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Capítulo Trinta e Dois

A essa altura, a barriga já havia despontado e não era mais tão fácil escondê-la. Logo, todos os amigos de Jéssica souberam da gravidez, o que por algum motivo significava muito para ela. Muitos se assustaram, alguns ousaram até um sorriso de "parabéns", a maioria (como o previsto) simplesmente se afastou com o tempo. Poucos queriam ser amigos da "menina grávida". Algo que me surpreendeu, foi a Jéssica já esperar essa reação dos amigos, o que me leva a crer que no fundo ela já sabia que mantinha relações superficiais com todos à sua volta, e que era conformada com isso. Ao menos hoje, os poucos amigos que ela tem se mostraram muito mais valiosos do que a multidão.

            As perguntas sobre quem era o pai do bebê obviamente pipocaram imediatamente. Apenas eu sabia que era Lucas o verdadeiro pai, e que Jéssica, por algum motivo, não queria assumir isso a ninguém. Dessa vez, ela inventou um garoto qualquer que dizia morar em outro estado. Menos mal, pelo menos dessa vez, ela não mentiu para ninguém dizendo que eu sou o pai.

Algo que a preocupava de verdade eram os aparecimentos das estrias e celulites (malditas imperfeições da natureza que surgiam para castigar as sedentárias, segundo sua visão). Minha mãe a emprestou um conjunto de cremes e hidratantes que usou durante a gravidez, esses que Jéssica passava obsessivamente em sua pele todos os dias. Eu sinceramente não conseguia notar a diferença entre "com estria" ou "sem estria" ao primeiro olhar, mas isso parecia muito importante para elas duas.

Jéssica ficava sozinha a maior parte do dia. Com isso, acabou desenvolvendo um hábito que não tinha antes: passou a ler com frequência.

Começara com um livro de contos que pegou inocentemente na minha estante e então se apaixonou! Começou a ler compulsivamente todos os livros que tinha em casa, revirando caixas e estantes. Ela parecia realmente feliz quando estava com um livro na mão, parecia satisfeita, parecia que estava fugindo do seu mundo de complicações e conhecendo tantos outros mais bonitos e mais interessantes.

— É como se antes eu tivesse uma visão limitada da vida. — Disse uma vez antes de nos deitarmos. — É como se antes eu só pudesse enxergar o que os meus olhos permitiam e agora posso enxergar além.

Ela agora até tem uma escritora favorita, Clarice Lispector é o nome dela, é uma escritora já famosa que disserta sobre os dilemas da vida, e Jéssica simplesmente adorou todos os seus livros em que pôs a mão.

Certo dia de domingo, entro em seu quarto e ela está lendo sentada na cama com as pernas cruzadas como índio, demorou alguns minutos para perceber a minha presença.

— Ah! Você está aê! Oi, Ick. — Eu me aproximo e sento-me na ponta da cama.

— Oi, Jéssica. E então? Está gostando do livro?

— Gostando? Eu estou amando! — Ela abraça o livro como quem abraça um urso de pelúcia num sinal de carinho. — Clarice Lispector é a única coisa que me faz suportar a chatice que é ter que fazer xixi sete vezes por dia agora. — Nós dois damos risadas.

— Sabe, Jéssica. Chegou um livro da Clarice lá na livraria onde eu trabalho que acho que você ainda não leu. Vou trazê-lo para você.

— Sério, Ick? Que fofo da sua parte. — Se aproximou de mim e me abraçou. É a primeira vez que ela me abraça sorrindo ao invés de chorando. — Ick, eu nem sei como agradecer por tudo.

— Não precisa, Jéssica. É sério.

— É lógico que precisa! Eu nem sei mais quanto tempo já estou na sua casa! Venho adiando o dia em que vou ter que voltar e enfrentar os meus pais logo de vez e vocês nem ligam! Quantas pessoas fariam isso? Além de tudo, metade dos meus amigos sumiu, mas você (que eu considerava minha única inimizade) foi o que me ajudou no momento em que eu mais precisei. Sem contar o que você me ensinou sobre a vida, sobre como agir... Entrei nessa casa de um jeito e vou sair completamente de outro. É verdade. Muito obrigada. — Eu não sentia que fazia tão bem a ela quanto ela dizia e estava realmente sem graça.

O que aconteceu a seguir foi um tanto surreal. Abraçada comigo, em meio aos sorrisos, Jéssica me encarou com aqueles olhos muito azuis, e depois de um segundo de silêncio entre nós, ela estava tão perto que eu conseguia sentir a sua respiração. Ela não se afastou, continuou a se aproximar, cada vez mais, lentamente.

Os seus lábios tocam os meus.

Eles eram bons...

Eram macios...

Lembravam os da Samaris...

— Não, Jéssica! — Me desvio do beijo, do abraço e me afasto dela. — Não...

— Desculpe! — Ela parecia constrangida, se endireitou na cama e encarou a parede. — Eu não sei onde eu estava com a cabeça! Eu... Eu... Que droga! Eu estou grávida! — Disse finalmente. — O que eu estou fazendo?!

— O problema não é esse, Jéssica. Só que não é para isso acontecer! Você consegue me entender?

Seus olhos azuis me encaram novamente, agora havia tom de censura neles.

— O problema é a Samaris, não é mesmo? — Perguntou com firmeza.

No ponto. 

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