▓ CAPÍTULO QUINZE ▓
Os dois telefones não param de tocar dentro da minha bolsa, ativo o modo silencioso de ambos enquanto me afasto do plenário. Ao entrar em meu gabinete, encontro Íris chorosa na sala da assessoria, arrumando suas coisas em uma caixa. Ela me olha com tristeza, sinto pena por ela perder o emprego assim, mas não posso manter no gabinete alguém em que não confio.
— Me desculpa... eu estou muito apaixonada por ele — começa a falar de forma apelativa.
— Não se dê ao trabalho, Íris, porque eu simplesmente não ligo — digo dando as costas ao sair na direção da minha sala.
— Ele sofre, sabia? — Fico interessada em saber o quanto está enganada e me viro para ela. — Otávio te ama, eu vejo isso. Tudo o que faz é para ter você.
Coitada... Ela recebeu uma lavagem cerebral ou talvez tenha sido uma lavagem de esperma. Quem sabe foi um banho de loja? Não dá para ter certeza. A única certeza é que é uma jovem inocente, como eu talvez também seja, já que acreditei em Otávio. Ele mente muito bem.
— No início, eu só queria ajudar o Otávio, até enxuguei as lágrimas dele por você, assim nos aproximamos muito e acabou acontecendo... Ele pediu ajuda para a Josy, porque não sabia o que fazer quando você saiu de casa. Ela não estava muito disposta, mas o senador não conhece a palavra "limites" quando se trata de te conquistar. Nem preciso dizer o quanto foi generoso com nós duas, e minha prima pediu que me aliasse a ele — Íris fala com orgulho em sua voz, como se estivesse envolvida em algo muito nobre.
— Josy?... — pergunto com a voz frágil.
— Sim, mas ela não sabe que Otávio e eu acabamos nos apaixonando.
— Ele disse que está apaixonado por você? — Fico sem querer acreditar nas minhas suspeitas, no entanto, preciso confirmar o quanto Otávio foi inescrupuloso.
— O tempo todo... — responde como se estivesse com pena de mim e tenho vontade de chorar com pena dessa garota. Agradeço tanto a Lourdes por ter me endurecido.
— Acabou de fazer dezenove anos, tem uma vida inteira pela frente, não entrega isso a Otávio. Você tem família, tem suporte, não precisa passar pelo que eu passei — aconselho de uma forma gentil.
— Mas eu não sou garota de programa — retrucou com uma maldosa inocência.
— Exatamente... Se nem pagando vale a pena, porque quer passar por isso de graça? — Deixo a pergunta no ar.
— Sabia que ele me levou na viagem? — pergunta, parecendo uma outra pessoa ao declarar o que tem como uma espécie de trunfo.
— Na viagem? — Franzo o cenho um pouco confusa.
— A idiotice do passeio de balão — esclarece com um certo prazer, embora parecesse totalmente fora de si. — Foi assim que nós chamamos. Eu fiquei hospedada no mesmo hotel. Ele me queria por perto, porque precisava de alguém que realmente gostasse dele. Então fiquei curtindo os serviços do spa.
— Não deveria, mas isso realmente me magoou — admito com um bolo na garganta, lembrando que Otávio insistiu para que eu não usasse os serviços do hotel.
— Você nunca gostou dele. Acabou de dizer que não se importa. — Ela dá um sorriso irônico.
— Infelizmente, esse foi o momento que eu acreditei em Otávio. Talvez quando você descobrir o quanto está sendo burra também vá doer — reflito, analisando a garota tentando se mostrar superior a mim, sem saber o quanto está patética.
— Ele não gosta mais de você, ele gosta de mim. Eu falei, estamos apaixonados e temos um pacto — cospe as palavras convencida do que diz.
— Aposto que Otávio te disse que só quer casar comigo por causa da campanha. Ele não deveria casar com você já que estão tão apaixonados? Qual é a diferença entre nós duas? — Ela sorri em deboche, embora estivesse cada vez mais trêmula. — Esse cara não presta. Ele mente para você tanto quanto para mim, Íris — aviso, tentando abrir seus olhos.
— Quem é mesmo inocente aqui? — Ela balança a cabeça com um ar vitorioso. — Eu não sou a vereadora mais votada, meu bem.
A porta da sala é aberta e Otávio entra como se fosse um furacão. Seus olhos furiosos se fixam em mim, ignorando completamente a presença de Íris. A garota se apressa em ir para o lado dele cheia de intimidade, agindo como se os dois formassem um casal. Eu tento digerir a cena junto com tudo o que ela acabou de me contar.
