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▓ CAPÍTULO DEZOITO ▓




É um fato que sou um desastre na cozinha e também levo uma eternidade para fazer qualquer coisa quando minha cabeça está cheia, como agora. Apesar disso, eu me sinto divinamente relaxada enquanto espremo as laranjas e olho para as cascas, que têm uma das minhas cores favoritas, junto com o azul, é claro. É engraçado como qualquer coisa me faz lembrar do Dom.

Ainda terminando de fazer o suco de laranja, ouço a porta da sala abrir e me apresso em avisar:

— Estou na cozinha!

Extraio o suco da última metade na máquina de espremer laranja e o despejo na jarra de vidro alongada. Ao me virar displicente para a deixá-la na mesa, meu coração sofre um espasmo ao se assustar com a presença de Otávio na entrada da cozinha. Ele está encostado na soleira, concentrando o peso do corpo no seu pé direito com as mãos guardadas nos bolsos da calça social que está usando.

Por um instante, o silêncio entre nós se intensifica e parece pesar no ar da cozinha. A tensão da nossa discussão no dia anterior no meu gabinete ainda nos envolve como uma névoa opressiva. Em um piscar de olhos, milhões de perguntas passam pela minha mente, cada uma delas incapaz de encontrar uma resposta satisfatória.

— Quem você está esperando para o café da manhã?

A pergunta do senador me lembra de Dom e opto por mentir para evitar problemas maiores.

— Não é da sua conta, mas fiz amizade com a vizinha. Ela quis me parabenizar pela minha coragem no plenário ontem. — Ele fez cara de poucos amigos, mas não questiona, e para não dar mais tempo dele pensar no assunto, eu me apresso em perguntar: — Como entrou aqui? — Seguro firme na alça da jarra de suco em minha mão.

— Todos abrem as portas para o amor, menos você. — Otávio sabe manter o controle emocional como ninguém, suas palavras não escorregam nem por um milésimo de segundo na raiva que está sentindo de mim.

— Amor... — Ouvir a palavra amor vindo de alguém como ele é realmente uma boa piada, mesmo que tenha um humor ácido, e abro um pequeno sorriso embasbacado.

— Dalena, eu estava muito chateado ontem... — diz, vindo em minha direção. — Mas eu entendo que você teve uma crise de ciúmes — ele conta outra piada, que dessa vez me provoca uma gargalhada com ares de insanidade.

— Ciúme?! Sério que você não percebeu que foi nojo, decepção, raiva... — Otávio se aproxima mais. — Não chega perto, Otávio. — Coloco a jarra de suco entre nós dois.

— Você está certa. Te deixei aqui sozinha sabendo que não estava bem, só não esperava que tivesse uma crise de insegurança por causa daquela franguinha — seu tom soa pateticamente compreensivo.

— Para. Para em nome de Deus, para. Não fala mais nada, por favor. Só sai daqui... — peço controlando o meu tom. Meus olhos ficam úmidos da cólera que sinto com o cinismo dele. — Por favor, vá embora e não volta mais.

— Aqui é a nossa casa, você é a minha noiva, é claro que vou voltar. Não vou te deixar assim, abalada. Precisamos conversar e resolver isso com maturidade. — Otávio toca os meus cabelos e o meu corpo se ouriça de pavor. — Foi uma crise imperdoável de ciúmes, mas o amor que eu sinto é maior que tudo isso.

— Não vamos casar, e aqui não é a sua casa. Você não me ama e estou repetindo isso sem a menor necessidade, porque sabe muito bem. — Empurro Otávio delicadamente.

Ele sorri fazendo parecer que eu não falei nada demais, como se fosse apenas uma cena para o desafiar e, na verdade, voltaria a ser tudo como era antes. Mas dessa vez, eu não iria ceder. Não podia mais permitir que Otávio fosse o meu dono. Eu passei da hora de tomar uma decisão definitiva, de acabar com o que tínhamos de uma vez por todas.

Fingindo não ter ouvido nada do que eu disse, o senador suspira e avisa:

— Os convites já foram enviados para a gráfica pelo cerimonial que contratei, sabia? Inclusive, tem um destinado a sua mãe, não dá para fazer um casamento só com a família do noivo.

— Você enlouqueceu?

— Tem cinquenta convites para distribuir com os seus parentes, será uma cerimônia íntima — continua, reforçando o seu cinismo. — E também, hoje à noite vamos a um evento social. Esteja pronta às vinte e uma horas, eu venho te pegar. — Otávio decidiu ignorar todas as minhas negativas. — Eu sei que nem preciso avisar, mas vou deixar bem claro. Quero que seja vista ao meu lado mais apaixonada do que nunca e não fode tudo. Essa é uma chance que estou te dando, caso contrário vai se arrepender — ameaça acariciando o meu braço. — Capriche para me agradar — pede se aproximando do meu rosto e deixa um beijo na lateral dele antes de sair, enquanto estou em choque.

