▓ CAPÍTULO TRINTA E TRÊS ▓
Mal tive tempo de respirar ou definir bem os últimos dias. Ainda não tive coragem de falar a Dom sobre a possível gravidez, o que fica mais difícil a cada dia, principalmente, porque venho focando nos acontecimentos recentes enquanto evito fazer o exame. Tudo tem girado em torno de reconhecimento de possíveis atiradores, lidar com a imprensa sempre que vou à delegacia, e a minha participação na investigação, pois preciso demonstrar o quanto estou interessada em colaborar com a polícia.
E, no meio disso tudo, aqui estou eu em frente a prisão feminina de Belo Rio. Em poucos instantes, irei encontrar Josy. Ela tem ligado insistentemente para o meu gabinete, me deixando sem conseguir ignorá-la para sempre. Atravesso o portão principal protegido por um guarda, apresento a minha identificação na entrada e sou levada para uma sala de inspeção.
Dessa vez, o processo para verificar se transporto algo, praticamente não é realizado. Acredito que tenha a ver com a condição de me apresentar como vereadora, pois foi bem diferente na minha visita no presídio masculino quando fui encontrar Caveirinha. A minha presença chama a atenção das presidiárias, que ficam animadas com a possibilidade de conversar comigo. Vejo em seus olhos a esperança de me convencer a interceder em suas demandas judiciais, mas aceito conversar somente com Josy.
— Dalena, minha amiga. — Josy entra na sala de visitas, vindo direto para os meus braços, mas eu dispenso o comprimento afetuoso. — Eu sei que ainda está chateada por causa de Íris, mas, por favor, não me dê as costas, eu não tenho a quem recorrer mais.
— O que você quer de mim, Josy? — pergunto ainda de pé, encostada na parede da sala.
— Um advogado, ou morrerei aqui. — Ela começa a chorar. — Eu fiz muita coisa, inclusive para Otávio, coisas que jamais admitiria ter feito. Coisas muito ruins, mas eu não fiz tráfico de drogas.
— Talvez seja a vida te fazendo pagar por essas coisas, então — ironizo.
— Não posso dizer que está errada — diz chorosa... — Mesmo assim, sou um ser humano, eu preciso ter o meu caso acompanhado por um advogado. Não estão nem me dando o direito de me defender. Aquela droga não é minha, eu juro.
— De quem é, então?
— Alguém que quis me prejudicar ou talvez seja mesmo pelas coisas que eu fiz. E-e-e-eu não sei...
— Otávio não era o seu parceiro, porque não te ajudou?
— Ele nunca atendeu minhas ligações desde que fui presa, jamais teria o seu nome ligado ao meu. Aquele homem é um demônio. Fico até aliviada com a morte dele — comenta, com a mão sobre o peito. — Aqui, não me falta tempo para pensar, e tudo o que fiz em seu nome, me atormenta — sua voz soa aflita. — Eu tentei me matar, sabia? Agora, estou tomando remédios e entreguei a minha alma para Deus...
Josy me olha, suponho que avalia se está conseguindo tocar meu coração de alguma forma. Acredito que logo vê que não, pois se mostra em uma maior aflição e desesperançosa. A única certeza que tenho no momento, é que ela está onde merece.
— Otávio me convencia a fazer tudo o que ele queria, me prometia tantas coisas... No fundo, eu sentia inveja de tudo o que você tinha, Dalena. Eu queria ficar no seu lugar.
— Não precisa me contar nada disso — digo, e Josy desvia o olhar de mim.
— Preciso. Você me tratava como uma amiga e eu te traí com ele. Eu dormi com Otávio algumas vezes — revela sem jeito. — Ele me convencia a tudo, me convenceu até a aceitar o envolvimento dele com Íris.
— Que loucura — fecho os meus olhos, repudiando o que ouço.
— Eu não sei como passou ilesa por aquele homem — avalia, e bufo um riso incrédulo. — Na verdade, eu tenho uma ideia do que te deixou livre dele...
— Como assim?
— Otávio fez de tudo para ter o seu amor. Quando conseguiu, tudo foi por água abaixo com a descoberta de Íris. Mesmo assim, estava determinado a te ter novamente. O plano era que formassem uma família perfeita e os cargos políticos que você assumisse no futuro, aumentasse o poder político dele.
— A prisão está mesmo mexendo com sua cabeça. Eu nunca amei Otávio. Até cheguei perto de gostar da ideia do que podia construir politicamente com ele, mas isso nunca aconteceu de verdade. Como diz Lourdes, era deslumbramento. Interesse — rejeito completamente a ideia.
— A gente só é enganado por pessoas de quem gostamos, Dalena. Você me tinha como amiga, da mesma forma que tinha Otávio como um companheiro, por mais que batesse o pé dizendo que não — insiste.
Reflito um pouco sobre as palavras de Josy, olhando as grades protegendo as janelas da sala. Será que por isso eu me enganei tantas vezes com Otávio? O meu coração teria mentido para mim, só para me manter dentro do código de Lourdes de não me apegar a um cliente?
— Se ele me enganou e com isso conquistou algo em mim, não era realmente dele que eu gostava e sim da mentira que inventou — concluo. Josy parece evitar discordar.
— Bom, Otávio amava jogar com vidas. Era um homem cego pelo poder que tinha e manipular as pessoas à sua volta era um vício — comenta, pensativa. — Talvez seja isso mesmo que falou, porque ele prendia as pessoas nas ilusões que criava. Eu só consegui sair das mãos dele, quando não servia mais. Fui atropelada pela realidade.