— Saia, Íris — manda Otávio e ela o olha sem entender.
— Calma, não fique nervoso. Eu estou aqui e vamos todos conversar — pede Íris com certa inocência.
Apoiada na escrivaninha da sala, assisto a cena com a calma de quem espera a sua vez na fila, embora por dentro eu me sinta completamente machucada. Não vou deixar meus sentimentos mais uma vez serem usados pelo senador, o melhor que posso fazer é fingir que eu não sinto nada.
— Saia, Íris — Otávio repete as palavras como se enfiasse cada uma no ouvido dela para que entendesse.
A garota fica com o rosto vermelho em aflição, junta acima de sua testa um pouco do seu cabelo na própria mão e sorri incrédula, enquanto Otávio a olha com impaciência. Vendo que não há um espaço ao lado dele como imaginou, pega a sua bolsa e sai a passos largos do gabinete, parecendo segurar as lágrimas que se formam em seus olhos.
— O que deu em você? — Otávio pergunta quando ela tranca a porta.
— Como assim? Anunciei a novidade aos eleitores. Não é assim que funciona a política. — Eu me faço de desentendida, engolindo o choro.
— Não seja sonsa, Dalena. — Ele coloca as mãos na cintura, projetando o quadril um pouco para frente.
— Não seja cínico, Otávio — peço, praticamente implorando. — Melhor dizendo, para de ser cínico, Otávio — corrijo, alisando a minha testa.
— Acha que isso vai te dar o seu centro? — Ele cruza os braços com firmeza, enquanto me encara com um olhar raivoso.
— Experimenta dizer às mulheres de Belo Rio porque o centro não vai ser construído se tem verba disponível — desafio Otávio, ainda remoendo a conversa que acabei de ter com Íris.
— Você destinou de boca duzentos mil do meu gabinete no seu discurso e nem ao menos falou comigo. Está louca, Dalena? — O tom de Otávio é uma mistura de nervosismo e irritação.
— Considere uma indenização — digo sem me abalar. Ao contrário de mim, o senador está à beira de um ataque.
Otávio enfia as mãos nos cabelos, parecendo ainda digerir o meu discurso. Inquieto, agora as coloca na cintura novamente e me olha, imagino que esteja avaliando como iria me punir. Eu continuo me mantendo calma, não posso de forma alguma deixar que ele me tire do sério.
— Você tem um coração? — Otávio pergunta colérico.
— Você tem? — Minha voz soa serena.
— Eu te dei tudo.
— Você pagou por tudo o que eu te dei.
— De novo essa conversa?
— É só um fato.
— Esse circo que armou foi ciúme ou porque está apaixonada pelo traficante e quer se ver livre de mim? — perguntou tentando me desestabilizar ao achar que me surpreenderia.
— Hum... vamos ver — debocho, fingindo pensar. — Você comprou a minha amiga, me traiu com a minha secretária, a levou para a nossa viagem no meu aniversário, me impediu de usar o spa do hotel com a desculpa de que queria ficar comigo o tempo todo, quando na verdade a intenção era de deixar o espaço livre para ela, mentiu sobre o centro para que eu aceitasse essa merda de noivado...
— Eu não menti sobre o centro, só senti que estava te perdendo, mas estou em negociação com o prefeito — argumenta, como se eu fosse acreditar em mais uma mentira.
— Agora não vai mais precisar negociar nada, muito menos ter medo de me perder, ou seria, medo de perder o meu capital político? — arrisco em perguntar.
— Medo de perder o seu capital político? Eu não cheguei até aqui com o seu capital político, eu te dei a merda de um capital político e juntos podemos ser os donos de tudo — branda, indignado. — Quer sacrificar o nosso futuro por um projetinho municipal, quando pode entrar para a história? Na hora que você chegar ao topo, terá poder para fazer o que bem entender.
— Acha mesmo que eu vou acreditar nessa linda jornada, Otávio? Sei muito bem que serei apenas o seu acessório. Você usa as pessoas. Eu acabei de ver com os meus próprios olhos o que fez comigo. Íris acredita que estão em um relacionamento, como eu acreditei! — Subo um pouco o tom, nervosa.
— Íris foi uma fraqueza, Dalena — justifica num tom aflito.
