▓ CAPÍTULO DEZ ▓
Depois de passar o dia sem receber um mísero sinal de Otávio, saio do banheiro pensando no que pretendo usar para o encontro com Dom. Parece que foi em outra vida a minha aventura no ginásio da Escola Estadual Tinoco Rios. As lembranças do que aconteceu com Coalhada nunca me abandonaram, tão pouco as memórias doces que vivi no almoxarifado.
Nas araras do closet, empurro as roupas formais, roupas de festa e por fim as comuns. Nenhuma delas parece adequada ao nosso encontro, o que me faz questionar se não seria exatamente sobre isso. Sempre fomos pessoas de mundos que não se encaixam, ou fui eu que acabei esquecendo de como ser alguém do morro e virei uma cadelinha de madame para servir a Otávio? O fato é que não estou conseguindo lidar com a minha realidade atual e nem me encaixo no mundo do crime.
Começo a atirar minhas roupas no chão, em busca de peças mais despojadas, algo que não me faça parecer a Dalena parlamentar ou a Dalena acompanhante de luxo. Desconfio que, no fundo, estou procurando algo que faça Dom lembrar da garota que ele encontrou fugindo de casa, mas suspeito que eu me perdi dela.
Depois de criar uma montanha de roupas no chão, acabo optando por uma calça jeans justa, um top preto de tiras trançadas, com uma regata branca bem cavada por cima. Calço um tênis básico, capricho no batom rosa romance, finalizando com o perfume que com certeza traduz a minha personalidade. Entre notas de mel e patchouli, Scandal aromatiza a minha pele.
Paro em frente ao espelho e encaro meus olhos de gato na cor cinza, procurando a garota de quatorze anos que não está mais aqui. Envolvo o meu maxilar pequeno entre os dedos e franzo a minha testa arredondada ao comprimir meus lábios polpudos. No meu reflexo, vejo uma jovem mulher transmitindo a aura de alguém que talvez tenha fugido não só de casa, mas de si mesmo.
Otávio me bagunçou por dentro. Até há alguns meses, eu ainda conseguia me ver. Mas agora, a cada vez que me olho no espelho, sinto como se tivesse perdido uma essência de mim que não consigo recuperar. Parece que cada traço do meu rosto carrega a marca de uma mulher perdida, e não sei como me livrar disso.
Afasto dos meus pensamentos minha autoanálise.
Respiro fundo, tentando controlar o nervosismo para encontrar Dom. Depois de me dar uma injeção de confiança, jogo os meus cabelos longos para o lado e desço até a garagem. Entro no carro, sem hesitar, sigo rumo à Ponta do Golfinho. A cada quilômetro percorrido, a empolgação cresce em mim por saber que conversaremos pessoalmente depois de tanto tempo.
A rua escolhida para o encontro é uma localização onde um dia grandes restaurantes frequentados pela alta sociedade de Belo Rio reinaram. Hoje, parece um lugar cansado de noites agitadas, com alguns bares pouco movimentados e restaurantes esquecidos. Mesmo assim, mantém seu charme, além de ter uma das melhores vistas da praia, já que fica em cima de uma grande pedra anexa à orla.
A formação rochosa avança para o mar, sendo cercada pela água salgada e tornando-se um grande mirante. Ao final da rua sem saída, é possível ter uma vista panorâmica daquela parte da cidade, como também dos golfinhos. É uma pena que à noite não seja possível ver os animais marinhos nadando por perto.
Os pneus rolam pelos paralelepípedos até eu estacionar no ponto mais deserto da rua mal iluminada, onde só há um senhor guardando os carros por conta própria, à espera de uns trocados. O local serve mais de estacionamento do que qualquer outra coisa, cercado por estabelecimentos falidos com portas fechadas.
Ao descer do carro, caminho mais perto da vista para a praia, sem temer ser uma parte menos movimentada da rua. Em poucos minutos fora do carro, eu me arrependo de ter escolhido uma blusa tão cavada, já que recebo inúmeras pancadas de vento frio. Aperto os braços sobre o peito tentando me aquecer.
Ao longe, o som de um motor começa a ficar cada vez mais alto, até que um Range Rover surge na entrada da rua em minha direção. Meus olhos se fixam no carro, imaginando que seja Dom por trás da funilaria preta com vidros escuros. A tensão e a ansiedade crescem dentro de mim. Apesar disso, tento manter minha postura confiante, mesmo cheia de expectativas com o nosso reencontro.
Com o carro já parado à minha frente, me dando a visão da porta do motorista, o vidro escuro começa a deslizar lentamente, emitindo um leve zumbido. Aos poucos, uma figura se revela no interior do veículo. Sim, é ele, em laranja e azul. Dom, o dono do morro em pessoa, com o olhar mais intenso que já vi. Nesse momento, meu coração parece parar por um instante, enquanto revivo as nossas lembranças juntos em milésimos de segundos.
Que saudade...
Nos encaramos em silêncio, como se o tempo não passasse, sentindo a liberdade de poder fazer isso em segurança, longe dos olhos das pessoas. Lentamente, ele me olha dos dos pés à cabeça ao passar a língua em seu lábio inferior. Apesar da minha barriga gelar com a cena, estreito os meus olhos com um imperceptível sorriso de incredulidade.
Ele não fez isso...
Dou um suspiro profundo e feliz.
É ele fez. Dom me comeu com os olhos.
Ouço a porta do carro destravando. Ele se apoia na janela, com a mão no queixo, acariciando a barba ruiva e o indicador sobre a boca. Sua presença ainda transmite uma aura de perigo, mas diferente do garoto de cabelos alaranjados, traz uma mistura de magnetismo e mistério. É impossível evitar imaginar o que está passando em sua mente.
