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▓ CAPÍTULO TRINTA E UM ▓



Saber que eu dormi a noite inteira foi quase tão perfeito quanto o reencontro de ontem. Obviamente, não chegou nem perto, mas eu precisava muito disso. Espreguiço o meu corpo no colchão e vejo que tem mais espaço do que deveria, forço os meus olhos abrirem e não encontro sinal de Dom no quarto. Se não fosse os ligamentos da minha perna doloridos, eu diria que foi uma alucinação.

O cheiro de ovo frito vindo da cozinha, denuncia que ele deve estar preparando algo para o café da manhã. Levanto da cama, escovo os meu dentes e desço. Encontro tudo limpo e cheirando a desinfetante. A refeição está servida em um cenário bem diferente do que deixamos na noite anterior.

— Bom dia! — digo, com a voz preguiçosa, indo ao seu encontro.

Dom se ajeita no banco, abrindo as pernas e me enfio entre elas para abraçá-lo. Trocamos alguns beijos, em seguida me afasto, sentando ao seu lado. Ele desliza o pedaço de uma folha pela bancada que está sem nenhum resquício de fluidos corporais, chantilly ou prosecco, e olho curiosa o papel.

— Alguém deixou uma mensagem para você embaixo da porta.

— Seu namorado deve ser muito gostoso, mas se controla mulher, você tem vizinhos — leio ruborizando ao trazer o recado para perto do meu rosto. — Dom! — exclamo com meu queixo caindo. — Como vou sair na rua agora?

— Como alguém que tem um namorado gostoso — brinca, e bato no seu ombro.

— É sério! Eu deveria passar despercebida.

— Ninguém que mora nessa casa passa despercebido.

— Para de ser implicante.

— Deveria ficar uns dias na chácara se quer passar despercebida.

— Não posso, tenho assuntos a resolver e estou sem carro — digo mais séria do que gostaria, enquanto Dom semicerra os olhos e fica mais sério do que deveria.

Ele dá um último gole na xícara de café e afasta ela sobre a bancada de madeira, empurrando-a em cima do pires. A atmosfera muda a nossa volta, ficando claro que estamos prestes a ter uma conversa densa. Espero que a nossa relação não desande outra vez, não sei se aguento mais um desentendimento entre nós.

— Que tal sermos honestos um com o outro? — pergunta com uma voz apaziguadora.

— Seria ótimo se você me levasse a sério como leva Suzanna — respondo, com certo afronte, apesar de não desejar uma briga.

— Suzanna é faixa roxa em jiu-jitsu, pratica tiro há anos, sem contar que está no tráfico há bastante tempo para saber se cuidar — pontua.

— Bom, não sou nada disso, mas sei me cuidar. — Comprimo os lábios e arqueio as sobrancelhas, mordendo um pedaço do pão com os ovos que coloquei.

— Eu começo. — Dom empurra mais um pouco a xícara vazia e apoia os braços nas pernas. — Até então, eu sabia que Otávio era financiado pelo tráfico de Morro Grande. Recentemente, descobri que ele é o próprio chefe do tráfico na comunidade, e que Caveirinha é apenas o testa de ferro. Além desse detalhe, eu sei que ele faz parte de uma organização que faz tráfico de armas. O senador está entre os cabeças dessa organização no nordeste.

— É só isso que sabe? — Olho desconfiada para Dom.

— Só. — Dom se empertiga no banco antes de continuar. — E sendo mais honesto ainda, eu sei que você sabe sobre essas coisas, porque conectei o seu aparelho novo ao meu no dia que dormi aqui. Me desculpe, mas estava muito preocupado com você.

— Eu juro que não quero brigar — confesso, decepcionada.

— Comecei a ligar uns pontos de onde tem andado. Sei que esteve na gravadora na noite que Suzanna surpreendeu dois caras do Morro Grande lá, e a revelação de quem era o X9 acontece exatamente quando você sai da cadeia onde o Caveirinha está preso. Eu soube que ele recebeu a visita de uma certa loira, assistente do novo advogado dele. Estranhei que a informação sobre Roman, veio de Suzanna. Então, investiguei um pouco mais as suas idas ao seu apartamento, acabei descobrindo coisas bem interessantes, como por exemplo...

— Tá bom! — controlo a irritação. — Eu já entendi que você descobriu tudo. — Aliso a minha testa.

— Não, eu não descobri tudo. Restam algumas perguntas, como: O que foi fazer naquele fim de mundo com a jornalista. Eu não acredito que tenha só ido entregar brinquedos. O que está rolando com Caveirinha? Imagino que queira atingir Otávio. Isso tem ligação com o fato de aprender a atirar? Eu até disse que te ensinaria. — estreita os olhos para mim. — Por que incriminou a sua amiga Josy? E por último, mas não menos importante, o que vai fazer com um documento falso, está pensando em fugir e não me dizer nada? Você vai sumir da minha vida, Dalena? — A expressão de Dom mostra o quanto está magoado, apesar de ficar notável que está tentando não demonstrar e se manter firme.

— Dom... — Fecho os olhos um instante procurando as palavras.

— Hoje eu acordei e fiquei um tempo te olhando, pensando que eu mereço uma tatuagem com o nome "otário" na minha testa.

— Não é assim...

— Eu juro, que todos esses dias só te segui porque sei que você corre perigo real com o senador. É por isso que segurei essas informações, para te proteger, mas cara, olha o que você faz...

— Para, Dom... — peço, enquanto ele continua falando num tom cada vez mais irritado.

— Se mete na porra de um hotel com um filho da puta qualquer, porque, com certeza você não estava lá fazendo as unhas com uma amiga. Ainda me trata como um merda, vira a justiceira de Belo Rio e segue deixando um rastro do que eu sabia que faria quando descobrisse que aquele otário não é quem pensava! — Se exalta.