— Sério, Otávio, não se dê ao trabalho. Eu quase me importei, mas não me importo. Afinal, esse sempre foi você, não é? Só não dá para entender porque se esforçou tanto para mentir, fingir que entre nós podia existir um relacionamento. Podia ter sido direto: eu quero os seus eleitores. Cara..., você mente muito bem. Eu acreditei em tudo — digo com frieza.
— Acreditou porque é verdade! — exclama, nervoso. — Eu te amo! Só que você não me dá espaço! E olha que nem quero falar do seu caso com o traficante do morro! O que você queria que eu fizesse? Vai, me fala?
— Realmente, você fez a única coisa que podia fazer: mentir e sair com a minha assessora. O que mais poderia fazer, não é? — ironizo.
— Então tudo bem você sair beijando um traficante? — provoca.
— Quer mesmo comparar?
— Me fala você, Dalena — insiste no assunto.
— Ué, você não é o cara que me segue? O cara que fode com a minha assessora enquanto repassam a minha agenda? De repente ficou com amnésia, senador? Acha mesmo que tem moral para me encostar na parede? Acha mesmo que vou me dar ao trabalho de me justificar para alguém que me fez de otária o tempo todo? — Minha raiva parece uma coceira que aumenta incontrolavelmente e eu preciso senti-la para que pare, só que isso me tira da minha razão. Não vou dar esse gosto a Otávio, ficarei firme, ele não vai me ganhar nessa.
— Eu não sou santo, mas você também não é. Não me pinta de escroto, sou o cara que não te deixou morrer de fome — joga as palavras na minha cara, bufando.
— Acha mesmo que eu preciso te pintar de escroto quando você faz esse trabalho sozinho? E diga-se de passagem, que belo escroto você é, não é mesmo? Conciliou uma foda com a necessidade de me seguir; de quebra, conseguiu uma aliada para tentar me manipular — vomito as palavras. — Ela é só uma garota. Tenta ser alguém decente. — Pego a minha bolsa e a minha valise para ir embora, mas sou impedida de sair por ele, que se coloca na frente da porta.
— Você não vai, Dalena. Não enquanto a gente não se entender. Sua merda foi grande, mas eu vou resolver.
— É, eu já abri esse espaço para a gente se "resolver". — Faço aspas no ar. — Acreditei nas suas mentiras, porque você mente muito, muito bem.
— Não é mentira a parte que eu te amo, que sonho em ser casado com você e ser pai de um filho seu. Acontece que eu fico perdido com a sua rejeição, com a sua instabilidade. Olha o que acabou de fazer no plenário, isso não é normal — fala apontando para fora do gabinete.
— Para de me tratar como louca, Otávio, não vai colar. — Sorrio ironicamente.
— Você está apaixonada por aquele bandido, é isso? E-e-e-eu entendo, você nunca namorou. — Os olhos de Otávio ficam estranhos, como se estivesse fora de si. Não era só o cara manipulador, era um homem cego.
— Para, Otávio, para...
— Eu sei que você gosta de mim, que no fundo você me ama, mas tem seus problemas... eu te escuto dormindo, sabe. Escutei por muitas e muitas vezes você chorar sonhando, você tremer. Eu estou sempre do seu lado, não é? Nós temos algo muito forte. — Sua expressão é conturbada.
— Que merda é essa que você está falando? — pergunto, sentindo uma agitação maior me possuir.
— Você reprime tudo e a noite coloca pra fora. Eu nunca disse porque é assim que consegue se virar, mas acho que isso mexe com a sua cabeça. — Ele apela para essa conversa como se fosse a sua última tábua de salvação.
— Pelo amor de Deus, qualquer pessoa tem um pesadelo. — Cruzo os meus braços sobre o peito.
— Não é algo normal, já te encontrei fazendo coisas dormindo. Muitas vezes você está nua na frente do espelho. — O meu brilho some na mesma hora.
— O quê? — pergunto com a voz falhando.
Otávio assiste o meu choque, deixando a impressão que possuía uma curiosidade de saber como eu ficaria quando soubesse disso. É como se tivesse satisfação de me contar algo sobre mim que só ele sabia.
— Mesmo que eu não te ajude, todas as vezes você se veste e volta para cama — esclarece, parecendo relatar uma experiência que tem feito comigo.
— Por que está me contando isso só agora? — questiono, chocada.
Otávio faz um dar de ombros.
— Você nunca me contou muitas coisas também, principalmente sobre você ou sobre nós, até que jogou tudo na minha cara. — Ele coloca as mãos no bolso da calça do seu terno elegante enquanto fala. — A verdade é que eu sempre soube que você é doidinha, mas nunca liguei, isso não muda os meus sentimentos.