— Entra. — Sua voz rouca e profunda soa autoritária, como se eu estivesse diante de um ser sobrenatural capaz de controlar as emoções alheias. Tantos anos sem ouvir a voz dele me faz estremecer por dentro, quase não me incomodo com seu jeito dominador.
Agora, a voz de Dom não lembrava o timbre de um adolescente na puberdade, mas sim de um homem intrigante, que podia ser fria o suficiente para determinar a morte de alguém e quente o suficiente para derreter qualquer coração. Embora houvesse essas diferenças, seus olhos azuis ainda brilham feito estrelas no céu, me atraindo como mosquitos que voam para a luz, mesmo sabendo dos riscos envolvidos.
Já posso dizer que estou encrencada?
É, eu estou encrencada.
Depois de ser nocauteada pela beleza de Dom, eu me recomponho e dou a volta no carro com os olhos fixos no chão. A simples presença dele me faz questionar minha própria sanidade, sentindo um frio na barriga que fazia tempo que não sentia. O que estou querendo ao obedecer a sua ordem, quando podia iniciar a conversa de onde eu estava? Espero conseguir manter isso como um encontro inocente entre pessoas que guardam uma história juntos.
Abro a porta do veículo tentando esconder a minha insegurança, mas meu olhar é imediatamente capturado pelo dele assim que entro. Eu me sento no banco do passageiro sem conseguir desviar dos seus olhos, sentindo como se estivesse em uma espécie de transe, completamente hipnotizada por sua presença.
Ele quebra o contato visual depois de dar a partida na Range Rover, o som do motor potente faz o carro vibrar. Suspiro outra vez quando consigo finalmente voltar a mim, está difícil me controlar sabendo que é Dom ao meu lado. Os meus pelos se arrepiam, mas não sei dizer se é do frio do ar-condicionado ou da eletricidade estática entre nós. Tudo parece tão intenso, a nossa proximidade e a situação em si. Pressinto que vou embarcar na noite mais marcante da minha vida.
Ao pegar a avenida, saindo da Ponta do Golfinho, Dom dirige poucos minutos até entrar em ruas sem luz ou asfalto. A área em que estamos faz parte do morro de Tia Ondina. Eu nunca andei por esses lados, pois sei que é um local extremamente deserto e perigoso. Talvez, hoje seja o dia certo para esse passeio, porque estou na companhia do dono do perigo e, pensar nisso me deixa apreensiva, fazendo com que eu me ajeite no banco.
Eu deveria me preocupar em saber para onde está me levando?
Não, não... Dom está brincando comigo, dá para notar.
Subindo uma rua praticamente coberta pelas dunas, percebo que realmente não é aconselhável pessoas desprotegidas andarem por ali. Provavelmente, também não é indicado para qualquer carro. Dom dirige atentamente, concentrado na direção. Ao longe vejo o farol de Tia Ondina com sua potente luz girando no topo.
Chegando no alto da colina, após percorrermos uma trilha, Dom para a Range Rover em frente ao farol. Fico confusa, pois sei que o local é protegido pela marinha, sendo proibido entrada de carros ali. Ele desliga o motor e tudo fica extremamente escuro, com a luz do farol acima de nossas cabeças circulando, ora no mar, ora na mata atrás de nós.
— Desce — ordena, usando novamente um tom autoritário, com uma voz firme. Eu franzo a testa em desaprovação, ele abre um sorriso convencido, parecendo se divertir em me provocar. — Por favor — acrescenta, tentando suavizar sua postura, e assim saímos juntos do carro.
Sigo Dom até a entrada do farol e percebo uma pequena vila de oficiais um pouco mais à frente, que aparentemente está desocupada. Uma escada circular com quatro degraus rodeia a grande torre de concreto, assim como estacas com uma corrente as transpassando nas argolas fixas nas pontas. Apenas o acesso à entrada é livre.
Dom, continua andando em direção ao farol, parecendo realmente que vai entrar. Querendo questionar o motivo de estarmos num local restrito, eu seguro em seu braço. Rapidamente, noto que talvez eu não devesse ter o tocado, pois sou tomada por uma queimação em meu peito ao sentir parte dele na palma da minha mão.
— Você vai entrar? — pergunto sussurrando, olhando com preocupação para o farol protegido pela marinha.
— Vamos — responde Dom com firmeza.
— Ficou maluco? Me chamou para ir presa junto com você? — cochicho como se alguém pudesse me ouvir.
— Está vendo alguém por aqui? — Ele semicerra os olhos para mim. Cada vez mais, noto que está testando os meus limites, eu sinto nas minhas entranhas sua intenção de me provocar.
— E por acaso não podemos ser vistos? — indago com certa impaciência.
— Não seremos, vamos entrar logo — determina, ignorando os meus apelos e segura firme em minha mão, passando a me arrastar até a porta do farol que está entreaberta. — Foi bom ter vindo de tênis — fala algo normal para variar, apesar de soar como se fosse uma espécie de aprovação.
Em frente ao farol, Dom empurra lentamente a pesada porta vermelha de madeira, rangendo levemente enquanto se move, revelando o seu interior bem iluminado. Depois que entramos, ele fecha com cuidado e o som de um trinco sendo acionado ecoa pelo ambiente. Lâmpadas embutidas no teto clareiam o local com sua luz suave, dando uma sensação de aconchego.