— A vida é minha! Eu faço com ela, o que eu quiser! — grito pausadamente, apontando para o meu peito.

— Perfeito! — Salta do banco, tira o meu short e vai nu em direção a sua calça que está em outro banco. — Foi ótimo trepar com você mais uma vez! — Veste a calça fora de si. — Mas não se acostuma, uma hora eu canso de ser só o cara com quem gosta de foder. — Fecha o zíper e segue em direção a porta, descalço.

— Para, Dom, para! — grito, enquanto tento o impedir de sair. — Não é assim, você não vem aqui, diz o que quer e sai.

— Anotado, na próxima, só vou deixar a língua solta só quando estiver te chupando. — A minha mão voa na cara de Dom, e vejo ele ficar com o rosto vermelho. Seu azul fica borrado com as lágrimas que se formam em seus olhos, sua expressão de mágoa só aumenta.

— Desculpa... — Passo a mão nervosa pelo meu rosto. — Desculpa, mas não fala assim, não fala assim de novo — peço com a voz aflita. — Você falou exatamente como Otávio. — O rosto de Dom fica mortificado de culpa, ele deve saber exatamente o que estou falando, já que o senador contava tudo para o prefeito. — Isso foi nojento.

Dando conta do quanto foi ofensivo, Dom passa as mãos pelos cabelos, enquanto dá uma volta em torno de si, como se não soubesse que direção tomar. Passa a mão pela barba, tentando voltar a si para lidar com o nosso embate, e procuro fazer o mesmo.

— Desculpa. — Dom vem em minha direção e me abraça. — Me perdoa, eu sei que não deveria ter falado dessa forma. Não tem como justificar algo assim.

— Não devíamos discutir... Precisamos esclarecer algumas coisas, e se quiser, pode ir embora depois, só saiba que vai destruir o meu coração, porque eu te amo, você sabe disso, sabe que nunca foi só sexo. — Ele expira pelas narinas com as sobrancelhas caídas.

— Eu sei, eu sei... E você tem razão, eu não te deixei falar, só te acusei... Tenho tanta coisa entalada, que explodi. Desculpa, Tigresa.

— Aí já é golpe baixo, não apela. — Sorrimos, e colamos o rosto um no outro.

Mais calma, vou até o centro da sala e sento no chão sobre o tapete felpudo, apoiando as costas no sofá de madeira. Dom se junta a mim, sentando-se em silêncio. Meu coração ainda está acelerado devido à discussão que tivemos, mas eu sei que precisamos conversar para resolver isso.

Embora o desconforto entre nós seja incômodo, é necessário que eu me abra e seja honesta. Obrigando-me a olhar em seus olhos, vejo a dor e a confusão refletida no seu azul. Respiro fundo, tentando controlar as minhas emoções antes de começar a falar. Expor tudo, me faz ser tomada por uma forte insegurança. Sei que ficarei vulnerável, como sei que preciso passar por isso para crescermos juntos. Estou comprometida a mostrar que podemos trabalhar unidos e construir uma relação saudável.

— Naquele dia, no hotel, eu estava com um homem que sabia coisas sobre Otávio. Droguei ele para garantir que me contasse o que eu queria saber. Jamais te trairia e garanto que não fiz isso. Enganei o sujeito, que me contou coisas abomináveis. Deduzi ser o que estava me escondendo, por causa dessa coisa de me afastar de informações sérias para me proteger. — Dom não me interrompe, mas não consegue evitar demonstrar o quanto está incomodado com minha revelação. — Enfim, naquele dia descobri que Otávio, além de tudo o que já sabemos, faz tráfico de menores para serem abusados por pessoas influentes.

— Sério? — O brilho de Dom some.

— Imagina como eu fiquei sabendo que guardou esse segredo de mim, enquanto eu morava com ele, enquanto Otávio cometia essa atrocidade — tento demonstrar como isso me atingiu. — Eu pirei completamente.

— Eu não sabia disso, Dalena. — Dom dobra as pernas, apoia os cotovelos nos joelhos e leva as mãos à cabeça.

— Na gravadora eu ouvi a conversa entre vocês e desconfiei que não sabia disso, já que não tinha ideia que ele era dono do Morro Grande.

— Então por que não me procurou e conversou comigo? — pergunta num tom mais inflamado, mas sem elevar a voz, apenas me encarando com o cenho franzido. Eu puxo o ar, desviando os meus olhos do dele.

— Não posso deixar que Otávio pense que está comigo. Eu contei a ele que estamos separados e eu estou numa espécie de retiro zen onde não posso ter contato com ninguém, assim evito que fique em cima de mim e que desista de tomar Tia Ondina de você e até fazer coisa pior.

— Acha que ele acreditou mesmo nisso? — Dom pergunta incrédulo.

— Otávio é muito vaidoso. Ele sempre me acusava de estar louca, e dizia que você não era homem para mim. Só dei razão a ele, falei o que queria ouvir, que procurei ajuda para me tratar, mas que voltarei outra mulher, direto para os braços dele. Depois, eu sumi. Até agora, parece que realmente acreditou, porque suspendeu os ataques que pretendia fazer, só que essa história não vai se sustentar para sempre.

— É, não vai, porque eu não vou mais ficar longe de você. Está se arriscando muito — diz, misturando um jeito autoritário com preocupação.

— Esse foi outro motivo que me fez ficar afastada de você. Como posso agir, se eu fico sendo podada e cercada por essa sua mania de querer me proteger a qualquer custo? Sou uma mulher adulta, Dom, e mesmo quando ainda era uma adolescente fujona, eu banquei as minhas escolhas, só que você está sempre fazendo alarme. Diz que vou morrer e desconfia de tudo, principalmente por causa da sua preocupação sem limites — reclamo com impaciência.