— Vai colocar os seus erros na conta de um defunto? — questiono.
— O que disse agora, abriu meus olhos. Apesar de fazer conscientemente o que ele pedia, também me deslumbrei — lembra, emocionada, e sinto que parece realmente arrependida. — Eu queria tanto o seu lugar, a sua cama, o seu carro... Meu Deus, como te achei burra. Uma favelada como eu, com a oportunidade de morar em um palácio e simplesmente não queria mais. Cansou da vida boa — admite, com total sinceridade.
— Nossa... — digo, chocada com a sua confissão.
— Acha que foi a única a parar no olho da rua e que vendeu o corpo para garantir um teto e um prato de comida? Você teve tanta sorte... Morava lá em Lourdes como uma princesa, enquanto eu passava a noite deitando com toda qualidade de homem por um trocado. — Ela me olha com mágoa.
Engulo em seco, não posso ignorar o que Josy diz e também não posso ignorar Luzia e tantas outras. Ela teve escolhas, mas também agiu por muitas questões que a afetaram ao longo da vida.
Que porra de mundo!
— Vou arrumar um advogado, Josy — digo um instante depois, já me afastando para ir embora. Isso não vai garantir que ela saia da prisão, mas terá um processo justo.
— Espera, tem mais coisas, Dalena... — Josy segura em meu braço.
— Eu não quero saber dessas histórias. Otávio já morreu — sentencio ao supor o que pretende falar, mas ela insiste.
— Estou vendo que está de barriga... está inchada. A ideia foi minha de adulterar as suas injeções... O senador queria tanto um filho com você... falava do sonho de ser pai e eu fazia tudo por ele, estava cega — admite em desespero, enquanto sinto o chão sumir debaixo dos meus pés a cada frase. — Talvez eu fosse mais que deslumbrada, porque eu venerava Otávio. Fui tão usada, tão idiota...
— De verdade, eu não quero saber... — reforço, enojada.
— Se estiver grávida, aborte, Dalena. Não tenha essa criança. Ele vai ser um psicopata, como o pai foi.
Eu me afasto dela e saio desorientada. Paro no caminho, encosto em uma parede, enquanto arfo atordoada. Uma guarda vem em minha direção. Empertigo o corpo para parecer que estou bem, é melhor que a minha visita não chame tanta atenção.
— Está pronta para ir? — pergunta a mulher com uma expressão segura e firme.
— Sim — confirmo, ainda me controlando. — Poderia me dizer a situação das presas. Como é a questão da assistência jurídica? Tem alguma que esteja com o processo parado, essas coisas?
— É o que mais temos. — Ela sorri.
— Vou pedir para a minha assessora fazer um levantamento e verei como posso ajudar — aviso.
— Isso seria ótimo, tem algumas que precisam mesmo de ajuda, nem todas estão aqui porque merecem.
— Eu imagino que sim. Tenha um bom dia, oficial.
— Você também, doutora.
Deixo o presídio feminino cansada de não conseguir me livrar de Otávio. Chego em casa aos prantos. Completamente abalada, me afundo no sofá da sala. O meu celular toca insistentemente, tento ignorar o seu chamado repetidas vezes dentro da bolsa, até que resolvo atender e a voz de Caveirinha do outro lado da linha fala como se fosse um velho amigo.
— Como vai a Dama dos Morros, a minha parceira? Não lembra mais dos amigos...
— Por que está me ligando? — pergunto baixo, mesmo estando sozinha em casa.
— Quero te parabenizar pela forma que tem se saído. Você me surpreendeu, até achei que não teria coragem de atirar.
— Você mudou tudo, podia ter dado errado — reclamo, ainda falando baixo e espiando pelas janelas. Não é mesmo difícil uma certa pessoinha está de bobeira na minha calçada, esperando Dom chegar.
— Saiu tudo perfeito, você se garantiu, mas eu não podia deixar isso só na tua mão, precisei adaptar a situação para deixar um homem meu na parada, se tu não desse conta, ele assumia a bronca — diz como se tudo fosse uma grande brincadeira.
— Não era esse o combinado e você ainda me colocou na cena do crime. Além de tudo, não mandou um homem, mandou um garoto.
— É da justiça do trabalho do tráfico, agora? — Libero o ar dos pulmões, impaciente com a pergunta. — Com relação a te colocar na cena, como acha que eu ia convencer o senador a ir ali sem o segurança? Eu precisava instigar ele, o cara ficou fissurado na ideia de te surpreender e tinha certeza que você não teria coragem de atirar.
— Tenho que concordar que foi uma boa saída — admito um tempo depois. — Mas ele conseguiu bloquear a minha conta bancária, os meus cartões e tem gente dificultando transferir os meus vencimentos de vereadora para uma conta nova. Provavelmente, Otávio fez isso quando você contou tudo. Estou zerada
— Danos colaterais, Dama. Tu derrubou o cara, maluca. E bem sei que o teu homem não vai te deixar na mão por causa de grana. Se brincar, esse filha da puta é dono até da minha bunda — diz, se referindo a Dom. — Ó, fala pra ele que deu tudo certo entre a gente e eu cumpri com o combinado. Agora tenho o mesmo cacife dele, se me mandar recado escroto de novo, vou costurar o rabo do mensageiro. Falô? — sua voz soa extremamente irritada.
— Não esquenta com isso, mas se vocês se estranharem por outra história, aí não é comigo — alerto para não me comprometer já que são rivais, enquanto imagino que Dom deve ter sido bem duro no recado que mandou.