Espalhados pelo espaço amplo, há elegantes móveis de madeira escura. O ambiente é silencioso, com apenas o som do vento suave que entra pelas janelas em arco, com vista para as dunas e o mar ao longe. A parede caiada forma um círculo perfeito, o que faz lembrar de um tubo de concreto. Na galeria de entrada em que estamos, algumas peças aparentemente contam a história do lugar,
Lembro bem que esperar não é um ponto forte de Dom, sem soltar a minha mão ele me puxa pela escada em espiral. Num ritmo de um passeio, vamos subindo os degraus que alternam com rampas, para a felicidade das minhas coxas. Mas antes da metade do caminho, eu já sinto dificuldade de continuar. Desistir, porém, não parece uma opção.
Durante a subida, as pequenas janelas me dão uma ideia da altura que já alcançamos. Olhando para baixo, próximo ao corrimão, sinto um frio na espinha ao me imaginar caindo os degraus que já subi. A ideia de ser surpreendida invadindo um local restrito por alguma autoridade, me faz descartar a possibilidade de correr ou pular, ser presa será o provável desfecho da minha imprudência.
Após praticamente colocar minhas tripas para fora tentando respirar, finalmente chegamos à entrada da galeria que antecede a sala da grande luz do farol, ainda acima de nós. Dom parecia ter subido de elevador, pois não ofegava nem um pouco. Já eu, apesar dos protestos enlouquecidos dos meus pulmões, disfarço minha necessidade de absorver todo o oxigênio possível. Minha vontade é de pendurar a língua em minha boca, feito um cachorro cansado.
Reconheço que não sou mais uma atleta.
— Eu sabia que um dia teríamos que conversar e sempre imaginei onde seria essa conversa — diz com uma voz calorosa, parecendo desmanchar um pouco do seu jeito duro, até então. — Eu queria o lugar mais isolado e incrível que pudesse te levar — explica com uma entonação terna. A minha vaidade fica nas nuvens, ou melhor, estou quase nas nuvens. — Acho que merecemos um momento assim — finaliza, me deixando sem palavras.
Entramos na galeria, e uma mesa posta para um jantar à dois se revela no canto da parede. Eu me sinto lisonjeada com sua atenção, enquanto os meus olhos se acendem contemplando a surpresa que Dom me preparou.
A mesa está perfeitamente arrumada com uma toalha alva cobrindo a superfície. Sobre ela, taças brilhantes e um balde de gelo com um vinho branco estão ao lado dos pratos cobertos por cloches de alumínio, mantendo a aquecida refeição, que libera um aroma tentador. Meus pensamentos são interrompidos pela voz dele novamente.
— Espero que esteja com fome. — Seus olhos azuis passaram de intensos para atenciosos.
— Um jantar... romântico... — arrisco dizer aquilo em voz alta.
— É só um jantar. — Dom parece tentar amenizar o ambiente para uma situação mais neutra, talvez por medo de que algo romântico cause um impacto desastroso no nosso encontro. — Vem, vamos olhar a vista. — Ele me estende a mão com um sorriso magnético ao fazer o convite.
De mãos dadas, saímos para a área externa do farol. Em poucos passos, alcançamos o mirante que rodeia a torre, com um guarda corpo de ferro. O vento forte soprando contra nós, levanta meus cabelos no ar. Os fios castanhos se movem descontroladamente para todos os lados, apesar dos meus esforços para segurá-los atrás das orelhas.
Percebendo que estou tremendo de frio, Dom coloca as mãos nos meus braços para me aquecer. Parece que ele acabou de tocar em um bloco de gelo, pois imediatamente tira a camisa que está usando. Fico boquiaberta ao me deparar com seu abdômen completamente definido. Minha visão é interrompida quando ele enfia sua roupa em minha cabeça, me ajudando a vestir a camiseta de manga longa com o seu cheiro delicioso.
— Obrigada — agradeço sem graça, me recuperando do choque de ver o seu físico tão impressionante. Com certeza, ele deveria ser denunciado por atentado ao pudor, porque o peito dele é uma obscenidade de tão perfeito.
Dom fez uma infinidade de tatuagens ao longo desses anos, pois vejo, espalhadas pelo seu corpo, inúmeras figuras que desconheço. Paro para ler Tia Ondina escrito em formato de arco envolta do seu umbigo e me perco completamente ali. Desço mais a vista aos poucos, admirando os músculos definidos em forma de "V" que somem por baixo da cintura da calça jeans.
Que homem!
— Te trouxe para olhar a vista, mas não tem problema se preferir ficar me secando. — A voz dele me dá um estalo e fico desconcertada.
— O nome, errrr... Tia Ondina. Ficou muito bonito — disfarço o meu descontrole numa tentativa patética.
— Você fez alguma tatuagem? — pergunta, provavelmente para me ajudar, já que estou sem jeito.
— Não. Nunca surgiu nada especial para marcar a minha pele — respondo num dar de ombros ao erguer o meu rosto para olhá-lo.
Dom agora é bem mais alto, antes tínhamos a mesma estatura, sempre fui grande para a minha idade. Eu me forço a manter os meus olhos nos seus, evitando me perder novamente por onde não devo.
— Que pena... — diz com uma voz sedutora, enquanto me lança um olhar implacável, que parece ter o poder de me deixar perdida nas suas mágicas íris azuis. Sinto meu corpo inteiro reagir à sua presença, minhas pernas tremem e meu coração bate acelerado. — Sua pele é linda, uma tatuagem com certeza ficaria perfeita.
Seu elogio sobre a minha pele me faz corar e eu desvio o meu olhar, enquanto procuro saber um jeito de tolerar a mistura de sensações que me invadem. Não me surpreende a forma como estou perdida na presença de Dom, afinal, ele nunca saiu dos meus pensamentos durante esses anos.