Quando Otávio bate à porta da sala, anunciando que foi embora, Dom surge, vindo de um dos quartos. Delicadamente retira a jarra da minha mão e me envolve num abraço reconfortante. Eu não sei o que pensar, não sei o que dizer ou sentir. Parece que estou suspensa numa realidade alternativa, uma realidade onde o senador me empurrou bruscamente, sem me dar tempo para reagir.

Não fosse a presença de Dom, é possível que eu ficasse paralisada pela eternidade, sem conseguir digerir a loucura do senador. As informações que me passou vêm à minha memória em flashes, aumentando o meu choque. Ele ainda conseguiu pensar em algo pior do que achar que casaríamos, cogita convidar a minha mãe. Aliás, essa não é a primeira vez que menciona a possibilidade de uma reaproximação entre nós duas, o que me faz questionar se é uma forma de me atormentar ou ganhar a simpatia do eleitorado. Talvez sejam ambas as opções.

— Quer uma água? — Dom oferece.

Balanço a cabeça em negação, mantendo os olhos fixos no chão.

— Não — digo com a voz falha, ao erguer meu rosto em sua direção. — Não precisa.

Dom franze a testa, preocupado com o meu semblante abatido.

— Bebe um pouco, você não parece bem — pede carinhosamente.

Suspiro, cedendo a sua insistência.

— Certo, só um pouquinho — aceito para satisfazê-lo.

Enquanto Dom se ocupa em me trazer a água, eu apoio as mãos na pia, sentindo falta de algo que me sustenta. Minhas pernas estão absurdamente fracas e eu me concentro no zunido da geladeira, tentando acalmar minha mente. Otávio saiu daqui há alguns minutos, mas me deixou dentro do pesadelo que sua presença me trouxe. É tudo tão surreal que me falta a certeza de que passei por isso, assim como era com Sandoval. Sempre ficam as perguntas: Isso realmente aconteceu? Eu poderia ter evitado? A culpa é minha?

Com as sobrancelhas franzidas em um misto de preocupação e raiva, Dom me estende um copo com água gelada, que aceito com gratidão. Depois de engolir todo o líquido de uma vez, deixo o copo sobre a pia, ainda atordoada com o que acabara de acontecer. Enquanto tento me recuperar, noto a tensão que se forma no ar. O silêncio da cozinha agora é fúnebre e me deparo com o olhar intenso do dono do morro de Tia Ondina em direção à saída. Seus punhos estão cerrados, e posso perceber a luta interna que ele trava para não explodir em fúria contra o senador. Apesar de tentar disfarçar, é impossível não notar o brilho de ódio em seus olhos inflamados, que demonstram toda a ira que gostaria de desabar sobre Otávio.

— O que você pretende fazer? — a pergunta que faz é algo que ainda não tinha me ocorrido.

— Vou continuar minha vida. Se ele quer fantasiar que estamos juntos, será um problema dele — respondo, como se tomasse o ar depois de me afogar por alguns segundos.

— Esse cara é completamente desequilibrado, Dalena, precisa se proteger. Não dá para ficar morando aqui, não dá para andar na rua de qualquer jeito, não dá para seguir a vida confiando que ele vai simplesmente te deixar de lado. — Seu punho esquerdo pressiona fortemente a base de mármore da pia, como se estivesse amassando o rosto de Otávio. — Ele já entendeu que não quer mais, você que não entendeu do que esse sujeito é capaz para ter o que quer.

— O que sugere? Porque eu não vou à polícia — aviso, e Dom solta um longo suspiro, parecendo contrariado.

— Posso deixar alguém disfarçado fazendo a sua segurança? Conheço um cara, ele não é do tráfico, é um bom amigo, e saberá te defender se necessário. Também posso te ensinar a atirar e te dou uma arma — oferece, mas não aceito muito bem as sugestões.

— Que isso, Dom?! Por que você sempre acha que vou morrer? Não é como se eu estivesse na mira de Caldeira ou Coalhada. Otávio não é um assassino.

— Não que você saiba. Esse cara está pronto para te atormentar, assinar a sua sentença de morte ao que parece é o último item da lista, mas totalmente viável para ele. — Seus lábios se crispam, enquanto suas narinas expelem o ar feito um touro prestes a atacar.

Fico em silêncio, ponderando as palavras de Dom. Ele sempre soube como alardear os perigos à minha volta, mas dessa vez parece estar mais cismado do que nunca. Percebo que tenho que apaziguar os ânimos, antes que seja tarde demais. Com a ficha corrida dele, é possível que se por acaso pensar em respirar perto de um senador, isso lhe traga um grande problema.