— Eu não sei o que tu deu pra esses caras ficarem tão fissuradão. O senador estava obcecado, já tinha ligado o foda-se para tudo. A sorte da galera dos Fuzileiros do Morro é que Thundercat soube manter a coisa no banho maria, se não, ele tinha comido o rabo da geral. Desculpa o palavreado, mas é a realidade. O senador estava parecendo uma barata tonta, isso aqui não é Rio de Janeiro, não dá pra tocar terror como ele queria.
— Então não deveria ser mais sutil com Dom? — questiono e ouço um longo suspiro em resposta.
— Olha, eu me esquentei um pouco, então esquece e fala pro seu homem que ele é meu chegado, tem meu respeito. O motivo da briga não era justa para os membros, isso era coisa deles dois. Thundercat foi parça — diz ao repensar, e tenho vontade de rir. Caveirinha é tão aluado, que chega a ser cômico.
— Qual era o plano de Otávio comigo?
— Você não vai querer saber... — alerta.
— Eu quero.
— Ele não entrou em detalhes de se abrir comigo e tals. O doutor só mandava e eu obedecia — desconversa.
— Mas você sabe de alguma coisa se diz que eu não vou querer saber.
— Fiz por ordem dele, tá ligada? — avisa.
— Conta logo.
— Eu enviei um chegado meu para fortificar uma casa do doutor nas brenhas do sertão. O lugar é longe de tudo. A minha ex que ia ficar lá cuidando das suas coisas e dois caras de confiança da facção seriam os vigias. Estava tudo armado. Esse foi um dos motivos dele achar melhor não levar o segurança, para o cara não saber dessas paradas e ter o risco de vazamento. No fundo, acho que ele desconfiava que o tal Marlon podia amolecer por sua causa, mas de uma coisa tenho certeza, era o fim da linha para você — revela, e respiro fundo, aliviada por ter conseguido ir até o fim. Otávio nunca me deixaria em paz depois de saber sobre o meu plano.
— E eu achando que ele não conseguiria me surpreender ainda mais... — minha voz soa pesada.
— Relaxa, o cara já era. Dizem que até o carro mais caro do mundo tem freio. Você foi o freio dele — reflete.
Por um instante me imagino aprisionada no meio do nada, rodeada por bandidos e recebendo a visita de Otávio, me forçando a fazer o que ele quisesse. Minha garganta se fecha e quase não consigo respirar por um momento. A possibilidade de que uma hora dessas eu poderia estar em suas mãos, me deixou desesperada.
Ao pensar na hipótese de que eu realmente esteja grávida, o meu rosto se aperta. Seria milhões de vezes pior viver algo assim nessas condições. Vivi tanto tempo ao lado de um psicopata sádico e não me dei conta. Como é possível alguém conseguir se esconder dessa forma diante de tantas pessoas que o veem até melhor que eu?
— Dama? — Caveirinha me chama do outro lado da linha.
— Como está o dono do clube? — questiono, voltando para a realidade.
— Firme e forte.
— Ele também não deveria estar lá — resmungo, e ele ri.
— Isso não é história de sessão da tarde. Sabia que foi muito difícil entrar na cabeça do senador para deixar o motorista de fora? Foi ou não foi genial minha sacada? Sutil e eloquente, como um dono de morro deve ser. É por isso que Thundercat e Otávio se mantiveram, o problema deles foi você. O amor cega — reflete.
— Otávio nunca me amou... — corrijo.
— Realmente, um cara que queria te sequestrar, não é bem um lance de amor não. — Caveirinha ri do próprio comentário.
— Tenho uma pergunta a te fazer. — Ele fica em silêncio, mas sinto a sua impaciência na linha. — Aceitou o plano porque conhece a dor de ter pessoas abusadas e o agressor ficar impune? Fez isso por sua irmã?
— Como sabe disso? — a irritação na sua voz é palpável.
— Pampa é um velho conhecido. Digamos que nós dois já quisemos matar o infeliz... — respondo sem me intimidar.
— E?...
— Eu sou eficiente com essas questões.
— Então te devo um muito obrigada e preciso avisar para tomar cuidado, o pai dele não esqueceu, pode ter certeza — diz, deixando claro o quanto essa é uma questão sensível para ele. Afinal, o pai de Pampa o prendeu, mesmo que o próprio filho tenha abusado da irmã dele. Apesar que Caveirinha não seja nada inocente.
— É um risco que assumi.
— Você brinca com fogo — diz de um jeito pensativo. — O nosso trato tá de pé, o centro pode ser construído lá onde o senador morreu. Será in memorian. Não é demais? Mas de tu, quero distância, falô? Acho que você dá azar e essas coisas. — Ele encerra a chamada sem despedidas. Pelo menos entregou um lugar para a criação do centro.
Depois de conversar com Caveirinha, passo horas imóvel no sofá remoendo os meus problemas. Otávio morreu há dias, mas ainda me assombra por todos os lados. Até um advogado dele me persegue, o homem já andou pelos quatro cantos de Belo Rio à minha procura, enquanto continuo me escondendo. Eu realmente não preciso saber o que ele tem a me dizer.
Coloco as mãos em minha barriga, mas nada acontece. Como Josy disse, está realmente inchada. Adiar a certeza de que estou grávida ou não de Otávio, não vai mudar o fato de ser positivo ou negativo, apenas não sei o que fazer se por acaso eu estiver. Tenho medo do que posso me tornar depois, e até mesmo, de não amar essa criança. Apesar de tudo isso, abortar ou colocar para adoção, estão fora de cogitação.