É evidente que ele está me testando de alguma forma. Talvez o garoto que eu conheci anos atrás ainda não saiba quem eu me tornei. Eu também estou tentando descobrir quem é o homem à minha frente, por trás desse corpo escultural. A impressão geral é que o tempo que passamos separados foi envolvido por um encanto irresistível.
Agradeço a minha força interior por ainda ter uma fina camada de consciência me impedindo de agir como Dom sabe que sou capaz. Ele pontuou muito bem em sua mensagem de aniversário: "... sei que seus pés estão a um passo de correrem em minha direção para te fazer pular em meus braços"
— A vista — falo apontando o horizonte, tentando mais uma vez voltar a mim, e nos viramos em direção ao mar.
Olhar o horizonte do mirante de um farol é algo grandioso, já que a vista é límpida, apesar do escuro pontilhado por milhares de luzes das moradias, que se estendem como um imenso tapete luminoso até onde a vista alcança. O mar naquela noite estava acompanhado pela lua cheia, que riscava a água com seu brilho. Eu poderia passar a noite ali, enfeitiçada pela beleza da natureza.
— Vamos entrar, não podemos ficar muito tempo aqui ou podemos ser vistos — avisa Dom e o acompanho de volta para dentro do farol. — Senta — pede ao puxar a cadeira. Apesar de ter falado um pouco mais depois que chegamos, fico impressionada com seu vocabulário econômico.
Eu retiro a camiseta de algodão dele e entrego em suas mãos. Dom não a veste, apenas a coloca no encosto da cadeira, talvez pretenda me torturar com sua beleza nessa noite. Enquanto me sento, ele remove os cloches, revelando dois belos pratos de risoto de arroz negro com frutos do mar, e os coloca sobre uma escrivaninha do outro lado da sala.
Com cuidado, Dom abre uma garrafa de vinho, que reconheço ser um dos mais caros. Usando apenas uma mão, desliza a rolha da garrafa para fora com o abridor, em seguida, despeja o líquido cristalino em uma taça, e me serve. Enquanto está sentado, dá um gole rápido na bebida. Eu assisto a cena como se estivesse diante de uma das minhas fantasias, de tão surreal que o momento é. Também percebo que ele tem um pequeno "D" tatuado na lateral do pescoço, em cima da sua jugular.
— Não está com fome? — pergunta, diante da minha falta de interação com o prato. Dom estreita os olhos ao aguardar a minha resposta.
Sinto uma onda de calor subir pelo meu rosto, enquanto percebo que estive tão absorta em meus próprios pensamentos que nem sequer pensei na comida.
— Estou tentando me habituar ao momento. Reencontrar você já é extremamente impactante, e nem tenho palavras para falar sobre esse lugar. — Sacudo a cabeça e sorrio de um jeito quase insano.
— Então gostou? — Franze o cenho e me encara.
Engulo todo o vinho da taça de uma só vez e a coloco de volta na mesa, sem muita delicadeza, fazendo um leve barulho. A sensação é de estar navegando em mar aberto, velejando contra o vento, mas ao mesmo tempo, sentindo que é exatamente a direção que eu quero ir.
— Parece que estou sonhando... — reconheço. Depois, prendo os meus lábios em minha boca, preocupada por ter falado demais.
— Isso é bom? — Apoia os cotovelos na mesa e o queixo nos polegares com os outros dedos entrelaçados.
— Dom, eu estou aqui pelo centro ou algo mais? — devolvo com uma pergunta, e ele recua rapidamente a cabeça. Noto que eu o atingi, ao observar suas sobrancelhas se curvarem e seu maxilar ficar tenso enquanto ele processa a minha pergunta.
É visível que ele não esperava que eu fosse tão direta, desconfio que nós dois não estamos sabendo lidar com a situação. Eu me sinto como se estivesse montando em uma bicicleta depois de anos, mesmo conhecendo todo o seu mecanismo, ainda assim, vacilo e me desequilibro nas pedaladas.
— Como velhos amigos, vamos só conversar sobre algumas coisas — explica com certo mistério. Embora sua postura estivesse mais relaxada à pouco, agora parece tensa. Seu corpo não se move na cadeira, o autocontrole de Dom sempre é algo que me frustra.
— Como o quê, por exemplo? — pergunto, e noto seus olhos se desviaram brevemente dos meus. Fico intrigada com a possibilidade dele estar escondendo algo.
— Podemos falar de como o seu plano foi fundamental na minha carreira no tráfico ou sobre você se tornando advogada... O seu projeto com o centro... — pontua. Sua voz é suave, mas posso perceber um tom de cautela. — Conversas que velhos amigos têm ao se encontrarem depois de tanto tempo.
— Velhos amigos? — imprimo um tom de dúvida na pergunta, enquanto estudo as suas feições. Ele faz um dar de ombros e se encosta na cadeira, me deixando um pouco nervosa. — Não é você no correio do leitor da revista Supercurioso todos os anos no meu aniversário? — Minha voz vacila um pouco, mas tento manter a compostura.
— Sou — confirma com um certo sorriso convencido.
Seus olhos azuis encontram os meus e posso jurar que sou aprisionada por eles cada vez que isso acontece. Há uma tensão palpável no ar. Ambos nos seguramos para não dizer o que realmente estamos pensando.
— Então... — Incito, tentando chegar a algo mais concreto.
— Para ser sincero, estou cansado da palavra "quase" — diz se referindo ao texto que me escreveu esse ano na revista.
Abaixo o meu olhar quando ele me encara intensamente.
