que passeia pela varanda.
— Chato?! Foi a pior sensação da minha vida!! Não está entendendo!! — berra na ligação.
— Nossa, claro que entendo. Eu entendo completamente. Que isso, menina... — continuo despistando, sob o olhar de Otávio desconfiado e sem conseguir perguntar o que o homem queria ou fez.
— Enfim, não importa. — Ela bufa do outro lado da linha diante do meu pouco caso. — O que interessa é que ele me procurou para dizer que um tal de Thundercat, que parece que é o chefe dele, quer uma reunião apenas com a senhora sobre a questão da construção do centro na área dele — suspira cansada.
— Sério? — finjo surpresa.
— E-e-e-eu... — gagueja, preocupada em receber uma bronca minha. — Eu falei que não seria possível, eu juro! Mesmo assim ele disse que te encontraria na Ponta do Golfinho, às dezenove horas — informa afobada. — Você vai? Quer que eu chame a polícia ou algo do tipo? Afinal, a senhora é uma parlamentar.
— Não — digo enquanto penso, sem saber como justificar isso.
Que merda, Dom!
O que ele estava querendo quando fez isso? Existem milhões de formas pelas quais ele poderia ter entrado em contato comigo, mas optou por enviar um homem armado para abordar minha secretária tarde da noite em uma rua deserta.
— Vou ignorar, pode abrir caminhos desnecessários — digo, após uns segundos.
— Mas e se ele voltar, se quiser me matar porque não foi? Pode achar que eu não dei o recado — pergunta aflita.
— Não vai se repetir. Alguém irá cuidar disso devidamente. Quero que fique despreocupada — garanto sem dar detalhes.
— Conhece alguém da milícia, polícia ou sei lá o quê... Alguém com influência no tráfico? — supõe espantada.
— Claro, não se preocupe. Agora preciso desligar, depois me passe a agenda da próxima semana — peço deixando a situação mais amena possível.
— Sim, doutora — confirma um pouco mais calma. — Tenha um bom dia.
Desligo o telefone com Otávio encostado na porta da varanda me olhando, esperando por uma explicação. Curiosamente, ele não pergunta do que se trata ao ver que fico com uma atitude inflexível. Ele sabe que a sua noitada não passou despercebida e que qualquer palavra que diga provavelmente levará a uma nova discussão, o que parece querer evitar. Ele me dá um sorriso fingido e diz:
— Bom dia...
— Bom dia. — Minha voz soa fria e distante.
Com uma expressão de desconfiança, Otávio percorreu o olhar pelo meu corpo enquanto finjo me interessar por qualquer bobagem no celular. Sinto sua atenção fixa em mim. Seus olhos vasculham meu rosto como um detetive investigando um caso, mas mantenho minha postura firme, sem deixar transparecer a tensão que me domina.
— Vou precisar sair mais cedo hoje, tenho algumas coisas para resolver — avisa, dizendo algo finalmente. Provavelmente por perceber que somente sair mais cedo não será tempo suficiente para o mal estar entre nós ser digerido, continua — e, também, vou ter que viajar para participar de um congresso onde exigiram a minha presença. Mas eu volto assim que possível — finaliza.
O senador me dá um beijo no rosto como se nada tivesse acontecido e sai.Seu gesto é tão natural e despretensioso que me faz ficar confusa e desconfortável. Afinal, como ele pode agir tão normalmente depois do que aconteceu? Isso me deixa a dúvida se não estou exagerando em relação a toda a situação, tenho medo de estar paranóica ou coisa do tipo.
Enquanto ele sai, sinto seu olhar pesando sobre mim, como se estivesse ouvindo minha reação. Tento manter minha postura firme e não deixar transparecer qualquer sinal de incômodo. Observo seu jeito seguro e tranquilo enquanto caminha em direção à saída, sem demonstrar qualquer vestígio de nervosismo ou preocupação, o que reforça a ideia de que estou agindo desproporcionalmente.
De uma coisa eu não tenho dúvidas, Otávio vai se abrigar na sua casa ou escolher qualquer lugar do mundo para ficar até a minha raiva passar. No momento, não posso encostar ele na parede, senão saio de mãos vazias caso me disponha a levar tudo às últimas consequências. Depois de ontem, aprendi que o senador não vai me dar nada de graça.
O final de semana começa com coisas demais para ocupar a minha cabeça. Meus problemas com Otávio acabam dividindo espaço com o súbito "convite" de Dom para uma reunião. Obviamente irei, apenas quis despistar Íris para não levantar suspeita sobre o meu cargo.