Eu me sinto tão exausta que acabo adormecendo, acordando um tempo depois com Dom abrindo completamente a porta de casa. Ele desaparece indo até o carro e depois volta trazendo um colchão, que solta no centro da sala. Some novamente, retornando em seguida segurando dois travesseiros, deixados no sofá.
— Eu não aguento mais aquela cama de solteiro, é sério. — Coloca as mãos na cintura, me arrancando um sorriso. — Espera, que tem mais... — avisa me mostrando a palma da mão e sai.
Arqueio as minhas sobrancelhas em surpresa quando Dom volta e solta no chão da sala um grande saco repleto de jogos de cama. Ele tira um a um com as mais variadas estampas: umas são florais, outras com listras, letras japonesas, formas geométricas, cores lisas e por fim me mostra um com a frase "Eu te amo" em diversas línguas.
— Não sei o que prefere, então, trouxe um de cada modelo da loja, mas esse foi o meu preferido. — Abre o lençol branco, com as frases em letras cursivas vermelhas, rodeadas de corações. Como uma grande bandeira do amor, ele sacode o tecido nas mãos.
— É perfeito, também é o meu preferido. — Sorrio.
— Não seja invejosa, escolha outro — brinca.
Vou até Dom e me aperto em seus braços, só a presença dele para manter a minha sanidade. Sei que quando eu falar sobre a suposta gravidez, irá me apoiar em qualquer decisão que eu tomar. Não existem mais dúvidas entre nós, só a certeza de que sempre faremos dar certo.
— Precisamos lavar, antes de usar — aviso.
— Nada disso, vou cobrir o nosso colchão novo agora.
Dom imediatamente se empenha em rasgar o plástico e arrumar o colchão com a minha ajuda. Ao finalizarmos a arrumação do jogo de cama, ele deixa o corpo cair sobre a espuma me levando junto. Deitados lado a lado, respiramos fundo e nos sentimos aliviados por finalmente ter um lugar confortável para descansar sem ser a pequena cama de solteiro no andar de cima.
— Dom...
— Hm...
— Je t'aime — eu me declaro em francês ao ler no lençol.
— Ti amo — ele diz em italiano cheio de sotaque, além de gesticular juntando a ponta dos dedos em frente ao rosto ao balançar a mão, finalizando com um beijo nas pontas, como é típico na Itália ao dizer que uma comida está boa. Começo a rir da sua bobagem.
— Seni seviyorum — digo em turco sem o menor jeito, como se tentasse repetir um trava língua.
— I love you, baby... — fala com uma voz quente e me puxa mais para perto.
— Te quiero — eu me declaro em espanhol.
— Eu também te quero. — Beija o meu pescoço, apertando o meu quadril. — Te quero a todo instante — sussurra na minha orelha. — Te quero agora mesmo — diz ao me encarar fazendo a minha barriga queimar.
Dom se inclina sobre mim, sinto a suavidade dos lábios dele tocando os meus. É um toque sutil, mas carregado de significado, pois ele é tudo o que eu quero, tudo o que eu preciso. Seus cabelos ruivos caem sobre a testa, e eu não posso resistir ao impulso de passar minhas mãos por seus fios sedosos e macios.
Sinto a pressão dos lábios dele aumentando, me convidando a participar do beijo. Eu atendo o convite, e nossas bocas se encontram produzindo sons em uma sinfonia apaixonada.
Enquanto nos beijamos, minha mente passa a vagar para longe. Eu penso sobre a possibilidade de estar carregando uma criança dentro de mim, a possibilidade de estar grávida de Otávio. Eu deveria contar a verdade para ele agora, apesar de ainda não me sentir pronta para enfrentar um possível resultado positivo em um teste. Prometemos não esconder mais nada um do outro, Dom merece saber.
— O que foi? — Interrompe o beijo e me avalia. Sempre me impressiono no quanto ele é sincrônico comigo. — Ainda está presa no dia que atirou no senador Otário? — Ele ajeita o rosto ao lado do meu.
— É exatamente isso, mas não é somente o que está pensando. Não é apenas a morte de Otávio que vem me assombrando — digo, contraindo o rosto como se tivesse chupado um limão, estou prestes a chorar.
— Ei... somos sol em qualquer tempestade, Tigresa. Vai ficar tudo bem, uma hora tudo isso acaba — sua voz calma tenta me confortar.
— Talvez eu esteja grávida dele — revelo, angustiada.
Dom me encara sem nenhuma reação negativa, apenas fica parado por um instante, absorvendo as minhas palavras.
— Sabe que isso não muda nada entre nós... — Ele passa a mão pelo meu rosto.
— Eu sei, mas agora, talvez, eu tenha uma criança dentro de mim, filha de um homem que eu não gostaria e concebida de uma forma suja, porque eu descobri que ele adulterou o meu anticoncepcional... é como se eu tivesse sido violentada — desabafo.
— Você foi. Se aquele merda estivesse vivo, eu mataria ele — diz, inconformado. — Primeiro, precisa ter certeza se está e depois a gente vê. Tá bom? — concordo num movimento de cabeça.
— Tudo indica que eu estou. Andei pesquisando e tenho os mesmos sintomas de uma mulher grávida. Meus seios estão doloridos, meu quadril está maior, minha roupa começou a ficar apertada, ando enjoando facilmente... — Enumero, aflita.
— Mas isso não dá a certeza de nada, pode até ser psicológico. Ele te disse alguma coisa antes de morrer?
— Que estaríamos ligados para sempre, essas coisas — respondo.
— Que filho da puta! — xinga baixinho. — Sabe que ele fez isso para mexer com você, não é? Se por acaso estiver, tudo será uma escolha sua e não dele. Dalena, esse cara morreu, deixe ele morto.