Bufei um riso com ares de psicopata. Não dava para acreditar que precisei passar tanto tempo na mão desse sujeito, que tive a minha primeira vez com ele, que dormi inúmeras noites ao seu lado e até me apaixonei.
— Saia da porta, por favor, Otávio — peço, enquanto tudo implode dentro de mim.
— Dalena, a gente vai casar. — Ele fala tendo absoluta certeza, enquanto me sorri com seus lábios finos. Seus pequenos olhos brilhantes se estreitam um pouco no que suas bochechas se erguem.
— Isso tá virando doença... se você não sair da frente dessa porta, vou gritar — aviso, mantendo a voz calma.
— Você nem tem condições de pagar o condomínio do seu apartamento, porque está sendo tão teimosa? — Seu cenho se franze.
Otávio está impecável como sempre no seu terno caro e cabelo bem penteado, com os fios grisalhos se sobressaindo em meio aos escuros que lhe restam. Ele chegou ansioso por me colocar onde acha que é o meu lugar, mas agora, retomou o seu centro, com o seu cinismo servindo-o de escudo.
— Vou contar até dez — aviso, quando me sinto mais sóbria.
— Dalena, me escuta.
— Um.
— Dalena, eu amo você.
— Dois.
— Eu vou ser um novo homem, prometo.
— Três.
— Nunca mais eu vou mentir, nem te trair.
— Quatro.
— Para com isso, Dalena.
— Cinco.
— Você vai se arrepender — ameaça com um sorriso estranho.
— Seis.
— Se você não for minha, não será de ninguém. Tá entendendo?
— Sete.
— Eu vou estar onde você estiver.
— Oito.
— Você vai rastejar me pedindo para voltar.
— Nove.
— Vai me pagar por hoje, Dalena Rosa.
— Dez.
Otávio gira a maçaneta e abre a porta teatralmente. Passo por ele me sentindo apavorada, torcendo que suas ameaças tenham sido feitas somente no calor do momento. É aterrorizante imaginar que o senador me caçaria até o fim do mundo por não aceitar que eu possa viver sem que eu esteja à sua sombra.
Entro no carro me tremendo e bato algumas vezes na direção do carro.
Merda! Merda! Merda!
O celular ainda vibra constantemente na minha bolsa, abro o zíper e vejo que é Dom. Com certeza comprei uma briga enorme com ele, só que não vou abaixar a minha cabeça. Quem quiser me matar, me esfolar, jogar uma bomba na porra da minha cabeça, que fique à vontade.
— O que está acontecendo, Dalena? — pergunta assim que atendo. Sua voz parece calma ou fria, eu não sei dizer.
— Você me disse uma vez que a gente tinha que saber para quem levantar a cabeça, para quem baixar, e para quem devemos olhar no olho. Eu não vou baixar a minha cabeça para você, Dom, também não quero te olhar de cima, mas é algo que terá que escolher sozinho. Não disse que está todos esses anos esperando por mim? É isso: eu cheguei. Agora prova que quer realmente ficar comigo, prova tudo o que tem me dito. Eu estou cansada de ouvir essas merdas românticas. Quero respeito, dignidade, quero ser levada a sério. — As minhas palavras desencadeiam a avalanche de sentimentos que venho sentindo desde que acordei.
— Sabe que eu não tenho como aceitar o centro ao lado do meu depósito de armas. Eu estou cheio de inimigos, Dalena, realocar um arsenal não é a mesma coisa de fazer uma mudança de móveis. Me diz de que jeito eu vou resolver isso? — pergunta sem se mostrar irritado com meu ultimato.
— Posso deduzir perfeitamente que o seu contato na prefeitura é o próprio Valmir Mar, ou não teria conseguido comprar um terreno que é público tão facilmente, quem sabe até ele come na sua mão. — Dom não confirma ou nega minha suspeita. — Resolva isso ou espere a hora que eu vou questionar essa venda na justiça, e sinto muito por Tiquinho, mas tenho certeza que ele consegue pagar um bom advogado.
Desligo o telefone.
A única pessoa que quero ver no momento é a Lourdes. Dirijo até Tia Ondina me sentindo desnorteada, sem saber de que forma cheguei sem bater em algum veículo pelo caminho. Desço do carro, e entro na casa onde morei alguns anos, onde aprendi inúmeras coisas sobre sexo ou como dar prazer, muitas das quais não usei com Otávio, ele não é receptivo a apetrechos.