— Acho que não precisamos fazer segredos um com o outro. O seu convite não foi nada romântico, para ser bem sincera. Então, antes que eu me permita ser envolvida nesse clima... — Faço uma pausa, lembrando da cilada em que cai com Otávio ao bancar a emocionada. — Por favor, só responda: Qual é o problema com o centro? — Vou direto ao ponto
Eu sei que não estamos ali apenas para reviver o passado, por mais que eu deseje isso. Otávio foi uma grande lição, seria muita idiotice me jogar nos braços de Dom, sem procurar entender no que de fato estou envolvida. Ele reflete por alguns segundos, antes de responder:
— Não vou deixar uma obra pública ser erguida tão próximo dos meus domínios. — fala irredutível. — Nem por você.
— Certo. Agradeço a sua sinceridade. — Dou um sorriso conformado e balanço a cabeça em sinal de compreensão enquanto meus braços se cruzam em frente ao meu corpo. Dom ainda parece tentar me entender. — Vamos conversar e negociar, tenho certeza que chegaremos a um acordo. — Procuro solucionar o impasse de maneira amigável. — Alguma sugestão?
— Construa na entrada do morro, na área mais aberta. — Não tenho a intenção, mas dou um sorriso debochado com a sua ideia. Inclino levemente a cabeça para o lado, sem conseguir disfarçar que isso está fora de cogitação.
— Os imóveis ali são mais caros. A prefeitura não terá interesse em investir tão alto em um lugar tão visível, sabe que ficaria mais difícil de fazer o desvio de verba. Obras públicas precisam ser lucrativas para quem as faz, digamos assim. Sou nova na política, mas sei mais ou menos como as coisas andam. — Eu mantenho um tom de voz tranquilo e confiante, domino em parte do que estou falando. Apoio às minhas mãos sobre a mesa
— Eu faço uma doação. — Dom oferece, ainda mantendo o tom de voz firme e decidido. Pondero a proposta por alguns instantes, refletindo sobre a legalidade e a ética de aceitar uma doação de alguém que possui um histórico criminal.
— Não posso aceitar uma doação vinda de fontes duvidosas, Dom. Minha intenção é que o centro seja um local seguro e livre de qualquer envolvimento com o crime organizado. — Explico minha posição, mas percebo que ele parece insatisfeito com a resposta. — Sem contar que mesmo deixando o dinheiro limpo, o projeto não sairia do papel. Falta interesse em economizar nessas obras, infelizmente — lamento. — Por favor, eu preciso fazer isso, você sabe... — digo por fim.
Observo-o por alguns instantes, analisando sua expressão e tentando decifrar o que se passa em sua mente. Será que ele está realmente disposto a ajudar? Ou há algo mais por trás de suas intenções?
— Não me surpreende que queira muito isso, você foi idealista até na hora de matar alguém. — Ele recosta na cadeira. Depois, começa a esfregar o queixo com a mão direita, pensativo. — Eu não tinha certeza se queria somente algo para fazer o seu nome. Sei que os eleitores têm necessidades de ilusões e os políticos amam mostrar aos pobres que estão cuidando deles. Apesar das boas intenções, infelizmente, não sou eu quem tenho que ceder nessa ocasião — afirma com indiferença.
— Não fale como se também não se beneficiasse da pobreza, essas pessoas te servem de escudo, sem elas você não era dono de nada — jogo as cartas na mesa sem medir as palavras e ele se cala por um momento.
— Você não precisa disso, Dalena, já salvou por duas vezes aquela menina que fugiu de casa e estava prestes a ser estuprada — Dom permanece sério enquanto fala, tocando exatamente na minha ferida.
O olhar do dono do morro está fixo em mim. Eu tento parecer calma, mas meus dedos nervosos traçam pequenos padrões na mesa. Quando sugeri conversar e negociar, fiz com certa esperança de que teria o seu apoio, mas não imaginei que seria tão difícil um entendimento entre nós. Na mesa não está somente o centro, está a nossa história e o meu passado.
— E as outras que não têm tanto sangue nos olhos para encarar o mundo? — questiono.
— Eu sei o quanto isso vai te custar. — Pela primeira vez na noite, vejo Dom vulnerável. — Quer mesmo pagar esse preço por pessoas que nem conhece? — Tenta me fazer ponderar o custo e o benefício do meu sonho. — Sabe que a minha tolerância é zero no morro para quem comete esse tipo de violência, não cabe nos dedos da mão o tanto de pau que cortei fora e enfiei na boca de quem se mete a besta. Tudo em sua homenagem — revela com frieza.
— Pelo amor de Deus. — Cruzo os meus braços, incomodada.
— Que foi? Ficou com pena deles? Logo você... — desdenha.
— Não é isso... — digo alisando a testa.
— O que é então? — pergunta num tom seco.
— Esquece, você não vai entender. — Eu me vejo sem a menor vontade de explicar.
— Fiquei muito burro para você? — Semicerra os olhos.
— Está com síndrome de vira lata? — indago irritada e Dom se fecha para mim. — Quero realmente um lugar neutro para as mulheres de Tia Ondina e do resto da cidade. Você pode cortar fora quantos paus quiser, mas isso não vai mudar tudo. É como arrancar uma cabeça e nascerem duas. Não está criando algo abrangente, capaz de gerar conforto social e colocando o Estado para abraçar o bem estar, só está criando o caos.
— Você não é mais a mesma... — diz ao enxergar que hoje sou alguém com uma bagagem de conceitos na cabeça.
— Achou mesmo que encontraria uma pré-adolescente? — debocho sutilmente, mesmo sabendo que esse era o meu plano, mostrar que eu ainda era a mesma.