— O advogado dele está atrás de mim — conto. Dom ainda não sabia. Ele se contorce ao descobrir. O meu medo era que não se segurasse quando eu dissesse, e não podemos ter nada ligando a morte do senador a nós dois. — O cara ainda não conseguiu conversar comigo, então deixa que eu dou conta. Uma hora ele sossega. A história está se segurando bem, não podemos dar um passo em falso.
— O que ele quer?
— Eu não sei o que Otávio aprontou além de ter deixado o meu dinheiro preso, tenho muito medo de descobrir — confesso. — Enquanto o advogado não me achar, não pode fazer muita coisa. Por que, se realmente quisesse me levar a um tribunal ou algo do tipo, já teria entrado com uma ação e um oficial de justiça estaria batendo no meu gabinete.
— Se ele avançar mais, eu não vou me segurar. Aquele merda extrapolou a minha paciência há muito tempo.
— Não mete os pés pelas mãos... — peço e ele se acalma mais.
— Certo — concorda, um pouco contrariado. — Então, vamos logo saber se está grávida — Dom passeia os dedos pela minha barriga. — Porque se não estiver, acaba a sua preocupação. O que acha? — Eu concordo.
Acredito que saber que não estarei sozinha durante o exame, me deixa mais segura. Vamos a uma farmácia e compramos três exames rápidos. Durante todo o trajeto, Dom segura em minha mão, mostrando que tudo ficará bem seja qual for o resultado, o que me deixa confiante nisso.
Em casa, subimos as escadas juntos e vamos até ao banheiro. Dom brinca que vai segurar as canetinhas, enquanto faço xixi, mas coloco ele para fora. Sem muita privacidade, devido a falta de portas, demoro a deixar a urina molhar os exames. Quando finalmente produzo o material para análise, espero ansiosa o resultado aparecer, depois de usar os três testes de uma só vez.
Rapidamente o resultado surge. Os três indicam a mesma resposta para a minha pergunta. Coloco apenas parte da cabeça para fora da soleira do banheiro, me deparando com Dom andando de um lado para o outro do corredor. Quando volto, respiro fundo, encarando o espelho à minha frente.
— Demora tanto assim? — ele pergunta perto da escada. — Dalena? — insiste diante do meu silêncio.
Apareço no corredor chorando copiosamente em um misto de alegria e nervosismo. Dom corre até mim e me abraça. Por um instante, tudo o que eu preciso é do peito dele para colocar os pensamentos no lugar. Mais calma, me afasto um pouco e ergo os testes em minha mão. Hesitante, ele confere o resultado e me olha com expectativa.
— Isso é um sim? — confirmo com o meu coração acelerado.
Dom me olha fixamente, e eu vejo a compreensão lentamente se formar em seus olhos. Sua expressão se resume a choque e incerteza misturadas, lágrimas se formam em seus olhos.
— Sei que deve ser muito inesperado para você, e eu sinto muito. Não posso te falar mais que isso, porque ainda estou processando a informação de que vou ser mãe. A única certeza que tenho agora, é que eu estou feliz — digo emocionada. — Tenho uma criança aqui. — Seguro a minha barriga. — Já sou capaz de dar a minha vida por ela. Eu me sinto pronta para encarar essa jornada.
Ele me olha por um momento antes de sorrir, e eu posso sentir minha tensão se aliviando. O dono do meu coração se aproxima e me abraça forte, sussurrando:
— Eu também estou pronto para essa nova jornada. Juntos, vamos fazer isso funcionar. Eu te amo em todas as línguas do mundo, sabia? Agora, seremos mais do que você e eu, seremos três, Tigresa.
Eu sorrio, aliviada e feliz, enquanto o abraço de volta. Nós nos beijamos, a felicidade explode dentro de mim. Não importa o que o futuro traga, eu sei que estaremos juntos e tudo ficará bem, mesmo que o passado ainda possa me alcançar.
— Acha que está com quantos meses?
— Eu não sei... — respondo, lembrando que a última vez que abri minhas pernas para Otávio, foi no dia que noivamos. Sem dúvidas é uma memória horrível, mas pelos meus cálculos são menos de três meses ou pode ter sido antes. — Tudo aconteceu tão rápido desde que nos beijamos na ponta dos golfinhos, apesar de parecer ter passado tanto tempo.
— Foi bom ter acontecido tudo rápido, isso não deixou tempo para Otávio fazer algo contra você. Quando a história do centro ia começar a cair no esquecimento e ele estava a vontade para agir, morreu.
— Tem razão... foi por muito pouco.
— Assim que a investigação esfriar, o que acha de ir morar comigo definitivamente? Aqui não tem espaço para nós três — propõe, me arrancando um sorriso.
— Verdade. — Olho para o quarto minúsculo ao meu lado, com o espaço apenas da cama de solteiro.
O rosto de Dom se ilumina, ele tenta disfarçar desviando o olhar e mordendo o próprio sorriso. Eu o observo desconfiada e sorridente também, me afasto segurando em suas mãos, checando de longe a empolgação que está querendo controlar.
— Que foi? — minha voz sai fina e aguda. Apesar de tentar soar normal, falha miseravelmente.
— Nada... — Faz um dar de ombros, e me puxa para os seus braços.
— Não confirmei nada. Eu só concordei que aqui não tem espaço — digo, me fazendo de desentendida, e ele semicerra os olhos, desconfiado.
— Não tem espaço para nós três — enfatiza.
— É, não tem. Também não tenho dinheiro para pagar o próximo aluguel.