Encontro Lourdes contabilizando as bebidas do seu bar. Ela me lança um sorriso largo e imagino que já esteja sabendo do que aconteceu pelo jeito que me olha. Eu vou ao seu encontro sentindo que o peso em cima dos meus ombros parece mais leve, pois consigo identificar o quanto está orgulhosa.
— Você não é brinquedo, não — diz sorrindo para mim. — No morro só se fala na vereadora que vai construir um espaço de dignidade para a mulher. Mas a conversa de que o senador foi pego de calça arriada também chegou por aqui, foi muito corajosa.
— A que preço eu ainda não sei. — Suspiro, cansada.
— Ao preço de ser quem você é, de correr atrás dos seus sonhos. Agora sim está na direção certa. — Aperta o meu ombro e sacode levemente ao me sorrir.
— Ah, Lourdes, só você para me dar essa força. — Coloco minha mão em cima da sua.
— Quando chegou aqui, era só uma garota disposta a qualquer coisa para não precisar de ninguém. Agora é uma mulher abrindo os braços para todas nós. Isso é até poético — reflete com o olhar brilhando.
— Quero muito e estou lutando para isso, mas nada é certo ainda — digo pesarosa.
— Já encontrou o Otávio?
— Já... ele me ameaçou de todas as formas possíveis. — Meu queixo se franze e meus olhos ficam úmidos. — Espero que tenha dito isso na hora da raiva, não quero acreditar que seja capaz de cumprir o que prometeu, mas confesso que tenho medo.
— Você já mostrou para Otávio que tem coragem de expor suas jogadas, talvez o medo de perder o eleitorado faça com que pense melhor quando estiver mais calmo — cogita a possibilidade.
— Realmente... Otávio viu que posso fazer barulho e se encostar um dedo em mim, irá se expor. Isso é tudo o que mais evita. — Fico mais tranquila com o ponto de vista de Lourdes, ele tem muito a perder se decidir me infernizar. — A Josy recebeu dinheiro dele para ajudar a me conquistar.
— Dinheiro sempre foi o fraco dela — avalia desgostosa, tanto quanto eu estou. — Já conversaram?
— Não pretendo. Eu só quero esquecer tudo isso. — Coloco as mãos em meu rosto e suspiro cansada.
Tento me manter na conversa, mas a lembrança de descobrir que faço coisas quando estou dormindo bagunça ainda mais a minha cabeça. Lourdes parece tão animada com o meu discurso que não percebe o meu baixo astral ou simplesmente prefere me fazer focar na minha coragem de ter feito o que eu fiz e esperar que isso melhore o meu humor.
— Já almoçou? — pergunta, chamando a minha atenção.
— Não estou com fome, depois eu como alguma coisa. A conversa com Otávio foi indigesta — respondo com uma expressão abatida.
— Um dia você vai ter uma estátua aqui no morro e Otávio não será lembrado por ninguém. A única vereadora que a nossa comunidade já teve, a única que vai deixar um legado — Lourdes prevê com fervor.
— Talvez isso aconteça logo, porque acho que os meus dias estão contados. — Apoio os cotovelos na bancada e deito a cabeça.
— Você tem visita — avisa apontando a cabeça em direção a entrada do salão, eu me viro e vejo Dom caminhando em nossa direção. — Qualquer coisa estou na cozinha. — Lourdes diz antes de sair do bar. — Não pisa na bola — fala ao dono do morro quando passa por ele.
Dom encosta no balcão ao meu lado.
Hoje deveria ter o gosto da vitória, no entanto, tem um sabor amargo e oscila para o gosto da derrota. Sou apenas uma ex-garota de programa em meio a dois homens de poder, brigando pelo direito de dar ao povo o que já é deles. É tudo tão errado, que parece uma missão impossível conseguir um simples projeto.
Eu me encolho mais um pouco no balcão... uma decepção com Dom tem um peso milhões de vezes maior do que uma decepção com Otávio. Pela manhã, levantei da cama carregando o impacto dos seus pequenos beijos, fui embora sem querer que a distância nos dividisse outra vez. Como ele falou, parece que de um instante para o outro estamos juntos novamente. A impressão é que o tempo tem o poder de se arrastar quando estamos longe, e de fazer parecer que foi apenas um salto quando nos encontramos.
