Capítulo Catorze
Acordei com Daniel chamando meu nome. Resmunguei e me encolhi no banco.
- Katherine! - ele repetiu pela terceira vez.
- O que é, merda?! - sentei ereta, olhando para frente, a tempo de ver uma placa indicando que havíamos entrado em Nova Ibéria.
- Já chegamos. Quer parar em um hotel, para planejarmos o que fazer depois?
- Quero, sim - respondi.
- Você tem dinheiro?
- Nem um centavo na merda da minha mochila - resmunguei, irritada. Maravilha!
- Eu tenho um pouco, mas não dá pra dois quartos num hotel de luxo - ele disse. - Só para um.
- Então, hipnotizamos. Simples!
- Não, Katherine. O Caçador está na nossa cola, não podemos correr um risco desses. Ele deve ter espiões por todos os lugares. Como mais descobriria sobre você tão rápido?
- Digamos que eu não estava sendo discreta em Nova Orleans... - admiti, entrelaçando meus dedos uns nos outros.
- Ah, não! - ele exclamou, logo depois xingando. - Depois de todos os anos de vampira, você não cobriu seus rastros?
- Bem, digamos que eu não estava no meu juízo perfeito...
- Conversamos sobre isso depois - ele interrompeu.
- Tá, que se dane! - pronto, nosso momento de paz estava acabado!
- Vamos ter que dividir o quarto, a menos que você queira um hotel simples, sem hidromassagem - ele ri.
- Vamos para um quarto de luxo - respondi, de má vontade. - Prefiro uma hidromassagem a um banho de chuveiro.
- Tem ideia de onde quer parar? - sua expressão era divertida.
- La Quinta Inn & Suite New Iberia - respondi, prontamente. Esse hotel era simplesmente demais.
- O que? - ele se fez de bobo.
- Quer que eu repita? - olhei torto pra ele.
- Seria bom repetir para o GPS - ele faz graça.
- Primeiro: aquela vozinha do GPS me irrita. Segundo: eu sei onde fica.
- Tudo te irrita? - ele riu.
- Você me irrita - retruquei.
- Tudo bem, ok, já entendi. Onde fica esse La Quinta Não Sei O Que?
- A meia hora daqui - respondi. - Vai seguindo, que já te falou onde virar.
Ele piscou em resposta, e diminuiu um pouco a velocidade.
- Olha, Katherine, espero que você seja uma boa atriz - Daniel comentou, preocupado, ao virar na rua que indiquei.
- Por que? - relembrei que Jesse me dissera que eu era uma boa atriz. Mas Daniel não precisava saber disso.
- Porque precisamos ser o mais convincentes possível. Você vai fingir ser minha namorada. Para todos, nós somos um casal jovem e apaixonado.
- Minhas habilidades tem limites - retruquei, engasgando com a risada que tentei conter. Eu, apaixonada, por ele? Como eu fingiria uma coisa dessas?
- Você só tem que sorrir para mim, e deixar eu te abraçar. Pode até me dar a mão, para ser mais real. Consegue fazer isso, ou me odeia tanto assim?
- Acho que consigo fazer. Mas se encostar essa sua boca em mim, juro que te mato ali mesmo, não importa quem estiver olhando.
- Uau! Não sabia que me odiava tanto assim!
- Você não faz ideia... - murmurei. - Ali! Vira ali! - apontei para a construção do hotel.
Deviam ser umas duas horas da manhã, pois não havia muita gente do lado de fora, e nem todas as luzes estavam ligadas. Daniel estacionou o carro na entrada e disse que ia perguntar se tinha vaga. Observo o local enquanto espero. Era mais uma casa grande que um prédio, o hotel, e tinha uns três andares. Era amarelo, e árvores de pequeno porte decoravam a entrada.
- Vamos, Kath - Daniel abriu a porta do meu lado, e fechou-a assim que saí, a mochila nas costas. - Cuidado, tem uma bruxa lá dentro.
- O que?! - travei no meio da caminhada.
- Ela trabalha ali na recepção. Descobriu sobre mim assim que entrei. Vai saber de você. Falei que estou com minha namorada, então é melhor sua atuação ser convincente.
- Ok... - eu não sabia se estava mais nervosa por ter uma bruxa ali dentro, ou por talvez ter que ficar agarrada em Daniel na entrada. O que era pior?
Ele passou o braço pela minha cintura e me puxou para perto dele. Respiro fundo, e logo depois entramos no hotel.
O local era como eu me lembrava: amplo, com sofás e mesinhas de centro posicionadas de poucos em poucos metros. Dois elevadores, um ao lado do outro. A mesa da recepção era grande, e as moças conversavam entre si, atrás dela.
Em meio a todas, encontrei a bruxa com certa facilidade. A energia que emanava dela era poderosa. Seus olhos encontram os meus, e ali, vi desconfiança. Ela não confiava em mim. Apenas pelo seu olhar, eu podia dizer isso.