— E não precisa se preocupar com isso. Tem uma casa enorme, com uma leoa carente e um cara grandão, que também é muito carente, esperando por nós três para alegrar os dias deles.
— Nossa... A Branca... Eu roubei você completamente dela. Tadinha — digo com o coração pesado ao lembrar que Dom agora vive aqui comigo.
— Ah, tudo bem... ela e o Tiquinho se entendem, e todos os dias, eu dou um pulinho em casa.
— Eu nunca sei por onde você anda mesmo... — resmungo.
— É só ativar o meu GPS no seu celular, que vai me acompanhar o dia todo.
— Sem essa de GPS novamente — afasto a ideia. — Voltando ao que importa... Poderíamos morar na chácara. Por que ir lá só de visita?
— Por que é longe de tudo? — pergunta, com bom-humor. — Se você aceitar pelo menos um carro.
— Eu tenho como comprar um carro, só que ainda não quis fazer isso e agora estou impedida.
— Vai vender o apartamento?
— Com certeza vou, mas não para comprar um carro, eu recebo muito bem como vereadora, uma hora essa palhaçada vai acabar. A venda do apartamento será para custear os gastos com a minha mãe, principalmente a terapia dela, e com as ajudas que a Luzia precisar.
— É muito dinheiro, mas eu entendo. É justo o que está fazendo pela garota, até porque, dinheiro é o que não vai te faltar — diz se referindo às próprias condições financeiras e reviro os meus olhos. — Que foi? Já passei muita fome para não esnobar o dinheiro como você. — Dom me repreende.
— Desculpa. Eu sei que patrimônio é uma coisa muito importante para você — digo, com sinceridade.
— Como está a sua mãe? — Dom pergunta.
— Está aceitando bem a proximidade com Lourdes, até porque, ela está sendo excomungada no morro. Todos os conhecidos se afastaram — conto, enquanto o meu pensamento fica distante. — Quem diria que as duas terminariam amigas? Mesmo assim, ela ainda não quer me ver, mas pelo menos está aceitando o tratamento psicológico e tomando a medicação. Depressão é coisa séria, precisa tratar.
— Lourdes tem muita paciência com dona Marilena — Dom observa.
— Sim. Ela tem um jeito durão e no fundo é uma mãezona. Eu amo muito isso nela. Queira ou não, oferece um lugar para acolher e dar autonomia financeira às mulheres que não tem. No fundo uma casa de prostituição é isso — reconheço com pesar.
— Nunca mais verei um cabaré com os mesmos olhos — Dom reflete com o olhar vidrado.
— E quem disse que é para você olhar para um cabaré? — Arqueio a sobrancelha direita e ele sorri. — É para passar direto... Onde já se viu? Um pai de família...
— Um pai de família? — pergunta encantado.
— Ah, é um pai de família — repito mais séria, e recebo um beijo apaixonado de Dom.
︻╦╤─
Depois da confirmação da gravidez, Dom e eu, estamos andando nas nuvens. Já Otávio, está cada vez mais morto para mim. Enquanto aproveito os meus últimos dias de licença, que praticamente será emendado com o recesso parlamentar de final de ano, aproveito para me preparar para a apresentação oral do meu trabalho de graduação.
A festa de formatura está agendada para acontecer em quinze dias. Apesar da investigação policial continuar sendo uma preocupação para mim, além da perseguição do advogado de Otávio, o clima de natal, réveillon e a gravidez, são acontecimentos suficientes para me deixar com muitas coisas boas para focar.
O investigador Passos, que cuida do caso da morte do senador, solicitou a minha presença na delegacia. Imagino que deseja me atualizar do andamento da investigação, já que continuo me mostrando interessada. Ele é sempre muito simpático e prestativo, nunca demonstrou me considerar uma suspeita.
Desço do carro que me trouxe até a delegacia ao me despedir do motorista. Tenho vindo mais nesse local ultimamente, do que qualquer outro. É interessante como mesmo não tendo mais nada público com Otávio, as pessoas me veem como a sua viúva. A culpa disso é da última entrevista que ele deu e é exaustivamente reprisada na tv local a cada vez que o seu assassinato é mencionado.
No início, a polícia se mostrou mais disposta a descobrir o atirador, mas, conforme a notícia foi esfriando, a investigação foi sendo engavetada aos poucos. Como eu suspeitava, existe uma forte pressão política de pessoas que preferem deixar Otávio morto, do que a sua morte se tornar dano colateral para as atividades ilegais de quem compartilhava o crime com o senador.
Nos telejornais ou na mídia impressa e blogs, em muitas notícias o termo "pressão política" sempre me passava despercebido. Agora vejo como um conchavo de mandatários do poder protegendo os próprios interesses, totalmente de caráter duvidosos.
— Investigador Passos — cumprimento o oficial, de aparente quarenta anos, ao entrar na sala. Seu rosto é fino e tem uma expressão séria. Ele usa uma camisa social azul escura, calça cinza e sapatos pretos.
— Vereadora, cada dia mais exuberante — diz com os olhos brilhando. — Sente-se, por favor.
— Como anda a investigação? — Vou direito ao ponto, depois de me acomodar na cadeira.
— Temos algo acontecendo, além de andar achando muito estranho a família do senador continuar sem demonstrar interesse na investigação. Vejo isso como um detalhe bem curioso, porque estive notando ser comum em casos de políticos assassinados, a parentada se manter em silêncio. Consegue perceber?
— Isso não seria o medo de represálias? Exigir justiça perante um dos chefes do tráfico de Belo Rio é um ato arriscado.
— Verdade. Você é uma mulher atenta. Mas eu considero que também pode ser parte de um "cala-te boca".