— Estou no crime há bastante tempo para não desejar que você esteja no meio dessa loucura. Por que eu não posso querer te proteger, por que não deixa para mim o trabalho sujo?

— Por que será um alvo fácil se matar um senador, não quero que se afunde em outra merda por minha causa. Quero te proteger, entende? E também não vou ignorar garotas sendo estupradas como a minha mãe fez — confesso com os olhos marejados e jogo a cabeça para trás. — Não importa o quanto isso me coloque em risco.

Ele cola do meu lado e me estende a mão, enquanto com a outra acaricia meu rosto. Seus dedos passeiam suavemente pelas minhas bochechas, depois deslizam pelo meu cabelo. Ainda não satisfeito, diante da minha postura desolada, puxa meu corpo para um abraço forte, colocando minha cabeça em seu ombro. Dom me segura ali por um longo momento, me deixando chorar enquanto me ampara.

Mais calma, me afasto, determinada a saber se ele não vai intervir.

— Você entende? Está junto comigo nessa, Dom? — pergunto séria ao olhar para ele novamente.. — Ou juro que eu realmente vou sumir e não sei se eu volto.

— Não diz isso. — Ele me aperta novamente. — Eu vou fazer o que for preciso.

— Saiba que estou à frente de tudo o que envolve Otávio. — Volto a olhar em seus olhos. Ele respira fundo. — Meu plano já está em andamento.

— Que plano? — Semicerra os olhos.

— Eu vou matar Otávio. — Ele fecha os olhos e se afasta, fazendo um esforço enorme para segurar as palavras em sua boca.

— Por acaso planejou isso com Caveirinha? — Coça a sobrancelha, enrugando a testa. Meu silêncio é uma confirmação. — Como você confia naquele cara?

— Qualquer criminoso é fiel aos seus interesses. Ele pode me enganar, mas não estaria preso se não fosse ambicioso — pondero, tentando tranquilizar Dom.

— Por acaso sabe que ele não vai nem piscar se quiser te matar? O nome dele é Caveirinha, porque enterrava todo mundo que matou no mesmo lugar. O cara só foi preso quando jurou o Pampa de morte. Aquele merdinha também fazia estrago no Morro Grande e estuprou a irmã do cara. Acontece que o pai do Pampa cuidou de prender o Caveirinha antes do filho ir para o mesmo buraco que tinha uma galera enterrada. Ele investigou tudo por conta própria.

— O filho que é bom, ele não quis prender, né?! — questiono, enquanto me pergunto se o fato da sua irmã ter sido violentada por Pampa, o fez entrar no meu plano.

— Ouviu o que eu disse? — pergunta irritado. — Ele pode achar vantagem te matar, uma hora dessas Otávio pode estar sabendo de tudo e fingindo que não sabe nada. Quem garante que Caveirinha está firme com você?

— Não acho que Otávio esteja sabendo de alguma coisa. Ele não é tão frio, já teria feito alguma coisa para me encontrar.

— Otávio não é só frio, é extremamente calculista. Olha onde esse cara está e o que faz por baixo dos panos. Ele é muito esperto, e Caveirinha também. Duvido que vai mesmo confiar em uma vereadora para matar o chefe dele numa boa, entende?

— Eu vou arriscar mesmo assim, Otávio não vai sair vivo do nosso encontro — garanto.

— Se isso não for só uma emboscada para você, Dalena — alerta com a voz aflita.

— Não tem problema se for uma emboscada. Caso Otávio saiba, com certeza vai estar lá do jeito que eu quero. Se desconfia da minha capacidade de matar, ele irá sozinho, não perderia o gostinho de me desmascarar por nada nesse mundo. É onde vai se surpreender. O meu plano vai acontecer de qualquer maneira — reflito, certa da minha jogada.

— E se tiver avisado a alguém sobre isso? — questiona tentando encontrar qualquer furo que me faça desistir.

— Como Otávio vai justificar que eu tenho um plano para matar ele sem se comprometer? Se está nessa a tanto tempo disfarçado, é porque poucas pessoas sabem dos seus crimes.

— Eu mato ele e pronto.

— Não se atreva. Primeiro, já disse que não quero envolver o seu nome nisso, vão chegar fácil em você, e segundo, é uma questão de honra. Assunto encerrado.

Ele me olha nos olhos e assente, sabendo que não tem outra opção, a não ser me apoiar. Eu sinto um peso ser levantado de meus ombros e uma sensação de alívio tomar conta de mim. Respiro fundo, olhando em volta e notando que a sala e as coisas ao redor de nós, voltam a fazer parte da minha consciência.

— Por que o passaporte?

— Talvez, eu precise sumir se quiser continuar viva, mas não sei se isso será uma opção para mim, porque posso acabar morrendo — admito.

— Eu não quero nenhuma das duas opções, entendeu? — avisa, extremamente sério. — Está armando essa bagunça e não vou te pressionar, mas trate de não ser pega.

Dom se levanta e me ajuda a fazer o mesmo. Segurando minha mão, olha preocupado para mim. Nós nos abraçamos apertado, com a sensação de que a nossa relação sai fortalecida após essa conversa turbulenta. Eu me sinto segura e amada ao lado dele, estou ansiosa para termos paz quando tudo isso acabar.

— Tem outra coisa acontecendo — diz, quando me afasto dos seus braços. — Eu te procurei ontem para tratar disso e não para contar as coisas que eu sabia, porque podia te perder de vista. Estou mais tranquilo agora que conseguimos nos alinhar. Queria poder ter outra opção, mas entendo as suas razões.

— O que é a outra coisa?

— Não contei antes, porque me pediu para...

— Não me esqueci da noite anterior, Dom. — Sorrio com a preocupação dele.

