※ Capítulo 7 ※
Os três primeiros dias na Urahara Shop se passaram como um sopro. Nemu ajudava Ururu nos afazeres da loja e da casa, e ao anoitecer elas e um irritadiço Jinta desciam até um espaço de treinamento subterrâneo que ficava embaixo da loja.
Lá o trio realizava um intenso treinamento de Kidō e Hakuda, sendo estas duas das quatro formas existentes de combate shinigami.
Nemu gostava de passar o tempo com Ururu, elas tinham muito em comum e suas personalidades eram totalmente compatíveis, tendo gostado uma da outra quase que imediatamente.
Após um longo dia de trabalho, Ururu sugeriu que elas fossem tomar um sorvete. Nemu não sabia do que se tratava, mas acompanhou a menina.
Elas foram até um combine e compraram picolés cor de rosa que, segundo a embalagem, eram sabor morango. Eram gelados, extremamente doces e Nemu gostou muito deles.
Sentaram-se numa praça perto da Urahara Shop e apreciaram os picolés com calma. O sol estava se pondo e a visão era muitíssimo bela.
Nemu sentiu algo estranho em seu peito estando ali com Ururu naquele banco, tomando sorvete e vendo o por do sol, ela desconfiou que aquilo era o que chamavam de felicidade.
— Até quando pretende ficar, Nemu-Chan? — perguntou Ururu com sua voz amável.
— Pretendo ficar pelo menos até terminar o tratamento, isso levará quatro dias. Mas se Mayuri-Sama me encontrar antes disso, não sei o que irá acontecer.
— Eu gosto de ter você aqui, é uma pena que tenha que voltar...
— Eu também gosto de estar aqui — disse Nemu, olhando a menina ao seu lado por um breve momento.
Tudo aquilo era ótimo, os habitantes da Urahara Shop eram uma família, dessas bem esquisitas e completas. Urahara era, segundo sua própria definição um "mero honesto, bonito, empresário pervertido" e, aparentemente, Yoruichi dormia com ele quase todas as noites em sua forma felina, o que deixou Nemu um tanto curiosa sobre o tipo de relacionamento que eles tinham.
Ururu era uma menina delicada, pequena, de cabelos pretos, e que possuía as bochechas eternamente ruborizadas. Jinta era um menino ruivo agitado que adorava provocar Ururu. Já Tessai era um homem enorme, com uma aparência assustadora, mas com modos delicados e um excelente coração.
Youruichi, Urahara e Tessai eram amigos de infância e se entendiam muito bem, tudo funcionava da forma mais estranha e harmoniosa possível.
Nemu sentiu um pouco de inveja daquela harmonia. Durante o tratamento de recuperação de memórias lembrou-se de dias difíceis na companhia de Mayuri. É claro que haviam dias bons também, mas certos dias ruins eram ruins de forma muito intensa, e ter essas lembranças de volta era um tanto desconfortável.
Urahara a ajudava a ministrar o soro, e na manhã do quarto dia no mundo humano, Nemu lembrou-se de várias coisas de sua vida adulta anterior:
Uma das lembranças mais dolorosas para Nemu foi do dia em que Ryokas invadiram a Seireitei.
Mayuri parecia muito interessado em uma menina Ryoka que possuía poderes extremamente diferentes, e estava determinado a capturá-la para estudos. Nemu estava pronta para ajudá-lo no que fosse possível, mas as coisas não saíram da forma que ambos esperavam.
Durante a batalha contra o Quincy chamado Ishida Uryu, Nemu falhou em seu modo de ataque, expondo-os ao perigo. Para não perder a oportunidade diante de si, Mayuri acertou-a com sua zanpakutō para atacar o mencionado Quincy.
Perfurando-a ele garantiu que o inimigo não tivesse escapatória e também a punira por sua incompetência. Nemu sabia que se ele não tivesse agido naquele exato instante, correriam sério risco de morrer, no entanto, o choque que sentiu durante o ato foi tão intenso quanto inevitável.