— Não, achei que encontraria alguém que ainda procura ser dona de si, mas você só está perseguindo um status de santa, acontece que isso aqui é Brasil, Dalena — fala num som retilíneo, com o corpo estático, como se fosse alguém feito de rocha.
— Eu esqueci como a sua língua é afiada, Dom — reconheço, com certa mágoa.
— Acha que eu não sei o que está por trás desse projeto?
— Olha, até agora não contei mentiras, mas vejo que sabe bem mais que eu. Sabe até da minha alma — ironizo, já não consigo lidar com a nossa conversa.
— O que me contou não é nenhuma novidade. Eu tenho os meus contatos na prefeitura, sei que isso é somente uma fonte inesgotável de recursos para serem roubados.
— Então, só perdi meu tempo tentando conversar com você. Sabe... eu devia ter imaginado. É claro que dever ter conhecimento de tudo. — Sorrio com incredulidade da minha burrice. — Só vai direto ao ponto, Dom. — Abro as palmas das mãos em frente a ele, comprimindo os lábios num sorriso constrangido.
— Não entendeu o que eu disse? Vou ser mais claro então — Fala de um jeito duro. Ignoro o meu orgulho ferido por sua falta de tato e fico atenta. — Essa obra só servirá para ter gente indo e vindo no meu pedaço do morro, atrapalhando os meus negócios e nada sendo feito. Eu quis acreditar que estava ciente de onde está se metendo. Agora, vejo que vai ficar de um lado para o outro feito uma barata tonta, lutando por algo que, como disse, nunca sairá do papel, não importa quantas vidas você viva. — Joga as palavras na minha cara e bufa um sorriso.
— Por que pensa isso? Você não sabe o trabalho em que estou envolv... — interrompo antes de passar mais vergonha.
O olhar de Dom não nega, é claro que ele sabe do que está falando e fico com uma cara de idiota, entendendo o que estou fazendo aqui. Ele já sabia de tudo, nunca precisou negociar nada. Só queria me alertar.
Eu sou muito, muito burra.
Vendo o meu estado de choque, Dom modera o seu jeito.
— Você quer um centro? Eu te dou — oferece com a voz mansa. — Uso o dinheiro do tráfico para financiar através de qualquer ONG que passeia pelo morro prometendo uma vida melhor. Sabe o que vai mudar? Absolutamente nada, tenha isso em mente. Também não pense que o seu playboy político colocou o dedo nesse projeto para te ver feliz, ele só está te fazendo de trouxa, sei do que estou falando.
Engulo em seco me sentindo mais traída por Otávio do que já estou. Tomo um tempo pensando em quanto tudo isso faz sentido, ficando engasgada com a minha ingenuidade. A única coisa que evita minhas lágrimas caírem, é estar em frente à Dom, não quero continuar passando vergonha. Depois de um longo silêncio, agradeço:
— Obrigada por me contar a verdade.
Dom dá um longo gole no vinho, parecendo ter sido mais difícil para ele falar do que para mim ouvir.
— Prefiro destilados, mas estou com sede. — Enche a taça novamente e faz o mesmo com a minha.
— Obrigada pelo jantar — agradeço com um pequeno sorriso.
— Obrigada, obrigada... — ironiza o meu excesso de agradecimentos.
— Eu nunca fui mal agradecida. — Levanto a sobrancelha e respiro fundo. Em seguida, tento tirar o foco de mim. — Fico feliz que tenha chegado aonde queria. Já é rico o suficiente para parar?
— Parar é uma palavra que está muito distante da minha realidade — ele diz, enquanto mantém os braços cruzados, a postura rígida e o olhar firme. É como se estivesse desafiando qualquer um a discordar dele. — Sou marcado desde que matei os policiais do grupo de extermínio. — Ele faz uma pausa, desviando o olhar por um instante, como se lembrasse de algo doloroso. — Quando Caldeira morreu, todos achavam que por minha coragem de peitar os caras de frente o meu nome fosse o melhor, trazia força para a ArCrim. Agora, já não enxergam assim, o que também se torna um problema. Se eu abandonar tudo, sou alvo fácil.
— Nossa, mas por quê a ArCrim quer se voltar contra você? — pergunto, com a preocupação tomando a minha voz, enquanto observo o semblante quase conformado de Dom.
— Os oficiais da lei envolvidos no grupo de extermínio — fala num tom irônico —, não conseguem me prender ou me matar, por enquanto. Então, atormenta como pode. Não é bom para os negócios ter eles nos monitorando o tempo todo e bagunçando o gerenciamento. Talvez, o que me segure, é a influência que tenho com o comandante da polícia, isso acaba deixando os dois lados numa tensão absurda. A polícia tem que obedecer as ordem de cima e segurar a onda, e a ArCrim também.
— Isso não é bom? Quer dizer, não está tendo conflitos.
— A polícia não ataca, mas nada os impede de provocar, porque se a ArCrim der o primeiro tiro, eles não terão começado e sim reagido. Nessa tensão, os donos da boca, que fazem o comércio direto, estão tendo prejuízo de toda ordem. Então, é bem provável que eu não demore muito por aqui se o comandante geral mudar — admite sem ter medo de falar da própria morte.
— Por que você não foge, eu posso te ajudar — ofereço num gesto de apoio e os olhos fixos em Dom. Preocupação é a única coisa que consigo sentir agora. Ele parece cansado e desgastado por todas essas lutas.