Giro a garrafa de Martini a minha frente, fingindo interesse em ler o rótulo. Engole o choro! Engole o choro! Engole o choro! O som da minha consciência pulsa dentro dos meus pensamentos como uma baqueta batendo num tambor. Pigarreio, agora voltando a minha atenção para a lâmina vermelha de MDF descascada que reveste a superfície do balcão, esperando que Dom evapore sem me magoar da forma que estou esperando.
— Não achei que duvidasse do quanto quero a gente juntos. — Começa, sem que eu faça ideia de onde quer chegar. — Precisa mesmo que eu te prove isso, Dalena?
— Preciso que pare de tratar uma área pública como coisa do tráfico — respondo com ironia.
— Voltamos a isso... — diz, e reajo com um suspiro impaciente. — Eu te avisei sobre o centro.
— Agora tanto faz, eles vão fazer por bem ou por mal — digo, torcendo para que isso realmente aconteça.
— Sabe que está provocando gente grande, não é? — pergunta num tom preocupado.
— Gente grande como você Dom? — Eu me viro para ele e o encaro, quero que chegue logo ao ponto.
— É, Dalena, eu sou gente grande, talvez de uma forma que você nem tenha ideia — diz com certa provocação. Sinto que estou o deixando sem paciência.
— Se não vai me matar, Dom, está perdendo o seu tempo, porque eu não dou a mínima — digo sabendo a grande mentirosa que eu sou.
— Por que está sendo tão idiota comigo? Eu não te matei quando era apenas uma pirralha que ninguém se importava. Como vou conseguir matar você agora quando eu realmente me importo? — Eu evito encarar Dom e permaneço assim. É muito difícil olhar para ele agora.
— Ótimo! — Pego a minha bolsa e me afasto indo em direção à porta, mas eu paro ao lembrar de perguntar algo. — Como sabia onde eu estava? — Dessa vez me permito avaliar o seu rosto. Dom parece incomodado com a pergunta, mas não hesita em me responder.
— Rastreei o telefone. — Bufo um riso com a sua resposta. Abro a bolsa, tiro o celular e o entrego. — Você prometeu conversar. — Ele me lembra com certo apelo.
— Isso foi antes de você usar o GPS para me rastrear. — Sua mandíbula tensiona levemente e os seus olhos se fecham por um instante.
Eu não gostei nada de saber que ele estava usando o GPS para me seguir, mas saio do bar de Lourdes sem entender exatamente o porquê de massacrar Dom. Sinto que algo mais me incomoda nele. Mesmo com a cara de bom moço, sei que ele não é, e não vou entrar em acordo com algo que não o pertence.
Enquanto dirijo, decido afunilar a minha vida. A partir de agora não admito promessas vazias ou abrir mão das minhas metas em nome de sentimentos. O sol do meio-dia reluz sobre a lataria do meu carro, refletindo as cores vivas do sol acima de mim.
Em casa, me jogo no sofá e passo a refletir que Otávio está certo quando disse que não terei condições de pagar o condomínio desse apartamento. Preciso decidir entre alugar ou vender. É estranho olhar para esse lugar e chamar de meu, aqui não tem nada que eu comprei, fora as minhas roupas e a begônia na varanda.
Ando pelo apartamento como se fosse uma formiguinha, tudo parece ter dobrado de tamanho sem a possibilidade de Otávio voltar aqui. Dessa vez, nosso colapso tem um sentimento diferente. Antes, eu só queria me livrar dele para ter a experiência de finalmente respirar sem depender de alguém. Agora, desejo desesperadamente que ele suma. O senador me decepcionou sucessivas vezes, de uma forma surpreendentemente baixa.
Tomo um banho e consigo aos poucos voltar a mim. No closet, as roupas dele são uma lembrança do quanto fomos íntimos. Começo a ter nojo das memórias que temos juntos, principalmente da última viagem, e volto ao banheiro para me lavar novamente. Eu desejo esquecer qualquer coisa relacionada àquele homem, é como se aos poucos caísse em mim do quanto me sinto magoada.
Passo um longo tempo debaixo do chuveiro, encolhida no chão de porcelanato. As divisórias de vidro vão até o teto do banheiro, me cercando em uma redoma. Fico ali prostrada, desejando que a água quente possa me limpar por dentro e por fora, mesmo sabendo que isso será uma tarefa difícil.
A campainha toca e duas opções surgem na minha cabeça. Dom ou Otávio, sinceramente, não quero atender nenhum dos dois. Depois, irei perguntar ao porteiro se o senador subiu até aqui, pois dei ordens claras sobre ele estar proibido. Ainda bem que mudei a tempo a senha do elevador, se não ele já estaria na porta do banheiro.
