Capítulo Dez
Horário? Meia noite. Local? No mesmo barzinho que descobri por acaso enquanto vagava cego de raiva pelas ruas vazias. Esperando ansiosamente a hora em que ela iria entrar.
Ela iria entrar?
Onde está?
Por mais que eu a procurasse compulsivamente, não a encontrava em lugar nenhum. Apenas aguardava a linda garota japonesa adentrar àquele palco, timidamente, com o seu violão grande demais em seus braços para encantar a todos com sua voz, como outrora já fizera.
Primeiro, me sentei a uma mesa bem ao canto do bar, temi não conseguir enxergá-la direito e troquei esse lugar por outro bem em frente ao palco, quase colado. Depois cheguei à conclusão de que a minha localização daria uma impressão de desespero pela garota, então me levantei novamente e me posicionei bem no meio do bar: nem muito perto, nem muito longe, de modo que eu pudesse enxergá-la perfeitamente, sem parecer muito afobado.
Já pensava seriamente em ir perguntar aos donos do local se estava marcada alguma apresentação para essa noite. Nem precisei.
O som ambiente é desligado e as luzes do palco se acendem.
Lá vem ela: linda, tímida, com os seus traços orientais, sua blusa preta e saia florida solta que vai até o chão, cabelos soltos e brilhantes repicados em milhões de pontas diferentes. Samaris entrou, ajustou o pedestal do microfone, lançou um olhar na minha direção e sorriu.
Ela sorriu para mim.
E ao primeiro acorde de seu violão tudo se apaga novamente: os problemas, a escola, as outras pessoas, o mundo lá fora... Tudo que resta sou eu, ela e uma canção... Uma linda canção.
O bom de assistir algo pela segunda vez é que você ganha a chance de prestar mais atenção nos detalhes. Como os olhos de Samaris se fecham levemente enquanto canta músicas de amor, cada sorriso tímido entre uma canção e outra, como vai se soltando conforme o show passa. Tenho a impressão de que Samaris não é tímida em nenhum momento, apenas encontrou um modo de conquistar a plateia aos poucos.
No fim do show fui vê-la.
— Oi, Ick! Tudo bem? — Samaris me cumprimentou com um beijo em cada face do meu rosto — Pensei que você não viria.
— Não pude deixar de vir — respondi. — Você é ótima!
— Você só está falando isso para me agradar.
— Eu gostei mesmo, sério.
— Que bom, Ick. Quer dar uma volta?
— Sim, claro.
Era incrivelmente fácil conversar com Samaris. Ela enxergava o mundo de uma maneira única, singela e acima de tudo, verdadeira; longe de futilidades e hipocrisias.
— Você está usando o anel que eu te dei! — exclamou Samaris, ao reparar em minha mão um anel dourado com as escritas "isso também passará" gravadas.
Ao dizer isso, segurou a mão que portava o anel. Eu encarei o seu rosto. Samaris é hipnotizante; cada traço, cada detalhe. Sua boca me chama, me puxa mais para perto dela, me deixo levar pelo seu magnetismo e o fluxo invisível me levou a extinguir o espaço que existia entre nossas bocas.
Bem que o mundo podia parar naquele momento, parar de girar, o relógio parar de correr e todos nós ficarmos estáticos nesse segundo, eu com certeza não ligaria.
Foi como um primeiro beijo. Um primeiro beijo verdadeiro. E fez eco. Isso mesmo, ele ecoou por muito tempo, o eco do beijo continuou mesmo depois de nossos lábios se separarem, depois que nos despedimos e cada um seguiu o seu rumo. O eco se prolongou durante toda uma semana em que fiquei vendo o mundo de uma maneira mais leve e bonita, com um sorriso bobo no rosto, me sentindo melhor, eu até... Até podia respirar melhor. Tenho certeza que só não me sentia assim como também passava para os outros à minha volta essa sensação, pois lembro-me muito bem do Mateus se dirigindo a mim durante a aula de ciências:
— Que cara é essa, Ick? — perguntou sorrindo. — Tá parecendo um retardado.
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