— Ele só está com raiva, não vai chegar a esse ponto, não consigo acreditar nisso.

— Você ama esse merda? — Dom coloca um olhar triste e preocupado sobre mim

— Nunca nem cheguei perto — sentencio sem pestanejar.

— Então não sei o que te impede de enxergar quem ele é.

A decepção fica latente em seus olhos, isso acaba me deixando mal. Não é que eu não valorize a preocupação de Dom, só acho que seja um completo exagero e um perigo estimular uma rixa entre os dois. Além de ser provável que a visão de mundo que tem, diante da violência que vive, afete o seu julgamento nessa questão.

— Como sabe, por muito tempo ele foi um cliente fixo, na verdade, o único cliente. Tivemos uma curta relação, depois vi que não funcionava, mas em todos esses anos eu só tive Otávio na minha vida. Não é fácil acreditar que me veja como um animal que você engorda para abate. Estamos em conflito, e não será surpresa se me causar prejuízo na política. Obviamente, estou com muito medo disso, como também do descontrole dele. — Dou um longo suspiro. — Espero que o tempo o faça deixar essa história de lado. Eu sei que o provoquei, talvez até tenha sido injusta por causa da nossa história. É tudo muito confuso, e sinto que devo algo a ele — explico, abrindo os meus sentimentos para Dom.

— Você não deve nada pra esse cara. — A voz dele soa gélida.

— Eu sei que não, mas é o que eu sinto.

— Por favor, Dalena, me escute só um pouco — pede num tom moderado. — A gente vê como ele vai se comportar durante alguns dias. Se for só exagero meu, você volta à normalidade, não vai influenciar em nada na sua vida — sugere, mantendo a sua preocupação.

— Ai, Dom... — digo um pouco aflita.

— Não quero te pressionar... só não consigo ficar numa boa com isso. — Move a cabeça de um lado para o outro, evitando me olhar.

— Que tal só me ensinar a atirar? E também posso ficar com o seu telefone, vai saber onde estou a hora que quiser — faço a oferta.

— Que tal tirar uma licença da câmara também? — pergunta sabendo a provável resposta.

— Isso está totalmente fora de cogitação — rejeito por completo a ideia.

— E passar uns dias na minha casa? — propõe com um olhar esperançoso.

Ele vem para perto, desliza a mão por baixo do meu terno e agarra a minha cintura, me trazendo novamente para a nossa realidade. Sua mão é quente e forte, e eu sinto a textura áspera de sua barba contra a lateral do meu rosto. Seus dedos se fecham em volta da minha cintura, fazendo-me arrepiar. Sinto seu peito encostar no meu, sua respiração cálida sobre meu pescoço enquanto seus lábios roçam levemente contra minha orelha. Minha pele se arrepia ainda mais quando ele sussurra:

— Vai ser ótimo ter você lá.

Enquanto sinto as suas carícias, reflito sobre a proposta que acabara de fazer. A ideia de passar uns dias na casa dele me parece tentadora, um refúgio seguro em meio a todo o caos que se tornou a minha vida. Seria bom poder relaxar um pouco e esquecer todas as preocupações que me cercam. A oferta me atrai, e sinto a tensão em meu corpo diminuir à medida que ele me seduz com seus encantos. Talvez seja hora de me permitir um pouco de tranquilidade, e a casa de Dom pode ser o lugar perfeito para isso.

— Uns dias. — Dou um longo suspiro e deito a cabeça em seu peito. — Mas precisa prometer que vai esquecer Otávio, deixa que eu resolvo tudo com ele. —

Ouço Dom bufar em resposta. Depois de beijar o topo da minha da minha cabeça, diz:

— Ele está com muita sorte. Se não fossem questões muito delicadas, que inclusive te colocam em risco caso eu perca a minha cabeça, esse cara já andava por aí sem as bolas. — Eu percebo a raiva na sua voz. — Então não se preocupe, eu só posso agir, se ver o senador tentar sair da linha. Mas em uma situação assim, eu não te prometo nada.

— Não vai precisar de nada disso — garanto ao encarar seus olhos.

︻╦╤─

Após beliscar o café da manhã, arrumo uma mala com a ajuda de Dom, que gentilmente se oferece para levá-la para sua casa. Depois que nos despedimos com uma sequência infinita de amassos regados a beijos ardentes, telefono para uma amiga da faculdade e ofereço a possibilidade de ser minha assessora. Ela aceita sem titubear, agradecendo milhões de vezes por ter sido lembrada.