— Não posso com dois alvos nas costas. No momento, estou evitando ser morto por uma traição. Se eu deixar o comando, a ArCrim vai meter uma bala nas minhas costas como exemplo, para mostrar que não se abandona a família. Já a obsessão da polícia comigo, nem acho que tenha ligação com a morte dos que eram do grupo de extermínio, só querem me matar para mostrar que o bem sempre vence. Ironicamente, os próprios bandidos, eles não matam. Aliás, muitos que querem o meu pescoço, são mais criminosos do que eu. Enfim, prefiro manter a minha decisão de fluir com a correnteza, fugir não é viável — explica.
— Fluir com a correnteza... — repito as palavras sabendo o quanto é arriscado, pois pode levar a pessoa a lugares indesejados e perigosos, sem a possibilidade de controle ou escolha da direção..
— Exatamente. Eu sempre imagino o morro como um rio. Algumas pessoas ficam se agarrando na borda, nadando pelo meio. Outras remam contra a correnteza, como você, e são o exemplo de força, de meritocracia. Já eu sou o exemplo de que isso não existe. Então, fico aqui até me afogar. Minha existência mostra que se todo mundo dependesse de meritocracia, aqui em cima estava cheio de filho de político... médico, empresário.... — Seu olhar se perde um instante.
— Compreendo o que quer dizer. — Inclino meu corpo para frente, demonstrando interesse em sua fala.
— O bem contra o mal não é colocar arma na mão de uns caras fardados para subir aqui e matar todo mundo, sabe? É preciso entender que a vida vai além das nossas próprias necessidades imediatas e cuidar das pessoas no início, não depois que elas se sintam perdidas. Antes de chegarmos àquela despedida trágica, éramos duas crianças abandonadas à própria sorte, jovens sem rumo na vida e sem nenhum suporte. — Eu ouço atentamente as palavras de Dom, enquanto mantenho minha expressão neutra.
Suas palavras fazem sentido para mim, e eu concordo com ele em relação à importância de cuidar das pessoas antes que elas se percam. Mas, ao mesmo tempo, sinto uma pontada de tristeza em meu coração ao lembrar da nossa história compartilhada de abandono e falta de suporte. Tento não demonstrar esse sentimento em minha expressão facial.
— Isso deveria ser algo tão fácil de ser colocado em prática, mas eu não entendo o mundo. — Não sei se Dom consegue perceber a emoção em minha voz e travo por um instante. Recuperada, volto a conversa. — A única coisa que vejo entre polícia e bandidos, é que ambos são vítimas do Estado. Discordo completamente do entendimento de vítima da sociedade, mas parece que nunca estamos olhando para a fonte dos problemas, tem sempre algo diferente atraindo a nossa atenção — reflito por um momento.
— Eu tenho muito orgulho de você. Saiu daqui, mas ainda lembra que debaixo dessas casas desorganizadas, tem gente que precisa de uma mão. — Sua voz fica mais suave. — Você sim entende o que é o bem contra o mal, por isso eu matei o Pampa com tanta vontade e não tolero abusador de mulher. Sei que não pareceu, mas admiro o seu projeto, só que o sistema vai te engolir, porque ele é maior do que a luz e a escuridão. Sinto muito...
Dom se debruça um pouco sobre a mesa, mantendo o contato visual comigo. Sua mão alcança meu rosto com gentileza e os seus dedos deslizam suavemente sobre minha pele, deixando um rastro de calor. Eu me sinto como se a simples proximidade com ele pudesse curar as feridas da vida. Fecho os olhos por um momento, me entregando à sensação, ao abrir, vejo mais de perto o pequeno "D" tatuado em seu pescoço, vibrando em sincronia com seu pulso. A tatuagem parece ter vida, pulsando com a força do seu coração.
— Esse "D" é de Dominic? — pergunto, despretensiosa.
— Não... É um "D" de Dalena. — Fico atônita, sem acreditar que ele tatuou meu nome em seu pescoço.
— Dalena? — Tento confirmar se não é uma brincadeira.
— Sim. É para registrar que você é o meu ponto fraco. — Meu coração acelera e um nó se forma em minha garganta. É uma sensação indescritível saber que sou importante para ele a ponto de ser eternizada em sua pele.
— Dom... — sussurro, mas estou sem palavras.
Emocionada, não consigo evitar e coloco a mão em seu pescoço, onde sinto a pulsação em sua pele.
— Você não nasceu para viver embaixo da carteira de um homem. Não tem que fazer o que aquele banana quer em troca de sobrevivência. Te conheci morando em um banheiro para fugir de gente como ele, a diferença é que está sendo bem paga. — A voz dele é mansa e me embala junto do seu perfume caro. — A não ser que o senador tenha te conquistado — finaliza, quando já nem ouço ao certo suas palavras.
Encaro o prato na mesa olhando os pequenos grãos escuros de arroz e engulo em seco. Uma série de pensamentos desfilam na minha mente sobre a minha vida de modo geral. São tantos anos para construir um sonho e com tanta facilidade eles são destruídos, como um delicado cristal se chocando ao chão. Diante da presença de Dom, dentro de um lugar verdadeiramente mágico, eu só consigo me sentir esmagada e totalmente sem rumo.
— Você tá bem? — pergunta Dom em meia voz, notando que algo não está certo.
— Na verdade não... — reconheço, sentindo um nó na garganta apertar, enquanto olho para o risoto intocado no meu prato. — Mas você fez tudo com tanto carinho... — acrescento, agradecida pela sua dedicação em preparar um jantar especial para nós.
Afastando a sensação de angústia que toma conta de mim, começo a comer enlouquecidamente, querendo retribuir a atenção especial que recebi. Dom segura meu pulso gentilmente, preocupado com a minha atitude.