Começando minha atuação, me aninhei mais perto de Daniel, enterrando o rosto na sua clavícula, e depois estremecendo com a dor que o movimento causava em meu abdômen. O que? Dor? Mas eu havia tirado a estaca! E por que só começou a doer agora? Tentei ignorar, e sorri contra o peito de Daniel.
- Os dois pombinhos vão querer um quarto com cama de casal? - a voz da bruxa era irônica, e mostrava que ela não acreditava na minha encenação. Já as outras garotas... bem, elas suspiravam e soltavam risinhos, coradas. Estava claro que falavam de Daniel. Eu nem precisava ouvir.
Daniel me olhou, nervoso. Ele sabia que eu não queria. Ah, não! Mas se não aceitássemos... bem, adeus disfarce.
- Sim, sim - eu disse, a contragosto, e mesmo assim abri um sorriso tímido.
- Quanto tempo? - agora, eu e Daniel já estávamos encostados no balcão da recepção. A bruxa sorria, triunfante, ao nos perguntar aquilo.
- Não sabemos... reserve agora por dois dias, e depois vemos o que vamos fazer.
- Tudo bem - a bruxa anotou algumas coisas em um caderninho, e depois nos entregou um cartão magnético, daqueles que você usa para abrir as portas dos quartos de grandes hotéis. - O quarto de vocês é no terceiro andar, número 301. Tem malas?
- Não, é só isso mesmo - Daniel me salvou de fazer uma careta. Todas minhas roupas decentes estavam na universidade.
- Se precisarem, é só apertam o zero no telefone, que atendemos por aqui. Divirtam-se - a outra sobrenatural sorriu, maliciosamente.
- Claro. Obrigada - Daniel me puxou em direção ao elevador, fazendo eu engolir o ar com certa dificuldade, pois meu abdômen me impedia de até isso fazer direito, e beijou meu cabelo antes de entramos. Um calafrio percorreu todo meu quarto, fazendo com que eu ficasse rígida em seus braços. - Só mais um minuto, Kath. Tem uma câmera. - Ele avisou, e tentei relaxar.
Já estávamos pelo segundo andar... terceiro... a porta finalmente se abriu, e disparei para fora, quase tropeçado e caindo de joelhos, graças a pontada que aguda que se abateu sobre minha barriga, sendo seguida por Daniel. Se não fosse por ele, que fingia correr atrás de mim, sorrindo e rindo, nosso disfarce teria ido por água a baixo.
O cartão estava com ele, então esperei que ele abrisse a porta. Eu batia o pé, impaciente.
- Calminha, princesa - ele fez um sinal, e vi que atrás dele, vinham duas mulheres.
- Estou ansiosa, vamos logo! - tentei dar alegria à minha voz, mas ela continuava saindo séria, sem vontade alguma.
Daniel abriu a porta, e entrei no quarto com rapidez, me enfiando no banheiro, para não ter que encarar seu rosto depois daquilo. E também para ver o que incomodava minha barriga. O lugar era grande, até, e o melhor: tinha uma banheira enorme. Sorri diante de minha situação.
Esquecendo-me de trancar a porta, liguei a torneira para encher a banheira. Despindo-me, entrei na água quente - até demais. O que diabos é agora? O Caçador não está aqui, então por que não consigo controlar a droga da minha própria temperatura?
Só então percebi que a resposta estava à alguns metros de mim, separada por uma porta. O Que Daniel tem a ver com isso? Penso no calafrio que ele me causara ao beijar meus cabelos...
Não, não tem nada a ver. Ele só me causou isso, porque é um garoto, e eu sou uma garota. Sexos opostos. É isso. Só pode ser.
Mas no fundo, eu sabia que não era isso. Então, o que seria? Deve ser a falta de alimento direto da fonte. Colocando isso na cabeça, afundei na banheira até estar completamente submersa. Senti a maquiagem sair do meu rosto, e quando abri os olhos sob a água, vi que a base deixava um brilho nela. E o rímel deixava-a acinzentada.
Esfreguei o rosto até não ter mais um único vestígio de maquiagem nele. Depois, lavei o cabelo, deixando o shampoo limpar qualquer vestígio de sangue que nele tivesse ficado. A água ficou vermelha, e percebi que não sabia que meu cabelo estava tão ensanguentado assim.
Passei os dedos sobre onde, antes, havia uma ferida feita à madeira. Não havia nenhuma saliência, nada que indicasse alguma lasca dentro de mim. Então, por que doía?
- Katherine? - a voz de Daniel interrompeu meus pensamentos. E suas batidas insistentes na porta, também.
- O que é? - gritei.
- Posso entrar?
- Você tem merda na cabeça, ou o que? - sério! Como ele conseguia perguntar uma coisa dessas?
- Achei um rastreador nas minhas roupas, tenho que ver se as suas também tem algum.
- Não dá pra esperar? - então era isso que incomodava meu abdômen? Será que quando a estaca entrara, colocara um rastreador em mim?