Enquanto dirijo para a câmara, não consigo deixar de pensar em Josy e em como me sinto relutante em ter uma conversa com ela. Não sei se há espaço para esclarecimentos, ou mesmo se isso é aceitável. O trânsito foi tranquilo até a câmara. Estaciono na vaga reservada para o meu cargo e caminho até o antigo prédio azul celeste que abriga o poder legislativo municipal.

Pensativa, subo as escadas com degraus vermelhos de concreto liso, rememorando o turbilhão que vivi desde que me despedi de Dom na Ponta do Golfinho até o nosso café da manhã. Ando pelo longo corredor cumprimentando os colegas que encontro pelo caminho, seguindo para o meu gabinete.

— Bom dia, vereadora Dalena! — Ouço alguém atrás de mim.

— Bom dia! — respondo ao me virar para a mulher que se apressa em me alcançar.

A jovem segura com firmeza uma valise preta. Seu terno básico preto, combinando com uma blusa vinho, evidencia sua postura decidida. Mesmo usando sapatos altos, sua estatura é um pouco menor do que a minha. Seu cabelo castanho, assim como o meu, está preso em uma longa trança que desce por seu ombro até abaixo do busto. Os óculos redondos emolduram um olhar astuto, deixando claro que ali há uma mulher atenta e perspicaz. Instantaneamente, percebi que gostei dela de cara.

— Sou jornalista do Diário de Belo Rio, me chamo Henriqueta Lima. — Ouço curiosa o seu nome, e ela logo justifica. — É um nome incomum, meu pai quis homenagear a poetisa Auta de Souza.

— Foi o que pensei, conheço bem Auta de Souza, mas é a primeira vez que me deparo com alguém que tem o mesmo nome — esclareço. — É uma linda homenagem, e faço questão de dizer que fiquei com inveja, porque sou encantada com seus escritos — digo com sinceridade. — "Depois da prece doce em teu recanto, onde a luz do conforto surge acesa, vem ouvir os gemidos da tristeza, da miséria que a noite afoga em pranto". Essa é a primeira estrofe de Ora e Vem, é o meu poema favorito.

— Lembro bem, meu pai me fez ler todos — diz, revirando os olhos alegremente com a recordação afetiva.

— Sabia que ela foi psicografada por Chico Xavier? — pergunto.

— É... eu sei sim. Os poemas foram até considerados autênticos.

— Isso! — confirmo, empolgada. — Não sou religiosa, mas sempre me ocorre o que vem depois daqui. De certa forma, me conforta pensar nela, enviando de onde estiver a sua essência pelas palavras. É como se alguém atestasse que a nossa existência é maior do que a nossa materialidade.

— Concordo totalmente. — Henriqueta me faz um aceno positivo com a cabeça. — Então, como você está depois do discurso, tudo bem? — faz uma curva em nossa conversa, possivelmente, indo ao que a interessa.

— Gostaria de dizer que sim, mas não vamos começar com uma mentira, não é?

— Por favor, não faça isso depois de uma citação tão incrível. — Sorridente, agita a sua mão em negativa diante de mim. — Mas, se refere ao término com o senador? — pergunta, e apenas dou um sorriso com os lábios comprimidos, arqueando as sobrancelhas. — É uma questão muito pessoal para você? — questiona diante do meu silêncio.

— É uma questão muito complexa de responder.

— Olha que sou uma boa ouvinte — brinca.

— Tenho certeza que sim — reconheço de forma simpática —, mas ninguém toca flauta e chupa cana ao mesmo tempo, não acha? Esse é um tema para outra oportunidade, uma em que tomaremos um café e conversamos como amigas.

Henriqueta assente com a cabeça, compreensiva. Enquanto há uma inesperada quebra no nosso diálogo tão amistoso, observo as pessoas que passam apressadas pelo corredor. Umas, me cumprimentam com um aceno de cabeça. Outras, apertam a minha mão e mencionam algo sobre o discurso que fiz no plenário. Mas todas parecem ter algo urgente para fazer. De repente, Henriqueta retoma a conversa, quando o fluxo no corredor diminui.

— Então, que tal responder às questões de maior importância para os cidadãos de Belo Rio? — Enuncia sorridente, atraindo de volta a minha atenção. — Poderia conceder uma rápida entrevista ao jornal para qual trabalho?

— Claro! Com maior prazer — concordo imediatamente. — Me acompanhe até o gabinete, lá ficaremos mais à vontade.

A jornalista me acompanha até o gabinete, caminhando em silêncio pelo corredor movimentado. Abro a porta da sala e faço um gesto convidativo com a mão para que se acomode em uma das cadeiras em frente à minha escrivaninha. Eu me sento na cadeira oposta, enquanto ela prepara seu celular para gravar a entrevista. Observo atentamente a jovem colocar sua valise na cadeira ao lado e me encarar com uma expressão serena, pronta para começarmos.