A campainha toca mais algumas vezes e para.
Me visto, pego algumas roupas e levo para a acomodação dos hóspedes, ficar no quarto que dividia com Otávio só me traz péssimas lembranças. Ocupo o closet vazio, me sentindo melhor por ter um espaço para construir novas memórias, embora o espaço seja menor, oferece o mesmo conforto do outro.
A campainha toca mais algumas vezes e para.
Dirijo-me ao interfone e sinto o plástico frio em meus dedos enquanto aperto o botão correspondente à portaria. O som do zumbido ecoa pelo pequeno alto-falante antes de começar a chamar do outro lado da linha. Aguardo por alguns instantes até que uma voz grave responde do outro lado da linha.
— Boa noite — cumprimento a voz que me atendeu. — O senador Otávio subiu até o meu andar? — Respiro fundo, aguardando a resposta do outro lado.
— Não senhora, dona Dalena. Ele esteve aqui e foi avisado que não está autorizado a ter acesso ao condomínio — avisa o porteiro. — Isso já tem um bom tempo.
— Hm.
— Tem alguém importunando a senhora?
— Não. Fiquei curiosa.
— Conhece o código de alerta para a portaria?
— Conheço sim. Obrigada.
— Por nada. Qualquer coisa, estou às ordens. — Encerro a chamada tendo quase certeza de que o dedo insistente na campainha era o de Dom.
O ding dong ecoa novamente um tempo depois, interrompendo a quietude do apartamento. Ainda hesitante, permaneço imóvel por alguns instantes, observando a porta pela fresta que separa a sala do corredor. Porém, a insistência do som me faz levantar e caminhar em direção a entrada.
Chegando lá, vejo Dom através do olho mágico. Faço uma breve pausa para arrumar o meu cabelo que desce até o meu busto e a roupa em meu corpo. Coloco os dedos titubeantes sobre a chave, antes de deslizar a mão pela maçaneta e abrir a porta.
Com um sorriso discreto no rosto, Dom fica à vontade para se apoiar na soleira. Seu olhar era como um convite sedutor, me desafiando a explorar o que se passa em sua mente. Enquanto eu o observo, fico envaidecida com a sua insistência, lembrando que se tem algo que ele não precisa é correr atrás de uma mulher. Entre esses pensamentos, não pude deixar de notar como a sua camiseta branca se ajusta em seu corpo, realçando os seus músculos definidos, enquanto seus cabelos bem arrumados contrastam com o seu ar descontraído.
Suas calças esportivas de marca e seus tênis de couro combinam perfeitamente, mostrando que ele tem muito bom gosto e condições de investir em roupas de alta qualidade. Sua barba bem feita, dá um ar de cuidado com o seu visual. Dom é um homem vaidoso.
— Andando pela vizinhança outra vez? — Está impossível para mim ser simpática com ele.
— Não. Serei seu vizinho. Suzanna mora no apartamento de baixo e me emprestou para morar até quando eu quiser — explica, como se não fosse nada demais.
— Suzanna? — Cruzo os meus braços entendendo que esse é o exato motivo que está fazendo o meu sangue ferver com Dom pelas últimas horas, além do centro. Chicão me deu informações úteis sobre os dois. — O tráfico paga bem, não é mesmo, ou é você quem a banca?
— Um pouco dos dois, não dá para ela trabalhar com o pessoal da alta, morando em Tia Ondina — conta, como se estivesse à vontade com o assunto ao contrário de mim.
— Bom saber que você cuida da sua Aeromoça — ironizo.
— Ela não é a minha Aeromoça — rebate sem se afetar com a minha provocação.
— Você tem um rolo com a garota — digo assertiva — e ainda manda ela sair da própria casa para vir atrás de mim?
— Eu não tenho um rolo com Suzanna, também não mandei ela sair. Apenas conversei sobre as minhas preocupações e ela me ofereceu o apartamento. — Novamente, Dom faz parecer que não tem nada demais. Talvez eu seja a única no universo que não saiba a arte de mentir.
— Nossa, que boazinha — desdenho.
— Não, ela não é boazinha, assim como eu não sou, acontece que ajudamos um ao outro — esclarece. — O que você andou sabendo sobre nós? É por isso que está tão?... — Franzo o meu cenho olhando torto para ele, esperando qual adjetivo irá escolher, pois não esqueci que me chamou de idiota mais cedo. — Você sabe.