— Desconfia de algo nesse sentido?
— O caso do senador levanta muitas ramificações, doutora — afirma, pensativo. — Enfim, como eu dizia, além disso, tem novas questões surgindo.
— Qual é a novidade? — pergunto ao sentar.
— A investigação está recebendo a atenção especial do promotor criminal da cidadezinha de Horizonte Verde, que fica em um daqueles estados do sul. Ao que parece, as atividades do senador eram bastantes suspeitas por lá com um fazendeiro da região — revela.
— Sério? — pergunto verdadeiramente espantada.
— Sim, sim. E o digníssimo representante do Ministério Público de Horizonte Verde, me solicitou algumas diligências, que vou tentar cumprir na medida do possível — diz, incomodado. — Para ser bem franco, esse exemplar funcionário público está querendo atirar em cachorro morto. O próprio Caveirinha assumiu ser o mandante e a investigação está caminhando para ser concluída. Estamos com pressa para que ele seja devidamente processado.
— Como assim o promotor quer atirar em cachorro morto? — questiono, querendo colher informações.
— O senador está na política há muitos anos e nunca foi vazado nenhuma dessas possíveis atividades ilegais, que com todo respeito a senhora, não será surpresa alguma descobrir que ele era mais um corrupto desta nobre nação — apesar de me responder, faz floreios com as palavras. Sinto que quer me fazer cair em sua conversa mole. — A questão é: montar uma investigação que leva a um morto não é nada viável. Agora, se por alguma razão tiver informações de conexões duvidosas ligadas ao seu ex-companheiro, pode ser um caminho vivo para algo de real valor. Entende?
— Quer saber quem eram os aliados suspeitos de Otávio? — Vou direto ao ponto. Ele está sendo cauteloso por estar diante de uma parlamentar.
— Exatamente — admite. — Toda essa questão dele ter sido morto pelo tráfico abriu uma caixa de Pandora. A maior pergunta aqui não é mais quem foi o atirador, e sim, por qual motivo o tráfico de Morro Grande quis um senador da república morto. A vítima, ao que me parece, é uma figura com muitas problemáticas à sua volta — admite. — Quem puxou o gatilho só é importante para chegar ao mandante, digo com toda sinceridade. Acontece que o mandante já foi revelado, e ninguém quer gastar energia atrás de um pé rapado qualquer que provavelmente será vítima de queima de arquivo, enquanto a causa real ainda é um mistério. Um interrogatório com ele, poderia nos dar algumas pistas, mas pela minha experiência, não vai dar em nada, porque deve ter sido um drogado qualquer.
Eu poderia me preocupar em ser morta por queima de arquivo, mas quem quiser me matar por isso, precisa ser muito burro. Uma parlamentar morta, só atrairia mais atenção para o assassinato de Otávio. Se a essa altura, alguns dos seus comparsas sabem o que de fato aconteceu, estão de mãos atadas.
— Entendo o seu ponto de vista. Sabe que também me fiz essas perguntas, apesar de ter a necessidade de que o atirador seja preso.
— E em quais respostas a senhora chegou às suas perguntas?
— Nunca encontrei nada suspeito de um possível envolvimento de Otávio com o tráfico, mas quando ele aparecia na câmara, ficava pelos corredores com um visitante assíduo de lá. Um cidadão chamado Torres. Eles sempre tinham conversas afastados de todo mundo, como se estivessem combinando alguma coisa em segredo. Sabe como é?
— Sei, e como sei. Até já ouvi falar desse Torres.
— Espero ajudar com isso. — Foi um direcionamento, sem me envolver diretamente e me colocar em risco. Se vão chegar a algum lugar com essa dica, acho improvável.
— Com certeza é uma direção — diz satisfeito. — Agora, só recapitulando o dia do assassinato. Otávio chegou no morro acompanhado da senhora, fato que ninguém pode confirmar, devido as películas excessivamente escuras do carro do senador. — Ele me olha com um interesse investigativo. — Vocês desceram no clube, um local totalmente isolado do morro e entraram juntos no lugar ao pegar a chave no esconderijo indicado pelo proprietário. Enquanto inspecionavam o imóvel, discutiram a relação. Você ficou chateada e foi para outro cômodo. No momento que escutou os disparos, correu. Só conseguiu ver de relance pela janela um homem forte pular o muro.
— Exatamente — confirmo, ouvindo atentamente.
— O dono do clube que chegava ao local, se apressou em entrar quando ouviu seus gritos. A senhora chamou a ambulância imediatamente, mas não houve tempo de socorrer a vítima. Depois, entrou em estado de choque, sendo levada para a urgência médica. Quando foi liberada do hospital, se apresentou na delegacia, fez o exame de pólvora, corpo delito e nada foi detectado. A única evidência que temos de concreto, é que o atirador tinha a mesma altura que a sua. Nem mesmo pegadas no muro, o cara deixou — O investigador, sacode a caneta nas mãos, enquanto dá meia volta na sua cadeira giratória. Eu dou um longo suspiro, franzindo a testa ao arquear as sobrancelhas, comprimindo os lábios por fim. — Ainda bem que a altura por si só, não é prova o suficiente para incriminar alguém, ou a senhora estaria em maus lençóis. — Sinto que foi uma indireta.
— Nenhuma outra evidência foi encontrada? Pegadas pelas dunas, a arma?
— Nas areias das dunas, a pegada some com o vento. Não temos nada — Ele balança vagarosamente a cabeça. — Quem era o senador na intimidade, um homem violento, carinhoso?