— Podemos dar início? — Ela me pergunta de maneira simpática.

— Claro! — respondo cordialmente ao que ela aciona o botão do microfone no touch screen do celular

— A sua candidatura foi um viral entre as mulheres da cidade. O que deveria ser apenas algo da comunidade de Tia Ondina, se expandiu pela forma que suas falas representam os anseios dessa parcela do eleitorado — enuncia o início da entrevista.

— E peço para complementar dizendo que isso é um grande motivo de orgulho para mim, pois somos pouco representadas no espaço público.

— Concordo totalmente — diz com simpatia. — Vereadora, vejo que depois de eleita, a senhora tem atuado insistentemente na prefeitura, cobrando da administração do município soluções para demandas que são trazidas ao seu gabinete pela população. Soube até que sua presença gera um desconforto tremendo por lá. — Henriqueta traz a questão do mal estar que a minha atuação traz para o prefeito.

— O poder do cargo de vereadora é muito limitado, mas a prerrogativa de fiscal do município é totalmente legítima. A questão é que as pessoas não estão acostumadas a essa fiscalização — avalio girando uma caneta em minha mão.

— Sei muito bem disso — ela diz com um sorriso no rosto. — A sua lei sobre o Centro de Acolhimento à mulher foi uma grande surpresa no cenário político, mas, apesar de ter trazido a ideia para a câmara de Belo Rio, muitos atribuem a aprovação em plenário à influência do senador. Isso te incomoda?

— De forma alguma, como falei, foi um trabalho em conjunto. O legislativo federal, representado pelo senador, o municipal com a minha participação e a da Prefeitura de Belo Rio, no nobre comando do Valdir Mar.

— Entendo — fala num tom de neutralidade e um olhar avaliativo. — Ontem, a senhora anunciou em plenário que a construção do centro tem data marcada, com um ofício em mãos. Circula pelos corredores da câmara o boato de que isso se deu como um ato de vingança em relação à divulgação pública da traição amorosa do senador contra a sua pessoa. Essa informação procede, vereadora?

— De forma alguma, a intenção é assegurar a todos que nada será prejudicado. Otávio e eu, resolvemos nossas questões pessoais de forma muito adulta, pois priorizamos a responsabilidade que assumimos perante os cidadãos de Belo Rio — asseguro, ocultando todos os pormenores.

— Considera condizente com as atividades parlamentares levar ao plenário uma questão de foro íntimo, como uma traição? — Henriqueta se torna mais séria.

A pergunta não me incomoda, pelo contrário, estou bastante confortável para responder. No entanto, percebo que para a jornalista é um aspecto da minha atuação que a preocupa, como se ela precisasse de uma explicação realmente válida para confiar plenamente em mim.

— A sinceridade com a população não é algo que vá contra a minha postura parlamentar, além do quê, como todos sabemos, os boatos voam. Então, por que não trazer logo à tona e evitar o desgaste dos comentários maldosos? — respondo com tranquilidade.

Henriqueta parece satisfeita com minha fala. Ela faz uma pausa para digitar algumas anotações em seu celular e depois volta a olhar para mim com um ar curioso. Respiro fundo, sabendo que o meu discurso agora é uma questão delicada e que tudo o que eu disser nos próximos dias podem ter um grande impacto.

Eu me mantenho calma, sem permitir que a pressão dos acontecimentos em meu entorno, me prejudiquem. Vou enfrentar esses desafios pelo projeto que eu quero entregar a população, bem como as soluções que acredito serem necessárias para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.

— Como o senador tem tratado a situação?

— Com total consciência de sua falha. Tomamos café da manhã juntos, foi uma conversa bem agradável, onde renovamos o compromisso de olhar somente para o futuro de Belo Rio. No caso dele, de todo o nosso estado. Quem sabe outros municípios não acabam sendo beneficiados com um Centro de Acolhimento? — Jogo a ideia para o universo, sabendo que Otávio, realmente, vai querer me matar quando essa entrevista sair ao ver que expandi a ideia sob a responsabilidade dele.

— Existe mesmo a possibilidade? Seria algo realmente incrível — a jornalista pergunta embasbacada.

— O senador Otávio Primmaz não mede esforços para beneficiar o cidadão. Fica aqui a minha autorização para que outros vereadores se inspirem na Lei Orçamentária de minha autoria e levem aos prefeitos do nosso estado essa ideia que abraça as mulheres com respeito. — Dou um sorriso de dor, prevendo o surto do senador. Mas se ele não possui limites com relação a mim, preciso mostrar que tenho poder para trazer consequências piores para os seus joguetes.