O nosso encontro, não é somente por se tratar de um garoto com quem divido uma história de segredo e uma paixão adolescente. Não tenho como ignorar o dono do morro, especialmente com a questão do centro em andamento. Diante das possibilidades, temo que isso seja um banho de água fria no meu projeto.
Com o telefone ainda em minha mão, sinto a sua superfície lisa e fria sob meus dedos. Sem perder tempo resolvo ligar para quem confio, procuro pelo contato de Lourdes esperando que ela possa me ajudar a clarear meus pensamentos. A tela do dispositivo brilha intensamente, revelando uma lista de nomes e números que se acumularam ao longo dos anos. Em alguns instantes, meus olhos param no nome dela. Aperto o botão de ligar e espero ansiosamente pelo toque do outro lado da linha. Preciso desabafar pelo menos sobre Otávio, pois não posso dividir com mais ninguém a situação que envolve Dom.
— Aconteceu, Lourdes — conto assim que ela atende.
— O que, meu anjo? — pergunta Lourdes num tom prático, demonstrando preocupação.
— Fui enganada por Otávio, como me disse na última vez que me viu — explico melhor. Tenho vontade de chorar ao confessar a minha burrice.
Lembro por um instante da nossa conversa de dias atrás. Lourdes falou que esse apartamento era uma linda gaiola dourada ao me visitar para conhecer o lugar. Ela estava certa, o senador não parece o tipo de homem que se deixa levar por sentimentos.
— Eu fiquei tão apaixonadinha, que isso me cegou. — Volto ao assunto.
— Não se cobre tanto, Dalena, são muitos anos juntos. — Tenta me confortar, apesar de sua voz não ser carinhosa. — Ele tem mais experiência e te conhece muito bem, está na cara que acaba usando isso. Você é como uma ovelha no cercado dele. Muitos homens buscam mulheres mais jovens porque gostam desse jogo de poder. Conversamos sobre isso...
— Verdade, conversamos — reconheço angustiada.
— Desde que saiu de casa, Otávio foi o seu porto seguro. Ele te garantiu a sobrevivência. Acho natural que não saiba lidar bem com a forma que essa relação está mexendo com você, sem contar que errar é humano... — A voz dela diz num sorriso. — Acredito até que isso não é nada que não possa reverter, se quiser.
— Com certeza eu quero. Fui muito inocente mesmo, Otávio conseguiu me fazer baixar a minha guarda. O que acha que devo fazer agora? — pergunto como se enviasse a questão para Deus e esperasse que ele respondesse através de Lourdes.
— Tem essa sua obsessão pelo centro, não é? — aponta sabendo a grande barreira que isso é, já que conto com a influência dele na realização do projeto. — Sendo uma obra pública, sabemos o quanto pode demorar. A questão é: quantos anos está disposta a encarar ao lado dele para ter essa conquista?
— Eu não desgosto da companhia de Otávio, o fato é que me sinto enganada. Ele me colocou no bolso, sem contar que tenho quase certeza que ontem dormiu com alguém e nem mesmo se deu o trabalho de disfarçar — revelo em tom de revolta, frustrada por não ter percebido antes suas verdadeiras intenções.
— Posso imaginar como se sente, Dalena. Já senti na pele a terrível sensação de ser ludibriada por um homem. — Lourdes responde, demonstrando compreender minha situação. — Fiz papel de trouxa algumas vezes, só aprendi quebrando a cara.
— Parece que será o meu caso, porque minha cara já está quebrada — digo com uma risada triste. — É... Com tantas questões envolvidas, me tornei uma prisioneira nessa relação — reflito por fim.
— Entendo que se sinta como uma prisioneira. Mas, sendo bem sincera, apesar de não ser fácil romper drasticamente uma relação, ainda é uma escolha sua colocar seus interesses acima de tudo — ela pondera, me lembrando que foi uma decisão minha.
— Acha que estou sendo injusta com Otávio? — pergunto, após pensar um pouco sobre o que acabou de falar. — Às vezes tenho essa sensação.
— Por que pensa que deve a ele, garota? Todo esse tempo o cara pagou pelo que usou bastante, não foi? Tudo bem que Otávio não cometeu excessos e cuidou de você, mas até onde sei, foi bem servido por isso. — Sua voz soa extremamente crítica ao ser direta. Lourdes nunca gostou de rodeios.
— É que... ai, não sei.
— Para de querer retribuir um cara que te pagou para dormir na cama dele. Se ganhou um carro, um apartamento e joias, é porque está satisfeito. Sem contar que isso é uma mixaria para um senador — sugere Lourdes, como uma solução para o impasse em que me encontro.