— Então. Sandoval vinha há algum tempo abusando da neta da vizinha. Ela só tem nove anos. — O meu coração gela, literalmente. — Encontramos fotos no celular dele, e digamos que os arquivos foram destruídos quando eu quebrei o aparelho nos dentes dele.

— Meu Deus...

— Ele só não foi morto ainda, porque a sua mãe conseguiu encontrar o abatedouro. Ela implorou para você interceder por ele, disse que somos família e que ter uma filha envolvida comigo deveria valer de alguma coisa. Jurou que sumiria com ele de Belo Rio — conta, insatisfeito em precisar repetir as palavras dela. — Nada me fará mais feliz do que arregaçar aquele verme pelo avesso, mas achei melhor te dizer. Principalmente, por reclamar que eu te escondo as coisas,

— Eu não acredito que ela ainda está do lado dele. — Caio sentada sobre o sofá, sem acreditar no que ouvi.

— Ela é a sua mãe, e sabendo de todo o passado de vocês, não gostaria de ter te trazido essa responsabilidade. A avó da menina veio diretamente a mim. — Dom senta ao meu lado. — Ela espera que a justiça do morro seja feita pela neta dela.

— É claro que você vai fazer — afirmo sem pestanejar. — Como a avó da garotinha se chama?

— Dete.

— Eu conheço, é muito amiga da minha mãe. A filha dela estava para ter uma menina quando saí de casa.

— Ela deixava a neta com Sandoval quando ia fazer compras com sua mãe.

— Não acredito! — exclamo, horrorizada.

— Fiquei sabendo por ela, que depois da sua fuga, a sua mãe contou que você dava em cima de Sandoval por causa de dinheiro, mas que ele nunca te tocaria.

— O quê? A minha mãe está louca?

— Não foi só isso. Marilena também disse que quando você percebeu que não adiantava tentar seduzir aquele imundo, roubou o dinheiro e fugiu. Dete contou que acreditou na sua mãe e por isso confiava nele, já que não foi capaz de se aproveitar da situação.

— Coitada... Imagino o quanto deve estar sofrendo agora.

— Tem outra coisa — avisa, preocupado. — Dete queria que a gente punisse a sua mãe, e avisei que não agredimos mulheres. Ela não fez queixa na polícia para que cuidássemos do verme do nosso jeito, mas arrebentou a sua mãe. Dona Marilena está bem machucada. Foi uma surra e tanto.

Ouvir aquilo parte o meu coração. Dom me acolhe novamente, enquanto choro, tentando digerir tudo. Como a minha mãe ainda é capaz de pedir pela vida daquele monstro? Isso me destrói em lugares que eu ainda nem imaginava ter intacto, sem contar que quebra mais, o que já estava despedaçado em mim.

Minha garganta dói, como se fosse possível a dor bloquear o meu ar ao pressionar o meu pescoço por dentro. Quando penso que consegui acertar os meus passos por um caminho reto, me sinto perdida novamente, sem saber exatamente o que a vida espera de mim.

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Depois de conversar com Lourdes, cheguei a conclusão de que eu deveria olhar na cara de Sandoval e colocar para fora tudo o que tenho engasgado na garganta. Ela disse que não me deixaria sozinha nesse momento. Apesar de ter medo, me acompanhou até uma antiga construção abandonada, numa parte inóspita do morro, onde acontecem algumas execuções e que estão mantendo o monstro sob vigilância.

O lugar é isolado e não possui energia elétrica, a iluminação fica por conta da Lua cheia. Chegando mais perto, identifico a moto de Dom deixada praticamente dentro da mata. Ao olhar para trás, percebo que passei por diversos soldados sem me dar conta, pois eles usam roupas escuras e se misturam no meio da noite.

Caminho de cabeça erguida, sem demonstrar medo. A mão de Lourdes está gelada e não solta a minha por nada. Nos aproximamos do casarão, que aparentemente estava vazio, entretanto, surge um homem segurando um fuzil, com o qual ele aponta a direção da entrada, mostrando que a minha presença já é esperada.

Confesso que não estou tão nervosa quanto Lourdes com o lugar, embora não tenha dúvida ser o tipo de localização que qualquer pessoa comum treme ao ir parar ali pela razão que seja. Poderia apontar como motivo para esse temor a escuridão, as armas, os homens mal-encarados, as paredes em ruínas, contudo, sinto que a dor de quem morreu neste imóvel, está acumulada, pulsando na atmosfera, e sendo o que realmente nos deixa em alerta constante.

A estrutura da construção não possui um telhado completo, apenas algumas partes resistindo a deterioração. Pelo chão é possível ver sangue talhado, como se andasse por um matadouro nada higiênico. Lourdes agora se agarra a minha cintura, praticamente me partindo ao meio, enquanto um odor frio de sangue putrefato invade as nossas narinas.

O ambiente está silencioso, apenas os passos de homens se movimentando de um lado a outro, com a sola dos calçados batendo contra um chão arenoso, ecoa pelos cômodos. Também é possível ouvir uma conversa e outra, além de risadas discretas, como se estivessem em uma igreja, mostrando o respeito pelo lugar que é o tribunal do tráfico, onde a justiça do morro é implacável e a própria polícia não se arrisca ou não faz questão de ir.

Dom surge no final do corredor e vem em minha direção. Ele não porta nenhuma arma visível e está vestido de preto como os outros. Não tive intimidade com a ArCrim antes, mas nunca ouvi relatos de terem uma identidade visual para algo específico, parece um comportamento novo. Talvez a cor seja para representar a toga dos juízes, que simboliza os princípios da igualdade e da neutralidade. Sou levada ao lado de Lourdes para um cômodo reservado, longe dos olhos de todos.

— Tem certeza que quer ir até ele? Não tem uma imagem muito bonita para ver. — Dom me abraça pelos ombros, deixando um beijo em minha testa, enquanto afagava as costas de Lourdes.