— Vereadora Dalena Rosa, muito obrigada por conceder essa entrevista. Termino aqui bastante feliz com a ideia que a senhora lançou para o nosso estado, que é tão carente de cuidados com a mulher. Tenho certeza que os leitores do Diário de Belo Rio ficarão com o mesmo sentimento de contentamento com a sua atuação — agradece com um sorriso expansivo no rosto.

— Também fico feliz em te atender, assim como fico quando recebo o cidadão de Belo Rio. Estou sempre à disposição da imprensa e as necessidades do nosso município. Muito obrigada, por dar esse espaço ao Centro de Acolhimento a mulher num jornal tão prestigiado como o Diário de Belo Rio.

Henriqueta encerra a gravação e fica por um momento me avaliando. A sala tacanha a nossa volta parece testemunhar que estou prestes a ganhar uma aliada no jornalismo. O tempo todo ficou claro para mim, como a nossa conversa teve as suas expectativas atendidas e fico muito satisfeita com isso. Como figura pública, preciso de pessoas alinhadas à minha postura e às minhas ideias, ninguém vai a lugar algum sozinho.

— Foi muito bem na entrevista, vereadora — elogia, parecendo que sua impressão foi uma surpresa.

— Fico até aliviada em saber, sempre tenho medo de falar bobagens — confesso.

— Aproveitando que estamos em um espaço reservado e com o gravador desligado, quero dizer que estou disposta a divulgar incansavelmente esse projeto — anuncia.

— É muito importante para mim ouvir isso — admito, feliz.

— Bom, deve ser do seu conhecimento que o senador possui muita influência nos meios de comunicação de Belo Rio, então, existe a possibilidade da reportagem ser barrada, embora tenha sido muito inteligente em falar bem dele. A questão é: sabemos que lançou mais uma obrigação para o senador, da qual tenho certeza que ele não irá gostar nada quando souber. Não tem medo? — pergunta um pouco desconfiada do meu aparente atrevimento.

— Talvez, se todos nós nos arriscarmos mais, acredito que não teríamos tantas pessoas nos colocando medo. Não é? — respondo com firmeza, mantendo a postura e olhando nos olhos intrigados da jornalista.

— É... não teríamos — concorda estudando as minhas feições. — Mas insisto em saber: a vereadora tem ideia de com quem está mexendo?

— A vereadora está cansada de gente que acha que pode mais e não se importa de dizer que ninguém precisa aceitar calado pessoas assim mandando em tudo. É melhor uma vida longa sendo dominada pelo medo, ou morrer sendo livre? — Jogo outra pergunta para ela.

— Você é corajosa.

— O pior que não. — Sorrio com certo nervosismo e volto a ficar séria em seguida. — É que eu prefiro ter medo tentando lutar pelo que eu acredito, do que só ter medo e sofrer.

— Isso é um bom ponto. — Ela sorri. — Como enxerga isso na prática?

— Veja, temos medo de exigir nossos direitos, de morrer na fila de um hospital, de denunciar um ladrão e sermos roubados por ele. Temos medo de ser vítimas de um estupro, medo de contar que estamos sendo violadas, medo de sermos acusadas de mentirosas, medo do julgamento, medo, medo, medo... Não podemos ver o medo como algo limitador, mas sim como um desafio a ser enfrentado, uma barreira a ser superada. — O silêncio paira no ambiente, como se minhas palavras precisarem de um tempo para serem absorvidas.

— Verdade — concorda, reflexiva. — O que disse é bem pertinente e retrata uma realidade que muitas pessoas enfrentam. A ideia de encarar o medo como um desafio a ser enfrentado é inspiradora, porque na maioria das vezes, ficamos acuados — avalia, com um semblante mais sério — De onde surgiu esse pensamento?

— Não dizem que a dor ensina a gemer? Então... Eu só precisei escolher se queria engolir calada a dor ou gemer, ter voz ativa sobre o que me incomoda. Tomar uma atitude — Encaro a mesa olhando os papéis sobre ela, deixando o meu pensamento encontrar as minhas dores.

— Estou entendendo o que quer dizer...

— Sempre devemos encontrar um equilíbrio, mas o medo não pode ser maior que as dores. Não é justo carregar um peso dentro do peito com a voz abafada — minha afirmação fica pairando entre nós duas. — Já estou falando bobagens, ainda bem que a entrevista acabou — brinco, e acabamos rindo um pouco.

— Não é bobagem não, é a pura verdade. Infelizmente, isso tem raízes profundas que precisamos mesmo acabar. Jogou a coisa toda no ventilador e pode trazer conquistas importantes para o serviço público em seu nome. Desconfio que as chances são bem pequenas, e sem dúvidas a sua coragem vai chamar a atenção de outros que não querem que atitudes como a sua se tornem um exemplo.