Para piorar as coisas, ela havia interrompido a batalha para pedir um suplemento a Mayuri, pois temia por sua vida em razão da profundidade do golpe que sofrera. Agora, em retrospecto, percebia o quanto havia sido ingênua.
Mayuri ficou possesso com a atitude de Nemu, pois considerou uma afronta ela reclamar de danos tão secundários e ainda sugerir que estaria correndo risco de morte — um corpo que ele havia criado com tamanha genialidade jamais morreria por danos tão superficiais — prestando-se a um papel ridículo diante do inimigo, após quase arruinar seu plano de ataque.
Nemu ficou jogada no chão, surrada e paralisada pelo veneno que havia na lâmina da zanpakutō de Mayuri. No entanto, por mais cruel que aquilo pudesse parecer, falhar tão miseravelmente numa missão era uma enorme vergonha para um Shinigami, e todos na Soul Society sabiam disso.
No fim, Mayuri foi derrotado pelo Quincy — que utilizou toda sua pressão espiritual em seu último ataque — e por pouco não acertou sua cabeça. Com o risco iminente, ele ativou um sistema de defesa que o transformava em líquido a fim de se retirar em segurança e se regenerar mais tarde.
Ironicamente, Nemu sentiu gratidão pelo Quincy. Ela tinha certeza de que ele poderia ter matado Mayuri se realmente quisesse, mas apesar de ser jovem e cheio de ódio, hesitou no momento mais determinante.
Sentindo-se imensamente aliviada por não perder Mayuri, Nemu presenteou o inimigo com o antídoto do veneno que seu capitão utilizava. Para ela, parecia justo que todos os envolvidos naquele embate tivessem uma segunda chance.
Levou três dias para que Mayuri conseguisse se regenerar, e Nemu acompanhou cada etapa daquele processo.
Nemu descobriu que o sonho que havia tido com Mayuri tomando banho era, de fato, uma memória. Um tanto distorcida, pois no sonho havia uma borboleta do inferno, e na realidade eles receberam o comunicado sobre a traição de Aizen através de um feitiço que a então tenente da 4ª divisão havia realizado para avisar a todos sobre os últimos acontecimentos.
Aquela havia sido a primeira vez em que ela o viu sem as pinturas, e agora a memória estava lá disponível, junto com outras tantas que havia recuperado nos últimos três dias.
https://youtu.be/8KxjUTv_YBU
Mayuri a utilizava nas batalhas mas não permitia que ela o substituísse. Na maioria das vezes ela só ficava por perto observando e era essencial que não se intrometesse até ser chamada.
Todas aquelas lembranças eram extremamente agridoces. Havia dor, vergonha, senso de responsabilidade, saudade, mas também havia algo mais...
Após ter a oportunidade de ver Mayuri sem suas pinturas, vestes e adereços, Nemu passou a vê-lo de maneira diferente. Sempre que olhava para ele se pegava imaginando-o sem todas aquelas camadas de roupa e tinta.
Começou assim e foi piorando com o passar do tempo. Ela começou a sentir calores excessivos perto dele e vontades súbitas de agarrá-lo e beijá-lo.
Nemu tinha uma noção do que viria a ser um relacionamento romântico. Ela havia lido muitos livros na biblioteca de Mayuri, em sua maioria científicos, mas também havia uma enorme sessão de clássicos do mundo humano com diversos romances. Não que seu capitão apreciasse esse tipo de leitura, mas porque se orgulhava de ter uma vasta biblioteca com todos os tipos de obras.
Em seu tempo livre ela ia até lá e lia por horas, e como a biblioteca ficava dentro da propriedade da 12ª divisão, não havia problemas.
Mayuri dizia que o conhecimento por si só não valia de nada, e que era essencial testar as teorias na prática. Nemu ficou se perguntando o que fazer com o conhecimento que havia adquirido nos livros de romance.