— Tem razão. Só não sei como fugir de um filho e de um casamento. Ele tem urgência e está me pressionando.
— Se tem uma pessoa capaz de ganhar tempo com Otávio, essa é você. Já fez isso uma vez — diz ao telefone, emitindo baforadas, indicando que está fumando um cigarro.
— É diferente, agora sabe que posso deixar ele, que não aceito as coisas tão fácil e vai me pressionar para tomar uma decisão — reflito.
— O que você quer, minha flor? — Ela deixa a questão no ar.
— Eu quero dar alguma coisa significativa para os meus eleitores. Sou a mulher mais votada de Belo Rio, preciso do centro — respondo com o sangue mais frio.
— Então é para isso que vai batalhar ao lado dele. Esquece o romance, não vai conseguir superar da noite para o dia, mas uma hora passa. — Ouço ela dar um trago em seu cigarro.
— Verdade. Só preciso manter o foco e ignorar, como sempre fiz. Espero conseguir — admito, preocupada.
— É uma cruz pesada que quer carregar, vai demandar muito jogo de cintura. Você pensou que teria com ele: o centro, uma carreira política, independência e um cara disposto a te ver com tudo isso nas mãos sem nenhum incômodo, além de tudo, sustentarem uma relação. Não é fácil desapegar de tantas expectativas — pontua.
— Você só fala verdades, Lourdes. — Ela sorri na chamada de voz, como se eu tivesse falado uma bobagem. — Vou manter o foco. Eu sou apenas um pequeno peixe na política. Com a ajuda dele, consegui colocar o centro no papel e fazer o prefeito levar adiante. Foi graças à sua influência que consegui aprovar a lei, mas ainda sinto a necessidade de alcançar mais — reconheço a minha vontade.
— Agora não é só isso em jogo, são os seus sentimentos, esteja pronta para sofrer. Ontem Otávio deu o primeiro passo para te mostrar que você não é dona dele, mas que ele tem o suficiente para ser o seu dono — Lourdes me adverte.
— Por enquanto eu me sinto girando num carrossel em torno da mesma coisa. Por vezes em cima, por vezes embaixo, mas ainda não é a hora de pular fora — concluo. — Obrigada por me ouvir — agradeço
— Ah, não seja boba, menina. Depois aparece aqui que conversamos mais — convida.
— Combinado — digo satisfeita.
— Como eu disse, não se cobre tanto — reforça suas palavras de antes.
— Vou tentar. — Faço a promessa, embora ache que seja algo impossível.
— Tchau. — Se despede.
— Tchau, tchau. — Desligo.
Voltando à analisar como posso agir com mais firmeza e tomar as ideias da minha vida amorosa, decido seguir os conselhos de Lourdes. Vou focar nos meus planos sem me cobrar tanto. Ainda bem que decepção não arranca um pedaço do corpo, apesar de machucar a alma.
Também não deixo de concluir que Otávio está me encurralando, enquanto continuo sem querer me sentir de mãos atadas ou ceder às suas vontades. Depois de pensar bem sobre tudo e escolher acreditar em mim e nas minhas impressões, eu quero comer o fígado do senador, acebolado com molho inglês.
Ser tratada como alguém que está fazendo cenas sem justificativas plausíveis é um golpe extremamente baixo. Sei bem que ele é ardiloso e capaz de coisas inescrupulosas para desqualificar qualquer um, mas não esperava que isso fosse uma arma apontada para mim em algum momento. Talvez por eu nunca ter representado uma ameaça à sua carreira política, tenha sido poupada. A questão é que agora, parece que ele me enxerga como uma engrenagem fundamental para manter seu cargo.
Durante o dia, Dom também visita os meus pensamentos. Espero que não pretenda jogar uma pá de areia no centro ou coisa do tipo. No meio disso tudo a ansiedade toma conta de mim por estar prestes a ficar cara a cara com ele novamente.
|NOTA DA AUTORA|
Eita, o negocio tá tenso pra Dalena, heim? A vereadora tá certa ou errada em relação a Otávio? O senador tá querendo demais ou não? Essa resposta ainda não tenho, mas o próximo capítulo Dom está de volta para a alegria geral.
Preparem-se para reencontrar o ruivão depois de alguns capítulos, ele está chegandooooo!!
Até sexta, com Te Espero Nos Meus Sonhos...
Feliz Dia Das Mulheres para todas nós!! ✿◕‿◕✿
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