— Esses outros... sempre tão unidos em ficarem por trás da cortina.

— Exatamente, e saiba que o prefeito e o senador não estão sozinhos nessa, mas você está. Tenha cuidado — Henriqueta alerta. Dou um suspiro longo sentindo que estou em frente a uma aliada de Dom, mesmo que não saiba.

— Eu terei. — Pela segunda vez no dia, me comprometo com alguém sobre a minha própria segurança.

— Agora vou te deixar trabalhar, muito obrigada por seu tempo. Desculpe se atrapalhei.

— Não atrapalhou em nada, o meu tempo é exatamente para isso. — A jornalista me lança um sorriso, enquanto parece ainda ponderar as minhas palavras.

— Sabe, eu também tenho medo. Mesmo assim, vou me colocar à disposição para ajudar no que puder nos bastidores. Este é o meu número, e também estou disponível para aquele café como amigas. — Ela me entrega um cartão.

— Seu gesto tem muito valor para mim, obrigada — digo quando nos levantamos e apertamos as mãos. — Com certeza iremos tomar esse café, ou quem sabe até outro programa.

— Aguardarei ansiosa — diz sorridente ao pegar as suas coisas. — Até outra oportunidade.

— Até... — eu me despeço.

Henriqueta se vira e desaparece ao passar pela porta.

Ao pensar um pouco, a entrevista me deu outra percepção sobre o convite de Otávio. Eu irei a esse evento que ele falou, mas não como sua noiva e sim como sua aliada política. Agora, mais do que nunca, preciso aparecer ao lado dele, ou o que eu tenho alardeado não irá passar a verdade necessária para o projeto ser levado a sério.

Mando uma mensagem para a assessora dele perguntando o local e a ocasião do evento, ela me passa as informações sem desconfiar dos meus planos, e descubro que será um jantar de aniversário do governador. Também a peço para avisar a Otávio que não venha me buscar, pois nos encontraremos na entrada da festa no horário combinado.

Ligo para Henriqueta e conto o plano que elaborei. Ela aceita fazer parte, confirmando que irá passar a informação sobre a minha presença e a de Otávio no jantar do governador para o colunista de fofocas do jornal. Obviamente, que o jornalista não vai querer perder esse furo, pois somos um dos assuntos mais comentados nas redes sociais no momento.

Esse é mais um passo arriscado que dou, acontece que recuar não é uma opção.

Minha nova assessora, Potira, finalmente chega, e imediatamente nos abraçamos. Alta e com traços indígenas, ela possui longos cabelos negros que caem graciosamente sobre seus ombros. Sua figura curvilínea é impressionante, com um quadril arredondado que harmoniza com todo o volume que tem na cintura, busto e coxas. Na faculdade, somos inseparáveis. Eu prometi a mim mesma que sempre me lembraria dela quando surgisse uma oportunidade na câmara. Agora, tê-la trabalhando ao meu lado é animador, especialmente porque, nessa etapa final do curso, nossos encontros ficaram cada vez mais raros.

Enquanto explico o funcionamento do gabinete e as tarefas que minha nova assessora executará, percebo que ela está atenta e aprendendo com facilidade. Sua presença já torna o expediente mais leve e animado, o que me leva a ir ao plenário com uma energia renovada. Em minha fala, anuncio o convite de Otávio para acompanhá-lo ao jantar de aniversário do governador do estado, ocultando as minhas intenções. Parabenizo o governador e retomo um pouco do assunto do centro, que havia sido abordado em meu discurso anterior. Ao finalizar, noto que estou recebendo mais atenção e sendo mais ouvida pelos meus colegas.

Enquanto cumprimentava as pessoas que vinham até mim, sentia-me confiante e animada com a recepção que estava tendo. Porém, de repente, a voz de Caetano Veloso começou a cantarolar dentro da minha bolsa, chamando a atenção de todos ao meu redor. Rapidamente, percebi que era o toque do meu celular e senti meu rosto arder de vergonha.

Me afastei das pessoas com quem estava conversando, tentando disfarçar o constrangimento e encontrei um lugar mais afastado para pegar o celular na minha bolsa. Meu rosto se iluminou ao ver o nome de Dom no visor, e lembrei da nossa conversa sobre a música "Sozinho", o que justificava a sua escolha para aquele toque. Pensei comigo mesma que precisava mudar isso, mas me senti especial com o gesto dele.

Respirei fundo e tentei me controlar para não ficar com uma voz boba no telefone.

— Oi! — Atendo a ligação, andando pelos corredores da câmara.

— Se ia voltar para ele, podia ter me dito antes. — A voz de Dom soa decepcionada.