— Tenho — afirmo endurecendo o meu pescoço.

— A senhora pode ficar aqui se quiser, dona Lourdes — oferece, vendo o quanto o ambiente a deixa abalada.

— Não vou deixar Dalena sozinha nessa situação, eu aguento. — Ela também endurece o pescoço, e sou grata por fazer questão de permanecer ao meu lado.

Agora, somos levadas por Dom até os fundos, que fica em frente a um enorme declive coberto por dunas e a mata. Sandoval está no centro do pequeno pátio, a sua volta, mais homens portando seus fuzis.

Lourdes fica ao lado do dono do morro, à medida que me afasto deles em direção ao marido da minha mãe. Ele está ajoelhado com as mãos para trás e a cabeça baixa, parecendo ser alguém humilde, bem diferente do homem nu, sentado na minha cama, empunhando o próprio pênis, como se segurasse um troféu, com um sorriso largo na cara.

As pessoas sempre imaginam alguém repulsivo quando pensam em um pedófilo, um estuprador: um homem com uma fisionomia perversa, em uma rua escura, ou alguém com uma expressão perturbadora e pele oleosa. Essa visão simplificada os deixa muito bem infiltrados entre nós. Escolhemos como marido, amamos como irmão, respeitamos como pai. Cumprimentamos com cordialidade o vizinho de sorriso gentil e até rezamos juntos sob o mesmo teto de um local de orações.

Ao ouvir meus passos se aproximando, Sandoval ergue a cabeça. O rosto dele está completamente inchado. Seus traços de senhor simpático não traduzem o monstro que é. O cabelo grisalho sempre muito bem cortado, a barba religiosamente aparada, o olhar amigável, o sorriso fácil e as covinhas laterais, provavelmente foram os traços que ganharam a confiança da minha mãe.

Agora, em seus olhos, só é possível ver a coloração escura da íris com pequenos pontos brilhantes. O alerta de Dom foi válido, é algo difícil de se olhar, porém, incapaz de me arrancar qualquer tipo de compaixão. Só consigo pensar que ele merecia companhia, porque é o destino que Otávio também merece e deveria estar aqui.

O corpo do meu padrasto começa a sacolejar, imagino que o medo que sente esteja enviando milhões de impulsos nervosos por toda a sua estrutura física. Ao contrário de mim, que paralisava em suas mãos, como se tivesse sido congelada. Hoje, a minha passividade não é por medo, é porque a imagem dele em seus últimos minutos de vida me dá paz. Somente o meu coração se debate com a forte raiva que ocupa o meu peito. Não vejo um pobre coitado violentado a minha frente. Vejo ele sorrindo, se deliciando com o prazer que teve ao tocar o meu corpo, sem se importar com o dano que me causou.

Até hoje carrego o nojo que senti da minha pele com o seu toque, o nojo de ser desejada de uma forma tão doentia e o nojo que tenho da sua ânsia monstruosa. Me pergunto como alguém pode sentir prazer em causar sofrimento aos outros? Como pode ignorar a dor que fez brotar em mim e seguir em frente como se nada tivesse acontecido?

— Então aqui é a sua última estação. — Giro a minha volta, passeando o olhar pelos homens armados em meio ao breu, parando em sua frente quando chama o meu nome.

— Dalena... — Sua voz soa como um vento agourento. — Me tire daqui, por favor. Eu nunca te machuquei. — A fala dele está estranha, devido a boca desfigurada e, provavelmente, a falta de dentes.

— Eu te garanto que a minha alma está tão arrebentada quanto a sua cara. Talvez, agora, entenda como você me marcou, como despertou em mim sentimentos tão controversos. Eu sou incapaz de fazer mal a uma mosca, mas a você, e pessoas como você, eu sou capaz de rasgar de um lado a outro com minhas próprias unhas. Ainda acha que não me machucou? — Cada palavra é dita com meu mais profundo ódio, vindo de uma parte minha tão sombria quanto a áurea deste lugar.

— Me perdoa..., eu te recebi na minha casa como uma filha.

— Umpf — bufo um riso irônico.

— Eu sou um homem doente — diz em lamúria.

Dobro os meus joelhos para encarar Sandoval de frente, quero que ele ouça bem cada palavra do que digo, quero que morra com a certeza no seu coração de que eu sei o verme desprezível que ele é. A raiva visceral que existe dentro de mim por saber que ele nunca vai sentir remorso pelo que fez, é o que moverá a minha língua nesse momento.

— Não... não é doença ser um verme escroto, um monstro. Com certeza, algum estudo pode até dizer o contrário, só que eu não acredito nisso. Da mesma forma, eu não acredito no seu pedido de perdão — afirmo e digo para mim mesma: eu não tenho culpa, ele tem culpa.

— Juro pela honra da minha falecida mãe — balbucia com o sangue em uma espécie de baba escorrendo pela sua boca. — Eu sou um homem de bem, não mereço estar aqui na mão desses bandidos! Eu sou um trabalhador! — Sandoval se exalta. — Essa doença me possui, eu preciso de ajuda..., preciso ser ajudado... Eu te peço pelo amor de Deus, Dalena... Não posso ser tratado como bicho, nem como um criminoso. — Volta a ficar suplicante.

— Era eu deitada na cama ao lado do seu quarto — falo baixo para que somente ele escute. — Nenhum deles sabe, mas eu vi em cada vez que me violentou a exata noção do que fazia e onde queria chegar.

— Não era eu... — choraminga. — Era um espírito ruim. E-e-e-era uma voz me dominando. Eu estava possuído.

— Ah, não... era o seu prazer doentio — minha voz soa calma e segura em cada palavra. — Veja o meu exemplo, agora mesmo eu sei o quanto é errado estar aqui, mas estou somente pelo prazer de te ver todo arrebentado e dizer na sua cara que você é um lixo. É glorificante saber que vão te matar do jeito que merece morrer.