— A mesma pessoa que você conhece, dificilmente ele saia do tom. Era um homem de muitas mulheres, mas que gostava de disfarçar.
— Então ele te respeitava? — questiona, curioso.
— Eu não diria que alguém comprometido comigo e que transou com pessoas do meu convívio me respeitava.
— Isso te irritava, você tinha ciúmes do senador?
— Nossa relação foi por interesse, e como ele me dizia, depois que me tornei vereadora, Otávio era dispensável. Ciúmes eu nunca tive, mas ele me decepcionou de várias formas — admito.
— Por quê?
— Otávio tinha o poder de vender promessas mentirosas. Por um momento, a nossa relação se tornou isso, uma promessa, até eu descobrir a mentira e romper.
— Ele aceitou bem o rompimento?
— Ele com certeza fez o que pode para reatar, dentro do que podia, claro. Se saísse da linha comigo, podia chamar a atenção negativamente da opinião pública. Eu sou uma vereadora que está constantemente na mídia e que não se cala fácil. Digamos que existia um limite para que aceitasse bem esse rompimento ou prejudicaria a própria imagem — explico com tranquilidade.
— Se fosse uma mulher em outra posição, acha que ele teria perdido a mão? Como, por exemplo, se a senhora estivesse em outro relacionamento, o que ele seria capaz de fazer? Ah, não, espere... Isso depende de quem seria o homem que estaria namorando. Se o sujeito se tratasse de alguém com poder de fogo, digamos assim, ou um grande poder e influência em Belo Rio, do tipo que conhece de celebridades a pessoas com tanto poder quanto ele. O senador só poderia espernear? — arrisca o palpite, contando que eu morda a isca.
— Não deixa de ser uma hipótese.
— Eu sei... gosto de criar cenários na minha cabeça. Veja, um assassinato pode envolver muito elementos. Além de um crime pelo prazer de matar, temos: dinheiro, poder, amor, vingança, queima de arquivo...
— Defesa, justiça... — complemento e o investigador inclina o seu rosto.
— Realmente... Defesa e justiça ainda não haviam sido cogitados, mas todos os outros apontam uma pessoa em cada elemento, como se ele tivesse sido morto por um grupo, e o Caveirinha só se encaixa em duas casinhas.
— Em qual casinha eu me encaixo? — arrisco a perguntar.
— Boa pergunta. A senhora não mataria ele por amor, está óbvio que isso não existiu, pelo menos da sua parte, o que me leva a anular também a vingança. Não faria sentido matar alguém que não amava por traição — ele reflete, como se montasse um quebra-cabeças.
— Dinheiro e poder? — pergunto com certo interesse em saber o seu raciocínio.
— Também não, pois não existem benefícios dessa ordem que lhe beneficia com a sua morte. Ele só tinha valor para você, vivo, sabemos que com a influência dele, foi eleita e se manteve bem posicionada. Em relação ao dinheiro, o testamento de Otávio foi aberto. A casa e o carro serão consumidos pelas dívidas, apesar de curiosamente a família dele estar nadando em dinheiro, mas a doutora saiu da linha sucessória quando se separou. Teria que ainda morarem juntos para fazer sentido o benefício financeiro — avalia, pensativo.
— Realmente — concordo.
— O interessante é que ele era um homem com muitos débitos para um senador, ou que sabia mascarar muito bem seus ganhos ilícitos, já que vivia uma vida incompatível com a própria realidade financeira — diz, sem conseguir encontrar um caminho.
— Bom, vejo que Otávio deixou muitas questões pendentes. Está na minha hora. Em outra oportunidade, conversamos mais, inspetor — digo e me levanto. — O senhor é um bom profissional, tenho certeza que vai encontrar uma direção.
— Eu não diria isso, as notícias sobre o caso estão entrando no esquecimento, desconfio que seja por pressão política. O interesse maior é que seja concluído, mas, agradeço por se dispor tão gentilmente. Quem sabe, perseguir os vivos, não traga mais resultados — finaliza.
— Eu diria que é um bom caminho — digo e me retiro calmamente, imaginando que a investigação não tem como me ligar ao crime, apesar de ser uma suspeita.
A polícia está no escuro, só não consigo dizer se é propositalmente, mas essa conversa que não estão atrás do atirador, não cola. Não seria surpresa descobrir que os detetives do caso estão fazendo corpo mole por alguma razão e o inspetor está num beco sem saída. Foi essa a impressão que ele me deixou.
Não é um sabor de vitória ou uma satisfação burlar a lei. O sentimento que me consome é de apenas ter conseguido alcançar a justiça para o senador, que por outros meios não seria punido e sem dúvidas, o crime continuaria sendo cometido. Respondi de forma coerente tudo o que o inspetor precisava saber. Sei que o caso ainda não foi fechado, porém, sinto que agora posso seguir em frente com minha vida.
|NOTA DA AUTORA|
Muitos acontecimentos nesse capítulo e imagino que a cabeça de vocês estão explodindo em teorias sobre a paternidade da gravidez de Dalena. Tem gente com medo de ser do senador, tem gente jurando que não tem como ser. Façam as suas apostas. Próxima quinta, Capítulo final e domingo vou liberar o epílogo.
O que acharam do capítulo de hoje, deixem suas impressões. Josy mereceu receber ajuda jurídica de Dalena. Marilena em depressão, a investigação sobre Otávio tomando rumos para os crimes que ele cometeu, Caveirinha entrou nessa por poder, justiça ou por medo de Dom?
Até o capítulo final !! Preparem o seu coração!! A emoção está garantida até a última palavra. ✿◕‿◕✿
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