— Eu não vou voltar! — cochicho no fone do aparelho. — De onde tirou essa ideia?

— Do seu discurso.

— Não sabia que acompanhava as sessões plenárias.

— Só as que você discursa — Dom esclarece.

— Agora vou ficar sem jeito pensando em você me assistindo.

— Você é foda demais para se acanhar por causa disso. — O seu comentário me arranca um sorriso.

— Besta — falo mordiscando o lábio inferior, sentindo o meu olhar brilhar.

— Dalena... — Ouço ele soltar a respiração na linha. — Que ideia é essa de aceitar o convite de Otávio? — Volta ao motivo da sua ligação.

— Mantenha os amigos por perto e os inimigos mais perto ainda. Nunca ouviu falar?

— Você está brincando com fogo...

— Bem menos do que você — retruco, com certa maldade.

— Não sei se diria isso.

Ao ouvir a resposta de Dom, percebo que não é a primeira vez que ele dá indícios do quanto Otávio pode ser perigoso, embora opte por fazer segredo. Por um momento, penso no seu jogo duplo comigo. Se espera que eu escute os seus conselhos, precisa ser mais aberto com o que sabe. Respiro fundo, decidida a falar algumas verdades para ele.

— Você não leva fé que o centro será construído, por isso não está preocupado com o terreno. Eu sei que sempre soube disso, Dom. Naquele jantar enigmático no farol, que nunca foi para me fazer construir em outro lugar, já sabia que não era viável. Olha, sabe muito bem que eu já matei a charada sobre a intenção de me avisar de forma sutil que eu estava sendo trouxa, além de negar a oferta para que faça a construção — Dom fica em silêncio do outro lado da linha, parecendo atento ao que eu digo. — Se não pode ficar do meu lado nessa, tudo bem. Não estou te pedindo ajuda, mas não pense que vou recuar, enquanto banca de agente duplo. Eu não gosto desse jogo.

— Nada é tão simples... e eu já te falei que não fui direto no jantar, porque eu não sabia o quanto estava envolvida com ele, mas acabei te contando, não é? — Sua voz parece triste. — É que você é tão teimosa, Dalena... Está se arriscando à toa. Demos sorte com o Pampa, o que está fazendo é muito mais arriscado. Brincar com pessoas como Otávio e Valmir é construir um castelo de cartas.

— Eu só quero que não minta mais para mim ou faça joguinhos — alerto.

— Não estou fazendo joguinhos, estou sendo cauteloso. — Sua voz é firme. — Depois de anos sem uma única conversa entre nós, queria que eu dissesse na cara dura o que ele faz com você? Eu não tinha ideia de como reagiria — ele se justifica mais uma vez.

— Então fala tudo agora.

— Tem muita coisa em jogo, não dá — diz de forma definitiva. — E conversamos sobre isso hoje pela manhã, não espere que eu fique parado se sentir que você está em risco — avisa.

— O risco faz parte do cotidiano de uma mulher, Dom.

— Mas é isso que eu quero evitar.

— E é isso que eu preciso transformar pelo menos em um pedacinho do mundo. Não quero ter o privilégio de ser protegida por um senador ou pelo dono de um morro. Eu quero que o poder público assuma o seu papel na vida do cidadão. Estou lutando por isso. Não vou me esconder embaixo da sua asa — desabafo, desejando que entenda de uma vez por todas.

— Essa discussão com você não tem fim — reclama, num tom inconformado. — Vou te mandar a minha localização, me encontre lá para almoçar e treinar sua pontaria. Comprei uma arma para você.

A chamada é encerrada.

Dom quer me cercar de proteção, o que ele sabe e esconde de mim é o que me intriga. Várias teorias se desdobram na minha cabeça, mas não dá para ter certeza de nada, além de que seja algo criminoso. Otávio provavelmente está envolvido em camadas muito mais arrepiantes do crime do que apenas corrupção e aliança política com o tráfico de Morro Grande. Sinceramente, eles podem continuar com as falcatruas que já fazem, eu não tenho poder sobre isso. Minha única certeza é que nada irá me impedir de fazer o possível para o centro ser construído.


|NOTA DA AUTORA|

Olha o atrevimento da garota!! Dalena quer aprontar com Otávio, e claro que pode se dar muito mal... Quais as expectativas para os próximos capítulos? 

Ah... é foi por um fio que Otávio e Dom não se esbarram na cozinha do apartamento. Alguém aí ficou tenso? kkkkkk

Vamos lá, me contem o que acharam do capítulo de hoje. Dom pelas tabelas com Otávio, mas de mãos atadas...

Espero que tenham curtido o rumo que a história está tomando. Abraços e até o próximo capítulo!!  ✿◕‿◕✿


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