Sandoval mantém os olhos cravados nos meus e consigo ver o quanto ele gostaria de saborear cada letra da palavra "vagabunda" em sua língua para se referir a mim. No entanto, vai morrer com ela entalada na garganta, porque é um covarde. Ele só sabe colocar a sua maldade para fora quando é o dono da situação.

Eu sorrio.

— Apesar de ter muita vontade de dizer que será esquecido, contaria apenas uma mentira. Mas cada vez que eu lembrar do quanto me machucou, eu vou voltar para esse dia, até me curar.

É, o prazer realmente é um sentimento contraditório. Ele pode ser incrível e ser fonte de coisas boas, como pode envenenar a alma. É controverso ser insensível a dor de quem te causou traumas no mesmo instante que roubou toda a pureza da sua juventude ou é aceitável saborear a justiça atroz?

Eu me sinto triste e enojada com esse lado obscuro do prazer, ao mesmo tempo que me traz paz e alívio quando penso que ninguém mais será a sua vítima, além de servir de lição para outros da sua espécie. Eu ainda não sei definir essa experiência, mas a minha necessidade de justiça está sendo finalmente encontrada.

O olhar de Sandoval não me mostra mais um homem de bem violentado com desumanidade quando me levanto para sair dali. Ele mostra uma besta acorrentada sem um pingo de culpa, um predador covarde de presas fáceis para satisfazer seus desejos sexuais abomináveis.

Volto em direção a construção em ruínas, deixando para trás o homem que adoeceu a minha alma. Lourdes e Dom me acompanham até o cômodo onde conversamos há poucos minutos. Os dois me abraçam, me fazendo sentir amor e apoio de um jeito que nunca senti.

— Eu estou bem — tranquilizo os dois e respiro fundo quando se afastam. — Ele morrer, não apaga o passado, mas... precisa ser o suficiente para enterrar essa história de vez, não é? — pergunto a mim mesma, duvidando da consistência dos meus sentimentos, temendo que eles perdurem.

— Claro — Lourdes confirma.

— Vai sim, Tigresa — Dom diz carinhoso.

Eu me despeço dele com um rápido abraço apertado. Estamos sendo descuidados e temo que alguém nos veja juntos. É totalmente perigoso passar essa ideia e Otávio acabar descobrindo, acontece que eu não resisto ir embora sem me consolar mais um pouco em seus braços.

Suzanna aparece. Antes de vir, combinamos que ela se comportaria como namorada de Dom para despistar a atenção das pessoas sobre nós dois. Foi uma atitude totalmente desesperada, além de difícil de digerir. Principalmente, quando me afasto, deixando os dois para trás.

Saio das ruínas com o estômago embrulhado, seja por Dom e Suzanna estarem juntos, independentemente de ser algo forjado, ou a situação toda que acabei de viver com Sandoval. Ainda sinto as ranhuras sobre tudo o que aconteceu no passado perfurando a minha alma. Mas se me sinto justiçada, por que ainda sou afetada por tudo isso? A explicação para a minha pergunta pode estar exatamente me olhando do outro lado da rua, com o rosto completamente machucado.

— Não tem um pingo de vergonha na cara de ter saído de casa para virar uma rameira e morar num cabaré com essa aí, como se vivesse num palácio? — Minha mãe se aproxima fazendo alarde. — Anda pela rua pegada na mão de uma quenga ordinária cheia de satisfação, mas ainda quer ter moral para condenar Sandoval a morte.

— Quem condenou foi a sua amiga, avó da criança que ele violentou. Eu só vim assinar embaixo. E faço questão de dizer que deveria ter morrido há muito tempo, antes de fazer essa tragédia — digo sem afrontá-la, o estado dela me enche de pena.

Os hematomas em seu rosto me partem o coração, ao mesmo tempo que me levanta a dúvida de sempre. O que passa na sua cabeça e por que ainda está ao lado desse homem depois de tudo? Qual é o problema da minha mãe, que não se sensibiliza com coisas assim?

— Você me tirando a única pessoa nesse mundo que é por mim. Isso é o que eu recebo por ter te criado feito uma princesa, você cresceu sem saber dar valor a quem forra o seu buxo — proclama as palavras tomada pelo mais profundo desgosto.

Fecho os meus olhos um instante para tentar apagar essa cena da minha memória, mas não tem jeito, ela será eterna na minha mente. Isso não é um pesadelo, é o que venho vivendo com a minha mãe desde que me entendo por gente.

— Você não merece a filha que tem — Lourdes sai em minha defesa.

— Aahhh, mas não mereço mesmo, essa daí não tem um pingo de respeito e consideração por mim. Desde que me deu as costas, viveu a vida no bem bom, como se eu não existisse. Não fosse Otávio ter um coração de ouro, eu não tinha recebido uma prata furada dela. E olha que ele me ajudava escondido, porque se essa peste soubesse, não ia aceitar — resmunga autoritária. — Mas se nem um homem daquele ela valorizou, dirá eu...

— Inacreditável... — Lourdes diz em abominação.

— Um pouco mais nova do que ela, quando saiu de casa, o meu pai morreu e o patrão dele expulsou a mim e à minha mãe da terra que tinha dado pra gente morar. Vagamos mundo afora, porque ninguém queria empregar uma mulher com uma boca extra. A gente passou muita fome até eu perceber que atrapalhava e fugi no mundo — Ouço suas palavras em verdadeiro estado de choque, parecendo que fui sugada para um abismo e caia em queda livre.

— Não vem falar besteira, mulher — Lourdes, adverte. — É diferente.