- Não, não dá.
- Espera um segundo - pedi, e saí da banheira de água vermelha, pegando uma toalha e me enrolando. Outra pontada de dor na barriga, e dessa vez, gemi.
Daniel entrou no banheiro no momento em que caí de joelhos, curvada. Meus cabelos cobriam a visão que eu poderia ter dele.
- Katherine? O que foi? Está sentindo dor? Katherine! - ele se ajoelhou ao meu lado, e ergueu meu queixo.
Estremeci, tossindo. O que era aquilo que me fazia sentir tamanha dor? Por que eu não me curava?
Daniel me pegou no colo, e dessa vez, não tentei me debater. Eu não conseguiria andar, mesmo que quisesse. O que quer que estivesse dentro de mim, parecia corroer meus órgãos.
O vampiro mais velho me deitou na cama de casal, tamanho king size.
- Katherine? - ele chamou. - O que está acontecendo?
- Meu... abdômen... - gemi.
- O que tem? - ele tentava, desesperadamente, descobrir o que havia de errado comigo.
- Alguma coi...sa... - outro acesso de tosse, mas dessa vez, com sangue. A toalha branca que eu usava para me cobrir, agora estava vermelha.
- Vou precisar ver - seu rosto mostrava desconforto só de falar. Se fosse humano, estaria vermelho. - Ok?
Sinceramente, a ideia de ele me ver nua, me deixava aterrorizada. Mas... não tanto quanto a ideia de morrer nas mãos do Original. Seria uma humilhação...
- Ok - eu disse, tentando respirar fundo.
E então... adeus toalha. Pelo menos, na parte de cima do meu corpo pálido.
- Isso vai doer um pouco - ele avisou, e depois, sua mão entrou em minha barriga. Contive um arquejo.
Eu podia sentir seus dedos revirando minha carne, em busca de uma lasca, ou de qualquer coisa fora do normal.
- Ai! - ele gritou. Olhei interrogativamente para ele. - Tem... alguma coisa que queima. Não é madeira... é um metal, ou algo assim.
- O que? - gemi.
- É algum tipo de metal... - ele repetiu.
- Dane-se metal ou não! Só tire! - implorei. E então, eu disse algo que surpreendeu até a mim: - por favor!
- Calma, calma - ele enterrou a mão mais fundo. Sinto-a se fechar em punho dentro de mim. - Peguei. Ai.
Ele tirou a mão, e respirei, tentando me acalmar.
- Pronto, já tirei. Pronto. Shhh - sua mão limpa veio até minha testa. - Já vai cicatrizar...
- Quer merda é essa que ele enfiou dentro de mim? - tentei me erguer, mas a ferida ainda não havia cicatrizado. Por que? Normalmente, já estaria totalmente curado...
- Acho que algum tipo de metal... - eu o ouvia falando, mas não o via. Ele já havia se enfiado no banheiro, lavando as mãos, para se livrar, principalmente, daquilo que nos fazia sentir dor. Esse metal, como ele achava. - Pelo cor, deve ser prata, ou algo assim. Mas não entendo porque nos fere... ainda mais a você! Cata... Katherine, você é praticamente indestrutível!
- Pelo visto, não mais - respondi, rouca e amarga.
- Esse metal deve ter algum encantamento, sei lá. O Caçador tem bruxas como aliadas, não é?
- É - peguei a toalha, e me cobri, tremendo. Agora, estava explicado o porquê de eu não conseguir controlar minha temperatura. Mas aquilo já estava fora do meu corpo...
- Mais tarde - Daniel apareceu na minha frente, segurando um cobertor grosso entro os braços. - Vamos discutir o que fazer. Por agora, você apenas vai descansar. - Ele me cobriu, e suspirei de prazer. Se eu não conseguia controlar minha temperatura, algo tinha que fazer isso por mim.
- Como sabia desse metal? - perguntei, e ele sentou ao meu lado.
- Já fui atingido por uma bala desse material. Mas faz séculos!
- Pelo visto, nosso Caçador sabe do truque - retruquei, com raiva. - Eu o odeio.
- Eu sei, Kath. Eu sei. Agora, descanse.
- Ok... - fechei os olhos, meu corpo tremendo levemente. Senti a mão de Daniel em minha barriga, e a partir dali, um calor muito bom começou a se espalhar por mim. - O que é isso?
- Uma vantagem de ser quatrocentos anos mais velho que você. - Ele riu, baixinho.
- Quero aprender - eu disse, antes de bocejar. - Ah, não, isso não vale!
- Vale, sim - ele sussurrou. Ele estava me fazendo dormir com um truque muito velho. Esse calor que ele emanava, produzia uma sonolência muito forte. Mas eu não estava com vontade de contestar. - Durma.
Mexi a cabeça em concordância, e bocejei mais uma vez, antes de não ouvir mais nada.
Mas antes, senti ele roçar seus lábios de leve em minha testa. Depois, adormeci, ainda com o calor dele me aconchegando.
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