Aparentemente, quando se pensa muito em alguém — sobretudo quando se pensa em alguém sem suas roupas — significa que há interesse sexual ou romântico pela pessoa, logo, partindo desse princípio era possível concluir que ela estava interessada em seu capitão em uma dessas duas formas ou mesmo em ambas.
Na época, Nemu ficou extremamente perturbada com todos esses pensamentos e sensações, e nos meses que se seguiram tornou-se ainda mais calada, realizava suas atividades de forma disciplinada e competente, e evitava demonstrar qualquer sinal de emoção em seus gestos e ações.
Num belo dia de inverno, Nemu terminou suas atividades no laboratório e foi para casa. Aquele dia havia sido terrivelmente complicado para ela, pois teve que passar muito tempo junto de Mayuri fazendo experimentos em cobaias.
Ficaram a maior parte do dia lado a lado, realizando o trabalho que ambos apreciavam, e Nemu não pode deixar de ter pensamentos impróprios naquela situação. Mayuri era um homem inteligente, um cientista brilhante e um capitão astuto, estar ao seu lado por tantas horas seguidas presenciando sua competência e habilidades tão de perto era um exercício dificílimo.
Ela o desejava e não conseguia evitar, em especial porque quando estavam trabalhando no laboratório, Mayuri se tornava bem menos agressivo e até elogiava seu bom desempenho. Dentre as poucas alegrias que tinha na vida, realizar experimentos em cobaias com Mayuri era uma das mais especiais para Nemu.
Quando ela finalmente terminou os trabalhos Mayuri disse para ela ir pra casa descansar e não esperá-lo para comer porque ele chegaria tarde, ficaria no laboratório cuidando de algumas porcarias burocráticas de capitão e não havia motivo para ela continuar ali.
Quando Nemu chegou em casa eram 19h00, ela sabia que quando Mayuri enfiava o nariz na papelada só aparecia por volta de 02h00. Tendo isso em mente organizou as coisas da casa e preparou o jantar. Fez uma sopa de mariscos, jantou uma pequena porção e deixou o restante no fogão para que ele esquentasse quando chegasse em casa.
Eram 21h quando finalmente havia terminado de limpar a cozinha após o jantar. Incomodada com o calor excessivo em seu corpo e com os pensamentos impróprios que se recusavam a deixá-la, Nemu bolou um plano: Encheu um balde enorme com gelo e subiu para o banheiro. Encheu a banheira até a metade com água gelada, pingou algumas gostas de essência de Sândalo na água — pois havia lido que aliviava a ansiedade — e por último despejou o balde de gelo.
Colocou o relógio para despertar 22h30, pois não desejava correr o risco de ainda estar ocupando o banheiro se por acaso Mayuri chegasse mais cedo. Tirou as roupas, entrou na banheira, seu peso fez com que a água e o gelo cobrisse todo seu corpo, colocou um canudo de bambu em cada narina e mergulhou na água.
Ali, completamente submersa na água fria, Nemu respirava através dos canudos, mantinha os olhos fechados e no silencio apreciava o cheiro de essência no ar.
Paz. Silêncio. Frio. A noção de tempo se foi...
Quando de repente sentiu uma reiatsu muitíssimo conhecida por perto. Abriu os olhos embaixo d'agua, visualizou a silhueta de seu capitão em pé ao lado da banheira olhando para ela. Levou um susto, chegando a soltar algumas bolhas de oxigênio pela boca, mas se conteve, levantou o tronco sentando-se na banheira e removeu os canudos do nariz. Olhou no relógio rapidamente — eram 21h55 — constatando que ele havia voltado bem antes do previsto.
— Mayuri-Sama, perdoe-me, não o ouvi chegar — ela disse, olhando para os próprios pés dentro da banheira, já que julgou que seria um tanto constrangedor encará-lo estando completamente nua.