— Acha que é besteira? Que eu não vi o sofrimento da minha mãe dividindo um pão seco comigo? Depois que vi na panela, papelão picotado, cozido na água suja, porque a gente não tinha o que comer, deixei ela em paz e fui trabalhar em casa de família em troca de comida. Quando era mais moça, eu me juntei com o traste que me embuxou e me deu essa maravilhosa filha de presente. O infeliz nunca me ajudou a criar — pontua em tom de revolta, enquanto ainda me sinto catatônica com sua história. Ela nunca me contou. — Falar é muito fácil, mas só Sandoval foi que ficou ao meu lado, que cuidou dela, e agora ele tá na mão do tráfico. Essa safada só presta para ser mulher de bandido mesmo!

— Deixa de falar besteira, ela não tá mais com ele — Lourdes corrige, sabendo do meu plano.

— Eu sou um senador da república. — Otávio surge, virando a rua, sendo seguido por uma fila de homens apontando um fuzil para a sua cabeça, enquanto Dom sai das ruínas, acredito que um dos soldados avisou pelo rádio. — Voltou com esse cara? — pergunta surpreso ao me ver.

— Não — respondo, me perguntando se poderia ficar ainda pior.

— O que está fazendo aqui? — Otávio se aproxima de mim com intimidade e fantasio um pouco mais a ideia dele se juntar a Sandoval. Não fosse a minha necessidade em proteger Dom, imploraria por isso.

— O dono do morro quer que eu decida o destino de Sandoval depois que minha mãe insistiu que eu interferisse — explico, o que não é uma mentira. Espero que as coisas não saiam do controle.

— Como ele conseguiu falar com você? Ele tem seu número e eu não? — questiona, aborrecido.

— Com a minha assessora, Otávio — minto sem dificuldade, enquanto eu me arrependo de ter vindo.

— Ela nunca me deu o seu número — diz espantado.

— Foi uma questão de vida ou morte. Não está vendo? — Encerro o assunto, irritada. — Agora preciso ir, quero ficar o mais longe possível dessa vibe de circo dos horrores. Preciso voltar urgente para o meu tratamento, os meus chakras já estão todos desalinhados. Como vou me curar assim?

— Espere um pouco. — Otávio segura a minha mão e um calafrio percorre o meu ser. — Você não pode andar por aí sozinha, é perigoso. — Coloca a outra mão em cima da minha barriga, e ouço os ossos de Dom se contorcendo. A vontade é de arrancar as mãos dele de cima de mim, mas me controlo. — Vou intervir nessa atrocidade e te levo em segurança.

— Isso aqui é o meu território, senador Otávio — Dom adverte, tomado de ódio, espero que ele se controle. — Não tem poder para intervir em nada, mas se quiser se juntar àquele estuprador filha da puta, será bem-vindo.

— Está querendo dizer que não reconhece a minha autoridade e ainda por cima ameaçou de morte um senador da república? — pergunta em tom de discurso. Dom o encara sem paciência, e começo a ficar mais nervosa com a situação. — Experimenta me matar, então — provoca, Otavio, sem saber o quanto estou sonhando com isso.

Monstro!

— Otávio, isso não é da nossa conta. Aqui não é ambiente para nós dois. Sabemos muito bem como a coisa funciona no morro e Sandoval cavou a cova dele. A lei que respeitamos, não funciona aqui — digo, sem precisar fingir a minha preocupação de que a situação termine desandando.

— O homem que está lá dentro, a ponto de ser morto, é o marido da sua mãe — alardeia, como se realmente se importasse com Sandoval e não estivesse ali somente para desafiar Dom.

Eu só quero que isso acabe.

— Ela que tivesse casado melhor. Não é? — digo sem meias palavras, apesar de sentir que não deveria. A história que minha mãe acabou de contar, ainda assombra os meus pensamentos, mas nada me fará agir em favor da vida de Sandoval.

— É família, Dalena — Otávio, insiste, indo para o meu lado ao ver que Dom se aproxima. Suas mãos não saem da minha barriga, me fazendo sentir enjoo.

Eu só quero que isso acabe.

— Eu sou órfã — rebato, com meu coração se partindo. — Pelo amor de Deus, vamos embora. — Tiro suas mãos e tento me afastar, mas ele me prende ao seu lado.

— Estou aqui para resgatar um cidadão de bem. Ele terá um julgamento justo perante autoridades legais. Nenhum bandido de morro, me coloca medo. — Otávio engrossa a voz na direção de Dom e o peita com um sorriso atrevido, mas a sua provocação não surte efeito, pois o seu adversário se mantém firme, sem perder a cabeça, apesar da clara vontade de fuzilar o senador.

Eu te entendo, Dom. Uma pena não ser o momento certo.

— Otávio, se você quer Sandoval, fique, mas me esqueça, e dessa vez é para sempre! — sem paciência, dou um ultimato, arrancando a mão dele de mim, tentando encerrar a situação, antes que não tenha mais volta.

— A lei é para ser aplicada em qualquer lugar, Dalena, você não tem coração? Eu tenho a responsabilidade de agir em defesa de um cidadão que corre risco de vida. No Brasil, a pena de morte não se aplica nesse caso — insiste no assunto.

— Senador, você pode chamar a polícia, o FBI, os vingadores, a liga da justiça, quem você quiser. Aqui, a lei é a minha, como a doutora falou. Repito, o senhor não foi convidado, mas se continuar com a palhaçada, irá receber um tratamento especial como aquele bosta. — Os olhos de Dom brilham como se já pudesse imaginar o prazer que teria em arrebentar Otávio como fizeram com Sandoval, e estremeço com medo que ele não se segure.

— Continua ameaçando um senador da república? — Otávio dá um passo à frente, e fico prestes a borrar as calças. Se ele morrer nas mãos de Dom, será o fim da linha.