Ele me olha com compaixão, e sua expressão me faz sentir ainda mais vulnerável. Eu estou desnorteada, incapaz de lidar com a avalanche de emoções que toma conta de mim naquele momento.
— Não tem que comer se não quiser. Entendeu, Dalena? — ele diz com firmeza, soltando meu pulso. — Não tem que fazer nada para ser agradável, não comigo.
Suas palavras me atingem em cheio, e eu percebo que estou tentando agradá-lo de todas as formas possíveis, mesmo que isso signifique ignorar as minhas próprias necessidades. Respiro fundo e tento controlar as lágrimas que ameaçam escapar dos meus olhos.
— Claro que eu quero, está uma delícia — digo ao engolir o resto que tinha na boca, tentando disfarçar minha emoção. Mas sei que ele percebe, pois seus olhos transmitem uma mistura de tristeza e compreensão.
Realmente o risoto é delicioso, mas não estou com ânimo para comer. Porém, não é justo menosprezar todo o esforço que Dom fez para preparar essa refeição especial para mim. Segurando o garfo novamente, tento pegar mais uma porção, mas ele puxa o prato para longe, o que me deixa surpresa.
— Porque fez isso? — A pergunta acaba sendo retórica, largo o garfo na mesa, cruzo os braços e jogo as costas no encosto da cadeira. — Certo, tem razão, não estou com vontade de comer. Eu estraguei o jantar — admito com pesar.
— Impossível você fazer isso. — Dom me tranquiliza enquanto estende a mão para me segurar. — Mas gostaria que aceitasse me encontrar de novo — acrescenta.
— Acho que por enquanto preciso pensar em mim. — Respiro profundamente.
— Posso te ajudar com isso — oferece carinhosamente, e me perco nos seus olhos azuis.
— Você representa risco constante, Dom. Minha vida não é um mar de rosas, mas não corro risco de morte — reflito, sentindo uma tensão tomar conta de meu corpo.
— Entendo... — diz, tentando esconder que está um pouco frustrado, evitando me olhar.
— Desculpa... — Fecho os olhos um pouco angustiada. — A noite não deveria ter sido assim. — Sinto um aperto no peito, não quero magoar Dom.
— Não há necessidade de se desculpar — pede com um sorriso suave. — Vamos? Eu te deixo no seu carro — chama tentando parecer conformado, e assinto.
Depois que Dom veste a sua camisa rapidamente, saímos da galeria. Descemos as escadas como se estivéssemos em um cortejo fúnebre, cabeças baixas e olhares pesarosos. Após aproximadamente 150 degraus, deixamos o farol para trás ao entrar no carro e voltarmos pelo mesmo percurso cheio de obstáculos.
Finalmente, chegamos à Ponta do Golfinho, onde deixei meu carro e Dom para ao lado dele. Descemos juntos e ele me acompanha até a porta. Olho para o homem ruivo que tira todo o meu fôlego, como se me afogasse com a sua presença. Sentindo uma mistura de emoções, antes de entrar no veículo, faço um pedido:
— Por favor, não aborde mais a minha assistente, ela ficou apavorada. — Dom assente e me olha com saudosismo, parecendo pensar sobre algo totalmente diferente do que eu disse.
— Eu nunca quis realmente que você fosse embora quando estávamos no ginásio. Hoje desejo a mesma coisa — confessa de um jeito vulnerável e me arranca um pequeno sorriso.
— Um jeito estranho de me pedir para ficar. — Mordo o canto da minha boca, ficando ainda mais sem ar com a imagem de Dom se aproximando totalmente de mim, quebrando a distância entre nós.
— Um jeito estranho de dizer que está se mordendo de vontade de me beijar — diz inclinando o rosto sobre o meu.
— O quê? — falo num tom fino com uma risada. — Eu não disse isso.
— Eu sei que não, mas não muda a realidade.
Dom cola a boca na minha e os meus olhos se esbugalham, enquanto os dele olham em volta, checando se tem alguém nos vendo. Depois, solta os meus lábios.
— Um beijo de criança — eu digo tocando a minha boca com a mão.
— Para não perder o hábito, mas algo me diz que isso está perto de evoluir — prevê com um ar convencido e desvio o meu olhar do dele com um sorriso incrédulo, quando de repente, sinto que enfia algo no bolso da minha calça. — Eu te ligo — Dom fala e se afasta de uma vez, entra no carro e some.
Coloco a mão no bolso, onde encontro algo duro. Retiro um iPhone do modelo mais moderno e destravo o aparelho. Para minha surpresa, tem somente os aplicativos obrigatórios, além de um para mensagens instantâneas, com a agenda vazia.
Um pouco perplexa, entro no carro e dirijo para casa, ainda pensando em Dom e em tudo o que aconteceu nessa noite. Mas acima de tudo, ponderando sobre minha vida e o rumo que ela está tomando.
|NOTA DA AUTORA|
Mas é claro que eu quero saber tudoooo!! Faça uma autora feliz, deixe suas impressões sobre o encontro e sobre Dom.
Dalena levou mais uma rasteira do senador, não é mesmo? Será que ele teve um bom motivo ou é porque o cara não presta mesmo?
É, Dalena tá se sentindo bem perdida no momento... Nem cedeu aos encantos de Dom. Já diz a música: A gente aprende com a dor o que a felicidade não pode ensinar.
Chegamos ao capítulo 10. Passou rápido, não foi? Ainda temos mais 24 para frente.
Sexta, nos encontramos para mais um capitulo de fortes emoções em Te Espero Nos Meus Sonhos. Até breve!! ✿◕‿◕✿
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