— O que está fazendo, Nemu? — perguntou num tom que sugeria curiosidade e estranheza.
— Tomando banho.
— Não é o que parece. — Colocou a mão na água. — Você estava se banhando no gelo?
— Estava muito calor — respondeu sem encará-lo.
— O que há com você? Estamos no inverno!
— Minhas mais sinceras desculpas, Mayuri-Sama. — disse Nemu, levantando-se e saindo da banheira delicadamente para não espirrar água em seu capitão.
Na sequência, ela pegou uma toalha branca que estava dobrada numa cadeira ao lado, colocou no cabelo e em seguida vestiu um roupão igualmente branco.
Quando se virou, constatou que Mayuri a encarava e ruborizou. Sentiu o rosto queimando e sabia que ele havia percebido. Aquilo estava se tornando desnecessariamente constrangedor, afinal de contas Nemu estava acostumada a tirar a roupa na frente de Mayuri para ele examiná-la, operá-la ou até mesmo fazer experiências de resistência nos tecidos. Mas naquele dia as coisas estavam diferentes, Nemu estava diferente.
Ele viu o rubor na face dela e franziu as sobrancelhas. Felizmente nem Mayuri ficou totalmente imune ao constrangimento no ar e decidiu sair do banheiro. Mas ele havia reparado em tudo, no relógio, nos canudos, nos cubos de gelo derretendo na água gelada, e em Nemu completamente submersa na banheira. Reparou no fato dela não olhar para ele e reparou no constrangimento dela. Nemu sabia que ele sabia.
— Coloque as suas roupas íntimas e vá ao consultório, vou examiná-la — solicitou em tom baixo, porém categórico.
Nemu o obedeceu, mas temia o pior. Vestiu suas roupas íntimas brancas, foi até o consultório e sentou na maca. Ele era esperto demais e provavelmente descobriria que ela era uma tola com pensamentos impróprios.
— Quando você começou a sentir calor desse jeito? — Mayuri perguntou enquanto media a pressão dela.
— Hoje a tarde — respondeu Nemu, ainda sem ousar encará-lo.
— E foi hoje a primeira vez ou é algo recorrente?
— Tem sido recorrente nos últimos meses...
— Por que não me disse nada sobre isso? — perguntou enquanto ouvia os batimentos cardíacos de Nemu.
— Não queria incomodá-lo com trivialidades, Mayuri-Sama.
— Você tem tido algum outro sintoma além do calor excessivo?
Nemu ruborizou, ela sabia muito bem o que tinha, mas não teria coragem de dizê-lo em voz alta.
— Não, Mayuri-Sama — mentiu.
Quando Mayuri terminou de verificar os ouvidos de Nemu sua mão direita acabou esbarrando levemente no pescoço dela, causando-lhe um arrepio da cabeça aos pés.
Ele notou, mas não disse nada, apenas deu um longo suspiro seguido de um riso curto — desses que surgem quando nos damos conta de algo — e descartou as luvas que havia usado, indo cada um para o seu próprio quarto logo em seguida.
Naquela noite Nemu mal conseguiu dormir, temia que Mayuri soubesse exatamente o que havia com ela e temia que essas sensações não fossem embora logo.
Faltavam apenas quatro dias para terminar o tratamento de recuperação de memórias, muita coisa já estava começando a fazer sentido na mente de Nemu, mas as preocupações ainda estavam lá, e as dúvidas sobre até onde o relacionamento dela e Mayuri havia avançado em sua vida passada lhe tiravam o sono, sobretudo porque traziam de volta à tona seus desejos com mais força do que nunca.
— Vamos voltar para a loja, Nemu-Chan? — perguntou Ururu, com os lábios manchados de rosa por causa do sorvete.
— Vamos.
O sol já havia acabado de se por quando Nemu e Ururu caminharam de volta para a Urahara Shop. Nemu acreditava no fundo de seu coração que aquele havia sido um dia feliz.
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