— Estou só te passando a cartilha. Eu sendo você não ficava muito tempo parado na minha frente, porque estou amando a ideia de te esfolar vivo. A tua sorte é ela ali. — Aponta com a cabeça para mim. — Ou tu já estaria implorando para eu encher a tua boca de bala até não sobrar um dente. E aí, a fim de começar o mano a mano, senador? — Dom tira toda a distância entre os dois ao dar mais um passo.

— Vamos, Otávio. Já deu... — chamo entre sorrisos, fazendo a doidinha. Seguro em seu braço, e me coloco entre os dois.

— Dom, não entra nessa pilha, meu amor. — Suzanna toma a frente do dono do morro. — Não quero estragar os nossos planos para hoje, você prometeu que a sua noite é toda minha. Se o senador quer atenção, deixa que os soldados se ocupem com isso.

Juro que estou prestes a vomitar comigo nos braços de Otávio e Suzanna nos braços de Dom.

— Tem razão, amor, te massagear, será bem mais interessante — Dom concorda, e sinto o vômito na minha garganta. — Deixo você aos cuidados dos irmãos da facção, doutor. É uma pena que a minha noite esteja cheia, sabe como é, gata que não recebe atenção, pula o telhado — provoca, enquanto me controlo para não acabar com a palhaçada.

— Eu só vou embora, porque não quero expor Dalena a esse tipo de situação — Otávio diz, ao ver que Dom sai, deixando-o falar sozinho.

— Doutor Otavio! — Minha mãe se adianta. — Não abandone o meu marido, por favor.

— Dona Marilena, a senhora não estará sozinha, pode contar comigo. Infelizmente, com esse tipo de gente não existe diálogo. Preciso tirar sua filha daqui, não quero ela correndo risco de vida. Sinto muito por seu marido — fala como se realmente sentisse. Internamente, fico boquiaberta.

— Pelo amor de Deus. — Minha mãe cai aos pés de Otávio. — Faça alguma coisa pelo meu marido! O senhor tem poder. Otávio se afasta rapidamente, evitando que ela se agarre em seus pés, mas um soldado da facção se aproxima para arrastá-la para longe.

— Não toca nela, caralho! — Tomo a frente, peitando o homem. — Ela é a mãe de uma parlamentar. Eu sou capaz de incendiar a porra desse morro se você fizer qualquer coisa com essa mulher. Com Sandoval eu não me importo, mas aqui, a conversa é diferente. — O soldado é um rosto conhecido da casa de Lourdes, ela e Otávio, imediatamente, tomam a frente.

— Ah, meu querido, não leve para o lado pessoal. — Lourdes puxa o homem para longe. — Você também tem mãe.

— Dalena, se controla — Otávio sussurra nervoso em meu ouvido.

— Ela está aqui por sua culpa, eu tenho certeza — digo irritada, para que somente Otávio ouça, ele engole em seco. — Cuide dela. — Aponto para a minha mãe.

— Eu quero ficar com você, Lourdes faz isso — sentencia, me avaliando. — Não vou deixar você voltar para esse lugar, está na cara que não tá fazendo bem. Está pálida como uma alma.

— Não está vendo o que estou passando aqui, como quer que eu fique corada? Vai insistir nisso, ou vamos morrer fuzilados por esses bandidos? — Eu me mantenho firme.

— Quero que me espere na casa de Lourdes — manda, autoritário, ao se ver sem saída, antes de se afastar de mim. — Vamos, dona Marilena. — Levanta a minha mãe do chão. Ela me olha com verdadeiro desprezo.

— Tanto que eu tentei te abortar, mas você é mais venenosa do que o próprio veneno — fala com lamúria. — Filha do demônio. — As palavras saem sussurradas, rasgando a sua garganta.

Otávio se afasta com minha mãe e Lourdes me abraça. Os homens de Dom me encaram de forma ameaçadora, ergo minha cabeça, enquanto caminho mais afastada dos dois, já que o senador anda com pressa, puxando a minha mãe pelo caminho de sua casa.

Longe dos soldados e de Otávio, peço um motorista para casa pelo aplicativo.

— Eu não vou na sua casa para não correr o risco de encontrar Otávio. Quando ele perguntar, diga que fui embora, pois não me sinto bem — oriento Lourdes.

— Otávio não parece seguro dessa história, Dalena.

— É o que ele tem por hora. Sei que vai te pressionar, mas você diz que sabe tanto quanto ele, e que está até mais preocupada, porque o meu juízo não parece no lugar, principalmente depois de hoje. Diga que confia nele para cuidar de mim, que me tem como uma filha. Isso será suficiente para que não seja mais perturbada — oriento Lourdes.

— Você é esperta, Dalena, mas Otávio não é burro. Está brincando com a sua vida.

— Preciso acreditar que estou no caminho certo — eu me limito a dizer, Lourdes não sabe nada.

— O que planeja? Até onde quer levar essa história com Otávio? — questiona, enquanto o carro se aproxima.

— Vai dar certo, Lourdes, tem que dar. — Eu me despeço com um abraço e vou embora.

Em alguns minutos, o morro vai ficando para trás na janela do carro. Uma pena não poder dizer o mesmo dessa noite maldita. Minha mãe, Sandoval, Otávio... Sem conseguir tirar eles da mente, choro com respirações curtas e intensas, num completo descontrole.

|NOTA DA AUTORA|

Sandoval encontrou o seu fim. Dalena e Dom parecem ter finalmente se entendido. Marilena continua uma decepção como mãe e Otávio continua fazendo hora extra.

Restam 3 capítulo para e o Epílogo. 

Espero que estejam curtindo o finalzinho de A VIDA NO MORRO COMEÇA CEDO, conta o que estão achando. Esperem reviravoltas nos próximos capítulos. Tudo pode acontecer!!

Quinta, voltaremos a nós encontrar, se assim, Deus nos permitir!! Até lá!  ✿◕‿◕✿


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