— Eu não tô nem aí para você e sua Aeromoça traficante — digo exaltada. — Você que anda me perseguindo. — Sacudo o dedo em riste ao lado do meu rosto. — Não sei por qual motivo sou uma preocupação sua, estamos há anos afastados. Que loucura é essa? Que perseguição é essa, meu Deus? Eu não tenho um minuto de paz...
Dom inclina levemente a cabeça para trás, enquanto seus olhos estão fixos em mim. Ele pressiona seus lábios prendendo um sorriso de pura satisfação. Sinto a tensão em meu rosto aumentar, enquanto tento controlar o meu nervosismo. Minhas sobrancelhas se contraem, meus lábios formam um bico enquanto cruzo os braços, é como se meu corpo quisesse expressar de alguma maneira o quanto estou irritada.
— Qual é a graça? — pergunto ainda mais aborrecida.
— Você está com ciúmes da Suzanna — diz num tom espirituoso.
— Não tô nada. — Crispo os meus lábios diante do seu jeito convencido.
— Está sim, desde ontem — insiste em me desmentir.
— Para com isso ôooh, maluco. A gente não tem nada. — Dom vem em minha direção, e começo a andar para trás, enquanto ele avança sobre mim até me encostar na parede.
Meu corpo todo formiga ao sentir a pressão sutil do peso de Dom contra mim. Seu perfume me embriaga e eu engulo em seco. Sinto o jeans da sua calça empurar o algodão fino da minha roupa de forma provocante. O tecido fluido da blusa que cai sobre meus ombros permite que eu sinta completamente o contato do seu peito firme amassando meus seios que se erguem levemente.
Minha respiração fica entrecortada e meus olhos parecem estar sob encanto enquanto exploram o pequeno volume de cílios alaranjados contornando os olhos azuis com um brilho misterioso. Suas sardas se perdem nos pelos alaranjados da barba sob as maçãs do seu rosto, acima do sorriso que se forma no canto da sua boca corada.
— A gente não tem nada, não é? — pronuncia as palavras perto do meu rosto, e meu corpo se desmancha com sua voz. — Interessante...
— Estou chateada por causa do centro. Só isso. — Fecho os olhos e prendo os meus lábios, me proibindo de falar qualquer outra coisa. — Você também está me escondendo alguma coisa sobre o seu contato da prefeitura — resmungo.
— O centro..., a prefeitura...
— Humhum.
— Se faz tanta questão, eu vou fingir que é só isso.
— É o melhor que você faz. — Encaro ele com segurança nas minhas palavras.
— Está bem, então. — Dom se afasta devagar e volto a respirar normalmente. — Como falei, estou morando no andar de baixo. Caso precise de qualquer coisa, interfona que eu venho, acho que não vai querer ir no apartamento da Suzanna. — Enfeita o nome dela ao pronunciar, fazendo com que eu lance um olhar mortal para ele.
O safado sai da sala com um sorriso triunfante nos lábios, parecendo ter acabado de conquistar o mundo. Seu passo firme e decidido mostra que sabe o quanto é desejado, apesar da minha resistência. Enquanto fecha a porta, eu me sinto indefesa diante dos sentimentos que guardo por Dom. Giro a chave na fechadura, sabendo que com ele por perto, terei um desafio difícil pela frente.
Já no quarto, eu me escondo entre os travesseiros da minha nova cama, tentando abafar o som do meu coração acelerado, buscando a paz que tanto necessito, mas sabendo que os pensamentos sobre ele continuarão a me perseguir. Tento fingir que sou capaz de ser mais forte do que a sua presença tentadora ao meu alcance, embora tenha plena consciência que não posso exigir tanto de mim. Posso dizer que foi um verdadeiro milagre eu me manter firme desde o encontro de ontem.
Merda! Eu estou muito encrencada.
|NOTA DA AUTORA|
Alguém aí querendo uma encrenca dessas? kkkkk
Dom está cheio de paciência, mas não está pra brincadeira. Dalena que se cuide!
Voltando para o assunto sério... Teve gente aqui certeira nos palpites sobre a viagem e sobre Íris também. Voilà! Vocês estão tóxicos demais!!
Fique à vontade para dar hate em Otávio, Íris e Joyce (quem esperava por isso?). Que grupinho heim? Vamos lá, soltes suas feras! kkkkkkk
Até a próxima quarta! Xeroooo ✿◕‿◕✿
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